Agravo de Instrumento: Mitigação da Taxatividade do Rol previsto no artigo 1.015 do Código de Processo Civil


Durante anos, os operadores do direito, em especial os advogados militantes nos processos cíveis, acostumaram-se com a possibilidade de recorrer das decisões interlocutórias proferidas durante a fase de conhecimento dos processos cíveis através da interposição de Agravos, retidos ou de instrumento.

E tal questão sempre trouxe uma conexão, em muitas vezes até equivocada, com o tempo de tramitação dos processos cíveis nos Tribunais de todo o Brasil. Sabe-se que um processo judicial pode arrastar-se por anos e anos perante os Tribunais, estando a parte e o advogado sujeitos a uma gama de acontecimentos durante sua tramitação. E, em muitos casos, esta demora era creditada a previsão legal de interposição de inúmeros recursos durante a tramitação do processo, alguns deles dotados de efeito suspensivo, e que “atrasavam” a resolução do conflito ali materializado.

Poder-se-ia aqui citar um sem número de fatores que contribuíam – e ainda contribuem – para que um processo judicial literalmente se arraste, mas os recursos nunca deixaram a pecha de grandes vilões da celeridade processual.

Antes mesmo da entrada em vigor da Lei Federal 13.105/2015 (Novo Código Civil), houve mudanças na sistemática dos Agravos como, por exemplo, aquelas instituídas pela Lei Federal  11.187/2005 que, à título de ilustração, transformou o Agravo Retido na “regra”, limitando os casos de interposição do Agravo na modalidade de instrumento aos casos em que a decisão recorrida estivesse suscetível de trazer à parte lesão grave ou de difícil reparação[1], assim como nos casos de inadmissão de Apelação ou quantos aos efeitos nos quais esta era recebida.

A rigor, a mudança acima representava uma evolução para aqueles que defendiam que os recursos obstavam o andamento do processo, uma vez que a interposição do Agravo na modalidade Retido não suspendia a tramitação do feito, mas, ao ser reiterado como preliminar de eventual Apelação interposta pela parte, seria conhecido e julgado pelo Tribunal de Justiça por ocasião da apreciação do apelo.

Entretanto, a Lei deixava ainda certa subjetividade quanto ao cabimento do Agravo de Instrumento, uma vez que não trazia, em seu bojo, quais as situações em que a decisão poderia, em tese, gerar à parte perigo de lesão grave e de difícil reparação. Assim, bastaria ao competente advogado alegar e sustentar a possibilidade de lesão grave a justificar a interposição do Agravo de Instrumento de qualquer decisão interlocutória na fase de conhecimento.

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei Federal 13.105/2015), uma das mudanças mais relevantes e que mereceu inúmeros comentários e estudos foi justamente a inserção de um rol das hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento quanto às decisões interlocutórias proferidas ao longo da fase de conhecimento.

O artigo 1.015 do Código de Processo Civil trazia o que muitos juristas afirmavam ser um rol taxativo das hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento. Em se classificando como taxativo, por certo o rol não comportava outras opções além daquelas ali expostas, e também daquelas em que a Lei expressamente admitisse o cabimento do Agravo de Instrumento.

De ressaltar também que o novel Código de Processo Civil acabou com a figura do Agravo Retido, mantendo-se, entretanto, uma de suas peculiaridades, consubstanciada na necessidade de se reiterar em preliminar de apelação (e de contra-razões à apelação) todas as matérias objeto de decisões interlocutórias proferidas no processo de conhecimento e que não encontravam previsão de serem atacadas por Agravo de Instrumento – ante a então taxatividade do rol contido no artigo 1.015 – conforme preceitua o artigo 1009, § 1º, do CPC[2].

Desta forma, a mudança foi exaltada por aqueles que defendiam uma redução drástica nas oportunidades de interposição de recursos pelas partes durante a tramitação do processo.

Entretanto, a sistemática exposta no Código de Processo Civil também se viu diante de um problema: ao adiar a análise de eventual indignação quanto à uma decisão interlocutória para a fase recursal, poder-se-ia, ao contrário do que imaginavam os entusiastas do novo modelo, inutilizar diversos atos processuais, que poderiam vir a se tornar nulos ou imprestáveis no caso do acolhimento das razões em preliminar de apelação.

Igualmente, poderia haver situação em que houvesse a necessidade de um imediato provimento jurisdicional a fim de se evitar situação de perigo que não esteja abrangida pelo rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil. Neste cenário, advogados de diversos estados defendiam que o rol constante no artigo anteriormente citado não era, em verdade, um rol taxativo, pois haveria que ser considerada hipótese não contida ali a fim de promover a melhor solução – e diversos sentidos – para questões cujo tratamento apenas em grau de Apelação poderiam ser inócuas ou já poderiam ter causado situação de prejuízo às partes.

A questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça. Através do Tema 988, a Corte iria decidir sobre a admissão de Agravos de Instrumentos interpostos em hipóteses não previstas pelo Código de Processo Civil, mantendo ou mitigando a taxatividade do rol previsto no artigo 1015.

Coube à Ministra Nancy Andrigui a relatoria dos Recursos Especiais afetados (RESp 1.704.520 e 1.696.396 – para julgamento pelo sistema dos recursos repetitivos.

Em 01 de Agosto do Corrente ano, a Ministra proferiu seu voto no sentido de mitigar a taxatividade do rol existente no artigo 1.015 do Código de Processo Civil.

Destaca-se alguns trechos do voto da Exma. Ministra Nancy Andrigui, que elucidam a conclusão por ela tomada no julgamento. São eles:

“Como se percebe, o entendimento aqui exposto pretende, inicialmente, afastar a taxatividade decorrente da interpretação restritiva do rol previsto no art. 1.015 do CPC, porque é incapaz de tutelar adequadamente todas as questões em que pronunciamentos judiciais poderão causar sérios prejuízos e que, por isso, deverão ser imediatamente reexaminadas pelo 2º grau de jurisdição.

De igual modo, deve ser afastada a possibilidade de interpretação extensiva ou analógica das hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC, pois, além de não haver parâmetro minimamente seguro e isonômico quanto aos limites que deverão ser observados na interpretação de cada conceito, texto ou palavra, o uso dessas técnicas hermenêuticas também não será suficiente para abarcar 38 todas as situações em que a questão deverá ser reexaminada de imediato – o exemplo do indeferimento do segredo de justiça é a prova cabal desse fato.

Finalmente, também não deve ser acolhido o entendimento de que o rol do art. 1.015 do CPC é meramente exemplificativo, pois essa interpretação conduziria à repristinação do art. 522, caput, do CPC/73, contrariando frontalmente o desejo manifestado pelo legislador de restringir o cabimento do recurso, o que não se pode admitir.

A tese que se propõe consiste em, a partir de um requisito objetivo – a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação –, possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do art. 1.015 do CPC, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência, independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica dos incisos do art. 1.015 do CPC, porque, como demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para abarcar todas as situações.”


Forte nessas razões, CONHEÇO o recurso especial repetitivo, a fim de:

1. Fixar a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.

2.Modular os efeitos da tese jurídica:A tese jurídica somente se aplicará às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão.”

Desta forma, a Ministra mitigou a taxatividade do rol constante do artigo 1.015 do Código de Processo Civil em seu voto, estando o julgamento dos recursos afetados suspenso por motivo de pedido de vista da Exma. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Deve-se destacar que o próprio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já havia se manifestado pontualmente sobre o tema, sem a abrangência lógica do julgamento em andamento perante o Superior Tribunal de Justiça, no sentido de desconsiderar a taxatividade do rol constante do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, como se pode verificar do julgamento dos Agravos de Instrumento n.º 0050535-69.2016.8.19.0000 e n.º 0025809-60.2018.8.19.0000.

Nos parece acertada a posição adotada pela Ministra Nancy Andrigui, em consonância como a dos Desembargadores do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nos processos acima citados, uma vez que, ao que parece, o simples impedimento de manejo do Agravo de Instrumento não pode ser a única forma de dar celeridade ao processo. Ao contrário, o recurso deve ser permitido em todas as situações em que se observe um requisito objetivo: a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação – impedindo o engessamento das hipóteses legais de cabimento do Agravo de Instrumento contidas no artigo 1.015 do Código de Processo Civil.

 

[1] Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.        (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)

[2] Art. 1.009.  Da sentença cabe apelação.

§ 1As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

§ 2Se as questões referidas no § 1forem suscitadas em contrarrazões, o recorrente será intimado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito delas.