Revisão das obrigações contratuais em tempos de pandemia
Rede hoteleira que celebrou contrato para aquisição de energia elétrica no ambiente de contratação livre obteve decisão liminar para arcar tão somente com o pagamento do valor referente à energia efetivamente consumida em seus estabelecimentos, afastando a obrigação contratual que previa a aquisição de um volume mínimo e o consequente pagamento de preço que superaria bastante o custo do efetivo consumo.
O referido conglomerado, preenchendo os requisitos necessários previstos na legislação e em normas específicas, celebrou contratos diretamente com a Companhia Paranaense de Energia para a aquisição de energia elétrica a ser distribuída em todas as unidades hoteleiras localizadas no Rio de Janeiro e no Distrito Federal. Nos contratos ficaram estabelecidas as cláusulas que norteariam as obrigações de cada parte, dentre as quais se previu que para cada um dos hotéis haveria um volume mínimo de energia a ser adquirido, que servia de base para pagamento do menor valor mensal, ainda que a energia consumida não chegasse nesse patamar.
Ocorre que logo após a assinatura dos contratos, em fevereiro de 2020, o mundo foi surpreendido pela ocorrência da pandemia de COVID-19, que impactou severamente a área de hotelaria, visto que muito hotéis ficaram fechados durante um longo prazo por falta de hóspedes. Foi em razão disso que a rede hoteleira se viu na contingência de revisar as obrigações oriundas dos contratos celebrados, porquanto, de um lado, a energia que passou a consumir não chegava nem perto do patamar estabelecido como volume mínimo, onerando excessivamente suas despesas, e por outro lado suas receitas haviam praticamente desaparecidos, ao ponto de ver-se impossibilitada de arcar com os custos mensais dos contratos.
A primeira tentativa de renegociar suas obrigações foi feita pela via extrajudicial, cuja medida, porém, não surtiu qualquer efeito diante da resistência da empresa comercializadora da energia. A referida rede, então, viu-se compelida a ajuizar ação judicial com o escopo de revisar as cláusulas do contrato ante a ocorrência de evento superveniente e imprevisível às partes, tendo o MM. Juiz de Direito da 1ª Vara de Fazenda Pública de Curitiba concedido a liminar requerida para suspender a obrigação da aquisição dos volumes mínimos contratados enquanto perdurassem os efeitos da pandemia de COVID-19 e determinar que nesse período a comercializadora de energia realizasse a cobrança tão somente da energia efetivamente consumida. Na mesma decisão o magistrado determinou ainda que a companhia elétrica se abstivesse de adotar qualquer medida direta ou indireta de repressão ao conglomerado, aí incluída a execução da garantia financeira que foi apresentada por eles como condição para a celebração dos contratos.
A ação foi ajuizada e é acompanhada pelos advogados Renato Ayres Martins de Oliveira e Milena Ferreira dos Santos Hermano, integrantes do escritório CMARTINS Advogados.
Consumidor analfabeto não consegue anular empréstimo consignado após usar dinheiro
Magistrado considerou que o cliente utilizou o dinheiro depositado em sua conta. “Fez uso e depois vem a juízo alegar nulidade no negócio jurídico”.
O juiz de Direito Edilson Chaves de Freitas, do JEC de Portalegre/RN, julgou improcedente o pedido de consumidor analfabeto que pretendia a nulidade do contrato de empréstimo consignado por não reconhecer a contratação e por não ter sido formalizado por instrumento público, ainda que tenha recebido e feito uso do dinheiro creditado em sua conta.
Caso
Um consumidor analfabeto ingressou com ação judicial requerendo o reconhecimento da inexistência de dívida referente a um contrato de empréstimo consignado e a reparação dos danos materiais e morais, por supostamente se tratar de empréstimo fraudulento ou realizado em desconformidade com a legislação vigente quanto à forma (ausência de escritura pública).
Citada, a instituição financeira apresentou contestação e esclareceu que a celebração do negócio jurídico atendeu a legislação em vigor. Na sequência, o autor apresentou réplica à contestação, oportunidade em que “teria se limitado a apresentar argumentos genéricos”.
Ao analisar o caso, o juiz destacou que está provado que o autor é analfabeto. Quanto aos contratos de empréstimos consignados, segundo o magistrado, fixou-se entendimento inicial no sentido de que para a validade do negócio jurídico se fazia necessário que a contratação fosse realizada mediante escritura pública ou através de procurador constituído.
“Ocorre que atualmente, após refletir bastante sobre a matéria e em razão de atualizações legislativas (inclusive da Instrução Normativa n. 28 de 19/05/2008 que foi atualizada em 2019), estou convencido de que os fundamentos da interpretação anterior não subsistem mais.”
Sendo assim, para o juiz, não há amparo legal para declarar a nulidade de contrato de empréstimo consignado com base exclusivamente no fato de não ter sido firmado mediante escritura pública.
