Possibilidade de cumulação de multa cominatória com danos morais cobrados pelo descumprimento de ordem judicial
Como sabemos, a Lei Processual Civil traz instrumentos para que se dê efetividade às decisões judicial, em especial aquelas que imputam a uma das partes uma obrigação de fazer ou não fazer. E o fazem através da possibilidade de o magistrado, na própria decisão que determina o cumprimento de determinada obrigação, arbitrar uma multa para incidir em certa periodicidade ou mesmo por evento que contrarie a decisão judicial.
Até mesmo nas obrigações de pagar quantia certa, a Lei Processual encontrou na multa o elemento coercitivo para dar efetividade e celeridade ao cumprimento dos julgados.
Entretanto, em algumas situações nem mesmo este elemento é suficiente para compelir o devedor a cumprir certa decisão judicial. Há casos em que a multa é arbitrada com um teto máximo para sua incidência, tendo em vista que, uma vez que a multa é devida ao Exequente, não poderia ela configurar um ganho desarrazoado à parte. o artigo 537, §1º, I, expressamente prevê que o magistrado pode modificar ou mesmo excluí-la caso se torne excessiva.
Devemos lembrar que o objetivo da Lei é, por certo, o cumprimento das decisões judiciais e as obrigações nela existentes, e não o pagamento de vultosas quantias decorrentes de multas.
Mas, e quando a impontualidade do devedor de uma obrigação de fazer, ao não cumpri-la no prazo estipulado, acaba por gerar dano a outrem? Seria possível, em outro processo, uma vez que a lide da qual surgiu a obrigação já está delineada, requerer a condenação do devedor em perdas e danos, estes eminentemente morais ou extrapatrimoniais? A resposta, segundo o entendimento manifestado pela E. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, é positiva.
Através do julgamento do REsp 1.689.074, o Ministro Moura Ribeiro, relator do recurso, entendeu ser possível a cumulação da multa cominatória anteriormente arbitrada em obrigação de fazer e a cobrança, em ação autônoma, de indenização por danos morais, pelo descumprimento da referida obrigação.
Nas palavras do Ministro Moura Ribeiro, “os institutos têm natureza jurídica diversa. A multa tem finalidade exclusivamente coercitiva, e a indenização por danos morais tem caráter reparatório, de cunho eminentemente compensatório – portanto, perfeitamente cumuláveis”.
A hipótese analisada versava sobre uma sentença de procedência proferida em ação judicial ajuizada por um consumidor que concedia a ele uma indenização por danos morais pela ausência de cumprimento de obrigação de fazer com multa cominatória arbitrada em outra decisão.
Na hipótese dos autos, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao julgar recurso da instituição bancária, entendeu que o consumidor deveria requer a execução e o levantamento da multa cominatória arbitrada na decisão que determinou o seu comprimento. Para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, seria impossível arbitrar indenização por um fato em que já há multa cominatória arbitrada.
A Terceira Turma, através de acórdão publicado em 18 de Outubro, entendeu que a natureza dos dois institutos são diferentes e, por tal motivo, poderiam ser cobradas de maneira independente. Para o Ministro, a indenização visa reparar um dano causado por um ato ilícito, sofrido por alguma agressão ou atentado contra a dignidade, ao passo que a multa cominatória teria cabimento pelo descumprimento de ordens judiciais. O Ministro Relator foi acompanhado pelos Ministros Nancy Andrigui, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Boas Cueva e Marco Aurélio Belizze.
Devemos alertar que, em que pese o entendimento exposto no julgado em referência, tanto a multa cominatória quanto eventual condenação em danos morais possuem um elemento em comum: o caráter pedagógico-punitivo. Resta claro que a multa visa coibir o descumprimento de decisão judicial, ao passo que a indenização por danos morais, ainda que não exclusivamente, visa fazer com que o causador do dano cesse a prática de algum ato ilícito, assemelhando e equiparando, embora tenham naturezas distintas, os dois institutos analisados.
Olhando com a devida cautela para a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, temos a certeza que, independentemente de sua correção, as quantias não podem configurar no enriquecimento sem causa da parte, e devem se pautar no Princípio da Razoabilidade, sob pena de desvirtuarem o seu principal objetivo.
Principais aspectos da Lei Federal 13.726 e a desburocratização dos procedimentos administrativos
Sempre nos questionamos, quando temos que fornecer documentos a algum órgão público, se é necessária a enorme burocracia em comprovar a autenticidade das cópias que, invariavelmente, são acompanhadas dos respectivos documentos originais no mesmo momento.
Aliás, a burocracia em nosso país se mostra uma das principais causas da composição do chamado “custo Brasil”, que encarece e dificulta o fornecimento de produtos e, principalmente, serviços, fazendo “bem” apenas a pequena parcela que dela se serve.
Há um clamor generalizado pela redução da burocracia em nosso país, uma vez que a redução e facilitação de etapas para obtenção de documentos, licenças, alvarás e outros instrumentos necessários para a atividade produtiva poderia beneficiar a todos.
E não é apenas o benefício econômico que deve ser levado em consideração: o benefício social é inegável com a desburocratização de procedimentos administrativos perante os entes públicos e seus órgãos.
Um passo importante foi dado com a sanção presidencial da Lei Federal 13.726, publicada no Diário Oficial da União em 08 de Outubro de 2018.
Esta Lei versa sobre a racionalização dos atos e procedimentos administrativos e em todos os entes federativos e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação.
Seu maior objetivo é, como o próprio texto legal expressa, suprimir e simplificar formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário quanto para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude[1].
Alguns aspectos importantes são trazidos na nova Lei quanto à relação do cidadão com os órgãos e entidades dos Poderes da União, Distrito federal, Estados e Municípios, tais como[2]:
I – Reconhecimento de firma, devendo o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar sua autenticidade no próprio documento;
II – Autenticação de cópia de documento, cabendo ao agente administrativo, mediante a comparação entre o original e a cópia, atestar a autenticidade;
III – Juntada de documento pessoal do usuário, que poderá ser substituído por cópia autenticada pelo próprio agente administrativo;
IV – Apresentação de certidão de nascimento, que poderá ser substituída por cédula de identidade, título de eleitor, identidade expedida por conselho regional de fiscalização profissional, carteira de trabalho, certificado de prestação ou de isenção do serviço militar, passaporte ou identidade funcional expedida por órgão público;
V – Apresentação de título de eleitor, exceto para votar ou para registrar candidatura;
VI – Apresentação de autorização com firma reconhecida para viagem de menor se os pais estiverem presentes no embarque.
