A Responsabilidade Civil do Estado na demora da Prestação Jurisdicional


Em tempos de informatização dos processos judiciais e metas impostas pelo Conselho Nacional de Justiça por produtividade aos Tribunais por todo o país, podemos nos perguntar, diante da ainda existente morosidade do Poder Judiciário apesar dos fatores colocados acima: poderia o Estado responder civilmente pela demora na prestação jurisdicional?

A resposta a esta pergunta é positiva!

Como sabemos, o acesso à justiça é constitucionalmente garantido. E assim também o é o direito das partes terem direito a uma prestação jurisdicional célere, devendo o processo ser julgado em prazo razoável[1].

Mas não só no ordenamento pátrio há a previsão para tal direito; a legislação ordinária, mais precisamente o Código de Processo Civil, prevê em seu artigo 139, inciso II, que o juiz deve velar pela rápida solução do litígio[2].

No que tange à responsabilidade civil do Estado, esta também mereceu destaque no texto constitucional, preconizada no artigo 37, § 6º da Carta Magna, em que encontra-se expresso que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agente, nesta qualidade, causarem a terceiros[3].

Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça, analisando processo judicial que versou sobre o tema, em que, no caso concreto, a prestação jurisdicional em ação de alimentos que, por sua natureza, exige a tramitação com maior celeridade, entendeu por condenar o Estado do Amazonas em danos morais.

O Ministro Og Fernandes, ao analisar e julgar o Recurso Especial n.º 1.383.776, deu provimento a este para julgar procedente os pedidos de indenização por danos morais de autora que reclamava da demora excessiva e injustificada da prestação jurisdicional por parte do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.

Ressalta-se que o acórdão reformado do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas entendeu por modificar a sentença de primeiro grau que havia julgado parcialmente procedentes os pedidos. Nas razões expostas no acordão, os Desembargadores locais, a simples demora na prestação jurisdicional, sem que ficasse demonstrado que houve erro, dolo ou desídia do magistrado, não seria suficiente para caracterizar o ilícito civil do Estado, e que tal demora poderia decorrer do excesso de serviços do magistrado, que seriam submetidos a condições que os impediriam de atender materialmente a demanda jurisdicional.

Como muito bem observado pelo Ministro Og Fernandes, “a administração pública está obrigada a garantir a tutela jurisdicional em tempo razoável, ainda quando a dilação se deva a carências estruturais do Poder Judiciário, pois não é possível restringir o alcance e o conteúdo deste direito, dado o lugar que a reta e eficaz prestação da tutela jurisdicional ocupa em uma sociedade democrática. A insuficiência dos meios disponíveis ou o imenso volume de trabalho que pesa sobre determinados órgãos judiciais isenta os juízes de responsabilização pessoal pelos atrasos, mas não priva os cidadãos de reagir diante de tal demora, nem permite considerá-la inexistente.”

Além disso, destacou, além dos dispositivos legais acima – e outros do antigo Código de Processo Civil, lei processual vigente à época dos fatos – que “sobressai a responsabilidade civil estatal, porquanto inaceitável que a morosidade, que culminou com o inevitável retardo no direito postulado, tenha ocorrido em fase tão inicial do processo, necessária para se instaurar a lide entre as partes e para qual, como já dito, não se exige um grande debruçamento sobre a causa”.

Prosseguindo com seu voto, o Ministro lembrou da primeira condenação do Estado Brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela lesão à razoável duração do processo judicial, imposta em 2006 no patamar de US$ 130.000,00 (cento e trinta mil dólares americanos)[4].

Assim, finalizou o Ministro Og Fernandes seu voto concluindo que “comprovado que o retardo na prestação jurisdicional deu-se em razão da deficiência no serviço estatal, não sendo demais lembrar, que a requerente formulou diversos pedidos solicitando providências para o andamento do feito, todos incessantemente dirigidos tanto ao Juízo do feito, quanto à Ouvidoria, à Corregedoria e à Presidência do Tribunal de Justiça Estadual, é de se reconhecer que as razões que levaram o Magistrado de primeiro grau a julgar procedente o pedido indenizatório permanecem hígidas.”

Sabemos que no Brasil há uma deficiência crônica na prestação dos serviços públicos e que o Poder Judiciário não está a salvo desta triste estatística.

Por outro lado, não se pode simplesmente conformar-se com tais deficiências e entender que tudo decorre da falta de condições materiais para a correta e eficiente prestação jurisdicional. É preciso aplicar técnicas de gestão efetivas para que casos como o que foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça não voltem a ocorrer.

[1] Artigo 5º, LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[2] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

II – velar pela duração razoável do processo;

[3] Art. 37, § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

[4] Informe Anual de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. San José: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2006, p. 23. Disponível em: ; e OLIVEIRA, Vallisney de Souza. O caso Ximenes Lopes. O Brasil na corte interamericana de direitos humanos. Correio Braziliense. Brasília. Suplemento Direito & Justiça, 2/7/2007, p. 1-3.