O Dano moral imoral
A doutrina e a jurisprudência dominante sobre o tema tem admitido ao longo do tempo que a indenização por violação tanto a amoral subjetiva tanto à objetiva pode ter um caráter pedagógico punitivo no sentido não de reparar qualquer lesão mas de punir o recalcitrante pela lesão que o mesmo veio a cometer desestimulando-o a continuar assim agindo.
Nesse breve ensaio, iremos defender que indenizar uma lesão que não existe, no caso a lesão moral, apenas para punir o pretenso e hipotético ofensor traduz uma postura que pode ser caracterizada como imoral, já que o valor arbitrado para tal objetivo não é depositado em prol do Estado ou num fundo especial, mas sim é remetido para “o bolso do ofendido”, que não precisa ser indenizado, para tal escopo.
Nesse viés, indenizar aquele que nada tem a ser indenizado apenas para punir, ainda que sob a justificativa de representar uma postura pedagógica significa “aquecer”, o mercado do dano moral, alem de transgredir preceitos processuais consagrados em nosso ordenamento jurídico.
Tal se afirma, tendo em vista falecer legitimamente ao demandante para postular a condenação do réu e em prol de terceiros, a quem não representa, o que iria acontecer com a fixação de uma singela multa para ser paga por aquele que tivesse cometido alguma postura que a luz do Judiciário merecesse reprimenda.
A rigor, apenas poderia vindicar a exasperação da indenização caso argumentasse não sê-la bastante para reparar o prejuízo alegado, mas jamais poderá buscar do Poder Judiciário uma condenação para que o réu não viesse, imaginariamente, a reproduzir a conduta inquinada de ilícita e danosa frente a outros.
Tratando-se de lide sobre direito eminentemente individual, ao demandante é vedado procurar emprestar á sentença uma dimensão difusa, com projeção de efeitos positivos no patrimônio jurídico de sujeitos que não integram a relação processual.
Como bem sinalizado pela doutrina pátria, art. 6º do Código de Processo Civil congrega a legitimação para a causa e a legitimação para o processo, de modo a somente poder ser a parte da demanda aquele que seja também o titular da pretensão deduzida em juízo. Em outras palavras, em sede de litígio individual, ninguém poderá formular pedido que vise a satisfazer uma determinada pretensão de terceiro, titular do direito material próprio.
Diferentemente ocorre com as demandas que envolvam direitos difusos lato sensu, pertencentes a todos, mas que não são públicos, no sentido tradicional do vocabulário.São, em verdade, transindividuais ou metaindividuais, “derivados da massificação da vida em sociedade e do surgimento de novas “modalidades” de conflitos, relativamente aos quais o sistema processual centrado na iniciativa do titular do direito subjetivo não tem como fornecer respostas eficazes.
Pois bem, resgatando o pensamento que deu origem a este ensaio, pode-se asseverar que o titular de direito material, quando postular individualmente em juízo, devera se limitar a reparação do prejuízo que alegue ter experimentado, sem interferir na relação que o causador do dano tenha com outros sujeitos que não sejam parte da demanda.
Se ao demandante está vedado invocar a tutela jurisdicional relativamente a direitos de que não seja titular (salvo as exceções legais), e o juiz não pode de outro lado, decidir a lide ultrapassando dos limites em que foi proposta, não poderá de igual sorte impingir do demandado condenação de matiz punitivo com o escopo de evitar que o mesmo venha a ter idêntico comportamento, tido por indevido, frente a outros sujeitos que não integram o núcleo social.
Arriscando um avanço em tão tormentosa questão, não nos afiguraria incorreto dizer que também faltaria o interesse de agir ao litigante individual, tendo em vista que nada lhe aproveitará a condenação do réu para que não mais venha a praticar determinados atos frente a outros sujeitos que se encontrem em igual situação, o que corrobora o entendimento de ser-lhe vedado formular pedidos de tal natureza.
Por ultimo, não se olvide que o art. 402 da lei substantiva civil condiciona a indenização à reparação (no caso, compensação), pelos prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito direto e imediato da lesão, pelo que não seria licito deferir-se majoração da verba compensatória, conferindo-lhe jaez de multa, que como esposado em tópico próprio, não encontra esteio em qualquer disposição do ordenamento jurídico.
Quer-nos parecer que a defesa da moral é um valor dos mais caros ao ordenamento jurídico, e que encontra-se hospedado no texto fundante republicano, mas tal meta não pode ser atendida com a imposição de punições pecuniárias que busquem indenizar direitos que , de fato, não foram sequer violados, pois ai incorreríamos num grave equivoco de promover a imoralidade para proteger o valor da moral o que, a todas as luzes o presente artigo busca alertar como medida de necessária reflexão para o amadurecimento do posicionamento até então majoritário a respeito do tema.
