Planos de saúde não podem ser obrigados a fornecer medicamentos não registrados pela ANVISA

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Com o advento da Lei Federal 9.656/98, que regulamentou a atuação e comercialização de planos e seguros privados de assistência à saúde, foi instituído em seu artigo 10 [1] o “Plano Referência” de assistência à saúde.

O “Plano Referência” acima citado consubstancia-se, em verdade, da cobertura mínima a ser ofertada pelas empresas que operam planos e seguros de saúde, tendo como base o rol de procedimentos obrigatórios editado e atualizado pela Agência Nacional de Saúde, observando-se, igualmente, os preceitos legais constantes também no artigo 12 [2] da lei federal acima citada.

O próprio artigo 10, em seus incisos, traz a exceção aos requisitos mínimos, em especial à ausência de obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos importados e não nacionalizados [3].

Além disso, é importante ressaltar que a Lei Federal 6.630/76 [4], determina, em seu artigo 12, que “nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”.

Mesmo com o contexto legislativo e regulatório acima citado, consumidores de todo o Brasil intentam ações em que pretendem ver custeados medicamentos experimentais, não nacionalizados e sem a devida chancela da ANVISA para fabricação, importação e comercialização em território nacional.

Com a pluralidade de decisões, a questão chegou até o Superior Tribunal de Justiça que, diante da relevância do tema, afetou dois Recursos Especiais pela sistemática dos Recursos Repetitivos, com a finalidade de pacificação do tema. Foram eles os Recursos Especiais de n.º REsp 1726563/SP e REsp 1712163/SP. O tema recebeu o número de recursos repetitivos 990 [5], sendo encaminhado para a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça para julgamento, e a relatoria coube ao Ministro Moura Ribeiro.

No último dia 08, o tema afetado foi a julgamento. E a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou a tese de que “as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA”. O Julgamento se deu de forma unânime, e o acórdão será lavrado pelo eminente Ministro Relator e publicado.

Sabe-se do total colapso em que se encontra o sistema de saúde em nosso país, e da importância exercida pelas operadoras de planos e seguros de saúde privados na suplementação dos serviços nessa área que, na forma da Constituição, deveriam ser dever do Estado.

A regulamentação do setor é, indiscutivelmente, necessária, tendo em vista a necessidade de segurança nas relações envolvendo as prestadoras de serviços de saúde e os consumidores. Entretanto, não se pode aqui entender que tais serviços sejam prestados sem qualquer limitação quanto a custos e coberturas, sob pena de impossibilitar a atuação destas empresas e gerar ainda mais caos nos setores de saúde.

As mensalidades guardam correlação com os serviços incluídos nas coberturas contratuais, aí incluídos os procedimentos do plano-referência a que tratam os artigos 10 e 12 da Lei Federal 9.656/98, e devem observar, necessariamente, as exceções ali contidas, sob pena de tornarem os contratos com as prestadoras autênticos “cheques em branco”, não havendo qualquer limitação na sua prestação.

Os valores ali contidos são objeto de análises atuariais complexas, que compõe os custos do setor, e estão diretamente ligadas ao tipo de contratos e cobertura contratados, havendo, por certo, patente desequilíbrio quando de sua não observação no que tange à imposição de cobertura de procedimentos e medicamentos experimentais e/ou não nacionalizados, que são os casos aqui tratados.

Assim, entende-se que andou bem a decisão proferida pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, mantendo-se a efetividade dos textos legais acima citados, assim como a segurança jurídica dos contratos de prestação de serviços de saúde por parte das operadoras de planos e seguros privados.

 


 

[1] Art. 10.  É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

[2] Art. 12.  São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:

[3] V – fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados;

[4] Dispõe sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e Correlatos, Cosméticos, Saneantes e Outros Produtos, e dá outras Providências.

[5] Definir se as operadoras de plano de saúde estão obrigadas ou não a fornecer medicamento importado, não registrado na ANVISA.

 


Os honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença não incidem sobre a multa cominatória prevista nesta fase processual

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Muito se discutiu acerca dos honorários advocatícios de sucumbência, tanto quando vigorava o Código de Processo Civil de 1973 quanto com o advento do Novo Código Civil, em vigor desde março de 2016.

Entre as controvérsias das quais se tratava, havia discussão quanto à abrangência do termo “condenação”, existente tanto no artigo 20, § 3º, do antigo Código de Ritos [1], quanto no artigo 85, § 2º, do Novel Código [2].

O Código de 1973 previa em seu artigo 475-J que o devedor que, condenado a pagar quantia certa, não honrasse o valor em quinze dias, teria o montante da condenação majorado em 10% (dez por cento) a título de multa [3].

Já o Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 523, § 1º, previu que, além do pagamento da multa no mesmo percentual do artigo citado acima, haveria ainda a incidência de honorários de advogado de dez por cento [4].

Em ambos os diplomas legais, a condenação seria a base para a incidência dos percentuais referentes aos honorários advocatícios de sucumbência. Além disso, no texto do artigo 475-J expressamente havia a diretriz de a multa incidir sobre a condenação imposta, enquanto que no Código de 2015 a letra da lei faz referência ao total do “débito”. Assim, Estaria a multa aplicada por forma do não atendimento ao prazo de cumprimento de sentença abarcada pelos conceitos de “condenação” e “total do débito” e, desta forma, serem calculados os honorários de sucumbência também sobre ela?

Em recentíssimo julgado, o Superior Tribunal de Justiça, reformando acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, entendeu que não.

Através do acórdão proferido nos autos do Recurso Especial n.º 1.757.033/DF, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma entendeu que a multa cominatória prevista no § 1º do Artigo 523 do Código de Processo Civil de 2015 não integraria a base de cálculos dos honorários advocatícios previstos na mesma fase processual.

Entendeu o Ministro Villas Bôas Cueva que “a expressão ‘débito’, presente no caput do art. 523 do CPC/2015, compreende o valor que o credor busca no cumprimento da sentença, acrescido, se houver, das custas processuais referentes à instauração da fase executiva, sem incluir a multa de 10% (dez por cento) pelo descumprimento da obrigação no prazo legal (art. 523, § 1º, do CPC/2015)”.

E complementou seu raciocínio afirmando que “a multa estabelecida para o caso de inadimplemento voluntário da quantia fixada na sentença não tem natureza de verba sucumbencial. Controverte-se, no âmbito doutrinário, se a citada multa tem caráter sancionatório, punitivo ou coercitivo, mas longe está de representar despesas decorrentes do insucesso no litígio (sucumbência), tanto que o CPC/2015 compreende que “as despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha“.

Com este entendimento, o Superior Tribunal de Justiça acabou por reformar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal que, em suas razões, afirmou que “As verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais.

O fato de não ser a verba em questão (multa) imputada ao devedor que não quita a obrigação de pagar quantia certa fixada em sentença uma “despesa processual”, ao nosso sentir pouco imporá para caracterizá-la como sucumbência ou não, ao passo que, na letra da lei, a verba honorária incide sobre o débito, sendo inquestionável que a penalidade que trata o § 1º do artigo 523 faz parte desse débito formado por TODAS as verbas nas quais foi condenada a parte vencida.

O Código não diferenciou ou excluiu expressamente do conceito “débito” a multa imposta pelo não cumprimento da obrigação de pagar quantia certa. E igualmente não é relevante para a discussão se o débito é pago total ou parcialmente, eis que não se tem dúvidas de que tanto a multa quanto os honorários incidirão sobre a parte não honrada.

Vemos, portanto, com ressalvas a posição firmada pelo Superior Tribunal de Justiça.

 


[1] Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios.

  • 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:

 

[2] Art. 85.  A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

  • 2oOs honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos

 

[3] Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

 

[4] Art. 523.  No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

  • 1Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.

