Legitimidade passiva para discussão sobre manutenção em plano de saúde após aposentadoria é da operadora, e não da empregadora
Quando da entrada em vigor da Lei Federal nº 9.656/98, que regulamentou os Planos de Saúde em nosso país, uma das situações nela previstas eram justamente daqueles planos e seguros de saúde que o usuário possuía por força de seu vínculo de emprego.
Nesses casos, o seguro é contratado pela empregadora diretamente com a operadora ou por meio de empresa estipulante, e oferecido aos empregados enquanto estes estiverem com seus vínculos empregatícios em vigor.
Invariavelmente, as questões referentes aos procedimentos de seus usuários/empregados são resolvidas por meio de contatos dos representantes da empregadora com a operadora do plano de saúde, mas o usuário não possui contrato direto com a aquela.
Entretanto, cumpre esclarecer que o usuário, em muitas vezes, contribui também para o custeio do plano de saúde, sendo descontado parte de seus vencimentos a título de contribuição, e pela própria Lei Federal 9.656/98 é tratado expressamente como consumidor[1].
Mesma situação é aquela do trabalhador que se aposenta[2].
Como toda prestação de serviços em escala, divergências podem ocorrer na interpretação das cláusulas contratuais e mesmo na própria prestação dos serviços, dos quais, não se tem qualquer dúvida, o usuário é o beneficiário e, como tal, o legitimado para pleitear, em nome próprio, providências de caráter obrigacional e até mesmo indenizatório, no caso de existência de prejuízos materiais e imateriais.
A questão sub exame consiste na legitimidade ou não de se o empregador, que de fato contrata o seguro junto à operadora e o oferece aos seus empregados, poderia, juntamente com a operadora, responder aos pedidos formulados pelo usuário em eventual demanda judicial pelo defeito na prestação dos serviços de saúde.
A questão foi recentemente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça através do Recurso Especial de nº 1.756.121, julgado em outubro do corrente ano pela Terceira Turma da Corte Especial.
A relatoria do Recurso Especial coube à Ministra Nancy Andrighi, e envolvia pleito obrigacional envolvendo o usuário aposentado e a operadora do plano de saúde.
Em seu voto, a Ministra relatora ressaltou que “o pedido foi de ser assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, nos termos do art. 31, da Lei 9.656/98. Nesta hipótese, em análise das condições da ação, o sujeito de direito a suportar os efeitos de eventual condenação judicial é a operadora de plano de saúde e não a pessoa jurídica estipulante.”
Esclareceu ainda a ministra que “sequer é possível visualizar conflito de interesses entre os beneficiários do plano de saúde coletivo empresarial e a pessoa jurídica da qual fazem parte, pois o sujeito responsável pelo litígio na relação de direito material é, ao menos em tese, a operadora que não manteve as mesmas condições do plano de saúde, após a aposentadoria do beneficiário. Não há, portanto, lide entre a estipulante e os usuários finais quanto à manutenção do plano de saúde coletivo. Precedentes: REsp 1575435/SP, Terceira Turma, DJe 03/06/2016; REsp 1730180/SP, Terceira Turma, DJe 24/08/2018.”
Assim, concluiu a Ministra Relatora que “não há qualquer censura ao raciocínio estabelecido no acórdão recorrido, pois, de fato, a recorrente não tem legitimidade passiva para figurar no polo passivo da demanda, envolvendo o beneficiário final e a operadora do plano de saúde, nos termos do art. 31, da Lei 9.656/98.”
Com este raciocínio, a Ministra relatora entendeu por manter a decisão proferida em sede do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que entendeu por bem extinguir o processo, sem resolução do mérito em relação à ex-empregadora do autor aposentado, uma vez que não se vislumbrava a sua legitimidade passiva para responder aos pleitos do Autor.
Há que se concordar com o entendimento exposto no voto da eminente Ministra Nancy Andrighi, apenas nos cumprindo fazer uma pequena observação: no caso em comento, os pleitos elaborados pelo ex-empregado aposentado diziam respeito a questões exclusivamente imputáveis ao plano, como fixação do valor da mensalidade. Houvesse uma falha na comunicação da ex-empregadora com a operadora, e esta viesse a causar prejuízo ao autor, certamente ela responderia pelo prejuízo por ela causado.
[1] Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
[2]Art. 31. Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Efeitos da desconsideração inversa da personalidade jurídica devem ser mantidos até a extinção da execução
Em nosso ordenamento jurídico, é possível a desconsideração da personalidade jurídica com a finalidade de garantir o cumprimento das obrigações e execução dos títulos executivos, na forma do que preceitua o artigo 50 do Código Civil[1].
Entretanto, e conforme depreende-se da própria leitura do artigo acima citado, a desconsideração não ocorre em qualquer caso em que não haja liquidez da pessoa jurídica para saldar suas dívidas e obrigações, devendo ocorrer o abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Vale lembrar que a desconsideração da personalidade jurídica mereceu destaque também no Código de Ritos, que em seu artigo 133[2] e seguintes, determinou que o requerimento fosse formulado por meio de incidente processual, sendo cabível em todas as fases processuais[3].
Entretanto, há situações em que o sócio de determinada empresa, devedor de obrigações não saldadas, esvazia seu patrimônio em favor da pessoa jurídica no intuito de “blindá-lo”, tornando a pessoa física insolvente, ou ainda a sociedade empresária devedora não possui patrimônio para saldar suas obrigações, mas pertence à grupo econômico no qual uma controladora define suas atividades.
Nos casos acima, a Doutrina e a Jurisprudência admitem que a desconsideração da personalidade jurídica ocorra ao contrário do que preceitua o artigo 50 do Código Civil, isto é, seja atingida a pessoa jurídica do qual o devedor é sócio, ou mesmo outras empresas do mesmo grupo econômico da devedora. Este fenômeno jurídico nomeou-se desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Veja que o próprio artigo 133 do Código de Processo Civil já admite expressamente a existência do instituto, quando em seu § 2º determina a este a aplicação do capítulo da desconsideração da personalidade jurídica.
