Locador só responde pelos danos aos bens do Locatário durante o despejo se for ele o depositário


O presente artigo trata da ausência da responsabilidade do Locador pelos danos aos bens do Locatário quando aquele não figurar como depositário dos bens retirados do imóvel despejado.

Nos cabe, porém, iniciarmos por uma situação que aflige diversos locadores que têm deferida a ordem de despejo dos imóveis alugados por decisão judicial, mas esbarram na morosidade do próprio Poder Judiciário, principalmente na marcação do recebimento dos bens pelos depósitos públicos, especialmente no Estado do Rio de Janeiro, e que acabam levando o Locador a, para ver seu imóvel vazio de pessoas e coisas, aceitar a condição de depositários dos bens do Locatário.

O Despejo é sempre promovido pelo Locador, que deve disponibilizar os meios para que o Oficial de Justiça realize a diligência. Invariavelmente, o Oficial de Justiça remete o pedido ao Depósito Público para que este informe a disponibilidade para receber os bens existentes no imóvel despejado. As datas, entretanto, são em muitos casos superiores a dois, três meses.

Assim, o Locador pode, em tese, entendendo que não quer aguardar a data disponibilizada pelo depósito público, aceitar a condição de depositário dos bens do Locatário, incidindo sobre ele todos os ônus previstos nos artigos 627 e seguintes do Código Civil, em especial o artigo 629 [1].

Ocorre que, como dissemos acima, ao Locador cabe prover os meios para que o Oficial de Justiça execute a ordem de despejo, e nisso inclui-se a abertura do imóvel, a retirada e transporte dos bens, e a entrega ao depósito público. Veja que, neste caso, o Locador não figura como depositário dos bens.

E, não sendo o depositário dos bens, o Locador não responde pelo extravio ou deterioração de bens.

O tema acima foi recentemente abordado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial de nº 1.819.837. A relatoria coube ao Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. O Acórdão foi assim ementado:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESPEJO. BENS. DEPÓSITO. DEVOLUÇÃO PARCIAL. LOCADOR. ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se, na hipótese, o locador é parte legítima para responder pelos danos causados ao locatário diante da alegada devolução parcial dos bens após a execução da ordem de despejo. 3. A parte que obtém a tutela jurisdicional não responde, em regra, pelos danos advindos da execução da referida ordem concedida pelo magistrado da causa. 4. A partir do momento em que o Estado avoca para si o monopólio do exercício da jurisdição, ele se torna, em tese, responsável pelos danos que causar aos litigantes. 5. O depositário é a parte legítima para figurar no polo passivo de ação na qual se discute os danos decorrentes da ausência de devolução dos bens retirados do imóvel locado. Precedente. 6. O locador somente responderá por eventuais perdas e danos se tiver atuado diretamente no cumprimento da ordem judicial de despejo. 7. Na hipótese, os argumentos deduzidos na petição inicial não possibilitam afirmar abstratamente a legitimidade passiva da 4R’s Participações e Desenvolvimento Imobiliário Ltda. 8. Recurso especial não provido.”

A controvérsia nos autos cingia-se a determinar se o Locador é parte legítima para responder pelos danos causados ao locatário diante da alegada devolução parcial dos bens após execução da ordem de despejo.

Em seu voto, o Ministro destacou que “de acordo com o precedente supratranscrito, havendo perda ou deterioração dos bens, a responsabilidade recai sobre o Estado, de forma objetiva, ou sobre o depositário nomeado pelo Juízo, mas não sobre as partes do processo.”.

Igualmente, ressaltou o Ministro Relator que “Não se pode esquecer que o despejo compulsório somente foi realizado porque o locatário deixou de cumprir o comando judicial no tempo estabelecido pelo Juízo, tanto que o art. 65, § 1º, da Lei nº 8.245/1991 estabelece que os móveis e os utensílios serão entregues, em regra, ao despejado. Porém, somente no caso de o locatário se recusar a retirar os seus bens, a guarda será conferida ao depositário.”.

Não há dúvidas acerca do Locador nos casos em que este figurar como depositário dos bens. Quando este não atuar diretamente no despejo, e tampouco como depositário dos bens, nada pode lhe ser imputado, haja vista que a ordem e execução do despejo provém do Estado, devendo este responsabilizar-se, juntamente com o depositário se terceiro for, pelos prejuízos causados por danos aos bens do locatário.

Desta forma, entendemos correta a posição do Superior Tribunal de Justiça manifestada no julgamento do Recurso Especial de nº 1.819.837, eis que não onera ainda mais o Locador, que já sofre para ter novamente a posse de seu imóvel.


[1] Art. 629. O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante.