Exportadores querem levar a STF disputa bilionária da Lei Kandir

Month: março 2023


A entrevista na íntegra também está no site do Valor Econômico e pode ser acessada aqui.

Com a reforma tributária como pano de fundo, exportadores planejam levar para o Supremo Tribunal Federal (STF) uma disputa para tentar fazer com que os Estados paguem os créditos relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) recolhido na cadeia de produção de bens exportados. A ideia é pedir que os governos estaduais usem, “prioritariamente” para esse fim, os R$ 62 bilhões em recursos ligados à desoneração de exportações que a União vem transferindo aos Estados, conforme acordo de 2020.

Advogados que representam os exportadores dizem que o montante é insuficiente para o pagamento total de créditos devidos. Os Estados deverão enfrentar o pedido em meio aos impactos da redução de alíquotas de ICMS imposta no ano passado.

A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) deve entrar até a primeira quinzena de maio com uma ação para fazer com que os Estados usem, para ressarcimento do impostos aos exportadores, os recursos transferidos pela União para compensar as perdas de receita com a desoneração total de ICMS das exportações estabelecida desde 1996, pela chamada Lei Kandir, a Lei Complementar 87/96.

Atualmente esses valores de compensação aos governos estaduais são pagos com base em acordo firmado em 2020 entre Estados e União. Por esse acordo, a União deverá repassar total de R$ 62 bilhões aos Estados. Os pagamentos se iniciaram em dezembro de 2020 e vão até 2037.

Mariana Cardoso Martins, sócia da CMartins Advogados, explica que a estratégia é pedir uma liminar em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). “A ideia é aproveitar a transferência desses recursos da União para os Estados e solicitar que dentro dessa janela de R$ 62 bilhões os exportadores sejam pagos com prioridade. Nossa ideia é entrar com pedido de liminar para que a vinculação de recursos para pagamento dos créditos aconteça de forma imediata, mesmo que o efetivo ressarcimento dependa do julgamento do mérito da ação.”

O pedido de liminar, explica, deve ser para bloquear recursos vinculados para o pagamento dos créditos. Será preciso, diz ela, criar “uma dinâmica dentro do Tesouro [dos Estados] para que esses recursos não sejam usados para outros fins que não o pagamento do exportador”.

Fernando Facury Scaff, tributarista e sócio do escritório Silveira Athias, defende que há “correlação” entre as transferências da União e o pagamento de crédito aos exportadores. “Uma parte do ressarcimento aos Estados da Lei Kandir tinha por fundamento amparar os créditos que os exportadores possuem [pelo pagamento do ICMS] na cadeia de exportação.” Os recursos, porém, nem sempre estão sendo direcionados a isso, diz Scaff. Há dois anos, aponta, a União tem transferido tudo o que foi combinado, mas parte dos Estados não tem pago os exportadores. “É preciso uma determinação judicial que diga aos Estados para pagar os exportadores.”

Scaff lembra que a história sobre os créditos de ICMS aos exportadores é longa. Em 2003, explica, a Emenda Constitucional (EC) 42 assegurou aos exportadores a manutenção e aproveitamento do crédito de ICMS pago na cadeia de produção dos bens exportados. A mesma emenda determinou a criação de um fundo para compensar Estados pela perda de arrecadação do ICMS. Valores e critérios do fundo seriam estabelecidos por lei complementar.

Com a demora para aprovação de lei complementar, o Estado do Pará foi ao STF, em 2013, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 25, que ficou sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. Após muitas discussões, lembra Scaff, foi homologado o acordo dos R$ 62 bilhões no âmbito do STF. O acordo foi ratificado pela Lei Complementar 176, também de 2020. A estratégia, explica, é levar o assunto novamente ao STF por meio de ação de autoria de associação de âmbito nacional.

José Augusto de Castro, presidente da AEB, diz que os exportadores, apesar da previsão constitucional, têm dificuldade em receber os créditos do ICMS pago na cadeia produtiva. Há demora e os valores a receber se acumulam, diz.

“Isso onera as exportações e afeta o fluxo de caixa dos exportadores, que muitas vezes são obrigados a pegar crédito e pagar juros altos. Sem a devolução do ICMS, o que acontece é a exportação de tributos. Sonhamos que a reforma tributária mude a situação, mas por enquanto isso é um custo para as empresas”, diz Castro.

Mariana, da CMartins, lembra que além de enfrentar burocracia para a devolução do ICMS, o exportador recebe o crédito sem correção monetária e, por isso, o ativo perde valor no decorrer do tempo.

Castro diz que provavelmente o montante devido aos exportadores ultrapassa os R$ 62 bilhões, porque os créditos não pagos se arrastam há muito tempo. Ele destaca que a situação é distinta entre os Estados, com alguns entes que têm maior atraso e outros não.

André Horta, diretor-institucional do Comsefaz, comitê que reúne os secretários estaduais de Fazenda, chama atenção para a situação heterogênea. Há Estados, aponta, que estão em dia na devolução de créditos. Ele também lembra o atual quadro no qual “a recuperação de receitas é a pauta do dia” dos Estados, que ainda contabilizam perdas com a redução de ICMS imposta em 2022, apesar da iniciativa de parte dos entes de elevar a alíquota modal a partir deste ano.

Segundo Mariana, há consciência de que os recursos a serem pagos no âmbito do acordo entre União e Estados não são suficientes para ressarcir todos que precisam receber. A ideia é vincular ao menos parte dos recursos que devem ser pagos pela União aos Estados de 2023 a 2037.

“A partir daí devemos discutir a criação de câmaras de compensação ou outros mecanismos que garantam pagamento desses valores no contexto da reforma tributária”, diz Mariana. “A reforma está chegando e precisamos criar mecanismos dentro das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) discutidas e dentro da unificação de impostos.”

Scaff ressalta que a situação dos créditos de impostos que podem ser extintos, como o ICMS, é um dos pontos ainda “obscuros” da reforma. “Discutindo isso [os créditos de ICMS a exportadores] judicialmente também se forma um bloco de pressão para a reforma tributária.” Segundo Mariana, será considerada, na petição inicial da ação da AEB, que a reforma traz potencial impacto na sistemática de recuperação de ICMS porque se espera a unificação dos vários tributos atualmente cobrados sobre consumo. “E por isso precisa-se de prioridade na homologação dos créditos, nos casos em que ainda não houve, e na devolução deles.”



Conciliação na execução de sentença: a importância do advogado conciliador nesta fase processual

Month: março 2023


Por Carolina Mattar

Contratos, duplicatas, cédulas bancárias, cheques e notas promissórias são exemplos de títulos executivos extrajudiciais, em que não há necessidade de uma sentença judicial para que se inicie o processo de execução (cobrança efetiva de valores). Para acionar, basta que se tenha um documento, com data de vencimento, valor e forma, que é classificado como líquido, certo e exigível.

Nesses casos, em razão da previsão legal expressa, artigo 916 do Código de Processo Civil, poderá o juiz parcelar a dívida, quando reconhecida pelo devedor, com o pagamento de uma entrada de 30% (trinta por cento) e o saldo restante em até 6 (seis) vezes.

Já os títulos executivos judiciais decorrem de um processo, em que o direito é constituído/declarado por sentença e percorre-se um longo percurso com a distribuição da ação de conhecimento, a produção de provas, recursos, dentre outras etapas.

De acordo com o relatório do CNJ, o tempo médio de duração da demanda de conhecimento é de 3 anos e 7 meses, ou seja, há prazo suficiente para que o executado/devedor provisione valores e se organize para a quitação do débito. Por esse motivo, é vedado ao magistrado oportunizar quaisquer parcelamentos. Portanto, se, na fase de execução de sentença, o devedor for intimado para o pagar e não efetivar a liquidação, serão acrescidos ao débito multa (10%) e honorários advocatícios (10%), além daqueles já constantes da condenação.

