PGE/RJ regulamenta no âmbito do Estado do Rio procedimento de autocomposição de controvérsias envolvendo a administração pública estadual

Month: março 2022


Por Mariana Cardoso Martins

Foi publicada em 24/03/2022 a Resolução PGE/RJ nº 4.827, de 16 de março de 2022, concebida para regular a autocomposição como forma de resolução de conflitos envolvendo a administração pública do Estado do Rio de Janeiro e de redução da litigiosidade administrativa e no âmbito do poder judiciário.

A norma regulamenta a utilização de ferramentas como a mediação e a negociação para prevenir ou resolver conflitos judicializados ou não. Para os já judicializados, há possibilidade de firmamento de acordo em qualquer fase do processo, inclusive após o trânsito em julgado da fase de conhecimento.

A celebração do termo de autocomposição se dará na Câmara Administrativa de Resolução de Controvérsias – CASC, e será, via de regra, precedida das seguintes etapas: (i) o exame de probabilidade de êxito das teses defendidas pelas partes; (ii) aferição da viabilidade jurídica do acordo, com a verificação da etapa em que o processo se encontra, no caso de matérias já ajuizadas; (iii) avaliação da economicidade do acordo para o Estado; (iv) autorização para celebração na forma da legislação, quando necessária; (v) homologação em juízo, quando aplicável.

A Resolução também traz a possibilidade de se padronizar propostas de acordo para determinadas matérias postas em litígio, o que será feito por meio de planos de negociação elaborados pela Procuradoria de Métodos Adequados de Solução de Controvérsias e Direitos Humanos, dispensando-se algumas das etapas acima elencadas. Os planos de negociação conterão os fundamentos para o acordo, a metodologia de cálculo a ser empregada, a indicação de deságio mínimo ou padrão ou a obrigação a ser satisfeita, e ainda a forma adequada para seu cumprimento.

A norma, muito embora aplicável à administração pública enquanto inadimplente no cumprimento de uma determinada obrigação, revela a abertura da PGE/RJ à adoção de soluções preventivas e consensuais, na esteira das normas fundamentais elencadas no código de processo civil – CPC.

Aos contribuintes do setor privado, coube a modernização das regras para a celebração do negócio jurídico processual (NJP) nos processos ajuizados contra ou pelo Estado do Rio de Janeiro, por meio da Resolução PGE nº 4.826/2022, que será objeto de nota específica.

Ainda se aguarda a publicação de Lei regulamentando a transação para equacionamento de dívidas tributárias ajuizadas ou não pela PGE/RJ. Existe um Projeto de Lei em fase de amadurecimento na ALERJ que, se aprovado, instituirá mais essa ferramenta para solução de controvérsias no Estado do Rio.

Nossa equipe tributária está atenta às modificações legislativas e à implementação de novas ferramentas de consensualidade em todo o país.



STJ decide controvérsia do tema 1.085: São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários

Month: março 2022


Por Fabiane Pinto de Sá Ferreira

Por Fabiane Pinto de Sá Ferreira

Nesta terça-feira, 15/03/22, sob o rito dos recursos especiais repetitivos, o STJ definiu a tese sobre a não aplicabilidade da limitação de 30%, prevista na Lei 10.820/2003 (artigo 1º, § 1º), aos contratos de empréstimos bancários livremente pactuados com previsão de desconto em conta-corrente, ainda que usada para o recebimento de salário.

Fixou-se, portanto, a seguinte tese como referência ao Tema 1085: “São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.”

Os Recursos Especiais selecionados como representativos da controvérsia são os de números 1.863.973, 1.872.441 e 1.877.113, cujo colegiado havia determinado a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versavam sobre a questão no território nacional. A fixação da tese jurídica com força vinculativa teve como pilares nodais a isonomia, economia de tempo e a segurança jurídica.

A tese fixada no Tema 1085 foi no sentido da não aplicabilidade da limitação de margem consignável, consideradas as características intrínsecas do contrato de conta-corrente, como, por evidência, o fato de que essa modalidade de pagamento não consubstancia indevida retenção de patrimônio alheio, na medida em que o desconto é precedido de expressa autorização do titular, como manifestação de sua vontade, por ocasião da celebração do contrato de mútuo. É um equívoco equiparar o desconto em conta-corrente a uma dita constrição de salários, uma vez que o desconto, devidamente avençado e autorizado pelo mutuário, não incide, propriamente, sobre a remuneração ali creditada, mas sim sobre o numerário existente, sobre o qual não se teve nenhuma individualização ou divisão.

Conforme debatido pela ilustre relatoria, “é justamente em virtude do modo como o empréstimo consignado é operacionalizado que a lei estabeleceu um limite, um percentual sobre o qual o desconto consignado em folha não pode exceder. Revela-se claro o escopo da lei de, com tal providência, impedir que o tomador de empréstimo, que pretenda ter acesso a um crédito relativamente mais barato na modalidade consignado, acabe por comprometer sua remuneração como um todo, não tendo sobre ela nenhum acesso e disposição, a inviabilizar, por consequência, sua subsistência e de sua família. Diversamente, nas demais espécies de mútuo bancário, o estabelecimento (eventual) de cláusula que autoriza o desconto de prestações em conta-corrente, como forma de pagamento, consubstancia uma faculdade dada às partes contratantes, como expressão de sua vontade, destinada a facilitar a operacionalização do empréstimo tomado, sendo, pois, passível de revogação a qualquer tempo pelo mutuário.”

Dentre outras objeções analisadas pela corte, destaca-se a pretendida limitação dos descontos em conta-corrente, por analogia à Lei 10.820/2003, que não seria um instrumento eficaz e legítimo para combater o superendividamento, com vistas à preservação do mínimo existencial do mutuário. A pretensão, além de subverter todo o sistema legal das obrigações ao modificar os termos ajustados, é ineficiente sob o prisma geral da economia e sob o enfoque individual do mutuário ao controle do excesso de dívidas. A medida, sem nenhum respaldo legal, importaria em dois impactos econômicos-sociais: (i) numa infindável amortização negativa do débito, com o aumento mensal e exponencial do saldo devedor, sem que haja a devida conscientização deste devedor a respeito do crédito responsável e (ii) na generalização de impedir ao credor a possibilidade de renegociação do débito, o que culminaria, como efeito colateral, no encarecimento do crédito.

É cediço que a prevenção ao superendividamento não se dá por meio de uma indevida intervenção judicial nos contratos, em substituição ao legislador. A esse respeito, a Lei n. 14.181/2021, que alterou disposições do Código de Defesa do Consumidor, já veio para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

A partir da definição do tema, é primordial que os advogados orientem seus clientes quanto ao descabimento de limitação de margem nos empréstimos de conta-corrente,  promovendo o desestímulo de ajuizamento de ações e garantindo a observância do procedimento conciliatório previsto no Art. 104-A. do CDC, via correta para demanda do superendividado, por meio da mediação entre credores ou instauração de processo de repactuação de dívidas.