 


Cessa prazo em dobro para manifestação nos autos quando restar apenas um litisconsorte no polo passivo

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Versava o Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 191, que quando os litisconsortes tivessem diferentes procuradores seria verificado o prazo em dobro para contestar e recorrer e, de maneira geral, falar nos autos.

Tal diretiva mostrava-se acertada, uma vez que os processos tramitavam na forma física e, muitas vezes, os autos deveriam ser acessados por todos os Réus ao mesmo tempo, possibilitando que se exercesse de maneira irrestrita a ampla defesa e o contraditório.

Entretanto, tal benefício poderá cessar em duas situações: a tramitação dos autos se der de forma eletrônica, e a condição de litisconsorte cessar, permanecendo apenas uma parte no polo passivo da demanda.

Quanto ao processo eletrônico, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 – Lei Federal 13.105/15 – o regramento processual expressamente excluiu a contagem dos prazos em dobro quando o processo tramitar por meio eletrônico[1].

Entretanto, a questão trazida a estudo no presente artigo versa sobre outra forma de sustação da dobra legal para manifestação nos autos: quando restar apenas um litisconsorte no polo passivo da demanda.

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1709562, de relatoria da Ministra Nancy Andrigui, entendeu por cessar o benefício da contagem em dobro dos prazos processuais se resta apenas um litisconsorte.

No entendimento da ministra Nancy Andrigui, defendendo o acórdão proferido pelo Tribunal de origem, considerou-se intempestiva a apelação do Réu Recorrente com base na súmula 641 do Superior Tribunal de Justiça, que permaneceu inalterada por coadunar com o entendimento exposto no Novo Código de Processo Civil [2].

Defendeu a Ministra que o benefício do prazo em dobro, previsto legalmente, pressupõe dois requisitos cumulativos: existência de litisconsórcio e de prazo comum para a prática do ato processual.

Em suas palavras, “a razão da norma permanece idêntica, a de garantir acesso aos autos oportunizando a obtenção da tutela recursal que lhe pareça mais favorável. Tanto é assim que o CPC/2015 dispõe não se computar prazo diferenciado quando os autos do processo forem eletrônicos, permitindo aos litigantes amplo e irrestrito acesso aos autos”.

De fato, o entendimento manifestado pela Relatora coaduna com o que já era aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça, materializado pela súmula de n.º 641. E não só na hipótese acima, em que a sentença teve apenas um sucumbente, mas também na hipótese do Réu Revel, em que o Superior Tribunal de Justiça entendia pela cessação da aplicação do prazo em dobro para manifestação nos autos.

Deve-se ter cuidado, portanto, ao aplicar-se a interpretação literal ao artigo 229 do Código de Processo Civil de 2015, em especial ao § 1º, pois aos desavisados pode-se parecer que a única hipótese ali prevista seria a ausência de oferecimento de defesa por um dos litisconsortes.


[1] “Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento.

  • 1º Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 (dois) réus, é oferecida defesa por apenas um deles.
  • 2º Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos

 

[2] Sumula 641 – STJ: “Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido.

 


Possibilidade de cumulação de multa cominatória com danos morais cobrados pelo descumprimento de ordem judicial

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Como sabemos, a Lei Processual Civil traz instrumentos para que se dê efetividade às decisões judicial, em especial aquelas que imputam a uma das partes uma obrigação de fazer ou não fazer. E o fazem através da possibilidade de o magistrado, na própria decisão que determina o cumprimento de determinada obrigação, arbitrar uma multa para incidir em certa periodicidade ou mesmo por evento que contrarie a decisão judicial.

Até mesmo nas obrigações de pagar quantia certa, a Lei Processual encontrou na multa o elemento coercitivo para dar efetividade e celeridade ao cumprimento dos julgados.

Entretanto, em algumas situações nem mesmo este elemento é suficiente para compelir o devedor a cumprir certa decisão judicial. Há casos em que a multa é arbitrada com um teto máximo para sua incidência, tendo em vista que, uma vez que a multa é devida ao Exequente, não poderia ela configurar um ganho desarrazoado à parte. o artigo 537, §1º, I, expressamente prevê que o magistrado pode modificar ou mesmo excluí-la caso se torne excessiva.

