Intervenção de Terceiros que altera competência é atacável por Agravo de Instrumento

Artigos


Desde que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou em sede de recursos repetitivos o tema 988, que tratou da taxatividade ou não do rol de possibilidades do cabimento do recurso de Agravo de Instrumento, várias foram as discussões acerca do tema que desaguaram naquela corte.

Devemos lembrar que o novo Código de Processo Civil tem apenas três anos de vigência, o que se reveste ainda em um terreno fértil para discussões e assentamento da jurisprudência. Por sua relevância para os operadores do direito, em especial aos que militam no Contencioso Cível, o tema deve ser revisitado sempre que houver importante decisão quanto ao cabimento do recurso em questão.

E, uma vez que seu cabimento não está limitado pela Lei, demandará sempre um estudo sobre o caso concreto, aperfeiçoando não só a jurisprudência, mas também a doutrina acerca do Agravo de Instrumento.

Lembramos que as possibilidades de Agravo de Instrumento em face de decisões interlocutórias encontram-se relacionadas no rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil[1]. E, como já tivemos a possibilidade de analisar aqui, a taxatividade do rol contido no artigo acima citado foi mitigada por força do julgamento, em sede de Recursos Repetitivos por parte do Superior Tribunal de Justiça, do tema 988, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi[2].

Entretanto, devemos advertir que a decisão proferida no Tema acima não considerou toda e qualquer decisão atacável pelo recurso de Agravo de Instrumento, pelo que não constitui uma carta branca aos operadores para lançarem mão do recurso sempre que não concordarem com determinada decisão interlocutória. Basta ver o teor de decisões do próprio STJ sobre o tema, em especial da própria Ministra Nancy Andrighi, para se constatar que o cabimento do referido recurso na fase de conhecimento ainda continua restrita.

E o caso específico tratado neste artigo dá esta exata dimensão.

Como já escrevemos aqui anteriormente, buscou-se com a inserção do rol de possibilidades do cabimento do Agravo de Instrumento um dinamismo maior ao processo, em especial à fase de conhecimento, permitindo que decisões interlocutórias ao longo da fase de conhecimento pudessem ser atacadas através de preliminares do Recurso de Apelação e até mesmo de suas contrarrazões.

A questão sob exame demanda a análise de duas situações dentro de uma única decisão: a intervenção de terceiros e a modificação da competência.

Na forma dos incisos do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, é expresso o cabimento do recurso de Agravo de Instrumento quanto a admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros. Entretanto, quanto à competência, não se vislumbra menção expressa no rol contido no artigo anteriormente citado.

Desta forma, o Tribunal de Justiça do Paraná entendeu por não ser cabível o Agravo de Instrumento ao admitir a intervenção da Caixa Econômica Federal em processo com diversos autores, mas apenas quanto a três deles e, por tal motivo, desmembrar a demanda e enviar os processos destes três autores para a Justiça Federal. Inconformada, a Ré recorreu salientando que a intervenção deveria se dar em relação a todos os autores e que, por tal motivo, todo o processo deveria ser enviado para julgamento pela Justiça Federal. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entendeu incabível o Agravo de Instrumento no que tange ao declínio de competência, ante a ausência de previsão no rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.

Ao analisar a questão através do Recurso Especial de nº 1.797.991, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu cabível o recurso de Agravo de Instrumento na situação acima descrita.

A Ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial, salientou que a questão posta à discussão “possui natureza complexa, pois reúne, na mesma decisão judicial, dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos estanques”.

Prosseguiu a Ministra Relatora em seu voto que “… a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, sobretudo porque, na hipótese, somente se pode cogitar uma alteração de competência do órgão julgador se – e apenas se – houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação.

Por fim, concluiu a Ministra que “a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado – se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no artigo 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal; se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no artigo 109, I, da Constituição Federal, haverá manutenção da competência na Justiça estadual.”

Entendemos correta a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. Não há dúvidas quanto à recorribilidade, de imediato, da questão ligada à intervenção de terceiros. No caso em comento, o recurso não rebatia apenas a questão da competência – o que, em determinadas situações, ao nosso sentir, poderia até permitir o cabimento do recurso – mas, principalmente, o interesse do Réu em ver a intervenção da CEF nos pedidos formulados por todos os autores da ação, sendo este o ponto principal e do qual derivam todos os demais pontos da decisão agravada.

 


[1]Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I – tutelas provisórias;

II – mérito do processo;

III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI – exibição ou posse de documento ou coisa;

VII – exclusão de litisconsorte;

VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;

XII – (VETADO);

XIII – outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

[2]“o rol do artigo 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.


Impedimento do consumidor ir a juízo se voluntariamente aderiu a cláusula de arbitragem

Artigos


Muito se discute no meio jurídico sobre a validade das cláusulas arbitrais inseridas nos contratos que regulam relações de consumo, mais ainda quando se trata de contratos de adesão.

Sabemos da necessária proteção e defesa, inclusive prevista constitucionalmente[1], do consumidor e sua presumida hipossuficiência[2] econômica e técnica em relação aos prestadores de produtos e serviços, materializada em diversos artigos do Código de Defesa do Consumidor.

Talvez a mais importante delas consista na interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor, prevista expressamente no artigo 47 da Lei Federal 8.078/90, que assim versa:

“Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, o artigo anterior (46) expressamente desobriga o consumidor das cláusulas contratuais das quais não foi oportunizado conhecer do seu conteúdo, ou se de difícil compreensão, nos seguintes termos:

“Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”

Durante muitos anos, viu-se quaisquer formas de solução alterativas de conflitos como procedimentos que dificultavam a defesa dos direitos do consumidor, sendo o único caminho a judicialização dos conflitos entre consumidores e fornecedores.