Como pode ser o incidente proposto a qualquer tempo, seus efeitos perduram até a extinção da execução, pois, do contrário, se colocaria em xeque até mesmo a utilidade da medida, uma vez que sua finalidade é a de garantir o cumprimento da obrigação.
O Superior Tribunal de Justiça, através do julgamento do Recurso Especial nº 1.733.403, entendeu que os efeitos da desconsideração inversa da personalidade jurídica devem perdurar até a extinção da execução.
A Relatora do referido Recurso Especial, Ministra Nancy Andrighi, ressaltou em seu voto que “Consubstanciada a unidade econômica entre a interessada e a recorrente, apta a incluir a segunda no polo passivo da execução movida contra a primeira, passam a ser ambas tratadas como uma só pessoa jurídica devedora, até a entrega ao credor da prestação consubstanciada no título executado”.
Mais adiante, aduziu a Ministra que “conquanto se trate de ações autônomas – a execução de título extrajudicial e os embargos à execução –, não são absolutamente independentes. Em verdade, as demandas se interpenetram, porque os embargos, apesar de assumirem a forma de ação de conhecimento, têm natureza de defesa do devedor-executado em face do credor-exequente. E, depois de julgados os embargos, a execução prossegue nos exatos limites do que neles foi decidido.”.
Por fim, concluiu a Ministra Nancy Andrighi que que o fato de uma das empresas coligadas não ter participado formalmente do processo de Embargos à Execução “não tem o condão de afastar sua responsabilidade patrimonial, enquanto integrante do mesmo grupo econômico.”.
Desta forma, mostra-se acertada a decisão acima comentada, uma vez que a própria essência do instituto é garantir o recebimento do crédito, sendo certo que as diferentes configurações societárias não podem servir de obstáculo à plena satisfação desses créditos.
[1] Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
- 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
- 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
- 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
- 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
- 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
[2]Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
- 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
- 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
[3]Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
Locador só responde pelos danos aos bens do Locatário durante o despejo se for ele o depositário
O presente artigo trata da ausência da responsabilidade do Locador pelos danos aos bens do Locatário quando aquele não figurar como depositário dos bens retirados do imóvel despejado.
Nos cabe, porém, iniciarmos por uma situação que aflige diversos locadores que têm deferida a ordem de despejo dos imóveis alugados por decisão judicial, mas esbarram na morosidade do próprio Poder Judiciário, principalmente na marcação do recebimento dos bens pelos depósitos públicos, especialmente no Estado do Rio de Janeiro, e que acabam levando o Locador a, para ver seu imóvel vazio de pessoas e coisas, aceitar a condição de depositários dos bens do Locatário.
O Despejo é sempre promovido pelo Locador, que deve disponibilizar os meios para que o Oficial de Justiça realize a diligência. Invariavelmente, o Oficial de Justiça remete o pedido ao Depósito Público para que este informe a disponibilidade para receber os bens existentes no imóvel despejado. As datas, entretanto, são em muitos casos superiores a dois, três meses.
Assim, o Locador pode, em tese, entendendo que não quer aguardar a data disponibilizada pelo depósito público, aceitar a condição de depositário dos bens do Locatário, incidindo sobre ele todos os ônus previstos nos artigos 627 e seguintes do Código Civil, em especial o artigo 629 [1].
Ocorre que, como dissemos acima, ao Locador cabe prover os meios para que o Oficial de Justiça execute a ordem de despejo, e nisso inclui-se a abertura do imóvel, a retirada e transporte dos bens, e a entrega ao depósito público. Veja que, neste caso, o Locador não figura como depositário dos bens.
E, não sendo o depositário dos bens, o Locador não responde pelo extravio ou deterioração de bens.
O tema acima foi recentemente abordado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial de nº 1.819.837. A relatoria coube ao Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. O Acórdão foi assim ementado:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESPEJO. BENS. DEPÓSITO. DEVOLUÇÃO PARCIAL. LOCADOR. ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se, na hipótese, o locador é parte legítima para responder pelos danos causados ao locatário diante da alegada devolução parcial dos bens após a execução da ordem de despejo. 3. A parte que obtém a tutela jurisdicional não responde, em regra, pelos danos advindos da execução da referida ordem concedida pelo magistrado da causa. 4. A partir do momento em que o Estado avoca para si o monopólio do exercício da jurisdição, ele se torna, em tese, responsável pelos danos que causar aos litigantes. 5. O depositário é a parte legítima para figurar no polo passivo de ação na qual se discute os danos decorrentes da ausência de devolução dos bens retirados do imóvel locado. Precedente. 6. O locador somente responderá por eventuais perdas e danos se tiver atuado diretamente no cumprimento da ordem judicial de despejo. 7. Na hipótese, os argumentos deduzidos na petição inicial não possibilitam afirmar abstratamente a legitimidade passiva da 4R’s Participações e Desenvolvimento Imobiliário Ltda. 8. Recurso especial não provido.”
A controvérsia nos autos cingia-se a determinar se o Locador é parte legítima para responder pelos danos causados ao locatário diante da alegada devolução parcial dos bens após execução da ordem de despejo.
Em seu voto, o Ministro destacou que “de acordo com o precedente supratranscrito, havendo perda ou deterioração dos bens, a responsabilidade recai sobre o Estado, de forma objetiva, ou sobre o depositário nomeado pelo Juízo, mas não sobre as partes do processo.”.