Deve-se ainda destacar que, na forma do texto legal, “é vedada a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação de outro documento válido”[3], o que certamente contribuirá ainda mais para a agilidade na obtenção de documentos e registros em repartições públicas.
A Lei também cria o Selo de Desburocratização e Simplificação, que será concedido aos órgãos públicos, e será destinado a reconhecer e estimular projetos que simplifiquem o funcionamento da administração pública.
Há, inclusive, previsão de premiação para os órgãos ou entidades que forem selecionadas pela realização das práticas descritas acima.
Desta forma, entendemos ser importante e fundamental o movimento adotado pelo legislador para a desburocratização perante os órgãos públicos ligados aos entes federativos. E que outros movimentos como este sejam implementados, uma vez que é inegável o ganho econômico e social com tais medidas.
[1] Art. 1º Esta Lei racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios mediante a supressão ou a simplificação de formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário como para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude, e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação.
[2] Art. 3º Na relação dos órgãos e entidades dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com o cidadão, é dispensada a exigência de:
[3] § 1º É vedada a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação de outro documento válido.
Superior Tribunal de Justiça prossegue julgando sobre a mitigação do rol previsto no artigo 1.015 do Código de Processo Civil com votos divergentes
Há dias atrás, escreveu-se aqui sobre a mitigação da taxatividade do rol de hipóteses de cabimento de Agravo de Instrumento conforme preconiza o artigo 1.015 do Código de Processo Civil. À época, discutia-se o voto da Ministra Nancy Andrigui, relatoria dos Recursos Especiais afetados (RESp 1.704.520 e 1.696.396), e seu entendimento.
Lembramos que o tema foi cadastrado sob o n.º 988 quanto aos Recurso Repetitivos, com a seguinte redação:
“Definir a natureza do rol do artigo 1.015 do CPC/2015 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos do referido dispositivo do novo CPC.”
Naquela oportunidade, a Ministra mitigou a taxatividade do rol constante do artigo 1.015 do Código de Processo Civil em seu voto, tendo havido pedido de vista pela Exma. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Posicionou-se aqui anteriormente que se entendia como acertada a posição adotada pela Ministra Nancy Andrigui, uma vez que, ao que parece, o simples impedimento de manejo do Agravo de Instrumento não pode ser a única forma de dar celeridade ao processo. Ao contrário, o recurso deve ser permitido em todas as situações em que se observe um requisito objetivo: a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação – impedindo o engessamento das hipóteses legais de cabimento do Agravo de Instrumento contidas no artigo 1.015 do Código de Processo Civil.
No dia 19 de Agosto, a Ministra Maria Thereza abriu divergência ao voto da eminente Relatora.
Em suas razões, há que se destacar o que se segue:
“A tese trará mais problemas que soluções, porque certamente surgirão incontáveis controvérsias sobre a interpretação dada no caso concreto. Como se fará a análise da urgência? Caberá a cada julgador fixar de modo subjetivo o que será urgência no caso concreto?”
Prosseguindo com seu voto, a eminente Ministra destacou que eventual mitigação deveria ter sido proposta pelo legislador Ordinário, e não caberia, portanto, ao Superior Tribunal de Justiça a substituição desse legislador.
Por fim, concluiu a Ministra Maria Thereza:
“Somente tem cabimento o agravo de instrumento nas hipóteses previstas expressamente no artigo 1.015 do CPC/15. No mais, seria caso de um projeto de lei.“
Após ter votado a Ministra Maria Thereza abrindo a divergência, pediu vista o Ministro Otávio Noronha, que levou o tema a julgamento novamente no último dia 03 de Outubro.
Em seu voto, o Ministro acompanhou a divergência inaugurada pela Ministra Maria Thereza, ressaltando que apenas a lei poderia “criar” recursos, salientando que “não é dado ao intérprete rediscutir os critérios de cabimento do recurso se o legislador pretendeu restringir”. Na mesma linha de pensamento, ainda votou o Ministro Humberto Martins na mesma sessão, dizendo que “o rol do artigo. 1.015 é taxativo e apenas as decisões interlocutórias, no sentido de que possam ser impugnadas por agravo de instrumento, tem que obedecer aquelas enumeradas no art. 1015.”
A limitação do entendimento de que o rol, porque teria o legislador assim optado, seria taxativo, inadmitindo qualquer outra hipótese, em verdade, poderia impedir que situação de lesão ou grave ameaça a direito simplesmente não pudesse ser discutida antes de eventual sentença.
Tal reflexão se mostra importante, mas preocupa no sentido de que limitaria inclusive o poder do magistrado em julgar conforme outras fontes do direito, como, claramente, os princípios. Não se pretende aqui ingressar em discussão aprofundada sobre o Direito Alternativo, mas sabe-se que o Juiz se depare com situação injusta cuja solução depende da não aplicação da Lei e sim de princípios, deve o magistrado optar pelo segundo caminho.
O Magistrado deve garantir o resultado útil do processo, garantir a tutela jurisdicional a fim de que situações não gerem às partes danos irreparáveis. Ainda que tais situações se apresentem a ele no processo.
Ainda na sessão ocorrida em 03 de Outubro, votou o Ministro Luis Felipe Salomão acompanhando a Ministra Relatora. Mais ainda, o Ministro Luis Felipe fez importantíssima observação quando advertiu que, ao admitir-se a taxatividade, estar-se-ia “ressuscitando” o Mandado de Segurança para este tipo de situação. Assim se posicionou o Ministro Salomão:
“Estamos ressuscitando o MS. Estamos aqui dizendo que não vai caber mais agravo, porém, tem uma solução, que vai ser represtinar o MS, que vai a torto e a direita”
Após a Explanação do Ministro Luis Felipe Salomão, o voto da Relatora foi acompanhado ainda pelos Ministros Napoleão Nunes Maia, Felix Fisher e Jorge Mussi, pedindo vista o Ministro Og Fernandes.
Assim, há cinco votos favoráveis à mitigação, acompanhando a Relatora, e três formando a divergência, e entendendo pela taxatividade do rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.
Acredita-se que todos aguardam ansiosos o final deste julgamento, uma vez que, como foi dito no artigo anterior, a decisão aqui emanada norteará o entendimento dos demais Tribunais do país, quando então poderá se definir o exato alcance da norma processual vigente.