Assim – e, particularmente neste artigo, trataremos desta modalidade alternativa de solução de conflitos – a cláusula arbitral nos contratos de consumo foi tratada como cláusula nula, pois colocaria o consumidor em desvantagem excessiva em relação ao fornecedor em todas as situações em que estaria presente.

É bem verdade que nos contratos de adesão, em que o consumidor pouco ou nada pode opinar quanto às condições colocadas, mas tão somente optar por celebrar o contrato ou não, a incidência da nulidade tende a ser muito maior ante a imposição que ele representa.

E, na prática, era o que víamos em demandas que versavam sobre contratos que possuíam a cláusula compromissória arbitral. Invariavelmente, os pedidos formulados já continham a nulidade da cláusula arbitral simplesmente porque, no entendimento ali manifestado, já se trataria de condição abusiva a ensejar a impossibilidade da defesa dos direitos do consumidor.

Entretanto, não se pode, apenas pelo fato de existir a cláusula que prevê a solução de conflitos oriundos do contrato pela via da arbitragem, peremptoriamente taxá-la de abusiva, ilegal e nula de pleno direito, se dela conheceu e concordou o consumidor quando da assinatura do contrato.

Mais ainda: quando o consumidor aceita e participa do início do procedimento arbitral, aduzindo sua nulidade em processo judicial após estes fatos, demonstrando mínima aquiescência à cláusula compromissória de arbitragem.

Partindo desta premissa, a questão chegou até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) através do Recurso Especial nº 1.742.547, cuja relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi.

O caso em comento versava sobre demanda extinta sem resolução do mérito, na forma do inciso VII do artigo 485 do Código de Processo Civil[3], sendo esta mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG).

No Recurso Especial, que manteve as decisões anteriores, alegava-se a nulidade da cláusula compromissória por se tratar, no caso, de um contrato de adesão.

Em seu voto, a Ministra Nancy Andrighi destacou que “na hipótese dos autos, percebe-se claramente que os recorrentes aceitaram sua participação no procedimento arbitral, com a assinatura posterior do termo de compromisso arbitral, fazendo-se representarem com advogados de alta qualidade perante à câmara de arbitragem”.

Prosseguiu a Ministra aduzindo que “em vista da celebração de termo compromissório posterior ao contrato de compra e venda e, além disso, participaram ativamente do procedimento arbitral. Os supostos fatos novos deduzidos pela recorrente no curso da arbitragem não permitem que se afaste a jurisdição arbitral sobre a resolução do litígio instaurado entre as partes.”

Não se pode, portanto, ter como abusiva e ilegal, e consequente nula “de pleno direito”, a simples existência de cláusula compromissória arbitral. É necessário que se demonstre a efetiva imposição por parte do fornecedor nos contratos de consumo para que sejam então declaradas nulas.

 


[1] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

V – defesa do consumidor;

[2] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

[3]Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência;


Imunidade Tributária não é estendida a ocupante de imóvel público

Artigos


A Imunidade Tributária consiste em uma vedação legal à cobrança de e tributos sobre o contribuinte. Nas palavras do professor Amílcar Falcão, a imunidade tributária “é uma forma qualificada ou especial de não incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas pelo estatuto supremo[1].”

A Constituição Federal traz em seu artigo 150, VI[2], as hipóteses de imunidade tributária. São elas:

  1. a) Imunidade recíproca às pessoas políticas (União, Estados, DF e Municípios);
  2. b) Imunidade do patrimôniorendaserviçosdas autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
  3. c) Imunidade do patrimônio, da renda e dos serviços dos templos de qualquer culto;
  4. d) Imunidade dos partidos políticos, sindicatos dos empregados, instituições assistenciais e educacionais sem fins lucrativos;
  5. e) Imunidade dos jornais, livros, periódicos e o papel destinado à sua impressão.
  6. f) Imunidade de fonogramas e videogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras de artistas brasileiros.

Neste artigo, nos ateremos apenas quanto à hipótese ventilada na alínea “a” do inciso VI do artigo 150 da Constituição, e sua aplicação em um caso concreto recentemente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça.

A hipótese versa sobre uma concessionária de serviços público que ocupa prédio pertencente à Marinha do Brasil, portanto, à União, e sobre a obrigatoriedade ou não ao pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano por parte dela.

Em sua tese, a concessionária alegou que não é a responsável pelo pagamento do tributo de imóvel pertencente à União Federal, o qual ocupa, mais ainda por não ser a proprietária do terreno e ainda o imóvel gozar da imunidade na forma do artigo 150, VI,a, da Constituição Federal.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu pertinentes os argumentos acima, entendendo que a posse da concessionária se dava sem animus domini, pelo que haveria a inocorrência do fato gerador do imposto.

O Recurso Especial da Municipalidade titular do imposto em questão foi inadmitido na origem, provocando a interposição do respectivo Agravo ao Superior Tribunal de Justiça.

O referido Recurso de Agravo foi autuado sob o nº 853.350, e a relatoria coube ao Ministro Napoleão Nunes Maia, que monocraticamente o proveu, entendendo que a matéria encontra-se pacificada em âmbito de Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o julgamento do Recurso Extraordinário nº 601.720/RJ.

Inconformada, a concessionária interpôs Agravo Interno, o qual foi desprovido pelo colegiado da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Em seu voto, o Ministro Napoleão Nunes Maia novamente fez referência ao julgado paradigma do Supremo Tribunal Federal, aduzindo que “O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 601.720/RJ, sob o regime da repercussão geral, ao apreciar o Tema 437 – reconhecimento de imunidade tributária recíproca à empresa privada ocupante de bem público -, assentou a tese de que incide o IPTU considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido à pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo.”

Lançando apenas tal argumento, o Ministro Relator concluiu que “impõe-se reconhecer que o acórdão recorrido não se encontra em sintonia com a novel orientação do Supremo Tribunal Federal, devendo ser mantida a decisão que deu provimento ao Apelo Nobre do Município.”

