STJ analisa a possibilidade de cumulação de cláusula penal e lucros cessantes nos contratos imobiliários


Em maio do ano passado, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça entendeu afetar os Recursos Especiais de n.º 1.635.428 e 1.498.484 a serem julgados pelo rito dos recursos repetitivos (artigo 1.036 do Código de Processo Civil), em que se discutia a possibilidade ou não de cumulação de pedidos de pagamento de valores oriundos de cláusula penal constante de contrato de promessa de compra e venda de unidade imobiliária na planta e condenação em lucros cessantes na mesma ação, e os quais ficaram sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão.

Diante da relevância da matéria e, nas palavras do Eminente Ministro, “em vista da patente transcendência social, econômica, e jurídica do precedente que virá a ser firmado”, este determinou a realização de uma Audiência Pública para discussão não só do tema exposto acima, mas também, e por ter correlação com este, os processos afetados onde se discute a possibilidade ou não de inversão, em desfavor da construtora (fornecedor), da cláusula penal estipulada exclusivamente para o adquirente (consumidor), nos caso de inadimplemento em virtude de atraso na entrega de imóvel objeto de contrato ou promessa de compra e venda (REsp 1.614.721/DF e REsp 1.631.485/DF).

Ao final da última década, o mercado imobiliário viveu um período de grande movimentação, com o lançamento de inúmeros empreendimentos imobiliários em diversos segmentos e padrões.

O crédito farto e a grande oferta de imóveis fizeram com que muitas pessoas considerassem as condições favoráveis para, enfim, realizar o sonho da casa própria, adquirindo seu imóvel “na planta” junto às construtoras.

Entretanto, e baseado em diversos fatores que vão desde prazos inexequíveis para entrega das unidades imobiliárias até a inegável crise econômica que acabou por assolar o mercado da construção civil no país, viu-se o crescimento exponencial de ações envolvendo os adquirentes e as construtoras, muitas delas motivadas pelo atraso na entrega das unidades imobiliárias.

Nestas ações, invariavelmente o adquirente que não recebia sua unidade imobiliária requeria, entre outros pedidos, a incidência da multa contratual pelo descumprimento do prazo de entrega da unidade imobiliária e o pagamento de verba indenizatória consubstanciada nos lucros cessantes porventura observados no caso concreto, provocados igualmente pelo atraso na conclusão e entrega do empreendimento.

E, a partir destes pedidos, verificou-se a questão proposta neste artigo: haveria possibilidade de, em havendo multa estipulada nos contratos em caso de atraso na entrega de unidade imobiliária, esta ser cumulada com eventual indenização por lucros cessantes oriunda deste mesmo atraso?

Assim, diante do crescente número de ações que continham tais pedidos cumulados, e igualmente da diversidade de decisões que julgavam o tema, finalmente a matéria chegou ao Superior Tribunal de Justiça para análise.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça afetour os Recursos Especiais de n.º 1.635.428 e 1.498.484 a serem julgados pelo rito dos recursos repetitivos (artigo 1.036 do Código de Processo Civil). O tema foi cadastrado sob o n.º 970 no sistema de recursos repetitivos, e que recebeu a seguinte redação: “Definir acerca da possibilidade ou não de cumulação da indenização por lucros cessantes com a cláusula penal, nos casos de inadimplemento do vendedor em virtude do atraso na entrega de imóvel em construção objeto de contrato ou promessa de compra e venda.”

O Ministro Luis Felipe Salomão, a quem coube a relatoria dos Recursos Especiais, ainda determinou a suspensão de todas as ações em território nacional que versem sobre a matéria, suspensão esta que não impede o ingresso com novas ações sobre o tema, ou mesmo a celebração de acordos entre os litigantes.

Quanto ao tema aqui proposto, e que foi objeto de afetação através do REsp 1.635.428, o Tribunal de Justiça o Estado de Santa Catarina, ao julgar processo de um adquirente em face de uma construtora, entendeu não ser possível a cumulação de pedido de cobrança da multa existente na cláusula penal por atraso na entrega da unidade imobiliária com a indenização por lucros cessantes.

Em suas razões, o Eminente Desembargador Luiz Cesar Medeiros entendeu que a cláusula penal contratualmente prevista e a indenização por perdas e danos não poderiam ser cumuláveis eis que possuem a mesma natureza.  Na visão do TJSC, “a cumulação é permitida somente em que prevista na avença, de sorte que a indenização é, assim, suplementar, isto é, somente haverá condenação a perdas e danos sobre aquilo que sobejar o montante da cláusula penal.”

Por sua vez, o adquirente suscitou precedentes do próprio Superior Tribunal de Justiça, sustentando que “a multa prevista pela cláusula penal não deve ser confundida com a indenização por perdas e danos pela fruição do imóvel, mormente quando há desproporção entre os valores contratualmente previstos e o efetivo prejuízo experimentado[1].

Dada a importância do tema afetado, da sua complexidade e do impacto social que este terá, tendo em vista a enorme quantidade de ações que encontram-se suspensas e que versam sobre a questão, o Ministro Luis Felipe Salomão determinou a realização da audiência pública prevista no artigo 185 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça para fixação da tese repetitiva[2].

Na audiência pública realizada no último dia 27, 13 juristas representando tanto os consumidores como as construtoras puderam expor suas teses e pontos de vista acerca da matéria. Entre as ideias por eles difundidas, pode-se destacar a fala do Defensor Público da União, Dr. Antônio Maia de Paula, que salientou que o atraso na entrega da unidade leva o consumidor a tomar decisões que não lhe são favoráveis.  Posição na qual foi acompanhado pelo representante da ANADEP  (Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos), que destacou também a hipossuficiência dos adquirentes, pugnando pela manutenção do entendimento que hoje é adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. Por outro lado, o risco de a possibilidade de cumulação dos pedidos poderia configurar um verdadeiro bis in idem ao consumidor, como sustentou o Professor Silvio Capanema de Souza, em nome da Câmara Brasileira da Industria e Comércio (CBIC). Participaram ainda dos debates os economistas Gustavo Franco e Eduardo Zylbertajn, da FGV, além de representantes da OAB/PA e OAB/GO e de entidades como Sinduscon/SP e Secovi/SP.

Assim, caberá ao Ministro Salomão decidir acerca da matéria, proferindo acórdão que será adotado por todos os julgadores e determinará o resultado de todas as ações suspensas que versem sobre a matéria, pacificando a jurisprudência sobre o tema afetado.

 

[1] REsp 1.545.936/SC

[2] Art. 185. Serão públicas as audiências: I – do Presidente ou do relator para ouvir pessoas ou entidades com experiência e conhecimento em matéria de interesse para a fixação ou alteração de tese repetitiva ou de enunciado de súmula;