A Lei de Usura e as empresas de Factoring
A lei nº 8.981 de 20 de janeiro de 1995, conceituou o contrato de faturização nos moldes tracejados pelo §1º do art. 28, consoante os termos adiante declinados, a saber: “prestação cumulativa e continua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de créditos, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber compra de direitos creditórios resultantes de verbas mercantis a prazo ou de prestação de serviços.
A compra de créditos no fomento mercantil opera-se pela cessão de créditos e por endosso dos títulos a favor do fomentador (faturizador).
O factoring configura-se negocio complexo que não se confunde com a simples cessão e, tampouco, com o instituto tradicional do endosso, mas traduz fidedigno amálgama de ambas as figuras, adicionadas, ainda, ao objeto do financiamento da empresa faturizada ou de sua gestão financeira.
É permitido ao faturizador selecionar os créditos quando da apresentação das faturas pela empresa emitente dos títulos, ocasião em que assume o risco com a operação, mantendo contra a faturizada, direito de regresso. Ao aceitar o titulo apresentado pelo faturizador, assume, de forma exclusiva, o risco pela solvência do sacado, não podendo transferir essa obrigação àquele, que se obriga tão somente quanto a existência de credito ao tempo em que lhe cedeu. (CC, art. 295)
Na compra de credito pela fomentadora, o endosso, por força do contrato, traz clausula especial “sem garantia”, isto é, o endossante se desobriga a garantir o pagamento da letra (LUG, art. 15, segunda alínea).
Na orbita do sistema financeiro brasileiro o contrato que contempla maior similitude com o fomento mercantil, de fato e de verdade é o contrato de desconto bancário de títulos de credito.
A principal diferença entre ambos encontra-se na constituição e no exercício do instituto denominado de “direito de regresso”, vale dizer, o mesmo não existe na faturização mas encontra-se de forma exuberante presente no desconto bancário.
De fato, o faturizado (que pode ser uma pessoa física ou jurídica) não garante o recebimento do valor faturizado, ainda que a operação originária venha se revelar inadimplente ou mesmo que o devedor originário viesse a se envolver num quadro de insolvência ou mesmo da falência.
De outro viés, a instituição financeira (banco) ao descontar um título de credito desfruta de garantia que lhe é conferida pelo cedente pelo endosso.
Ora, se no vencimento não sobrevier o pagamento da obrigação pactuada o banco desfruta de duas alternativas, quais sejam: a) cobrar em regresso, do cliente, ou buscar a satisfação do seu credito do instituidor do titulo cambial que deu ensejo ao contrato de desconto.
Tal prerrogativa, não se implementa na relação jurídica do contrato de faturização, sendo certo que a empresa faturizadora, que adquiriu o credito e não recebeu o correspectivo adimplemento do mesmo apenas poderá voltar-se em face daquele deu original ao pré citado titulo de credito, isso porque como já destacado anteriormente a transferência do titulo, objeto da negociação foi consubstanciada na forma do art. 15 da LUG, portanto sem constituir qualquer vinculo de garantia entre faturizado e faturizador.
Nessa linha de principio, remarque-se o aspecto de que as operações de desconto somente podem ser implementadas por instituições financeiras, ou seja, aquelas conceituadas como tal na linha do dispõe a Lei 4595/64, que criou o Sistema Financeiro Nacional, bem assim considerando a estrutura normativa também prevista na Lei Complementar nº 105.
Diante de tal contexto, a instituição financeira descontária, poderá cobrar juros considerando o parâmetro instituído no velho e revelho verbete 596 as sumula do Supremo Tribunal Federal que, cristalizou a vetusta jurisprudência pátria no sentido de que os integrantes do sistema financeiro nacional, não se encontram limitados pelo Decreto 22.626/33, conhecido de longa data como Lei de Usura.
Destaque-se ainda que, na operação de desconto bancário os juros são mais atraentes para a instituição financeira tendo em vista que, seu limite, é aquele imposto nas resoluções do Banco Central do Brasil, além do que considerando o direito de regresso que é imanente a tal avença contratual o risco de inadimplemento é de menor envergadura do que aquele ao qual se submetem as empresa de fomento mercantil.
Deveras, o faturizador, ao adquirir credito de terceiros (o faturizado), estabelece um “ágio” de maior amplitude, exatamente porque o risco que assume também traduz-se em patamar superior à aquele já referenciado no contrato de desconta bancário, alem do que não se pode praticar na avença juros que ultrapassem os umbrais da Lei de Usura.
Nesse sentido, o STJ decidiu: “As empresas de factoring não se enquadram no conceito de instituições financeiras, e por isso os juros remuneratórios estão limitados a 12% ao ano, nos termos da Lei de Usura” (REsp 1048341 – RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4º T, Jul. em 04.02.09, DJE 09.03.09)