Apesar de simples, importante destacar que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, antes favorável à tese advogada pela concessionária, curvou-se ao entendimento (com repercussão geral) manifestado pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento ocorrido ano passado, no processo já citado acima.

Para ilustração, o voto proferido naquele processo leva em conta a interpretação constitucional do § 3º do artigo 150 da Constituição[3], e guia seu entendimento no fato de haver, no uso do imóvel, a exploração de atividade econômica.

Neste mesmo voto, o Ministro Relator do Recurso Extraordinário aduziu que “uma vez verificada atividade econômica, nem mesmo as pessoas jurídicas de direito público gozam da imunidade, o que dizer quanto às de direito privado.”

E, desta forma, acabou por colocar uma pá-de-cal sobre a controvérsia, afastando talvez o aspecto mais importante do fato gerador do imposto em referência: a propriedade do imóvel urbano.

Todas as decisões acerca do tema seguirão, invariavelmente, o entendimento exposto acima, não cabendo mais discussões acerca da matéria.

 


[1] FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. São Paulo: RT, 1971, p. 64

[2] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI – instituir impostos sobre:                  (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

  1. a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
  2. b) templos de qualquer culto;
  3. c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
  4. d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
  5. e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.                  (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013)

[3] § 3º As vedações do inciso VI, “a”, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.


Ajuizamento da ação é o marco para a incidência de correção monetária em ação de ressarcimento em dobro de valores provenientes de cobrança indevida

Artigos


Um dos pontos que mais suscita dúvidas nas sentenças de mérito condenatórias e que envolvem valores é o termo inicial da correção monetária de incidentes sobre as verbas ali contidas.

A Lei, mais precisamente o Código Civil, determina que nas obrigações inadimplidas o devedor responde por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado[1].

É certo que a correção monetária representa a recomposição do valor da moeda tendo em vista a perda ocorrida em determinado período. E, como visto acima, sua incidência recorre de Lei, o que até mesmo dispensaria que constasse expressamente no dispositivo da sentença condenatória.

Entretanto, de acordo com a natureza da verba conferida na sentença, o termo inicial da correção monetária sofre alterações, podendo incidir desde o desembolso para ressarcimento de damos materiais, da data do efetivo prejuízo sobre dívida proveniente de ato ilícito na forma da Súmula 43[2] do Superior Tribunal de Justiça, ou ainda desde o julgado que fixar o valor dos danos morais, na forma da Súmula 362[3] do mesmo Tribunal Superior.

Frequentemente, vemos a necessidade do manejo de Embargos de Declaração para ver sanada a omissão quanto ao termo inicial da incidência da correção monetária, uma vez que acaba o tema passando por um critério interpretativo do juiz.

Uma das situações em que havia mais dúvidas quanto ao termo inicial de incidência da correção monetária dizia respeito à dobra contida no artigo 940 do Código Civil. Eis sua redação:

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

A questão foi recentemente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça através do Recurso Especial nº 1.628.544, cuja relatoria coube à Exma. Ministra Nancy Andrighi.

No caso dos autos, uma empresa ajuizou ação monitória em face de um condomínio que, em sede de Embargos Monitórios, argumentou que, dentro do valor cobrado, havia valores já pagos, e pugnou o ressarcimento em dobro, na forma do artigo 940 do Código Civil, dos valores já pagos e cobrados indevidamente.

O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu pela aplicação da dobra legal, a partir do julgado que condenou ao pagamento da verba em referência. Tal entendimento motivou o manejo do Recurso Especial pelo Condomínio, que entendia que a incidência da correção monetária a partir do julgado em verdade premiaria o ilícito cometido.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, e seguindo o voto da Ministra Relatora, deu parcial provimento ao Recurso Especial, por entender que o termo inicial da correção monetária deveria ser, no caso em referência, o ajuizamento da ação monitória.

Na forma do voto da Ministra Nancy Andrighi, “se a recomposição monetária tem por objetivo exatamente a recomposição no tempo do valor da moeda em que se expressa determinada obrigação pecuniária, deve-se reconhecer que o termo inicial de sua incidência deve ser a data em que indevidamente cobrado tal valor – que deve ser ressarcido em dobro –, ou seja, a data de ajuizamento da ação monitória”.

Ressaltou a Relatora que, ainda que a condenação a dobra só tenha ocorrido em segunda instância através do julgamento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, na verdade, a cobrança indevida nasce com o ajuizamento da ação monitória, naquilo que foi objeto de indenização.

Por fim, concluiu a Ministra Relatora que “é por este motivo que a atualização monetária remonta à data em que se deu o ajuizamento da ação monitória, já que o valor, à época em que cobrado indevidamente – e que deverá ser restituído ao condomínio –, é que deve submeter-se à correção monetária.”

Há que se observar com cautela o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.

No caso em comento, o ato de cobrança indevida, consubstanciada no ajuizamento de Ação Monitória, não acarretou o pagamento ou, mais especificamente, o efetivo desembolso imediato de quantia cobrada indevida por parte do Embargante. Se este não precisou dispor do valor para apenas recuperá-lo com a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, não experimentou a perda do valor da moeda e a necessidade de sua recomposição.

E tal afirmativa se faz com base no artigo 702 do Código de Processo Civil, em que é expressamente dispensada a segurança do juízo para a oposição dos Embargos Monitórios[4].

Assim, entendemos que a correção monetária, neste caso, poderia ter seu termo inicial quando da constituição do direito à dobra contida no artigo 940 do Código Civil.


[1] Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

[2] Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.

[3] A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.

[4] Art. 702. Independentemente de prévia segurança do juízo, o réu poderá opor, nos próprios autos, no prazo previsto no art. 701 , embargos à ação monitória.


Créditos não tributários podem ter a exigibilidade suspensa por fiança bancária e seguro-garantia

Artigos


A Lei Federal nº 11.382/2006 inseriu, no âmbito da Lei Processual vigente à época[1], a possibilidade de o devedor, no ato da penhora, pedir a sua substituição por fiança bancária dada por instituição financeira idônea, assim como por seguro-garantia igualmente emitido por companhia de seguros sólida e conhecida.

Com essa adição, os valores e demais bens penhorados nos autos dos processos judiciais que se encontravam regidos pela Lei Processual Geral podiam ser liberados mediante a apresentação, em substituição, da fiança bancária ou seguro-garantia, o que representava um grande ganho para o devedor, que teria seus bens liberados.

No âmbito do procedimento executivo fiscal, a fiança bancária e o seguro-garantia, após vários julgados permitirem, por analogia, as garantias acima citadas, finalmente a Lei Federal nº 13.043/2014 inseriu no rol das garantias possíveis de serem prestadas pelo executado o seguro-garantia e a fiança bancária, inserindo o segundo no inciso II do artigo 9º[2].

Entretanto, conforme entendimento consolidado manifestado no artigo 151 do Código Tributário Nacional[3], apenas o depósito em dinheiro é capaz de suspender a exigibilidade do crédito tributário. E, com o entendimento de que as multas administrativas e demais créditos administrativos cobrados através de procedimento executivo fiscal obedeceria, em tese, os mesmos preceitos para sua suspensão de exigibilidade, não sendo possível o oferecimento de fiança bancária ou seguro-garantia para esta finalidade.

Com o entendimento manifestado acima, uma agência reguladora ingressou com Recurso Especial para reverter acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em que defendia, justamente na tese exposta acima, a impossibilidade de suspensão do crédito não tributário por meio de seguro-garantia ou fiança bancária.

O Recurso Especial foi distribuído sob o nº 1.381.254, em que a relatoria coube ao Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, da Primeira Turma.

No entendimento do Relator, é cabível a suspensão da exigibilidade do crédito não tributário mediante apresentação de fiança bancária ou de seguro-garantia, desde que em valor igual e não inferior ao débito, acrescido dos 30% que determina a Lei Processual.

Em seu voto, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho declarou que o entendimento manifestado na súmula de nº 112 não se estende aos créditos não tributários, e que estes não encontram previsão legal para a suspensão de sua exigibilidade, sendo possível aplicar, por analogia, o artigo 848 do Código de Processo Civil[4].

Nesse sentido, concluiu o Ministro que “tornou-se claro que o dinheiro, a fiança bancária, bem como o seguro-garantia são equiparados para os fins de substituição da penhora ou mesmo para a garantia do valor da dívida ativa, seja ela tributária ou não tributária, sob a ótica absolutamente alinhada do parágrafo 2º do artigo 835 do Código Fux, combinado com o inciso II e parágrafo 3º do artigo 9º da Lei 6.830/1980, alterado pela Lei 13.043/2014”.

Nota-se, pois, a correção do entendimento manifestado no voto do Ministro Relator, uma vez que esta medida garante de maneira efetiva a cobrança do crédito por parte da fazenda Pública e não impede a regular atividade do executado, seja porque terá suas certidões expedidas com efeitos de negativa, assim como possibilita a ele não imobilizar dinheiro para a discussão dos seus débitos.


[1] Art. 656.  A parte poderá requerer a substituição da penhora:         (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

I – se não obedecer à ordem legal;         (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

II – se não incidir sobre os bens designados em lei, contrato ou ato judicial para o pagamento;         (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

III – se, havendo bens no foro da execução, outros houverem sido penhorados;         (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

IV – se, havendo bens livres, a penhora houver recaído sobre bens já penhorados ou objeto de gravame;         (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

V – se incidir sobre bens de baixa liquidez;         (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

VI – se fracassar a tentativa de alienação judicial do bem; ou            (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

VII – se o devedor não indicar o valor dos bens ou omitir qualquer das indicações a que se referem os incisos I a IV do parágrafo único do art. 668 desta Lei.         (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).

  • 1o É dever do executado (art. 600), no prazo fixado pelo juiz, indicar onde se encontram os bens sujeitos à execução, exibir a prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus, bem como abster-se de qualquer atitude que dificulte ou embarace a realização da penhora (art. 14, parágrafo único).         (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
  • 2o A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, mais 30% (trinta por cento).         (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
  • 3o O executado somente poderá oferecer bem imóvel em substituição caso o requeira com a expressa anuência do cônjuge.         (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).

 

[2] Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:

I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;

II – oferecer fiança bancária;

II – oferecer fiança bancária ou seguro garantia;                   (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)

III – nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou

IV – indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.

  • 1º – O executado só poderá indicar e o terceiro oferecer bem imóvel à penhora com o consentimento expresso do respectivo cônjuge.
  • 2º – Juntar-se-á aos autos a prova do depósito, da fiança bancária ou da penhora dos bens do executado ou de terceiros.
  • 2oJuntar-se-á aos autos a prova do depósito, da fiança bancária, do seguro garantia ou da penhora dos bens do executado ou de terceiros.                    (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
  • 3º – A garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro ou fiança bancária, produz os mesmos efeitos da penhora.
  • 3oA garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, produz os mesmos efeitos da penhora.                     (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
  • 4º – Somente o depósito em dinheiro, na forma do artigo 32, faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora.
  • 5º – A fiança bancária prevista no inciso II obedecerá às condições pré-estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
  • 6º – O executado poderá pagar parcela da dívida, que julgar incontroversa, e garantir a execução do saldo devedor.

 

[3]  Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

  I – moratória;

 II – o depósito do seu montante integral;

  III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

  IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.

  V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;            (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)    

  VI – o parcelamento.               (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)  

  Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.