Prazo para manutenção do nome do devedor no cadastro restritivo de crédito deve iniciar no dia seguinte ao vencimento da dívida
Na última pesquisa realizada pela SERASA EXPERIAN, em junho de 2018, havia cerca de 61,8 milhões de brasileiros inadimplentes. Tal número representou um recorde no número verificado pela entidade, que iniciou a pesquisa em 2016[1].
Isto é: 61,8 milhões de brasileiros, quase um quarto da população do nosso país, teve seu nome e CPF incluídos em algum cadastro de proteção ao crédito por conta de alguma dívida vencida.
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que tais cadastros são permitidos pelo ordenamento jurídico, inclusive pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, havendo, entretanto, regras para inclusão do nome e CPF do Consumidor nos órgãos de proteção ao crédito.
O artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor atesta que o cadastro é válido desde que cumpra determinados requisitos para seu funcionamento. Entre tais requisitos, estão o direito do consumidor ao acesso das informações sobre ele inseridas nos cadastros, fichas, assim como suas respectivas fontes.
Além disso, de acordo com o mesmo artigo, os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e os serviços de proteção ao crédito são considerados entidades de caráter públicos.
Mas, por quanto tempo máximo o consumidor pode ter seu nome e CPF mantidos no cadastro de proteção ao crédito?
A resposta a esta pergunta não comporta quaisquer dúvidas: o prazo será de 05 (cinco) anos.
Entretanto, dúvidas ainda pairavam sobre quando tal prazo teria início: se da inclusão do nome no cadastro restritivo de crédito, do vencimento da dívida, ou ainda do início da cobrança judicial.
Assim, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n.º 1.630.659, entendeu que o prazo de cinco anos para manter o nome e CPF do consumidor nos cadastros restritivos de crédito deve ter seu termo inicial no dia seguinte ao vencimento da dívida.
Em suas razões, a Ministra Nancy Andrigui, Relatora do Recurso Especial acima citado, entendeu que “o termo inicial do limite temporal de cinco anos em que a dívida pode ser inscrita no banco de dados de inadimplência é contado do primeiro dia seguinte à data de vencimento da dívida”.
Para fundamentar seu voto, a eminente Ministra argumentou que:
Tendo em vista os princípios da veracidade e da finalidade, entendo que a orientação que mais se coaduna ao espírito do CDC é de que o termo a quo do quinquênio do art. 43, § 1º, do CDC deve tomar por base a data do fato gerador da informação depreciadora, o dia seguinte ao vencimento da dívida.
Em primeiro lugar porque a inscrição de dado negativo de consumo do devedor nos bancos de dados de proteção ao crédito não é imprescindível para a cobrança da dívida, consistindo, portanto, em direito potestativo do credor (TARTUCE, Flavio e NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Manual de Direito do Consumidor. 3ª ed., São Paulo: Método, pág. 441).
Ademais, conforme pontuado pela doutrina, o Código Civil de 2002 reduziu os prazos prescricionais previstos no Código Civil de 1916, fixando termos específicos para a cobrança, sendo o maior aquele para a cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular, que é de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 206, § 5º, I, do CC/02.
Corroborando essa assertiva doutrinária, esta Corte consignou, em julgamento de recurso especial repetitivo, que “qualquer dívida resultante de documento público ou particular, tenha ou não força executiva, submete-se à prescrição quinquenal, contando-se do respectivo vencimento” (REsp 1101412/SP, Segunda Seção, DJe 03/02/2014).
Tendo essa coincidência em vista, somada à circunstância de que os limites temporais de manutenção da informação devem ter cunho objetivo, penso que o termo inicial do prazo de cinco anos previsto no § 1º do art. 43 do CDC deve corresponder ao primeiro dia seguinte à data de vencimento da dívida, por ser esse o entendimento que mais se coaduna com a função dos bancos de dados de inadimplentes de refletir com fidelidade a situação financeira dos devedores.
O voto acima, reproduzido parcialmente, deixa claro o entendimento da Eminente Ministra Relatora de que a fundamentação por ela utilizada vincula o prazo acima tratado com aquele previsto no Código Civil para cobrança de dívida líquida constante de instrumento público ou particular, e cujo termo inicial da prescrição é justamente o dia seguinte ao vencimento da dívida, combinando-o com o julgamento do REsp 1.101.412[2]
Assim, o Superior Tribunal de Justiça vem a fixar importante entendimento quanto ao termo inicial para o cômputo do tempo máximo de permanência do nome e CPF do consumidor nos cadastros restritivos de crédito, pacificando a questão e trazendo segurança jurídica não só para o consumidor, mas também para os fornecedores e para os próprios órgãos de proteção ao crédito, uma vez que, como sabemos, a inclusão ou manutenção indevida pode gerar responsabilidade civil e, consequentemente, o dever de indenizar.
[1] https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/07/19/numero-de-inadimplentes-chega-a-618-milhoes-e-bate-recorde-diz-serasa.ghtml
[2] “…qualquer dívida resultante de documento público ou particular, tenha ou não força executiva, submete-se à prescrição quinquenal, contando-se do respectivo vencimento” (REsp 1101412/SP, Segunda Seção, DJe 03/02/2014)”
A Responsabilidade Civil do Estado na demora da Prestação Jurisdicional
Em tempos de informatização dos processos judiciais e metas impostas pelo Conselho Nacional de Justiça por produtividade aos Tribunais por todo o país, podemos nos perguntar, diante da ainda existente morosidade do Poder Judiciário apesar dos fatores colocados acima: poderia o Estado responder civilmente pela demora na prestação jurisdicional?
A resposta a esta pergunta é positiva!
Como sabemos, o acesso à justiça é constitucionalmente garantido. E assim também o é o direito das partes terem direito a uma prestação jurisdicional célere, devendo o processo ser julgado em prazo razoável[1].
Mas não só no ordenamento pátrio há a previsão para tal direito; a legislação ordinária, mais precisamente o Código de Processo Civil, prevê em seu artigo 139, inciso II, que o juiz deve velar pela rápida solução do litígio[2].
No que tange à responsabilidade civil do Estado, esta também mereceu destaque no texto constitucional, preconizada no artigo 37, § 6º da Carta Magna, em que encontra-se expresso que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agente, nesta qualidade, causarem a terceiros[3].
Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça, analisando processo judicial que versou sobre o tema, em que, no caso concreto, a prestação jurisdicional em ação de alimentos que, por sua natureza, exige a tramitação com maior celeridade, entendeu por condenar o Estado do Amazonas em danos morais.