É evidente o intuito do legislador de evitar ao credor suportar maior demora no recebimento dos valores e, nesse sentido, o STJ já ratificou o entendimento.
Especialmente nas ações que envolvam direito patrimonial, a mediação é uma ferramenta eficaz na solução de conflitos e importante na fase de cumprimento de sentença. As partes têm a liberalidade de compor como melhor lhes convier.

Conclui-se que, diante de um título executivo judicial, o caminho menos oneroso poderá ser a conciliação. Atentos a esses movimentos, os advogados estão cada vez mais inclinados a estas práticas e as empresas passaram a ter setores específicos para composição e renegociação de débitos, judiciais ou não. A escolha de profissionais hábeis é fundamental para o sucesso nas negociações.

Leia o acórdão no REsp 1.891.577.



Breves Considerações Sobre a Decisão do Tema 1021 do Superior Tribunal de Justiça

Month: março 2023


Por Milena Hermano

Em brevíssima – porém importante – contextualização, a controvérsia posta em discussão no Tema 1021 do STJ, cuja origem se deu pela afetação dos recursos especiais 1778938/SP e 1740397/RS, envolve a definição de possibilidade de inclusão, no cálculo de complementação de aposentadoria paga por entidade fechada de previdência privada, das verbas remuneratórias incorporadas ao salário do trabalhador por decisão da Justiça do Trabalho após a concessão do benefício, sem a prévia formação da correspondente reserva matemática.

Dada a natureza de tais entidades, para que sejam realizados os pagamentos de benefício e pensão a seus participantes e dependentes, é indispensável que haja um equacionamento a contento dos planos de previdência, tornando previsíveis os pagamentos futuros relacionados a cada um dos seus participantes, tenham ele outros dependentes regularmente inscritos ou não.

Essa estimativa é feita de forma prévia ao pagamento de qualquer benefício mediante a realização de cálculos atuariais específicos, através dos quais se apura a quantia devida referente à contribuição a ser vertida por cada participante para fins de tornar previstos (e possíveis) eventuais pagamentos a posteriori, seja a título de complemento de aposentadoria, seja de pensão por morte, esta última em favor dos dependentes que estejam regularmente inscritos para tal fim.

Significa dizer, portanto, que à época em que o funcionário da empresa patrocinadora ainda se encontra na ativa, ao optar por integrar o plano de previdência complementar ele passa a fazer contribuições mensais no valor apurado com base em cálculo atuarial específico, para ter o direito de receber, após a sua aposentação, o complemento da sua verba de aposentadoria.

Cabe aqui esclarecer que o mencionado cálculo leva em consideração condições específicas de cada beneficiário, como, por exemplo, (i) o salário do participante e, consequentemente, o valor do benefício futuro a ser pago em seu favor, (ii) a análise de idade em comparação à expectativa de vida média do brasileiro, (iii) a modalidade de benefício escolhida pelo participante, (iv) a existência de beneficiários indicados pelo participante para recebimento de benefícios futuros, após o seu falecimento, dentre outras.

Após aposentar-se e passar a receber os complementos de aposentadoria no patamar que lhe cabiam, limitada evidentemente ao valor das contribuições que realizou ao longo da sua relação de trabalho, pode o participante (o que não é incomum) entender fazer jus a uma diferença de salário, optando por ingressar com reclamação trabalhista direcionada ao ex-empregador para buscar a revisão do seu salário e eventuais acréscimos que lhe eram devidos.

Uma vez exitosa a sua pretensão, tendo em seu favor o reconhecimento de majoração do seu salário, surge a dúvida quanto à possibilidade do participante reclamar o recálculo do valor do seu complemento de aposentadoria pago pela entidade fechada de previdência complementar, para que passe a constar da base de cálculo aquilo que foi posteriormente incorporado ao seu salário, sendo exatamente essa a discussão do Tema 1021 do STJ.

Levando-se em consideração que a decisão final do referido Tema transitou em julgado em fevereiro/2021, atualmente os tribunais vêm começando a enfrentar os casos que o envolvem, razão pela qual se considera de indiscutível relevância as considerações aqui expostas.

As conclusões a respeito do assunto estão previstas de forma pormenorizada na decisão do STJ, que consignou em seus itens “a” e “b” o seguinte:

  1. a) “A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos de quaisquer verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria.
  2. b) “Os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser reparados por meio de ação judicial a ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho.

Note-se que a importância do equilíbrio atuarial dos planos foi expressamente considerada pela decisão final proferida, que inclusive considerou inviável a inclusão das diferenças remuneratórias obtidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos do valor devido a título de complemento de aposentadoria, cabendo eventuais discussões a esse respeito serem direcionadas exclusivamente ao ex-empregador perante à justiça trabalhista, por ser ele o efetivo responsável pela parcela da contribuição realizada pelo participante.

Portanto, a importante conclusão a que se chega é a de que a entidade fechada de previdência complementar em si é parte manifestamente ilegítima para integrar o polo passivo de lides cujo objetivo é a revisão dos valores pagos a seus participantes como complemento de aposentadoria, com base em acréscimos deferidos pela Justiça do Trabalho, cabendo tão somente ao ex-empregador responder por pretensões como essa, perante a própria justiça especializada.

As exceções e ressalvas a esse respeito estão previstas nos itens “c” e “d”, onde ficaram expostas as modulações dos efeitos da decisão com base no que dispõe o art.  927, § 3º, do Código de Processo Civil:

  1. c) “Nas demandas ajuizadas na Justiça comum até 8/8/2018 (data do julgamento do REsp n. 1.312.736/RS – Tema repetitivo n. 955/STJ) – se ainda for útil ao participante ou assistido, conforme as peculiaridades da causa -, admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias, reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar de que as parcelas de natureza remuneratória devam compor a base de cálculo das contribuições a serem recolhidas e servir de parâmetro para o cômputo da renda mensal inicial do benefício, e à recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte, a ser vertido pelo participante, de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso.”
  2. d) “Nas reclamações trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria complementar, os valores correspondentes a tal recomposição deve ser entregues ao participante ou assistido a título de reparação, evitando-se, igualmente, o enriquecimento sem causa da entidade fechada de previdência complementar.” (trecho do Acórdão publicado no DJe de 11/12/2020).

De acordo com o resumido nos referidos itens, eventuais demandas com a pretensão de inclusão de diferenças trabalhistas no valor do complemento de aposentadoria que tenham sido distribuídas perante à justiça comum até 08/08/2018 podem ser aproveitadas desde que realizado, pelos autores, o pagamento prévio e integral do valor do aporte em favor do plano praticado pela entidade de previdência complementar do qual fazem parte, como forma de evitar o seu desequilíbrio financeiro e perecimento.

 

A decisão estabeleceu, de forma clara, direta e precisa, o prévio aporte do valor pelo interessado como condição para que possa haver o pagamento de qualquer diferença em seu favor, de modo que primeiramente deve ser realizado o pagamento, em favor da entidade de previdência, do valor necessário para garantir o indispensável equilíbrio atuarial, e só depois disso, então, é que poderá haver o pagamento de qualquer diferença de complemento em favor dele.

Foi exatamente neste sentido que o E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu recentemente, em processo conduzido pelo escritório C. MARTINS ADVOGADOS, onde, em juízo de retratação, após trânsito em julgado da decisão do Tema 1021 do STJ, externou o seguinte:

“JUÍZO DE RETRATAÇÃO. REEXAME NOS TERMOS DO ART. 1040, INCISO II, C/C 1041, AMBOS DO CPC/2015. AÇÃO DE REVISÃO DE BENEFÍCIO SUPLEMENTAR MOVIDA EM FACE DA CEDAE E DA PRECE.SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL E DE IMPROCEDÊNCIA DA RECONVENÇÃO. INCONFORMISMO DOS RÉUS. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DA SENTENÇA PELA SUSTENTADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. PROVA PERICIAL REALIZADA NOS AUTOS. AFASTADA A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CEDAE, VEZ QUE A SOLIDARIEDADE DESTA COM O PLANO DE PREVIDÊNCIA DECORRE DO REGULAMENTO DESTE. RECONVENÇÃO QUE, POR AMPLIAR EM DEMASIA O OBJETO DA LIDE, NÃO SE ADMITE, SOB PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAIS. INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS ESPECIAL E EXTRORDINÁRIO. RETORNO DOS AUTOS AO COLEGIADO PARA JUÍZO DE RETRATAÇÃO, DIANTE DA PACIFICAÇÃO DO ENTENDIMENTO SOBRE A QUAESTIO. RETRATAÇÃO QUE SE JUSTIFICA COM FUNDAMENTO EM DECISÃO PROFERIDA NA MODULAÇÃO DE EFEITOS DOS RESP 1778938/SP E RESP 1740397/RS, OBJETO DO TEMA 1.021 DO STJ. DIANTE DO PRECEDENTE VINCULANTE ACIMA CITADO, E DA CONSTATAÇÃO DE QUE O AUTOR NÃO REALIZOU O APORTE NECESSÁRIO PARA PLEITEAR AS DIFERENÇAS OBTIDAS POR FORÇA DE SENTENÇA PROFERIDA NA JUSTIÇA DO TRABALHO, IMPÕE-SE REFORMAR, EM PARTE, A SENTENÇA RECORRIDA, PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DO AUTOR, CONDENANDO-O AO PAGAMENTO DAS DESPESAS PROCESSUAIS, COM HONORÁRIOS ARBITRADOS EM 10% (DEZ POR CENTO) SOBRE O VALOR DA CAUSA. MANTÉM-SE, NO MAIS, A SENTENÇA, TAL COMO LANÇADA. MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO.” (g.n.)

(Apelação Cível nº 0339865-61.2014.8.19.0001 – Rel. Des. Maria Isabel Paes Gonçalves – 9ª Câmara de Direito Privado (Antiga 2ª Câmara Cível) Data da Publicação da decisão: 27/10/2022)

Note-se que não há no corpo da decisão nenhuma linha sequer sobre a possibilidade de realizar-se uma composição entre os supostos créditos, tendo sido rigorosamente reconhecido que em casos como esses a responsabilidade do participante, quanto à realização da dotação prévia, precede o implemento de qualquer diferença a ser paga em seu favor.

Essa diretriz tem o escopo único de assegurar a sobrevivência dos planos de previdência complementar e, em consequência disso, garantir a manutenção dos pagamentos regulares aos seus participantes e beneficiários, na linha do que preconiza o art. 1º da Lei Complementar nº 109/2001.

O assunto foi amplamente debatido no I Seminário de Previdência Complementar realizado pela OAB/RJ no último dia 03/03/2023. Na oportunidade, foi pontuado que diante da complexidade do Tema, que envolve a Justiça Comum e a especializada, uma solução viável seria a análise de possibilidade de uma solução administrativa, regulado pelo Conselho Nacional de Justiça.



A (in) aplicabilidade do PERSE às empresas do Simples Nacional: Inconstitucionalidade Circunstancial à luz do Princípio da Igualdade

Month: março 2023


Por Mariana Cardoso Martins

O artigo na íntegra também está no site do Conjur e pode ser acessado aqui.

 

Há muito se discute sobre as — até então — malfadadas tentativas de reforma tributária que têm como “slogan” a redistribuição equânime dos encargos tributários dentre os diversos segmentos da sociedade civil.

Todavia, o objetivo da presente reflexão não será a análise crítica das Propostas de Emenda à Constituição (PEC) da Reforma Tributária, mas a análise de dispositivo legal que — na visão do Fisco — impede empresas do Simples Nacional de se valerem de benefícios fiscais, notadamente daqueles relacionados ao Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), instituído pela Lei 14.148 de 2021.

Por meio desse programa, ficou autorizado, além de outros benefícios, a transação de débitos federais com desconto de até 70% sobre o valor total da dívida e quitação em até 145 parcelas, e a redução a 0%, pelo prazo de 60 meses, das alíquotas do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins para as empresas aderentes.

A supracitada legislação nasceu da indiscutível necessidade de apoio ao setor de entretenimento, hotelaria e turismo, severamente impactado pelas restrições impostas pela pandemia da Covid-19.

Todavia, não obstante a nobreza em se identificar as necessidades do setor, criando-se, para ele, um regime todo especial de retomada econômica, vê-se que sua aplicação se restringe às empresas que apuram o IRPJ e a CSLL pela sistemática do lucro real, presumido ou arbitrado, sendo vedado o aproveitamento do Perse por aquelas optantes pelo Simples Nacional.

Em uma primeira análise, poder-se-ia concluir pela ausência de impedimento, uma vez que não estabeleceu a Lei nº 14.148/2021 nenhuma vedação nesse sentido. Quem o fez foi a Receita Federal quando da regulamentação da referida norma por meio da IN 2.114/2022, deixando claro e expresso, no parágrafo único do artigo 4º, que “o benefício fiscal não se aplica às pessoas jurídicas tributadas pela sistemática do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional), de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006“.

O comando advém do próprio estatuto da microempresa e da empresa de pequeno porte, bem como do regime jurídico-tributário a ele aplicável. O artigo 24 da Lei Complementar 123/2006 dispõe que referidas empresas, optantes pelo Simples Nacional “não poderão utilizar ou destinar qualquer valor a título de incentivo fiscal”, o que inclui “quaisquer alterações em bases de cálculo, alíquotas e percentuais ou outros fatores que alterem o valor de imposto ou contribuição apurado na forma do Simples Nacional (…)” (§1º).

Ou seja, por meio da “cola” às disposições contidas no estatuto da microempresa e da empresa de pequeno porte, entende a Receita Federal que as empresas optantes pelo regime de tributação simplificada estariam impedidas de usufruírem das vantagens trazidas pelo Perse.

Aqui um pequeno parêntese sobre essa absolutez na vedação de benefícios fiscais às empresas optantes pelo Simples Nacional. O comando contido no artigo 24 caput e §1º da Lei Complementar 123/2006 é de literalidade inquestionável, e não parece fazer qualquer tipo de distinção a que tipo de benefício fiscal seria vedado.

Todo e qualquer benefício fiscal, relacionado aos tributos abrangidos pelo recolhimento unificado no âmbito do Simples Nacional, que altere base de cálculo, alíquota ou valor, parecem ser proibidos a quem já tem a seu favor tratamento diferenciado instituído por lei, com alíquotas menores e obrigações acessórias simplificadas.

Contudo, o próprio Comitê Gestor do Simples Nacional, órgão federal que tem por finalidade regulamentar os aspectos tributários aplicáveis às microempresas e às empresas de pequeno porte, ao fazê-lo por meio da Resolução CGSN 140/2018, autorizou que estados e municípios, via atos administrativos próprios, concedam benefícios e incentivos fiscais que importem isenção, redução ou a atribuição de valores fixos para recolhimento do ICMS e do ISS. Ou seja, trata-se de vedação que comporta exceções, no que parece respeitar a autonomia federativa.

Retornemos à questão da literalidade do dispositivo vedatório. Se somente essa forma de interpretação normativa fosse considerada, ignorando-se outros importantes métodos de interpretação e a própria situação excepcional do período pandêmico, qualquer um chegaria à mesma conclusão, a nosso ver, equivocada.

O consagrado efeito irradiante das normas constitucionais impõe que todos os normativos que compõem o ordenamento jurídico brasileiro — inclusive o § 1º do artigo 24 da Lei Complementar 123/2006 — sejam interpretados à luz da Constituição Federal.

Resta-nos, portanto, investigar se a referida vedação estaria em sintonia com os preceitos constitucionais, mesmo diante da excepcionalidade jurídico-econômico-social causada pela crise mundial pós-pandemia.

A resposta de antemão é, em nossa visão, negativa.

Pois bem. Nossa Carta Magna, ao tratar dos princípios que norteiam a ordem econômica, estabeleceu, no inciso IX de seu artigo 170, o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”.

Há quem diga que o constituinte se esqueceu de incluir a microempresa, mas lembremos dela aqui, sobretudo porque, ao se falar em tributação simplificada, é impossível desassociar as duas figuras empresariais, que não obstante se inserirem conceitualmente em faixas diversas de receita bruta anual, estão sujeitas ao mesmo estatuto e aos mesmos tratamentos diferenciados e favorecidos, incluindo-se os de natureza tributária.

A esse respeito, frisa-se que o tratamento diferenciado a elas aplicado para fins tributários, materializado no regime unificado de recolhimento de impostos e contribuições da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (Simples Nacional), surgiu justamente com o objetivo de minimizar a desigualdade contributiva entre as empresas e de fomentar o desenvolvimento nacional.

Inegável, pois, que tributar empresa com faturamento milionário da mesma forma que empresa com diminuta capacidade contributiva é colocar em xeque o Princípio da Igualdade Material.

Inclusive, é possível fixar a premissa de que “(…)capacidade contributiva é, na verdade, um critério de aplicação da igualdade (…)” [1]. A igualdade material, buscada pelo Simples Nacional pode ser vista, portanto, como a exteriorização do Princípio da Igualdade, direito fundamental estabelecido no caput do artigo 5º da Constituição Federal.

Neste nível de reflexão, já seria possível identificar razões suficientemente consistentes para, com base no ideal buscado pelo Princípio da Igualdade e da Capacidade Contributiva, se afastar a restrição legal aplicável ao Perse e à sua fruição pelas empresas optantes pelo regime simplificado de tributação.

Estar-se-ia beneficiando, com vantagens no pagamento de dívidas tributárias e redução a zero das alíquotas dos impostos incidentes sobre lucro/renda e faturamento, empresas de grande porte (com elevada capacidade contributiva), em detrimento das pequenas empresas (com ínfima capacidade contributiva), reforçando ainda mais o desequilíbrio concorrencial entre elas.

O questionamento é salutar:

  • Microempresas e Empresas de Pequeno Porte também não sofreram as restrições impostas pela pandemia? Estas restrições, não foram a elas ainda mais nefastas?
  • Se tanto as grandes, médias e pequenas empresas foram afetadas pelas restrições pandêmicas, qual a justificativa em não se permitir que as últimas também sejam beneficiárias do Perse? Um comando legal interpretado de forma isolada e literal?

Ainda que o comando restritivo analisado possa ser considerado, em “condições normais de temperatura e pressão”, constitucional em seu aspecto material, a mesma conclusão não pode ser obtida no contexto pós-pandemia e de retomada do crescimento econômico.

Esse fenômeno de inconstitucionalidade presente no contexto de uma situação excepcionalíssima é denominado pela doutrina constitucionalista de “inconstitucionalidade circunstancial”. Neste contexto, explana Barcellos (2005, pp. 231,232) [2]:

“Trata-se da declaração de inconstitucionalidade da norma produzida pela incidência da regra sobre uma determinada situação específica.

[…] É possível cogitar de situações nas quais um enunciado normativo, válido em tese e na maior parte de suas incidências, ao ser confrontado com determinadas circunstâncias concretas, produz uma norma inconstitucional. Lembre-se que, em função da complexidade dos efeitos que se pretendem produzir e/ou da multiplicidade de circunstâncias de fato sobre as quais incidem, também as regras podem justificar diferentes condutas que, por sua vez, vão dar conteúdo a normas diversas.

Cada uma dessas normas opera em um ambiente fático próprio e poderá ser confrontada com um conjunto específico de outras incidências normativas, justificadas por enunciados diversos. Por isso, não é de estranhar que determinadas normas possam ser inconstitucionais em função desse seu contexto particular, a despeito da validade geral do enunciado do qual derivam.”