  

SEÇÃO II

[4] Art. 848. As partes poderão requerer a substituição da penhora se:

I – ela não obedecer à ordem legal;

II – ela não incidir sobre os bens designados em lei, contrato ou ato judicial para o pagamento;

III – havendo bens no foro da execução, outros tiverem sido penhorados;

IV – havendo bens livres, ela tiver recaído sobre bens já penhorados ou objeto de gravame;

V – ela incidir sobre bens de baixa liquidez;

VI – fracassar a tentativa de alienação judicial do bem; ou

VII – o executado não indicar o valor dos bens ou omitir qualquer das indicações previstas em lei.

Parágrafo único. A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou por seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.

 


A possibilidade de interposição de agravo de instrumento em face de decisões proferidas após fase de conhecimento

Artigos


Mais uma vez, nos deparamos com situação em que se analisa a possibilidade de Agravo de Instrumento em face de decisões interlocutórias que não aquelas relacionadas no rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil[1].

É bem verdade que, como já tivemos a possibilidade de analisar, a taxatividade do rol contido no artigo acima citado foi mitigada por força do julgamento, em sede de Recursos Repetitivos por parte do Superior Tribunal de Justiça, do tema 988, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi[2].

Vê-se no rol contido no artigo 1.015 do Código de Processo Civil que, de acordo com sua sistemática, o legislador quis dar dinamismo maior ao processo, permitindo que decisões interlocutórias ao longo da fase de conhecimento pudessem ser atacadas através do Recurso de Apelação, uma vez que não preclui o direito da parte em impugná-las até a interposição de eventual apelação e até mesmo em contrarrazões à apelação.

Entretanto, mostra-se impossível atacar determinadas decisões interlocutórias que são proferidas após a sentença da qual já se apelou ou mesmo já se ofereceu resposta ao recurso. E vejam: não se trata aqui de início da fase de cumprimento de sentença e execução, pois nesta há previsão expressa no parágrafo único do artigo 1.015 do Código de Processo Civil quanto ao cabimento de Agravo de Instrumento, o que dispensaria maiores dissertações sobre o tema.

Assim, nos parece correta a interpretação de que, em primeiro lugar, não se pode atestar a taxatividade do rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, corroborando entendimento já analisado em artigos publicados neste espaço. Mas também, em segundo lugar, que o legislador quis limitar o cabimento do Agravo de Instrumento em situações em que a parte poderia manifestar seu inconformismo através de outro recurso, qual seja, a apelação. Em outras fases (como assim o é expressamente nas hipóteses do parágrafo único do artigo 1.015, como citamos acima), é imperativo que se possibilite a parte fazer uso do recurso de Agravo de Instrumento para evitar situação grave e de difícil reparação que possa lhe trazer prejuízo.

E neste sentido manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça através do julgamento do Recurso Especial de nº 1.736.285 que, reformando decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, entendeu por não caber agravo de instrumento em fase recursal, uma vez que ainda não havia sido iniciada alguma das fases processuais contidas justamente nas hipóteses do parágrafo único do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.

A Ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial, salientou que “o art. 1.015, caput e incisos, do CPC/2015, aplica-se somente à fase de conhecimento, como, aliás, orienta o art. 1.009, §1º, do CPC/2015, que, ao tratar do regime de preclusões, limita o seu alcance apenas às questões resolvidas na fase de conhecimento”.

Igualmente, complementou a Ministra Relatora em seu voto que “é nítido que o parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015 excepciona a regra geral prevista no caput e nos incisos do referido dispositivo, ditando um novo regime para as fases subsequentes à cognição propriamente dita (liquidação e cumprimento de sentença), o processo executivo e, ainda, uma espécie de ação de conhecimento de procedimento especial, o inventário.”

Por fim, concluiu a Ministra que “A razão de ser da ampla e irrestrita recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas em fases subsequentes à cognitiva – liquidação e cumprimento de sentença –, no processo de execução e na ação de inventário deriva das seguintes circunstâncias: i) a maioria dessas fases ou processos não se findam por sentença e, consequentemente, não haverá a interposição de futura apelação; ii) as decisões interlocutórias proferidas nessas fases ou processos possuem aptidão para atingir, imediata e severamente, a esfera jurídica das partes, sendo absolutamente irrelevante investigar, nesse contexto, se o conteúdo da decisão interlocutória se amolda ou não às hipóteses previstas no caput e incisos do art. 1.015 do CPC/2015.”

Mais uma vez, operou com brilhantismo a Ministra Nancy Andrighi, seguida pelos demais ministros da Terceira turma do STJ, ao aplicar interpretação correta aos princípios que regem os dispositivos do Código de Processo Civil, possibilitando a defesa dos direitos das partes litigantes de forma ampla, a fim de conferir resultado justo ao processo.


[1] Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I – tutelas provisórias;

II – mérito do processo;

III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI – exibição ou posse de documento ou coisa;

VII – exclusão de litisconsorte;

VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;

XII – (VETADO);

XIII – outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

[2] “o rol do artigo 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”

 


Impossibilidade de retenção de Passaporte e Carteira Nacional de Habilitação como medidas constritivas em Execução Fiscal

Artigos


Por muito tempo, a solução judicial dos conflitos, em especial o adimplemento das obrigações impostas pelas sentenças e acórdãos, ficava adstrita às penas pecuniárias, salvo algumas exceções como, por exemplo, a ausência de pagamento de pensão alimentícia e, hoje já não sendo mais possível, a prisão civil do depositário infiel.

Entretanto, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, algumas alterações foram feitas no então vigente artigo 125[1] do CPC de 1973, que dispunha dos poderes, deveres e responsabilidade do Juiz condutor do processo, e possibilitaram ao juiz lançar mão de outras providências com a finalidade de efetivar o comando de suas decisões, inclusive nos processos que envolvam prestações pecuniárias.

Assim, o legislador processual dispôs no artigo 139 do Código de Processo Civil de 2015, em especial no inciso IV do referido artigo:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

I – assegurar às partes igualdade de tratamento;

II – velar pela duração razoável do processo;

III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;

IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;

VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;

VII – exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;

VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso;

IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;

X – quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 , e o art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 , para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.

Parágrafo único. A dilação de prazos prevista no inciso VI somente pode ser determinada antes de encerrado o prazo regular.

Desta forma, poderia o juiz, por exemplo, limitar um direito do devedor da prestação pecuniária até que efetivamente adimplida sua obrigação, direitos estes que poderiam ser, por exemplo, o de conduzir veículo automotor, determinando a retenção de sua Carteira Nacional de habilitação, ou mesmo a retenção de passaporte do devedor.

Tal penalidade vem sendo aplicada em casos julgados pelos tribunais por todo o país, merecendo inclusive apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça como, por exemplo, no julgamento do Recurso em Habeas Corpus de nº 99.606, em que a Terceira Turma entendeu ser possível a manutenção de decisão de retenção do passaporte do devedor que não coopera[2] com a solução do processo, deixando, de maneira infundada, de apontar meios para a satisfação da obrigação.

Entretanto, já tivemos oportunidade neste espaço, quando enfrentamos a questão referente ao redirecionamento da execução fiscal contra pessoa jurídica que não exigia o incidente de desconsideração previsto no Código de Processo Civil, de ver que a justificativa dada seria a sua aplicabilidade subsidiária aos termos da Lei Federal 6.830/80, aplicando-o naquilo que complementasse a lacuna da lei específica e não contrariasse a sua finalidade.

Também é verdade que a medida proposta exige uma total ausência de cooperação do devedor na solução do problema, igualmente respeitados os princípios de ampla defesa e contraditório, devendo ser aplicada quando as demais sanções são insuficientes para a plena solução do conflito.

Assim, com base nestes dois aspectos, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Habeas Corpus de nº 453.870, através de sua Primeira Turma, e concluiu que não cabem apreensão do passaporte e suspensão de Carteira Nacional de Habilitação em execução fiscal.

A relatoria coube ao Ministro Napoleão Nunes Maia, que em seu voto aduziu que, no caso concreto, há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná. Além disso, rendimentos de sócio majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda. – EPP também foram levados a bloqueio.”

Além disso, o Ministro relator asseverou que a execução fiscal já estava “razoavelmente assegurada”, e que, em sede de execução fiscal, “o poder público já possui de privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (artigo 16, parágrafo 1º, da Lei de Execução Fiscal), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental“.

O ministro concluiu no sentido de entender excessivas as “medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir” no âmbito da Execução Fiscal.

Deve-se elogiar o movimento do legislador processual ao instituir medidas atípicas voltadas a garantir a efetividade da satisfação dos créditos oriundos de obrigações. Entretanto, tais medidas, pela sua gravidade, devem ser utilizadas de maneira bastante criteriosa e, ainda, quando todas as demais se mostrarem infrutíferas e não tiver o executado/devedor contribuído para a solução do conflito.

Da mesma forma, quando há, pela própria peculiaridade procedimental, risco baixo quanto à inadimplência, tais medidas atípicas não se justificam, pois não serão essenciais para a solução da questão posta ao Poder Judiciário, servindo apenas para constranger o devedor, e não para a satisfação do crédito.


[1] Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

I – assegurar às partes igualdade de tratamento;

II – velar pela rápida solução do litígio;

III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;

IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.

 

[2] Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.

Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados

 


Cláusula Arbitral: Preferência do Tribunal arbitral ao Poder Judiciário para definir seu alcance

Artigos


O Brasil é um dos países em que mais se litiga judicialmente, estando em tramitação em nossos tribunais milhões de processos judiciais. Nossa cultura leva, invariavelmente, à solução das desavenças por meio do ajuizamento de uma ação judicial, fato este devido pela prática e desenvolvimento do processo civil ao longo dos anos.

A Arbitragem, um dos métodos de resolução de conflitos, recebeu sua regulamentação no ordenamento jurídico através da Lei Federal 9.307/96[1]. Antes disso, merece destaque a existência da figura do árbitro no Código Civil de 1916[2], quando este tratava do Pagamento Indevido e das formas de adimplemento e solução das demandas que dele advinham, na modalidade de Compromisso[3].

Em 2015, a Lei de Arbitragem passou por uma reforma instituída pela Lei Federal 13.129/2015, que coincide com o momento de publicação do Novo Código de Processo Civil (Lei Federal 13.105/2015), que trouxe inovações calcadas principalmente na cooperação entre os órgãos, como, por exemplo, as contidas no artigo 237, IV, da Lei de Ritos, que assim dispõe:

“Art. 237. Será expedida carta:

IV – arbitral, para que órgão do Poder Judiciário pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato objeto de pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral, inclusive os que importem efetivação de tutela provisória.”

Há, portanto, clara evolução do procedimento arbitral como forma de solução de conflitos, tendo sua instrumentalidade sido otimizada pela própria reforma processual, ganhando ainda mais autonomia e relevância.

Por tal motivo, e igualmente para que se entenda pela plena eficácia do procedimento arbitral e sua autonomia, quando se trata de definição da abrangência e alcance das cláusulas arbitrais, o árbitro deve ter precedência ao Poder Judiciário para fazê-lo. Esse, aliás, é o que determina o parágrafo único do artigo 8º da Lei Federal 9.307/96. Vejamos:

“Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.

Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

Com base na aplicação do artigo acima citado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) emanou entendimento de que o Tribunal Arbitral possui preferência lógico-temporal em relação ao Poder Judiciário para interpretação dos limites e do alcance do compromisso arbitral.

A questão aqui posta foi analisada pela Terceira Turma do STJ, através do julgamento do Recurso Especial de nº 1.656.643, cuja relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi.