O Ministro Og Fernandes, ao analisar e julgar o Recurso Especial n.º 1.383.776, deu provimento a este para julgar procedente os pedidos de indenização por danos morais de autora que reclamava da demora excessiva e injustificada da prestação jurisdicional por parte do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.
Ressalta-se que o acórdão reformado do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas entendeu por modificar a sentença de primeiro grau que havia julgado parcialmente procedentes os pedidos. Nas razões expostas no acordão, os Desembargadores locais, a simples demora na prestação jurisdicional, sem que ficasse demonstrado que houve erro, dolo ou desídia do magistrado, não seria suficiente para caracterizar o ilícito civil do Estado, e que tal demora poderia decorrer do excesso de serviços do magistrado, que seriam submetidos a condições que os impediriam de atender materialmente a demanda jurisdicional.
Como muito bem observado pelo Ministro Og Fernandes, “a administração pública está obrigada a garantir a tutela jurisdicional em tempo razoável, ainda quando a dilação se deva a carências estruturais do Poder Judiciário, pois não é possível restringir o alcance e o conteúdo deste direito, dado o lugar que a reta e eficaz prestação da tutela jurisdicional ocupa em uma sociedade democrática. A insuficiência dos meios disponíveis ou o imenso volume de trabalho que pesa sobre determinados órgãos judiciais isenta os juízes de responsabilização pessoal pelos atrasos, mas não priva os cidadãos de reagir diante de tal demora, nem permite considerá-la inexistente.”
Além disso, destacou, além dos dispositivos legais acima – e outros do antigo Código de Processo Civil, lei processual vigente à época dos fatos – que “sobressai a responsabilidade civil estatal, porquanto inaceitável que a morosidade, que culminou com o inevitável retardo no direito postulado, tenha ocorrido em fase tão inicial do processo, necessária para se instaurar a lide entre as partes e para qual, como já dito, não se exige um grande debruçamento sobre a causa”.
Prosseguindo com seu voto, o Ministro lembrou da primeira condenação do Estado Brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela lesão à razoável duração do processo judicial, imposta em 2006 no patamar de US$ 130.000,00 (cento e trinta mil dólares americanos)[4].
Assim, finalizou o Ministro Og Fernandes seu voto concluindo que “comprovado que o retardo na prestação jurisdicional deu-se em razão da deficiência no serviço estatal, não sendo demais lembrar, que a requerente formulou diversos pedidos solicitando providências para o andamento do feito, todos incessantemente dirigidos tanto ao Juízo do feito, quanto à Ouvidoria, à Corregedoria e à Presidência do Tribunal de Justiça Estadual, é de se reconhecer que as razões que levaram o Magistrado de primeiro grau a julgar procedente o pedido indenizatório permanecem hígidas.”
Sabemos que no Brasil há uma deficiência crônica na prestação dos serviços públicos e que o Poder Judiciário não está a salvo desta triste estatística.
Por outro lado, não se pode simplesmente conformar-se com tais deficiências e entender que tudo decorre da falta de condições materiais para a correta e eficiente prestação jurisdicional. É preciso aplicar técnicas de gestão efetivas para que casos como o que foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça não voltem a ocorrer.
[1] Artigo 5º, LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
[2] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
II – velar pela duração razoável do processo;
[3] Art. 37, § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[4] Informe Anual de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. San José: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2006, p. 23. Disponível em: ; e OLIVEIRA, Vallisney de Souza. O caso Ximenes Lopes. O Brasil na corte interamericana de direitos humanos. Correio Braziliense. Brasília. Suplemento Direito & Justiça, 2/7/2007, p. 1-3.
Operadoras de planos de saúde aguardam esclarecimentos sobre decisão que determina que estas devem ressarcir o Sistema Único de Saúde
Como se sabe, em 1998 entrou em vigor a Lei Federal n.º 9.656/98, cujo objetivo era regular o funcionamento e operação dos planos e seguros privados de assistência à saúde em todo o território nacional.
A Lei mereceu, à época, vários elogios e, igualmente, muitas críticas por parte do setor de operação dos planos e seguros de saúde. A principal crítica dizia respeito à transferência, ao particular, de obrigações que deveriam, na visão das operadoras, ser prestadas pelo Estado, de acordo com a Constituição Federal.
Assim, muitas foram as discussões travadas sobre o tema, notadamente a impossibilidade de intervenção do Estado na atividade econômica lícita desempenhada pelas operadoras de planos e seguros de saúde, tendo em vista que, ao passo que determinava e obrigava as operadoras a arcar com determinados procedimentos, cobrir despesas com tratamentos que não foram incluídos nos róis de procedimentos contratados e até mesmo ressarcir o Sistema Único de Saúde em caso de atendimento a um de seus segurados.
Em todas elas, discutiu-se, prioritariamente, a inconstitucionalidade destas normas, tendo em vista os princípios que regem a Ordem Econômica, como o Princípio da Livre Iniciativa, além de princípios infraconstitucionais, como a relativização do Princípio da Autonomia de Vontade.
Em uma destas ações, o tema chegou até o Supremo Tribunal Federal através do Recurso Extraordinário de n.º 597.064, em que, com Repercussão Geral, em fevereiro do corrente ano, a Primeira Sessão do STF entende ser constitucional o texto do artigo 32 da Lei Federal 9.656/98, que trata exatamente do ressarcimento, ao Sistema Único de Saúde, pelos serviços prestados aos usuários de planos e seguros de saúde e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas.[1]
No julgamento do referido Recurso Extraordinário, entendeu o Plenário do referido órgão, acatando o voto do Ministro Gilmar Mendes, que “observada a cobertura contratual entre os cidadãos-usuários e as operadoras de planos de saúde, além dos limites mínimo (praticado pelo SUS) e máximo (valores de mercado pagos pelas operadoras de planos de saúde), tal ressarcimento é compatível com a permissão constitucional contida no art. 199 da Carta Maior”.
Mereceu destaque também o seguinte posicionamento do Ministro Relator, quando este afirmou que:
“Dessa forma, apesar de a repercussão constitucional do ônus econômico ser primordialmente do Estado, no momento em que há a autorização à iniciativa privada da assistência à saúde, tanto o bônus (receita) quanto o ônus (custo da prestação do serviço) devem ser assumidos pelo segundo setor (iniciativa privada), sob pena de desvirtuamento da matriz constitucional que possibilitou esse fomento (art. 199, caput), além da destinação de recursos públicos de forma indireta para auxílio às instituições privadas (com ou sem fins lucrativos), situação que deve ser vedada pelo Guardião da Constituição.”
Igualmente, o acórdão ainda citou que “além do mais, eventual questão envolvendo a possibilidade de fixação de tabelas de ressarcimento dentro dos limites mínimo e máximo instituídos pelo § 8º do art. 32 da Lei 9.656/98 é resolvida no campo da análise infraconstitucional, mormente eventual conflito entre normas de 1º e 2º graus reflete, no máximo, ofensa reflexa à Constituição, a qual sabidamente não é passível de análise na via do recurso extraordinário”.
O acórdão suscitou a oposição, pela entidade hospitalar recorrente no processo e também por diversas empresas que atuam como amicus curiae no processo – diversas operadoras de planos e seguros de saúde, por exemplo – de embargos de declaração, com o fim de suprir omissões, eliminar contradição e esclarecer obscuridade.
Em suas teses, os Embargantes suscitam desde a ausência de fundamentação do acórdão e negativa de prestação jurisdicional quanto à aplicação dos artigos 195, parágrafo 4º, artigo 198 e artigo 154, todos da Constituição Federal, até o esclarecimento quanto ao termo inicial de quando se poderia cobrar o ressarcimento, uma vez que o acórdão expressamente determina o dia 04 de setembro de 1998, quando a Lei Federal n.º 9.656/98 entrou em vigor noventa dias após esta data.
Além disso, foram suscitadas outras questões como, por exemplo, que o tema relativo aos valores cobrados pelos procedimentos não teria sido objeto de apreciação pelo Pleno do Supremo Tribunal federal no recurso, uma vez que se trataria de matéria infraconstitucional e jamais teria sido objeto de decisão por parte das instâncias inferiores, não havendo, portanto, prequestionamento da referida matéria.
No último dia 03 de setembro, o processo foi remetido ao Relator para que este analise as questões suscitadas nos Embargos de Declaração das partes, para elucidar os pontos tidos como omissos, contraditórios e obscuros, devendo ser em breve levado novamente a plenário para a discussão dos ministros.
Com esta tentativa, as operadoras de planos e seguros de saúde tentam, ao menos, delinear de uma maneira mais clara a questão do ressarcimento ao Sistema Único de Saúde, uma vez já decidida a sua constitucionalidade. Em que pese a natureza dos Embargos de Declaração não possuir, em tese, efeitos infringentes, algo ainda poderá ser modificado no acórdão, notadamente a definição de tabelas e valores para tais ressarcimentos.
________________________________________
[1] Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS.(Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
A possibilidade de Terceirização de atividade-fim: manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema
Como sabemos, em novembro do ano passado passou a vigorar a Lei Federal nº 13.467/2017, batizada de Reforma Trabalhista pelos seus autores e também pelos juristas estudiosos sobre o tema, que veio, como o seu próprio texto assinala, para adequar a legislação às novas relações de trabalho.
A legislação supracitada inseriu no ordenamento jurídico importantes mudanças nas normas trabalhistas, desde a inserção de espécies de regime laboral que não estavam previstos na CLT e legislação específica, como, por exemplo, o Teletrabalho, até por trazer importantes questões processuais afetas ao Processo do Trabalho.
Destacamos neste artigo, entretanto, a importante modificação ocorrida no texto da Lei Federal n.º 6.019/74, que dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, notadamente quanto à inserção do artigo 4-A[1] em seu bojo, que permite a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.
Importante destacar que, até a entrada em vigor do dispositivo legal acima citado, o egrégio Tribunal Superior do Trabalho entendia por terceirização lícita aquela que ocorria na atividade-meio como, por exemplo, os serviços de conservação e limpeza, considerando, entretanto, ilícita a quando ocorria em atividades-fim da empresa tomadora dos serviços, ou, ainda, nas hipóteses em houvesse a subordinação do trabalhador com o tomador de serviços, na forma de sua súmula n.º 331[2].
Na última semana, em sessão plenária ocorrida em 30 de Agosto, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento sobre o tema elencado acima, através de dois processos: a ADPF 324 e o Recurso Extraordinário 958.252, apreciando o tema 725 da repercussão geral.
Quanto à Repercussão Geral, uniformizando o entendimento que passará a ser aplicado em questões que versem sobre a mesma matéria, a tese assim se fixou: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
O Ministro Luis Roberto Barros, relator da ADPF 324 destacou que a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho em verdade fere os Princípios da Livre Iniciativa, da Livre Concorrência e da Segurança Jurídica, uma vez que a Constituição não veda o modelo proposto pela nova legislação, que estariam em consonância com os princípios acima elencados. Este entendimento foi compartilhado pelo Ministro Luiz Fux, relator do Recurso Extraordinário n.º 958.252.
Estes entendimentos foram acompanhados pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal federal, destacando-se ainda os comentários dos Ministro Alexandre de Moraes. Nas palavras do Ministro, “Além de não estabelecer proibição, a Constituição de 1988 adotou o sistema capitalista”. E finalizou afinando que “não é possível impor uma única forma de organização empresarial, e cada empreendedor pode estabelecer fluxo de produção dentro de sua empresa”.
Dentre aqueles que defenderam o entendimento vencido, vale destacar o posicionamento do Ministro Edson Fachin, de que a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho não viola os princípios constitucionais da Livre Iniciativa e da Legalidade. Segundo o ministro, “não há violação quando a Justiça do Trabalho, interpretando a legislação então existente, adota uma das interpretações possíveis”.
Com o entendimento firmado, o STF acaba por permitir que se terceirize quaisquer das atividades da cadeia produtiva, e não apenas aquelas derivadas de atividade meio. Segundo dados do próprio Supremo Tribunal Federal, cerca de quatro mil ações em todo o Brasil aguardavam a fixação do entendimento ora manifestado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.
É inegável que as relações de trabalho devem ser modernizadas e aperfeiçoadas, voltando-se para os modelos globalizados aplicados em diversos países, com vistas a aumentar a produtividade e, por conseguinte, a sua competitividade e, principalmente, a oferta de empregos em nosso país.
Por outro lado, tem-se como preocupação justa a precarização das relações de emprego e mesmo da própria produção, como destacaram alguns julgadores e os órgão de representação dos trabalhadores.
A verdade é que o Supremo Tribunal Federal entendeu por ser possível um modelo de contratação de mão-de-obra, mas não legitimou a precarização das relações de trabalho e da atividade produtiva. Os direitos legais garantidos aos trabalhadores devem, assim como a sua segurança e dignidade, serem preservadas, mantendo-se a sua condição de peça fundamental na atividade produtiva do país.
[1] Art. 4o-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
[2] SÚMULA-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALI-DADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (lei 6.019, de 03/01/74).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/88).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (lei 7.102, de 20/06/83) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo. judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da lei 8.666, de 21/06/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
STJ analisa a possibilidade de cumulação de cláusula penal e lucros cessantes nos contratos imobiliários
Em maio do ano passado, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça entendeu afetar os Recursos Especiais de n.º 1.635.428 e 1.498.484 a serem julgados pelo rito dos recursos repetitivos (artigo 1.036 do Código de Processo Civil), em que se discutia a possibilidade ou não de cumulação de pedidos de pagamento de valores oriundos de cláusula penal constante de contrato de promessa de compra e venda de unidade imobiliária na planta e condenação em lucros cessantes na mesma ação, e os quais ficaram sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão.
Diante da relevância da matéria e, nas palavras do Eminente Ministro, “em vista da patente transcendência social, econômica, e jurídica do precedente que virá a ser firmado”, este determinou a realização de uma Audiência Pública para discussão não só do tema exposto acima, mas também, e por ter correlação com este, os processos afetados onde se discute a possibilidade ou não de inversão, em desfavor da construtora (fornecedor), da cláusula penal estipulada exclusivamente para o adquirente (consumidor), nos caso de inadimplemento em virtude de atraso na entrega de imóvel objeto de contrato ou promessa de compra e venda (REsp 1.614.721/DF e REsp 1.631.485/DF).
Ao final da última década, o mercado imobiliário viveu um período de grande movimentação, com o lançamento de inúmeros empreendimentos imobiliários em diversos segmentos e padrões.
O crédito farto e a grande oferta de imóveis fizeram com que muitas pessoas considerassem as condições favoráveis para, enfim, realizar o sonho da casa própria, adquirindo seu imóvel “na planta” junto às construtoras.
Entretanto, e baseado em diversos fatores que vão desde prazos inexequíveis para entrega das unidades imobiliárias até a inegável crise econômica que acabou por assolar o mercado da construção civil no país, viu-se o crescimento exponencial de ações envolvendo os adquirentes e as construtoras, muitas delas motivadas pelo atraso na entrega das unidades imobiliárias.
Nestas ações, invariavelmente o adquirente que não recebia sua unidade imobiliária requeria, entre outros pedidos, a incidência da multa contratual pelo descumprimento do prazo de entrega da unidade imobiliária e o pagamento de verba indenizatória consubstanciada nos lucros cessantes porventura observados no caso concreto, provocados igualmente pelo atraso na conclusão e entrega do empreendimento.
E, a partir destes pedidos, verificou-se a questão proposta neste artigo: haveria possibilidade de, em havendo multa estipulada nos contratos em caso de atraso na entrega de unidade imobiliária, esta ser cumulada com eventual indenização por lucros cessantes oriunda deste mesmo atraso?
Assim, diante do crescente número de ações que continham tais pedidos cumulados, e igualmente da diversidade de decisões que julgavam o tema, finalmente a matéria chegou ao Superior Tribunal de Justiça para análise.
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça afetour os Recursos Especiais de n.º 1.635.428 e 1.498.484 a serem julgados pelo rito dos recursos repetitivos (artigo 1.036 do Código de Processo Civil). O tema foi cadastrado sob o n.º 970 no sistema de recursos repetitivos, e que recebeu a seguinte redação: “Definir acerca da possibilidade ou não de cumulação da indenização por lucros cessantes com a cláusula penal, nos casos de inadimplemento do vendedor em virtude do atraso na entrega de imóvel em construção objeto de contrato ou promessa de compra e venda.”
O Ministro Luis Felipe Salomão, a quem coube a relatoria dos Recursos Especiais, ainda determinou a suspensão de todas as ações em território nacional que versem sobre a matéria, suspensão esta que não impede o ingresso com novas ações sobre o tema, ou mesmo a celebração de acordos entre os litigantes.
Quanto ao tema aqui proposto, e que foi objeto de afetação através do REsp 1.635.428, o Tribunal de Justiça o Estado de Santa Catarina, ao julgar processo de um adquirente em face de uma construtora, entendeu não ser possível a cumulação de pedido de cobrança da multa existente na cláusula penal por atraso na entrega da unidade imobiliária com a indenização por lucros cessantes.
Em suas razões, o Eminente Desembargador Luiz Cesar Medeiros entendeu que a cláusula penal contratualmente prevista e a indenização por perdas e danos não poderiam ser cumuláveis eis que possuem a mesma natureza. Na visão do TJSC, “a cumulação é permitida somente em que prevista na avença, de sorte que a indenização é, assim, suplementar, isto é, somente haverá condenação a perdas e danos sobre aquilo que sobejar o montante da cláusula penal.”
Por sua vez, o adquirente suscitou precedentes do próprio Superior Tribunal de Justiça, sustentando que “a multa prevista pela cláusula penal não deve ser confundida com a indenização por perdas e danos pela fruição do imóvel, mormente quando há desproporção entre os valores contratualmente previstos e o efetivo prejuízo experimentado[1].
Dada a importância do tema afetado, da sua complexidade e do impacto social que este terá, tendo em vista a enorme quantidade de ações que encontram-se suspensas e que versam sobre a questão, o Ministro Luis Felipe Salomão determinou a realização da audiência pública prevista no artigo 185 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça para fixação da tese repetitiva[2].
Na audiência pública realizada no último dia 27, 13 juristas representando tanto os consumidores como as construtoras puderam expor suas teses e pontos de vista acerca da matéria. Entre as ideias por eles difundidas, pode-se destacar a fala do Defensor Público da União, Dr. Antônio Maia de Paula, que salientou que o atraso na entrega da unidade leva o consumidor a tomar decisões que não lhe são favoráveis. Posição na qual foi acompanhado pelo representante da ANADEP (Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos), que destacou também a hipossuficiência dos adquirentes, pugnando pela manutenção do entendimento que hoje é adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. Por outro lado, o risco de a possibilidade de cumulação dos pedidos poderia configurar um verdadeiro bis in idem ao consumidor, como sustentou o Professor Silvio Capanema de Souza, em nome da Câmara Brasileira da Industria e Comércio (CBIC). Participaram ainda dos debates os economistas Gustavo Franco e Eduardo Zylbertajn, da FGV, além de representantes da OAB/PA e OAB/GO e de entidades como Sinduscon/SP e Secovi/SP.
Assim, caberá ao Ministro Salomão decidir acerca da matéria, proferindo acórdão que será adotado por todos os julgadores e determinará o resultado de todas as ações suspensas que versem sobre a matéria, pacificando a jurisprudência sobre o tema afetado.
[1] REsp 1.545.936/SC
[2] Art. 185. Serão públicas as audiências: I – do Presidente ou do relator para ouvir pessoas ou entidades com experiência e conhecimento em matéria de interesse para a fixação ou alteração de tese repetitiva ou de enunciado de súmula;
A Lei Geral de Proteção de Dados e o impacto nas relações dos fornecedores com os consumidores
Foi publicado no Diário Oficial da União o texto integral da nova Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Federal n.º 13.709/18), sancionada pelo Presidente Michel Temer, e que vem a regulamentar o uso dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou jurídica de direito público ou privado, com vistas a garantir os Direitos Fundamentais de Liberdade, Privacidade e Livre Desenvolvimento da Personalidade da Pessoa Natural.
Com isso, ficarão submetidos ao que dispõe a Lei toda e qualquer operação de dados pessoais realizado por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, independentemente do meio, do país de sua sede ou do país onde estejam localizados os dados, desde que a operação de tratamento seja realizada em território nacional; a atividade de tratamento tenha por objetivo a oferta ou o fornecimento de bens e serviços ou o tratamento de dados de indivíduos localizados no território nacional; e os dados pessoais tenham sido coletados em território nacional.
A necessidade de regulamentar a crescente circulação de dados pessoais trazida – embora a Lei não tenha sua aplicação restrita a estes meios – pelos meios eletrônicos e a necessidade de dar aos titulares destes dados não só a ciência, mas o poder de decisão de como e quando os dados poderão ser utilizados, modificados, ou até mesmo, excluídos são os principais motivos para a promulgação da legislação sobre o tema.
Vale ressaltar que a União Europeia, da mesma forma, aprovou o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (General Data Protection Regulation), que serviu como base para a conclusão da Lei brasileira, e que começou a ser idealizado ainda no início da década com a finalidade de instituir regras rígidas a qualquer um (pouco importando se grande ou pequena empresa, ou mesmo pessoa natural) que desejasse coletar, compartilhar ou mesmo guardar dados pessoais.
Com isso, empresas brasileiras que tinham atividades ligadas a países da União Europeia já tiveram que fazer adaptações na forma como coletavam, armazenavam e utilizavam os dados de seus clientes e fornecedores.
A Lei 13.709/18 define, para efeitos do seu cumprimento, dado pessoal como a informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável, e tratamento como toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração de dados pessoais, seja de que meio for.
É necessário observar que o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas hipóteses trazidas pela lei em seu artigo 7º. São elas:
I – mediante o fornecimento de consentimento pelo titular;
II – para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;
III – pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres, observadas as disposições do Capítulo IV desta Lei;
IV – para a realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais;
V – quando necessário para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular, a pedido do titular dos dados;
VI – para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral, esse último nos termosda Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem);
VII – para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro;
VIII – para a tutela da saúde, em procedimento realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades sanitárias;
IX – quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro, exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais; ou
X – para a proteção do crédito, inclusive quanto ao disposto na legislação pertinente.
O tratamento das informações pessoais verificar-se-á quando a finalidade da captação dos dados for alcançada ou de que os dados deixaram de ser necessários ou pertinentes ao alcance da finalidade específica almejada, ou, ainda, quando ocorrer o fim do período de tratamento dos dados, ocorrer a comunicação do titular dos dados, e por determinação da autoridade nacional, quando houver violação ao disposto na Lei.
Vale destacar que a não observância dos preceitos legais trazidos pela Lei 13.709/18 poderá acarretar, entre outras sanções, em multa simples, de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, limitadas ao total de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração ou, ainda, multas diárias, observando-se o mesmo limite.
A publicação ocorreu em 15 de agosto de 2018, mas a vigência da nova Lei dar-se-á apenas em 18 (dezoito) meses, inclusive possibilitando que todos se adequem aos seus termos.
Com isso, será necessário que todos observem a nova disciplina sobre o tratamento de dados no Brasil, devendo, inclusive, as empresas investir em treinamento daqueles que diretamente trabalharão nesta função, tendo em vista que passarão a integrar o rol de fatores que poderia ensejar sua responsabilização pelo mal uso dos dados pessoais e, consequentemente, incorrer em severos prejuízos.
Agravo de Instrumento: Mitigação da Taxatividade do Rol previsto no artigo 1.015 do Código de Processo Civil
Durante anos, os operadores do direito, em especial os advogados militantes nos processos cíveis, acostumaram-se com a possibilidade de recorrer das decisões interlocutórias proferidas durante a fase de conhecimento dos processos cíveis através da interposição de Agravos, retidos ou de instrumento.
E tal questão sempre trouxe uma conexão, em muitas vezes até equivocada, com o tempo de tramitação dos processos cíveis nos Tribunais de todo o Brasil. Sabe-se que um processo judicial pode arrastar-se por anos e anos perante os Tribunais, estando a parte e o advogado sujeitos a uma gama de acontecimentos durante sua tramitação. E, em muitos casos, esta demora era creditada a previsão legal de interposição de inúmeros recursos durante a tramitação do processo, alguns deles dotados de efeito suspensivo, e que “atrasavam” a resolução do conflito ali materializado.
Poder-se-ia aqui citar um sem número de fatores que contribuíam – e ainda contribuem – para que um processo judicial literalmente se arraste, mas os recursos nunca deixaram a pecha de grandes vilões da celeridade processual.
Antes mesmo da entrada em vigor da Lei Federal 13.105/2015 (Novo Código Civil), houve mudanças na sistemática dos Agravos como, por exemplo, aquelas instituídas pela Lei Federal 11.187/2005 que, à título de ilustração, transformou o Agravo Retido na “regra”, limitando os casos de interposição do Agravo na modalidade de instrumento aos casos em que a decisão recorrida estivesse suscetível de trazer à parte lesão grave ou de difícil reparação[1], assim como nos casos de inadmissão de Apelação ou quantos aos efeitos nos quais esta era recebida.
A rigor, a mudança acima representava uma evolução para aqueles que defendiam que os recursos obstavam o andamento do processo, uma vez que a interposição do Agravo na modalidade Retido não suspendia a tramitação do feito, mas, ao ser reiterado como preliminar de eventual Apelação interposta pela parte, seria conhecido e julgado pelo Tribunal de Justiça por ocasião da apreciação do apelo.