Igualmente, ressaltou o Ministro Relator que “Não se pode esquecer que o despejo compulsório somente foi realizado porque o locatário deixou de cumprir o comando judicial no tempo estabelecido pelo Juízo, tanto que o art. 65, § 1º, da Lei nº 8.245/1991 estabelece que os móveis e os utensílios serão entregues, em regra, ao despejado. Porém, somente no caso de o locatário se recusar a retirar os seus bens, a guarda será conferida ao depositário.”.
Não há dúvidas acerca do Locador nos casos em que este figurar como depositário dos bens. Quando este não atuar diretamente no despejo, e tampouco como depositário dos bens, nada pode lhe ser imputado, haja vista que a ordem e execução do despejo provém do Estado, devendo este responsabilizar-se, juntamente com o depositário se terceiro for, pelos prejuízos causados por danos aos bens do locatário.
Desta forma, entendemos correta a posição do Superior Tribunal de Justiça manifestada no julgamento do Recurso Especial de nº 1.819.837, eis que não onera ainda mais o Locador, que já sofre para ter novamente a posse de seu imóvel.
[1] Art. 629. O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante.
Sentença em ação coletiva pode ser divulgada apenas pela internet pelas normas do novo código de processo civil
No presente artigo, abordaremos a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça quanto ao uso apenas da rede mundial de computadores – INTERNET – para a divulgação de sentença em Ação Coletiva Consumerista, sem a necessidade de emprego de outros meios de comunicação, à luz do novo Código de Processo Civil.
Entretanto, inicialmente se faz necessária uma breve introdução da natureza jurídica da sentença em ações coletivas e a finalidade – e obrigatoriedade – de sua divulgação ostensiva a toda a coletividade.
O artigo 81[1] do Código de Defesa do Consumidor prevê a defesa dos interesses dos consumidores tanto de forma individual quanto de forma coletiva, quando tratar-se de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
A sentença de mérito nas ações coletivas de interesses individuais homogêneos estipulará uma condenação genérica ao Réu[2], sendo certo que a liquidação e execução da sentença poderá ser promovida individualmente pelos ofendidos ou seus sucessores[3].
Desta forma, é fundamental que os atos de publicidade, não só do ajuizamento do processo, mas também da sentença e demais decisões de mérito proferidas nestes autos, sejam feitos de maneira ostensiva e efetiva, cumprindo, assim, sua finalidade precípua.
A evolução da tecnologia é uma tendência mundial, irreversível, e cada vez mais setores e segmentos produtivos a utilizam em seus processos, inclusive quanto à comunicação de seus atos. No mesmo sentido, vimos a informatização dos processos judiciais[4], que expressamente alterou diversos dispositivos do Código de Processo Civil de 1973, assim como norteou outros tantos no Novo Código de Processo Civil de 2015.
E é justamente este o ponto de discussão da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que admitiu apenas a publicação da sentença na Rede Mundial de Computadores – INTERNET – interpretando os dispositivos da Lei Processual, sem que houvesse nulidade por não ter ocorrido o ato de outra forma.
A relatoria do Recurso Especial de nº 1.821.688 coube à Ministra Nancy Andrighi.
Em seu voto, a Ministra destacou que, ante o silêncio do Código de Processo Civil de 1973 quanto aos meios de publicação da sentença em ações Coletivas, vislumbrava-se a possibilidade de utilização de editais veiculados em jornais de grande circulação, na forma do artigo 232, II, daquele diploma processual.
Quanto a este ponto, a Ministra ponderou que “em virtude da evolução tecnológica dos meios de comunicação e diante da previsão textual do art. 257, II, do CPC/l5, esta e. Turma decidiu, nos autos do REsp 1285437/MS, Terceira Turma, DJe 02/06/2017, que “a publicidade dada à sentença genérica deveria observar as novas disposições do art. 257, II e III, do CPC/l5”, minimizando, em vista dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “o custosa publicação física que atualmente é regra excepcional no processo civil” e, de outro, facilitando sua divulgação a um maior número de pessoas (REsp 1285437/MS, Terceira Turma, DJe 02/06/2017)”.
Em seguida, a ministra relatora ressaltou que “a publicação na rede mundial de computadores alcança de modo eficaz grande número dos interessados, substituídos processuais, dando adequada publicidade à sentença genérica relacionada a interesses individuais homogêneos e evitando o desnecessário dispêndio de vultosas quantias com a publicação física em meios de comunicação impressos e tradicionais.”
Por fim, concluiu a Ministra Nancy Andrighi que “o entendimento prevalente nesta e. Turma é de que a melhor forma de assegurar o resultado prático do julgado e alcançar o maior número de beneficiários é a publicação na rede mundial de computadores, nos sites de órgãos oficiais e no da própria recorrente, em substituição à onerosa e ineficaz divulgação em jornais de grande circulação.”
A evolução tecnológica, como dito acima, é uma tendência. Não há como ignorá-la, e muito menos não criar ferramentas de sua utilização para a melhora na comunicação e nos processos produtivos.
Neste ponto, a utilização da tecnologia e das comunicações digitais pode e deve ser utilizada como ferramenta para efetividade dos atos processuais, eis que dinâmicas e menos custosas que os atos tradicionais, devendo o primeiro ser a regra sobre os demais.
[1] Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
[2] Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.
[3]Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.
[4] Lei Federal 11.419/2006 – Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências
Demora no atendimento bancário não gera dano moral – ainda a mitigação do dano "in re ipsa" pelo STJ
No artigo anterior, tratamos de importantes conceitos dentro das teorias que envolvem o Dano Moral e sua caracterização, principalmente quanto ao conceito de dano moral presumido, decorrente do próprio fato, ou dano moral in re ipsa.
Naquele estudo, tratamos o dano moral decorrente do atraso de voo, situação corriqueira em nosso cotidiano, mas que, por si só, não parece poder causar danos morais e a consequente obrigação de indenizá-los.
Rememorando, o que seria o dano moral in re ipsa?