No caso concreto, havia a insurgência de uma das partes quanto ao alcance da convenção arbitral, que não havia previsto ser aplicável para dirimir o ponto dito principal no processo judicial, de forma que não poderia ser retirada do Poder Judiciário a competência para dirimir a questão.

Em seu voto, destacou a ministra relatora que seria possível discutir se ‘prêmio’ seria o mesmo que ‘preço’ para a incidência ou não do compromisso. Contudo, o Tribunal de origem já interpretou essa cláusula e afirmou que existe uma dubiedade em sua redação, o que remete à necessidade do Tribunal Arbitral resolver as ambiguidades e fixar a extensão do compromisso”.

Ressaltou ainda a relatora que “a fixação do alcance da cláusula compromissória está incluída no princípio competência-competência, devendo ser conferida preferência lógico-temporal ao tribunal arbitral para a interpretação quanto aos legítimos limites do compromisso arbitral”.

Por fim, salientou a Ministra Nancy Andrighi que “o STJ admite afastar a regra da competência-competência apenas em situações muito extremas, em que sejam detectadas cláusulas ‘patológicas’”.

Nota-se que o Julgado em comento efetivou e priorizou a prevalência da competência do Juízo Arbitral para analisar e decidir pelo alcance e abrangência da interpretação da cláusula arbitral, o que contribui diretamente para a autonomia e validade do procedimento alternativo.

Lembra-se que a Arbitragem se reveste em um moderno e eficiente procedimento para a solução de conflitos, em que a participação das partes é ainda mais destacada em relação aos processos judiciais.

Salutar, portanto, o reconhecimento da autonomia e da competência do Juízo Arbitral para a fixação do alcance das cláusulas existentes na Arbitragem.


[1] Lei Federal 9.307, de 23 de setembro de 1996 – Dispões sobre a Arbitragem

[2] Título II – Capítulo II – Seção VII – Capítulo X – arts. 1.037 à 1.042

[3] Art. 1.037. As pessoas capazes de contratar poderão, em qualquer tempo, louvar-se, mediante compromisso escrito, em árbitros, que lhes resolvam as pendências judiciais, ou extrajudiciais.

 


Ampliação do colegiado é aplicável em Agravo que reforma decisão em crédito em recuperação judicial

Artigos


O Julgamento dos recursos pelas turmas e câmaras dos Tribunais sempre foi matéria de absoluta relevância dentro do processo civil.

Igualmente, a forma de se julgar os recursos pelos colegiados, e sempre pautados em princípios como o da Celeridade, Imparcialidade e Ampla Defesa, também mereceu atenção e ajustes ao longo do tempo.

Exemplificativamente, vê-se a evolução dos julgamentos não unânimes pelos colegiados das Câmaras e Turmas, que já mereceram inclusive recurso próprio – Embargos Infringentes. Estes, inclusive, sofreram ao longo do tempo alteração em seu cabimento, inicialmente cabível de qualquer dissidência em julgamento de apelação e, após, apenas da decisão não unânime que reformasse a sentença de mérito [1].

Mas o fato é que a divergência que ensejaria este novo recurso se dava apenas em sede de Recurso de Apelação, tendo em vista ser o recurso cabível em face da sentença de mérito.

Dentre várias mudanças trazidas na legislação processual, através da entrada em vigor do Novo Código Civil [2] foi a técnica de julgamento inserida no seu artigo 942, que assim dispõe:

Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

  • 1º Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.
  • 2º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.
  • 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:

I – ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;

II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

  • 4º Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:

I – do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;

II – da remessa necessária;

III – não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.

Dissecando o artigo acima transcrito, vê-se que, por regra, a técnica de julgamento ou ampliação do colegiado do órgão julgador aplica-se naqueles casos em que se julgar de maneira não unânime o recurso de apelação, o que guarda semelhança com a antiga sistemática no que tange aos Embargos Infringentes.

Entretanto, o Código de Processo Civil trouxe também como novidade a possibilidade de se resolver parcialmente o mérito através da prolação de decisão interlocutória pelo juiz de primeira instância, desafiando esta decisão, neste caso, não o recurso de apelação, mas sim o recurso de Agravo de Instrumento.

Inclusive, e de forma correta, o legislador processual inseriu expressamente no rol das hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento a decisão interlocutória que verse sobre o mérito do processo [3].

Voltando ao artigo 942 do Código de Processo Civil, descrito acima, e tendo em vista a possibilidade de uma decisão interlocutória decidir quanto ao mérito do processo, sendo atacada por Agravo de Instrumento em via recursal, coube ao legislador a preocupação de garantir, através da ampliação do colegiado, ainda que o recurso não fosse o de apelação, a técnica de julgamento para estes casos.

E é exatamente essa a hipótese do § 3º, II, do artigo 942 do CPC:

  • 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:

II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

E o tema analisado neste artigo versará exatamente sobre esta situação, em um caso concreto consubstanciado na ampliação do colegiado no julgamento de Agravo de Instrumento que reforma decisão sobre crédito em recuperação.

A hipótese é a de julgamento de Agravo de Instrumento por Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, ao analisar as razões recursais, entendeu por reformar decisão de primeiro grau relativa à impugnação de créditos em recuperação, mas não ampliou o colegiado para possibilitar, em tese, a reversão do entendimento emanado no julgamento.

A parte vencida interpôs então Recurso Especial, sendo o referido recurso autuado sob o nº 1.797.866, cuja relatoria coube ao Ministro Villas Bôas Cueva, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Em seu voto, o relator entendeu pela necessidade de ampliação do colegiado, e consequente aplicação do artigo 942 do Código de Processo Civil para o caso concreto. Justificou o Ministro relator que “a decisão que põe fim ao incidente de impugnação de crédito, pronunciando-se quanto à validade do título (crédito), seu valor e a sua classificação, é inegavelmente uma decisão de mérito”

Desta forma, e tendo em vista que a própria natureza da decisão impugnada é de sentença, por certo trataria de mérito, o que levaria à aplicação da regra do artigo 942 do Código de Processo Civil.