“Como a alegação é de que não celebrou o contrato, deveria, assim que tomasse conhecimento do valor depositado na sua conta, fazer o depósito judicial da quantia e requerer o reconhecimento da nulidade do contrato. No entanto, não foi isso que fez.”
O magistrado afirmou ainda que o cliente ignorou o dinheiro depositado em sua conta, não devolvendo à instituição financeira. “Pelo contrário, fez uso e depois vem a juízo alegar nulidade no negócio jurídico”.
Edilson Chaves de Freitas salientou também que houve um aumento exponencial de demandas dessa natureza, geralmente proposta por um pequeno grupo de advogados.
Diante do exposto, julgou os pedidos do autor improcedentes.
Judiciário atento
O advogado Nelson Monteiro de Carvalho Neto, que representa a empresa reclamada, afirma que o Judiciário tem se mostrado bastante atento a esse tipo de situação, de modo a evitar o enriquecimento sem causa, “sendo inaceitável a postura da pessoa analfabeta que, sabidamente capaz de gerir os atos da vida civil, contrata o empréstimo e, em seguida, busca o reconhecimento judicial da nulidade do contrato por alegada inobservância de formalidade legal, sem sequer manifestar a intenção de devolver o dinheiro comprovadamente recebido”.
Segundo o causídico, a sentença é exemplar para coibir o oportunismo daqueles que, inadvertidamente, submetem ao Judiciário a discussão da nulidade do contrato celebrado por pessoas analfabetas.
Referências
- Processo: 0800036-52.2020.8.20.5150
Veja a sentença.
Fonte: Migalhas
Consumidora que não buscou solução consensual com banco tem inicial indeferida
Consumidora que não buscou solução consensual com banco tem inicial indeferida
A juíza de Direito Marcelle Adriane Farias Silva, da 1ª vara Cível de Santa Luzia/MA, indeferiu petição inicial de consumidora que não comprovou ter buscado solução consensual de conflito com uma instituição financeira, através da plataforma digital consumidor.gov.br.
A cliente ingressou com ação judicial contra instituição financeira, pretendendo a suspensão dos descontos no benefício do INSS e a reparação de danos materiais e morais, por não reconhecer o contrato de empréstimo consignado em seu nome.
Pedido inicial indeferido
O pedido inicial foi indeferido por a autora não ter comprovado, no prazo que lhe foi oportunizado, o protocolo do seu pedido no site consumidor.gov.br, no qual a instituição financeira demandada está cadastrada.
Na sentença, a juíza destacou que “há que se exigir da parte, ao ajuizar a ação, a comprovação de que houve uma injustificada recusa ao atendimento de sua pretensão, sendo esta demonstração uma verdadeira condicionante para a admissibilidade do seu pedido e, por consequência, requisito inafastável para a apreciação do mérito”.
A magistrada ressaltou ainda que “as limitações orçamentárias impõem a cooperação de todos os agentes para que antes de recorrerem ao Poder Judiciário busquem as vias alternativas de composição de litígios, bem mais baratas, contribuindo assim para que as demandas judicializadas possam ser apreciadas dentro de um prazo razoável de duração, o que é benéfico para todos”.
Necessidade de comprovação da prévia tentativa de autocomposição
O advogado Nelson Monteiro de Carvalho Neto (foto), sócio do escritório CMARTINS Advogados, que atua para a empresa reclamada, argumenta que a determinação judicial de comprovação da prévia tentativa de autocomposição, através da plataforma digital disponibilizada ao consumidor, não significa, absolutamente, ofensa ao princípio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário, pois, não havendo demonstração pelo autor da ação de que houve uma pretensão efetivamente resistida, deixa o demandante de justificar o seu interesse de agir, que constitui um elemento indispensável para se postular em juízo.
O causídico afirma ainda que, especialmente no cenário atual de sobrecarga no Poder Judiciário, não é concebível a movimentação da máquina judiciária, sabidamente custosa aos cofres públicos e, no final das contas, aos próprios contribuintes, sem que o consumidor tenha buscado resolver o problema ou proteger o seu direito através dos canais de comunicação disponibilizados pelas empresas fornecedoras de bens e prestadoras de serviço, ou ainda através das plataformas de solução consensual de conflito, preferindo travar uma discussão processual demorada e perfeitamente evitável.
Segundo o advogado, a sentença prolatada pela magistrada está em sintonia com diversos julgamentos dos tribunais do país e, especialmente, do STJ e do STF, no sentido de que a decisão que determina a suspensão do processo para prévia tentativa de resolução extrajudicial do conflito não ofende o direito de ação, pois plenamente garantido em caso de pretensão resistida.
- Processo: 0802095-76.2019.8.10.0057
Leia a decisão.
Fonte: Migalhas