Nossa resposta consubstancia-se naquele que decorre do próprio fato danoso; é aquele que dispensaria a prova de maior repercussão do dano, eis que o próprio fato em si é capaz de gerar o dano, tendo em vista a violação, em tese, da honra subjetiva da vítima.
No caso hoje sob nossa análise, igualmente corriqueiro, tem-se a questão da demora no atendimento bancário dentro das agências, em especial quando há queda de sistema e consequentemente a paralisação do atendimento e sua posterior retomada.
O caso em si, indubitavelmente, traz diversos dissabores a quem o vivencia. Entretanto, poderia ele, por si só, configurar o Dano Moral e o consequente dever de indenizar por parte do seu causador?
A questão foi recentemente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça, através do julgamento do Recurso Especial nº 1.767.948 em que, apesar de não tratar exatamente do caso do título, certamente baliza as conclusões a que se chega ao final do artigo e do julgado.
A relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi que, em seu voto, destacou que, tratando-se de relação de consumo, incidem os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, e, no caso da responsabilidade civil, os dois regimes jurídicos existentes no código: o fato do produto e serviço (artigos 12 a 17[1] do Código de Defesa do Consumidor), e o vício do produto ou serviço (artigos 18 a 25[2] do Código de Defesa do Consumidor).
No primeiro caso (responsabilidade pelo fato), além da desconformidade do produto ou serviço com o fim a que se destina, ainda há um acontecimento externo (acidente de consumo) que causaria consequências que não ficariam restritas à inaptidão do produto ou serviço, mas colocariam em risco a própria pessoa do consumidor. Nesse caso, poderia ocorrer o chamado dano moral.
Segundo a Ministra Nancy Andrighi, “a responsabilidade pelo acidente de consumo se aperfeiçoa, portanto, com o concurso de três pressupostos: a) o vício do serviço; b) o evento danoso, isto é, o fato externo superveniente e relativamente independente acrescido à inadequação do serviço, que gera um dano autônomo e distinto em relação ao vício do serviço; e c) a relação de causalidade entre o defeito do serviço e o dano”.
Destacou ainda a ministra em seu voto que “a excepcional violação ao direito da personalidade do correntista recorrente não teria sido comprovada, pois não foi invocado nenhum fato extraordinário que tenha ofendido o âmago da personalidade do recorrente, motivo pelo qual não haveria que se falar em abalo moral indenizável.”.
Assim, concluiu a Ministra Relatora que “meros dissabores não acarretam dano moral a ser indenizado, haja vista não ter sido traçada, nos elementos fáticos delimitados pelo tribunal de origem, qualquer nota adicional que pudesse, para além da permanência da prestação parcial de serviços bancários, ensejar a violação de direito da personalidade a ponto de causar grave sofrimento ou angústia no consumidor recorrente“
Vê-se, desta forma, que o dano moral vem sendo cada vez mais relacionado com o caso concreto, e com a efetiva ocorrência de fato extraordinário que o configure, demandando daqueles que o invocam cada vez mais a necessidade de se provar a ocorrência destes fatos excepcionais.
[1] Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
- 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – sua apresentação;
II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi colocado em circulação.
- 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.
- 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I – que não colocou o produto no mercado;
II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
- 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – o modo de seu fornecimento;
II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi fornecido.
- 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
- 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
- 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Art. 15. (Vetado).
Art. 16. (Vetado).
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
[2] Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
- 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço.
- 2° Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.
- 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.
- 4° Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1° deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1° deste artigo.
- 5° No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor.
- 6° São impróprios ao uso e consumo:
I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;
II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;
III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.
Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – o abatimento proporcional do preço;
II – complementação do peso ou medida;
III – a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios;
IV – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
- 1° Aplica-se a este artigo o disposto no § 4° do artigo anterior.
- 2° O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais.
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço.
- 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.
- 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.
Art. 21. No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor.
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Art. 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade.
Art. 24. A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor.
Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.
- 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.
- 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.
Dano moral em caso de atraso de voo deve ser comprovado para gerar indenização: a descaracterização do dano "in re ipsa"
Em nossa doutrina, sempre que nos deparamos com a análise do dano moral e os requisitos para a sua caracterização, necessariamente passamos pelos aspectos da honra objetiva e da honra subjetiva.
Em apertada síntese, a honra subjetiva seria a percepção que a própria pessoa tem de si em relação ao mundo externo, enquanto a honra objetiva seria a percepção externa em relação ao indivíduo quanto à sua imagem.
Baseado nesses conceitos, o indivíduo possui, inegavelmente, honra objetiva e subjetiva, sendo especificamente a segunda modalidade o norte do presente artigo, pois é justamente esta que costuma balizar o entendimento do acontecimento do dano in re ipsa.
E o que seria, então, o dano moral in re ipsa? O dano in re ipsa é aquele que decorre do próprio fato danoso; é aquele que dispensaria a prova de maior repercussão do dano, eis que o próprio fato em si é capaz de gerar o dano, tendo em vista a violação, em tese, da honra subjetiva da vítima.
É comum a aplicação de dano in re ipsa nos casos de indenizações causadas por acidentes que causem lesões, negativações indevidas com inclusão do nome nos cadastros restritivos, morte de parentes, entre outros. E, durante muito tempo, entendeu-se que os pedidos de indenização por danos morais decorrentes dos atrasos nos voos das companhias aéreas mereceriam o mesmo tratamento.
Assim, bastaria a prova do atraso do voo e não haver nenhuma excludente de responsabilidade para se caracterizar o dano moral, eis que in re ipsa¸ ou seja, decorrente do próprio fato.
Entretanto, em recentíssimo julgado, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial de nº 1.796.716, promoveu entendimento diverso daquele exposto acima.
A relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi, e o caso em comento deriva de pedido de indenização de consumidor que, derrotado em primeira e segunda instância quanto ao pedido de indenização por danos morais pelo atraso de voo, sustentava em seu Recurso especial que o dano moral nestas hipóteses prescindiria de comprovação, pois seria presumido, ou decorrente do próprio fato (in re ipsa).
Neste caso específico, vale transcrever a ementa do acórdão proferido, para a melhor compreensão do entendimento manifestado pelo STJ, e que certamente norteará outras situações em que se defende a prescindibilidade da prova de situação que possa causar dano moral. Vejamos:
DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. CANCELAMENTO DE VOO DOMÉSTICO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO.
- Ação de compensação de danos morais, tendo em vista falha na prestação de serviços aéreos, decorrentes de cancelamento de voo doméstico.
- Ação ajuizada em 03/12/2015. Recurso especial concluso ao gabinete em 17/07/2018. Julgamento: CPC/2015.
- O propósito recursal é definir se a companhia aérea recorrida deve ser condenada a compensar os danos morais supostamente sofridos pelo recorrente, em razão de cancelamento de voo doméstico.
- Na específica hipótese de atraso ou cancelamento de voo operado por companhia aérea, não se vislumbra que o dano moral possa ser presumido em decorrência da mera demora e eventual desconforto, aflição e transtornos suportados pelo passageiro. Isso porque vários outros fatores devem ser considerados a fim de que se possa investigar acerca da real ocorrência do dano moral, exigindo-se, por conseguinte, a prova, por parte do passageiro, da lesão extrapatrimonial sofrida.
- Sem dúvida, as circunstâncias que envolvem o caso concreto servirão de baliza para a possível comprovação e a consequente constatação da ocorrência do dano moral. A exemplo, pode-se citar particularidades a serem observadas: i) a averiguação acerca do tempo que se levou para a solução do problema, isto é, a real duração do atraso; ii) se a companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros; iii) se foram prestadas a tempo e modo informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos inerentes à ocasião; iv) se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem, etc.) quando o atraso for considerável; v) se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no destino, dentre outros.
- Na hipótese, não foi invocado nenhum fato extraordinário que tenha ofendido o âmago da personalidade do recorrente. Via de consequência, não há como se falar em abalo moral indenizável.
- Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários.
Vale destacar ainda passagem do voto da Ministra Relatora, em que ela repisa entendimento anterior do próprio Superior Tribunal de Justiça quanto à possibilidade de se reconhecer o dano in re ipsa nos casos de atraso de voo, mas ressalta a mudança de entendimento quando do julgamento, em 21/11/2018, do Recurso especial 1.584.465/MG pela Terceira Turma, aprimorando suas convicções. Assim decidiu a Ministra:
“Quanto ao ponto, necessário tecer breves considerações acerca do dano moral presumido, que é aquele que se origina de uma presunção absoluta, dispensando, portanto, prova em contrário.
Na específica hipótese de atraso ou cancelamento de voo operado por companhia aérea, não vislumbro que o dano moral possa ser presumido em decorrência da demora e eventual desconforto, aflição e transtornos suportados pelo passageiro.
É que, ao meu ver, vários outros fatores devem ser considerados a fim de que se possa investigar acerca da real ocorrência do dano moral, exigindo-se, por conseguinte, a prova, por parte do passageiro, da lesão extrapatrimonial sofrida.
Dizer que é presumido o dano moral nas hipóteses de atraso ou cancelamento de voo é dizer, inevitavelmente, que o passageiro, necessariamente, sofreu abalo que maculou a sua honra e dignidade pelo fato de a aeronave não ter partido na exata hora constante do bilhete – frisa-se, abalo este que não precisa sequer ser comprovado, porque decorreria do próprio atraso ou cancelamento na saída da aeronave em si.
Passa-se, então, à indagação de como poderia dar-se a comprovação da ocorrência de eventual dano moral sofrido.
Sem dúvida, as circunstâncias que envolvem o caso concreto servirão de baliza para a possível comprovação e a consequente constatação da ocorrência do dano moral. A exemplo, pode-se citar particularidades a serem observadas: i) a averiguação acerca do tempo que se levou para a solução do problema, isto é, a real duração do atraso; ii) se a companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros; iii) se foram prestadas a tempo e modo informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos inerentes à ocasião; iv) se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem, etc.) quando o atraso for considerável; v) se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no destino, dentre outros.”
Ou seja, pelo entendimento acertado da Ministra Relatora, não basta haver a prova do atraso, mas necessariamente também haver prova das consequências desse atraso, e se estas consequências são passíveis de gerar os danos extrapatrimoniais.
O Julgado consiste em uma importante evolução no correto entendimento do que é efetivamente uma situação que possa gerar o chamado dano extrapatrimonial, evitando-se que situações corriqueiras possam gerar infundadas indenizações e, consequentemente, prejuízos a atividades econômicas desenvolvidas pelos mais diversos prestadores de serviço, que invariavelmente impactam diretamente no preço desses produtos e serviços e na cadeia produtiva como um todo.
A decisão acima constitui marco importante do aperfeiçoamento da jurisprudência, e acreditamos que servirá de norte para outras decisões, as quais certamente teremos oportunidade de abordar brevemente nos próximos artigos.
Artigo: Desnecessidade da existência de cláusula penal pelo atraso na entrega de bens adquiridos via comércio eletrônico
A Constituição Federal, em seu artigo 1º, coloca como fundamento do Estado Democrático de Direito, entre outros, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa[1].
Quanto à livre iniciativa, igualmente a Constituição Federal, quando trata da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e da Livre Iniciativa, destaca, entre outros princípios basilares, a defesa do consumidor[2].
Não por outro motivo, em 1990 é publicada a Lei Federal 8.078/90[3], mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, dispondo da proteção ao consumidor e regulamentando a prestação de serviços e fornecimento de produtos dentro das relações envolvendo consumidores.