Entretanto, a Lei deixava ainda certa subjetividade quanto ao cabimento do Agravo de Instrumento, uma vez que não trazia, em seu bojo, quais as situações em que a decisão poderia, em tese, gerar à parte perigo de lesão grave e de difícil reparação. Assim, bastaria ao competente advogado alegar e sustentar a possibilidade de lesão grave a justificar a interposição do Agravo de Instrumento de qualquer decisão interlocutória na fase de conhecimento.
Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei Federal 13.105/2015), uma das mudanças mais relevantes e que mereceu inúmeros comentários e estudos foi justamente a inserção de um rol das hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento quanto às decisões interlocutórias proferidas ao longo da fase de conhecimento.
O artigo 1.015 do Código de Processo Civil trazia o que muitos juristas afirmavam ser um rol taxativo das hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento. Em se classificando como taxativo, por certo o rol não comportava outras opções além daquelas ali expostas, e também daquelas em que a Lei expressamente admitisse o cabimento do Agravo de Instrumento.
De ressaltar também que o novel Código de Processo Civil acabou com a figura do Agravo Retido, mantendo-se, entretanto, uma de suas peculiaridades, consubstanciada na necessidade de se reiterar em preliminar de apelação (e de contra-razões à apelação) todas as matérias objeto de decisões interlocutórias proferidas no processo de conhecimento e que não encontravam previsão de serem atacadas por Agravo de Instrumento – ante a então taxatividade do rol contido no artigo 1.015 – conforme preceitua o artigo 1009, § 1º, do CPC[2].
Desta forma, a mudança foi exaltada por aqueles que defendiam uma redução drástica nas oportunidades de interposição de recursos pelas partes durante a tramitação do processo.
Entretanto, a sistemática exposta no Código de Processo Civil também se viu diante de um problema: ao adiar a análise de eventual indignação quanto à uma decisão interlocutória para a fase recursal, poder-se-ia, ao contrário do que imaginavam os entusiastas do novo modelo, inutilizar diversos atos processuais, que poderiam vir a se tornar nulos ou imprestáveis no caso do acolhimento das razões em preliminar de apelação.
Igualmente, poderia haver situação em que houvesse a necessidade de um imediato provimento jurisdicional a fim de se evitar situação de perigo que não esteja abrangida pelo rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil. Neste cenário, advogados de diversos estados defendiam que o rol constante no artigo anteriormente citado não era, em verdade, um rol taxativo, pois haveria que ser considerada hipótese não contida ali a fim de promover a melhor solução – e diversos sentidos – para questões cujo tratamento apenas em grau de Apelação poderiam ser inócuas ou já poderiam ter causado situação de prejuízo às partes.
A questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça. Através do Tema 988, a Corte iria decidir sobre a admissão de Agravos de Instrumentos interpostos em hipóteses não previstas pelo Código de Processo Civil, mantendo ou mitigando a taxatividade do rol previsto no artigo 1015.
Coube à Ministra Nancy Andrigui a relatoria dos Recursos Especiais afetados (RESp 1.704.520 e 1.696.396 – para julgamento pelo sistema dos recursos repetitivos.
Em 01 de Agosto do Corrente ano, a Ministra proferiu seu voto no sentido de mitigar a taxatividade do rol existente no artigo 1.015 do Código de Processo Civil.
Destaca-se alguns trechos do voto da Exma. Ministra Nancy Andrigui, que elucidam a conclusão por ela tomada no julgamento. São eles:
“Como se percebe, o entendimento aqui exposto pretende, inicialmente, afastar a taxatividade decorrente da interpretação restritiva do rol previsto no art. 1.015 do CPC, porque é incapaz de tutelar adequadamente todas as questões em que pronunciamentos judiciais poderão causar sérios prejuízos e que, por isso, deverão ser imediatamente reexaminadas pelo 2º grau de jurisdição.
De igual modo, deve ser afastada a possibilidade de interpretação extensiva ou analógica das hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC, pois, além de não haver parâmetro minimamente seguro e isonômico quanto aos limites que deverão ser observados na interpretação de cada conceito, texto ou palavra, o uso dessas técnicas hermenêuticas também não será suficiente para abarcar 38 todas as situações em que a questão deverá ser reexaminada de imediato – o exemplo do indeferimento do segredo de justiça é a prova cabal desse fato.
Finalmente, também não deve ser acolhido o entendimento de que o rol do art. 1.015 do CPC é meramente exemplificativo, pois essa interpretação conduziria à repristinação do art. 522, caput, do CPC/73, contrariando frontalmente o desejo manifestado pelo legislador de restringir o cabimento do recurso, o que não se pode admitir.
A tese que se propõe consiste em, a partir de um requisito objetivo – a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação –, possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do art. 1.015 do CPC, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência, independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica dos incisos do art. 1.015 do CPC, porque, como demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para abarcar todas as situações.”
Forte nessas razões, CONHEÇO o recurso especial repetitivo, a fim de:
1. Fixar a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
2.Modular os efeitos da tese jurídica:A tese jurídica somente se aplicará às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão.”
Desta forma, a Ministra mitigou a taxatividade do rol constante do artigo 1.015 do Código de Processo Civil em seu voto, estando o julgamento dos recursos afetados suspenso por motivo de pedido de vista da Exma. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Deve-se destacar que o próprio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já havia se manifestado pontualmente sobre o tema, sem a abrangência lógica do julgamento em andamento perante o Superior Tribunal de Justiça, no sentido de desconsiderar a taxatividade do rol constante do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, como se pode verificar do julgamento dos Agravos de Instrumento n.º 0050535-69.2016.8.19.0000 e n.º 0025809-60.2018.8.19.0000.
Nos parece acertada a posição adotada pela Ministra Nancy Andrigui, em consonância como a dos Desembargadores do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nos processos acima citados, uma vez que, ao que parece, o simples impedimento de manejo do Agravo de Instrumento não pode ser a única forma de dar celeridade ao processo. Ao contrário, o recurso deve ser permitido em todas as situações em que se observe um requisito objetivo: a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação – impedindo o engessamento das hipóteses legais de cabimento do Agravo de Instrumento contidas no artigo 1.015 do Código de Processo Civil.
[1] Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)
[2] Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.
§ 1o As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
§ 2o Se as questões referidas no § 1o forem suscitadas em contrarrazões, o recorrente será intimado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito delas.