No caso concreto, a inconstitucionalidade circunstancial se traduz na existência de um comando legal que, em razão de situação de calamidade pública reconhecida por norma federal, torna-o frágil sob o aspecto constitucional.

A vedação à fruição de quaisquer benefícios fiscais pelas empresas optantes pelo Simples Nacional, notadamente daqueles trazidos pelo Perse, se faz inconstitucional à circunstância da interrupção das atividades imposta pela pandemia da Covid-19 ao setor de turismo, hoteleiro e de entretenimento.

Sob esse aspecto, há grave violação ao Princípio da Igualdade Material, sobretudo se os efeitos da pandemia às micro e pequenas empresas do setor de eventos for considerado de forma individualizada, levando-se em consideração o faturamento dessas empresas em condições econômicas normais, e a capacidade de manutenção de seu ciclo operacional e de suas reservas financeiras em circunstância adversa, tal como a pandemia.

Ainda que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 631.641, tenha proferido entendimento de que “é inviável ao Poder Judiciário, com fundamento em ofensa ao princípio da isonomia, afastar limitação para concessão de benesse fiscal, de sorte a alcançar contribuinte não contemplado na legislação aplicável (…)“, essa conclusão é veementemente questionada pela doutrina. Ao analisar o acórdão, Leandro Paulsen criticou [3]:

“Com isso, o Judiciário acabou por deixar de oferecer prestação jurisdicional que assegurasse tratamento isonômico, razão pela qual tem sido cada vez mais criticada tal posição, havendo quem diga que ‘equivale a eliminar o princípio da igualdade.”

Por outro lado, o próprio Supremo Tribunal Federal, em outro julgamento, o da ADI 6.357/DF, se amparou na teoria da inconstitucionalidade circunstancial para conceder medida cautelar a fim de suspender a aplicação de dispositivos estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), também no contexto adverso trazido pela pandemia. Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes fez questão de esclarecer que:

“o surgimento da pandemia de Covid-19 representa uma condição superveniente absolutamente imprevisível e de consequências gravíssimas”, razão pela qual estaria justificada a “temporariedade da não incidência dos artigos 14, 16, 17 e 24 da LRF e 114, caput, in fine, e § 14, da LDO/2020 durante a manutenção do estado de calamidade pública”.

A aplicação do § 1º do artigo 24 da Lei Complementar 123/2006 de forma cega e destacada da realidade econômica a que todas as empresas brasileiras foram expostas durante a pandemia da Covid-19 retira, da Constituição Federal, pela via reflexa, sua máxima eficácia social.

Não obstante o acaloramento da discussão nos tribunais pátrios, ainda que sob viés diverso (mais focado em questões procedimentais e ao cumprimento de requisitos práticos para adesão aos benefícios do Perse), e com algum ganho de causa mapeado em favor dos contribuintes, merece o assunto ser discutido em sede de controle difuso ou concentrado de constitucionalidade, sob a ótica da aplicabilidade da inconstitucionalidade circunstancial, a fim de se fazer com que haja pronunciamento definitivo acerca do tema.

[1] Dessa forma entende Roque Carrazza, Misabel Derzi, Pedro Manuel Herrera Molina, Diego Marin-Barnuevo Fabo e Barros Carvalho. ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso…, op. cit., p. 81; MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI, Notas…, op. cit., p. 536; PEDRO MANUEL HERRERA MOLINA, Capacidad econômica…, op. cit., p. 84, 87-88; DIEGO MARIN-BARNUEVO FABO, La protección del mínimo existencial en el âmbito del I.R.P.F., p. 14; PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso…, op. cit., p. 174. Dentre os que pensam de maneira diversa, no sentido de que a capacidade contributiva advém da ordem natural das coisas, sendo algo diverso da igualdade, cita-se o seguinte exemplo: LUCIANO AMARO, Direito Tributário…, op. cit., p. 138 e 140.

[2] Barcellos, A. P. (2005). Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar.

[3] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 6ª edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2014, p. 74.