STJ decide controvérsia do tema 1.085: São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários


Por Fabiane Pinto de Sá Ferreira

Por Fabiane Pinto de Sá Ferreira

Nesta terça-feira, 15/03/22, sob o rito dos recursos especiais repetitivos, o STJ definiu a tese sobre a não aplicabilidade da limitação de 30%, prevista na Lei 10.820/2003 (artigo 1º, § 1º), aos contratos de empréstimos bancários livremente pactuados com previsão de desconto em conta-corrente, ainda que usada para o recebimento de salário.

Fixou-se, portanto, a seguinte tese como referência ao Tema 1085: “São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.”

Os Recursos Especiais selecionados como representativos da controvérsia são os de números 1.863.973, 1.872.441 e 1.877.113, cujo colegiado havia determinado a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versavam sobre a questão no território nacional. A fixação da tese jurídica com força vinculativa teve como pilares nodais a isonomia, economia de tempo e a segurança jurídica.

A tese fixada no Tema 1085 foi no sentido da não aplicabilidade da limitação de margem consignável, consideradas as características intrínsecas do contrato de conta-corrente, como, por evidência, o fato de que essa modalidade de pagamento não consubstancia indevida retenção de patrimônio alheio, na medida em que o desconto é precedido de expressa autorização do titular, como manifestação de sua vontade, por ocasião da celebração do contrato de mútuo. É um equívoco equiparar o desconto em conta-corrente a uma dita constrição de salários, uma vez que o desconto, devidamente avençado e autorizado pelo mutuário, não incide, propriamente, sobre a remuneração ali creditada, mas sim sobre o numerário existente, sobre o qual não se teve nenhuma individualização ou divisão.

Conforme debatido pela ilustre relatoria, “é justamente em virtude do modo como o empréstimo consignado é operacionalizado que a lei estabeleceu um limite, um percentual sobre o qual o desconto consignado em folha não pode exceder. Revela-se claro o escopo da lei de, com tal providência, impedir que o tomador de empréstimo, que pretenda ter acesso a um crédito relativamente mais barato na modalidade consignado, acabe por comprometer sua remuneração como um todo, não tendo sobre ela nenhum acesso e disposição, a inviabilizar, por consequência, sua subsistência e de sua família. Diversamente, nas demais espécies de mútuo bancário, o estabelecimento (eventual) de cláusula que autoriza o desconto de prestações em conta-corrente, como forma de pagamento, consubstancia uma faculdade dada às partes contratantes, como expressão de sua vontade, destinada a facilitar a operacionalização do empréstimo tomado, sendo, pois, passível de revogação a qualquer tempo pelo mutuário.”

Dentre outras objeções analisadas pela corte, destaca-se a pretendida limitação dos descontos em conta-corrente, por analogia à Lei 10.820/2003, que não seria um instrumento eficaz e legítimo para combater o superendividamento, com vistas à preservação do mínimo existencial do mutuário. A pretensão, além de subverter todo o sistema legal das obrigações ao modificar os termos ajustados, é ineficiente sob o prisma geral da economia e sob o enfoque individual do mutuário ao controle do excesso de dívidas. A medida, sem nenhum respaldo legal, importaria em dois impactos econômicos-sociais: (i) numa infindável amortização negativa do débito, com o aumento mensal e exponencial do saldo devedor, sem que haja a devida conscientização deste devedor a respeito do crédito responsável e (ii) na generalização de impedir ao credor a possibilidade de renegociação do débito, o que culminaria, como efeito colateral, no encarecimento do crédito.

É cediço que a prevenção ao superendividamento não se dá por meio de uma indevida intervenção judicial nos contratos, em substituição ao legislador. A esse respeito, a Lei n. 14.181/2021, que alterou disposições do Código de Defesa do Consumidor, já veio para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

A partir da definição do tema, é primordial que os advogados orientem seus clientes quanto ao descabimento de limitação de margem nos empréstimos de conta-corrente,  promovendo o desestímulo de ajuizamento de ações e garantindo a observância do procedimento conciliatório previsto no Art. 104-A. do CDC, via correta para demanda do superendividado, por meio da mediação entre credores ou instauração de processo de repactuação de dívidas.