Nota-se que a própria Lei estabeleceu uma série de normas protetivas ao consumidor, entendendo-se pela sua vulnerabilidade na relação jurídica com o prestador ou fornecedor de produtos e serviços, criando-se um complexo sistema de normas e princípios que, se não observados, acabariam por gerar consequências ao fornecedor.
O próprio Código de Defesa do Consumidor permite que a proteção ao consumidor possa ser exercida por meio de ações coletivas, intentadas pelos órgãos legitimados para tal, a teor dos artigos 81 e 82[4] do diploma legal acima citado.
Assim, além da intervenção do Estado nas relações de consumo através das normas protetivas, ainda permitiu que as ações fossem intentadas coletivamente quando houvesse reiterada lesão aos interesses difusos e coletivos dos consumidores.
Desta forma, o Ministério Público de São Paulo, tendo em vista os reiterados descumprimentos de prazos de entrega de produtos adquiridos por meio de comércio eletrônico, ajuizou ação civil pública com o intuito de se estabelecer uma multa a ser aplicada às empresas por força da conduta elencada acima, e ainda incluir nos seus contratos cláusula penal que previsse o pagamento de valores ao consumidor no caso de atraso na entrega dos produtos adquiridos.
Após serem julgados improcedentes os pedidos em Primeira Instância, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento à Apelação do Órgão Ministerial para estabelecer a obrigatoriedade de existência da cláusula penal em favor do Consumidor, estabelecendo-se ainda a multa de 2% (dois por cento) pelo inadimplemento das obrigações do fornecedor.
A questão então chegou ao Superior Tribunal de Justiça através do Recurso Especial de nº 1.787.492, cuja relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi.
Em seu voto, a Ministra destacou a posição de hipossuficiência do consumidor na relação jurídica com o fornecedor de produtos e serviços, sendo o Código de Defesa do Consumidor um instrumento de equilíbrio dessa relação.
Entretanto, e por mais protetiva que seja a norma, relativizando a liberdade contratual, esta não desapareceu, podendo ainda prevalecer a autonomia da vontade em determinadas circunstâncias, especialmente quando não forem verificados abusos ou lesões a direitos.
No caso em comento, asseverou a Ministra Relatora que “não se verifica abusividade das cláusulas contratuais firmadas pela recorrente a ponto de exigir uma atuação estatal supletiva. Analisando as razões recursais em conjunto com o acórdão impugnado, a intervenção estatal nos contratos a serem celebrados pela recorrente não encontra fundamento na legislação consumerista.”.
Nota-se uma modificação gradual no entendimento dos Tribunais em todo o país, capitaneadas, por certo, pelas decisões emanadas do Superior Tribunal de Justiça, quanto à figura do consumidor e à abrangência do conceito de hipossuficiência por ele ostentada.
Não era incomum afastar-se quase que completamente a autonomia de vontade das partes dos contratos, tomando suas cláusulas como ilegais e abusivas, e ainda impondo obrigações aos fornecedores que sequer foram ventiladas pelos contratantes.
Entretanto, o posicionamento vem sendo modificado gradativamente, não para um completo afastamento da hipossuficiência e proteção das normas consumeristas – isso sequer poderá ocorrer – mas para uma análise do caso concreto de uma maneira mais maleável, coibindo o abuso se e quando ele ocorrer, através das ferramentas já existentes, como, aliás, foi exatamente o fundamento do acórdão proferido no REsp. 1.787.492.
O entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça traz uma intervenção menor na atividade econômica sem, contudo, acabar com a proteção necessária ao consumidor e, por esse motivo, mostra-se totalmente acertado.
[1]Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
[2]Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
[3] Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
[4]Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) (Vide Lei nº 13.105, de 2015) (Vigência)
I – o Ministério Público,
II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.
- 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
- 2° (Vetado).
- 3° (Vetado).
Afastamento da impenhorabilidade do bem de família no caso de obrigação assumida para terminar obra
O Código Civil, como se sabe, determina que, no caso do inadimplemento das obrigações contraídas, o devedor responde pela dívida originada deste inadimplemento com todos os seus bens[1].
Tal determinação constitui-se na regra para que o credor consiga saldar seu crédito e permita ver satisfeita a obrigação contraída entre as partes, uma vez inadimplida.
Há, entretanto, exceções quanto aos bens do devedor que podem responder pelo inadimplemento de suas obrigações. Estes bens, por sua natureza, tiveram proteção legal quanto à possibilidade de serem utilizados para a satisfação do crédito dos credores.
O Código de Processo Civil, em seus artigos 832[2] e 833[3] traz, primeiro, a diretriz de que não podem ser objeto de execução os bens que a Lei considera impenhoráveis e inalienáveis e, em seguida, quais bens seriam esses.
Dentre muitos dos exemplos que poderíamos aqui citar quanto às exceções mencionadas acima, um será por nós tratada no presente artigo, pois foi objeto de recente julgado perante o Superior Tribunal de Justiça: o Bem de Família.
Os Bens de Família são regidos pela Lei Federal 8009/90[4] que, em seu artigo 1º, define o bem de família como sendo o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Desta forma, o bem de família não responderia por dívida civil, tributária, comercial, previdenciária, ou de qualquer outra natureza. Mas a própria Lei traz exceções a essa impenhorabilidade. O artigo 3º da referida Lei diz que a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de qualquer outra natureza, salvo as hipóteses contidas em seus incisos[5].
No caso concreto que motivou o presente artigo, os adquirentes de determinada unidade em construção, após a falência da construtora, aderiram voluntariamente a uma associação de adquirentes que, com esforços comuns, desejava terminar a construção do edifício aonde se situavam as unidades imobiliárias adquiridas.
Não tendo condições de continuar com suas obrigações assumidas com a associação de adquirentes, os compradores acabaram por ficar inadimplentes com as prestações assumidas, sendo, por conseguinte, executados nos valores em aberto, tendo sido penhorados os direitos aquisitivos quanto ao imóvel em construção.
Tendo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negado a proteção de impenhorabilidade ao bem de família aos adquirentes, estes interpuseram Recurso Especial, autuado sob o nº 1.658.601. A Relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi.
Em seu voto, a ministra relatora asseverou que há, no caso concreto, um interesse coletivo que deve prevalecer sobre o do particular, sendo que a associação constituída para terminar as obras englobou todo o empreendimento, e não apenas a unidade dos adquirentes, sendo certo que não seria possível proteger apenas uma família em detrimento a todas as outras.
Neste sentido, a ministra ressaltou que “Se todos os associados se obrigaram perante a associação a custear o término da construção do todo – isso é, das três torres que compõem o condomínio –, não há como imputar os pagamentos realizados por cada um dos associados a uma determinada torre ou unidade.”
Ademais, ponderou a ministra que “não se está diante de contrato celebrado com a finalidade de transmissão da propriedade, uma vez que a quitação da dívida assumida perante a recorrida não tem o condão de subtrair daquele credor fiduciário a propriedade resolúvel do imóvel para restituir aos devedores fiduciantes a sua propriedade plena.”
Por fim, concluiu a ministra, considerando que o aporte financeiro para a conclusão de toda a obra “é indispensável à efetiva construção do imóvel de todos os associados com suas respectivas áreas comuns, aporte esse sem o qual os recorrentes sequer teriam a expectativa de concretizar a titularidade do bem de família, tendo em vista a falência da construtora originariamente contratada para aquela finalidade.”.
Desta forma, nota-se que a decisão em comento acaba por elevar, de certa forma, a obrigação assumida pelos adquirentes perante a associação, ao status propter rem, muito assemelhada à já pacificada situação da cobrança de despesas ordinárias e extraordinárias de condomínio, que afastam a proteção ao bem de família em prol de toda a coletividade comunheira, o que nos parece acertado.
[1] Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.
[2] Art. 832. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.
[3] Art. 833. São impenhoráveis:
I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI – o seguro de vida;
VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
- 1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.
- 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º .
- 3º Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.
[4] LEI Nº 8.009, DE 29 DE MARÇO DE 1990. – Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família.
[5] Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; (Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III — pelo credor de pensão alimentícia;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação; e (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)
VIII – para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos. (Incluído pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
A possibilidade de inclusão de parcelas vincendas na execução de dívida condominial
Até a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, entendia-se que as cotas condominiais em atraso somente poderiam ser objeto de ação de cobrança, pelo rito sumário[1], sendo certo que tal entendimento decorria da interpretação literal da Lei Processual que previa exatamente esta hipótese no processo de conhecimento, mais precisamente no artigo 275, II, b, da antiga Lei de Ritos.
Como se tratava de ação de cobrança, através do processo de conhecimento, o artigo 290[2] do antigo Código previa expressamente que o pedido poderia conter a previsão de condenação do devedor ao pagamento das parcelas vincendas, ou seja, aquelas cujo vencimento se dava após o ajuizamento da ação de cobrança, sendo devidamente comprovadas no curso da ação.
Tal previsão, absolutamente razoável, tendo em vista a existência de obrigações quanto às cotas condominiais que são periódicas, e mais do que natural que o devedor permaneça inadimplente com parcelas não originalmente incluídas no pedido de condenação em pagar quantia certa, foi reproduzida com mínimas mudanças no Código de Processo Civil de 2015 em seu artigo 323[3].
Entretanto, sempre pairou dúvida quanto à possibilidade de, ao invés de lançar mão do processo de conhecimento e, consequentemente, da ação de cobrança de cotas condominiais, com um caminho mais longo até a satisfação do crédito exequendo, se utilizar o processo de execução, uma vez que o título a embasar a demanda poderia atender os requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade.
Com o advento do novo Código de Processo Civil, a Lei Processual passou a prever expressamente a possibilidade de se promover a execução do débito condominial, desde que atendidos alguns requisitos legais que revestem o processo de execução e, principalmente, o título executivo extrajudicial.
Desta forma, o artigo 784, X[4], do Código de Processo Civil de 2015 passou a elencar como título executivo extrajudicial o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas.
Assim, não resta mais qualquer dúvida de que as cotas condominiais, desde que dotadas dos requisitos contidos acima, podem ser objeto de execução.
Entretanto, como se sabe, o título executivo extrajudicial, sendo líquido, certo e exigível, é dotado de certa imutabilidade quanto ao seu valor dentro da demanda, pois, do contrário, poderia lhe faltar exatamente um ou mais de um dos requisitos acima, apresentando um valor variável ao longo do processo.
Diante deste raciocínio, em conclusão apressada, entender-se-ia então pela impossibilidade, na execução, e ao contrário do processo de conhecimento, de incluir parcelas vincendas da obrigação continuada, ainda que revestidas dos requisitos de título executivo extrajudicial, na ação de execução já intentada, forçando o credor a ajuizar mais e mais processos na medida em que as obrigações se vencerem.
Entretanto, em recentíssimo julgado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu pela possibilidade da inclusão, no processo de execução, das prestações que se vencerem ao longo do processo, até a sentença.
Através do julgamento do Recurso Especial de nº 1.756.791, a Ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, destacou a interdisciplinar entre os ritos previstos no Código de Processo Civil, e sua aplicação subsidiária uns aos outros.
No caso concreto, destacou a Ministra que “o novo código processual, na parte que regula o procedimento da execução fundada em título executivo extrajudicial, admite, em seu art. 771[5], a aplicação subsidiária das disposições concernentes ao processo de conhecimento à lide executiva.”
Prossegue a Ministra aduzindo que “também dispõe, na parte que regulamenta sobre o processo de conhecimento, que o procedimento comum se aplica subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução (art. 318, parágrafo único, do CPC/2015)[6]”.
Por fim, concluiu a Ministra Nancy Andrighi que “Tal entendimento está em consonância com os princípios da efetividade e da economia processual, evitando o ajuizamento de novas execuções com base em uma mesma relação jurídica obrigacional”.
Entendemos acertadíssimo o entendimento manifestado pela Ministra Nancy Andrighi, pois permite ainda maior efetividade no recebimento de valores pelos credores, em especial os credores condominiais, que dependem da verba das cotas para o pagamento das despesas diárias e não auferem atividade empresarial, sendo ainda mais relevante o recebimento das referidas cotas.
[1]Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário:
II – nas causas, qualquer que seja o valor;
- b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio;
[2]Art. 290. Quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação.
[3]Art. 323. Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.
[4]Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
X – o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;
[5] Art. 771. Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, e suas disposições aplicam-se, também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no procedimento de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva.
Parágrafo único. Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial.
[6] Art. 318. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.
Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.
Cláusula de perda total de valores pagos é válida se proposta pelo comprador
A questão tratada neste artigo guarda relação entre o alcance da manifestação de vontade e as consequências trazidas aos que a manifestam, especialmente nos negócios jurídicos que preveem a perda de valores em favor da outra parte, oriundos da não execução ou cumprimento do objeto da avença.
Não é incomum vermos, especialmente nos contratos imobiliários, cláusulas penais de retenção de valores em caso de arrependimento ou impossibilidade de manutenção dos pagamentos por parte dos adquirentes, que solicitam a rescisão dos negócios jurídicos e a devolução dos valores pagos.
É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que, nos contratos em que incida o Código de Defesa do Consumidor, os valores pagos pelo comprador ao vendedor devem ser integralmente restituídos nos casos em que o vendedor der causa à rescisão do negócio, e parcialmente se foi o comprador que provocou a rescisão[1].
Igualmente, na segunda hipótese (desistência do adquirente), o STJ já pacificou o entendimento quanto à possibilidade de retenção, que não poderá ser superior a 25% (vinte e cinco por cento) do valor pago pelo adquirente[2].
Todas estas situações levam em conta, como não poderia deixar de ser, os princípios protetivos do Código de Defesa do Consumidor e a sua vulnerabilidade. Entretanto, há contratos em que o Código não tem incidência.
Em um contrato de compra e venda de imóvel, celebrado entre duas pessoas físicas, apesar da não incidência do Código de Defesa do Consumidor, deve-se observar igualmente a boa-fé na sua execução, a manifestação de vontade lícita e não eivada de vícios e o enriquecimento sem causa.
Mas poderia então, com base em tais premissas, haver cláusula que simplesmente decretasse a perda da integralidade dos valores pagos em caso de inadimplemento dos compradores?
Tendo sido do próprio comprador a proposta de inserção da referida cláusula, e não havendo vício na sua manifestação de vontade, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que sim.
A questão foi analisada pelo STJ através do julgamento do Recurso Especial de nº 1.723.690, cuja relatoria coube ao Ministro Villas Bôas Cueva.
Na hipótese, após o Juízo de primeira instância entender por nula a cláusula inserida por aditivo e que estipulava a perda total dos valores pagos, determinou a restituição com os descontos de intermediação do negócio, o sinal e a multa contratual.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, entretanto, reformou a sentença por entender válida a cláusula de perda integral, entendendo haver prova cabal (uma mensagem SMS, no caso), de que a referida cláusula havia sido proposta pelo próprio comprador.
Em seu voto, o Ministro Villas Bôas Cueva ressaltou que são nulos os negócios jurídicos celebrados com algum vício de consentimento, citando expressamente o estado de perigo, contido no artigo 156 do Código Civil[3], e a Lesão, constante do artigo 157 do mesmo diploma legal[4].
Tendo concluído pela ausência de prova da existência dos referidos defeitos no negócio jurídico celebrado, o Ministro destacou que “No caso dos autos, por se tratar de compromisso de compra e venda celebrado de forma voluntária entre particulares que, em regra, estão em situação de paridade, é imprescindível que os elementos subjetivos da lesão sejam comprovados, não se admitindo a presunção de tais elementos. Entendimento em sentido contrário poderia incentivar a parte a assumir obrigações que sabe serem excessivas para depois pleitear a anulação do negócio jurídico.”
Destacou ainda o Ministro Villas Bôas Cueva que acolher o pedido dos recorrentes “implicaria ratificar a conduta da parte que não observou os preceitos da boa-fé em todas as fases do contrato, o que vai de encontro à máxima do ‘venire contra factum proprium’”.
Como se viu, o julgado privilegiou a manifestação de vontade lícita e, principalmente, o Princípio da Boa-fé objetiva, consubstanciado ainda em um de seus institutos mais importantes, qual seja a vedação ao comportamento contraditório.
Entretanto, tais institutos não podem caminhar ao largo de outro instituto igualmente importante e que deve nortear os negócios jurídicos, qual seja a vedação ao enriquecimento sem causa.
Não se está aqui retirando a importância e a correção do julgado ora analisado, mas tão somente chamando-se atenção à necessária observância do último instituto de direito acima citado, sob pena de se derrubar a própria boa-fé e os princípios norteadores dos negócios jurídicos, devendo ser analisado o caso concreto para que se faça o correto julgamento de proporcionalidade do alcance das cláusulas contratuais avençadas.
[1] Súmula 543: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento
[2]STJ – AgInt no AREsp 1062082/AM: Ministro Luis Felipe Salomão; Quarta turma: Dje 23/05/2017
[3]Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
[4] Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.