Por fim, concluiu o Ministro que “houve, portanto, pronunciamento quanto à validade do crédito e sua classificação, mérito da ação declaratória, e não sobre questão de índole processual”, anulando o acórdão e determinando que seja realizada nova sessão de julgamento, nos moldes previstos no artigo acima citado.

A decisão afigura-se inteiramente correta, pois é inegável que a decisão de existência ou não de crédito em recuperação fulmina eventual direito do credor e, também, do devedor quanto ao tema, sendo inegavelmente de mérito, podendo, assim, em caso de decisão não unânime, ser apreciada pelo colegiado estendido.


[1] Art. 530. Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.       (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

[2] Lei Federal n.º 13.105/2015

[3] Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

II – mérito do processo;

 


Constrição de bens de terceiro não constante do polo passivo de execução fiscal é possível em caso de fraude

Artigos


Como sabemos, o procedimento da execução fiscal, previsto na Lei Federal 6.830/80, dá à Fazenda Pública, entre outros aspectos, uma série de proteções e prerrogativas aos entes federativos titulares dos créditos tributários em juízo.

Tais proteções e prerrogativas são compreensíveis ante o manifesto interesse público na recuperação desses créditos tributários, necessários a custear os deveres do estado quanto às suas obrigações legais.

Como exemplo, em artigo anterior, tivemos a oportunidade de abordar a desnecessidade de incidente de desconsideração para redirecionamento da execução fiscal contra pessoa jurídica, em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do julgamento do Recurso Especial nº 1.783.311, entendeu pela desnecessidade de observância do incidente previsto no artigo 133 e seguintes do Código de Processo Civil (CPC) quando se está diante do procedimento executivo fiscal, regido pela Lei Federal 6.830/80.

Entre os procedimentos atinentes ao recebimento dos créditos fiscais por parte da Fazenda Pública, a Lei instituiu a Medida Cautelar Fiscal (Lei Federal 8.397/92 – Institui medida cautelar fiscal e dá outras providências), podendo esta ser requerida nos casos constantes do seu artigo 2º[1], como, exemplificativamente, quando o devedor aliena ou tenta alienar bens, podendo se tornar insolvente.

A pergunta, frente ao que consta acima, é: poderia a Medida Cautelar efetuar a constrição de bens de terceiro que não seja parte no executivo fiscal do qual a Cautelar é incidente?

A questão chegou ao STJ após o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ter limitado a medida de indisponibilidade de bens ao processo executivo fiscal e aos Executados ali indicados, não admitindo que a medida alcançasse pessoas que não integravam o polo passivo do executivo fiscal.

Coube ao Ministro Gurgel de Faria a relatoria do Recurso Especial nº 1.656.172.

Em seu voto, o Ministro Relator destacou que não há entrave jurídico na decretação da indisponibilidade de bens de terceiros não integrantes do executivo fiscal quando se trata de atos fraudulentos por eles praticados, podendo a Medida Cautelar Fiscal ser direcionada a estes terceiros.

Destacou o Ministro que “havendo prova da ocorrência de fraude por grupo de pessoas físicas e/ou jurídicas, como a criação de pessoas jurídicas fictícias para oportunizar a sonegação fiscal ou o esvaziamento patrimonial dos reais devedores, o juízo da execução pode redirecionar a execução fiscal às pessoas envolvidas”.

Concluiu o Ministro que “assim como acontece com as pessoas físicas, ocorrendo qualquer das hipóteses previstas no Código Tributário Nacional para responsabilização pessoal de terceiros (por exemplo, artigos 124134 e 135), a execução fiscal pode ser redirecionada ao responsável, ficando este, portanto, passível de alcance das medidas constritivas do processo executivo”.

Desta forma, a decisão proferida pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região foi parcialmente anulada pelo Superior Tribunal de Justiça, que determinou ao Tribunal Regional que analise novamente o pedido de indisponibilidade de bens quanto às demais pessoas indicadas na cautelar fiscal.

Entendemos correto o posicionamento adotado pelo STJ, ao passo que é preciso dar efetividade ao executivo fiscal no que tange à recuperação dos créditos tributários.

Entretanto, devemos ressaltar que a medida, tal como analisada acima, só é justificável em casos em que houver fraude e atos contrários à Lei, no intuito de esvaziamento patrimonial dos devedores, devidamente comprovados, e conferindo a todos a ampla defesa e o contraditório no devido processo legal.


[1]Art. 2º A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor:                   (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)    (Produção de efeito)

I – sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou deixa de pagar a obrigação no prazo fixado;

II – tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, visando a elidir o adimplemento da obrigação;

III – caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr seus bens em nome de terceiros ou comete qualquer outro ato tendente a frustrar a execução judicial da Dívida Ativa;

III – caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens;              (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)    (Produção de efeito)

        IV – notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal vencido, deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se garantida a instância em processo administrativo ou judicial;

IV – contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu patrimônio;                (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)    (Produção de efeito)

        V – possuindo bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembaraçados, de valor igual ou superior à pretensão da Fazenda Pública.

V – notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal:                  (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)    (Produção de efeito)

  1. a) deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade;                       (Incluída pela Lei nº 9.532, de 1997)(Produção de efeito)
  2. b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros;                    (Incluída pela Lei nº 9.532, de 1997)(Produção de efeito)

VI – possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultrapassem trinta por cento do seu patrimônio conhecido;                      (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)    (Produção de efeito)

VII – aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei;                     (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)    (Produção de efeito)

VIII – tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo órgão fazendário;                     (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)    (Produção de efeito)

IX – pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.                      (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)    (Produção de efeito)