Devemos lembrar que o objetivo da Lei é, por certo, o cumprimento das decisões judiciais e as obrigações nela existentes, e não o pagamento de vultosas quantias decorrentes de multas.

Mas, e quando a impontualidade do devedor de uma obrigação de fazer, ao não cumpri-la no prazo estipulado, acaba por gerar dano a outrem? Seria possível, em outro processo, uma vez que a lide da qual surgiu a obrigação já está delineada, requerer a condenação do devedor em perdas e danos, estes eminentemente morais ou extrapatrimoniais? A resposta, segundo o entendimento manifestado pela E. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, é positiva.

Através do julgamento do REsp 1.689.074, o Ministro Moura Ribeiro, relator do recurso, entendeu ser possível a cumulação da multa cominatória anteriormente arbitrada em obrigação de fazer e a cobrança, em ação autônoma, de indenização por danos morais, pelo descumprimento da referida obrigação.

Nas palavras do Ministro Moura Ribeiro, “os institutos têm natureza jurídica diversa. A multa tem finalidade exclusivamente coercitiva, e a indenização por danos morais tem caráter reparatório, de cunho eminentemente compensatório – portanto, perfeitamente cumuláveis”.

A hipótese analisada versava sobre uma sentença de procedência proferida em ação judicial ajuizada por um consumidor que concedia a ele uma indenização por danos morais pela ausência de cumprimento de obrigação de fazer com multa cominatória arbitrada em outra decisão.

Na hipótese dos autos, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao julgar recurso da instituição bancária, entendeu que o consumidor deveria requer a execução e o levantamento da multa cominatória arbitrada na decisão que determinou o seu comprimento. Para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, seria impossível arbitrar indenização por um fato em que já há multa cominatória arbitrada.

A Terceira Turma, através de acórdão publicado em 18 de Outubro, entendeu que a natureza dos dois institutos são diferentes e, por tal motivo, poderiam ser cobradas de maneira independente. Para o Ministro, a indenização visa reparar um dano causado por um ato ilícito, sofrido por alguma agressão ou atentado contra a dignidade, ao passo que a multa cominatória teria cabimento pelo descumprimento de ordens judiciais. O Ministro Relator foi acompanhado pelos Ministros Nancy Andrigui, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Boas Cueva e Marco Aurélio Belizze.

Devemos alertar que, em que pese o entendimento exposto no julgado em referência, tanto a multa cominatória quanto eventual condenação em danos morais possuem um elemento em comum: o caráter pedagógico-punitivo. Resta claro que a multa visa coibir o descumprimento de decisão judicial, ao passo que a indenização por danos morais, ainda que não exclusivamente, visa fazer com que o causador do dano cesse a prática de algum ato ilícito, assemelhando e equiparando, embora tenham naturezas distintas, os dois institutos analisados.

Olhando com a devida cautela para a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, temos a certeza que, independentemente de sua correção, as quantias não podem configurar no enriquecimento sem causa da parte, e devem se pautar no Princípio da Razoabilidade, sob pena de desvirtuarem o seu principal objetivo.

 


Principais aspectos da Lei Federal 13.726 e a desburocratização dos procedimentos administrativos

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Sempre nos questionamos, quando temos que fornecer documentos a algum órgão público, se é necessária a enorme burocracia em comprovar a autenticidade das cópias que, invariavelmente, são acompanhadas dos respectivos documentos originais no mesmo momento.

Aliás, a burocracia em nosso país se mostra uma das principais causas da composição do chamado “custo Brasil”, que encarece e dificulta o fornecimento de produtos e, principalmente, serviços, fazendo “bem” apenas a pequena parcela que dela se serve.

Há um clamor generalizado pela redução da burocracia em nosso país, uma vez que a redução e facilitação de etapas para obtenção de documentos, licenças, alvarás e outros instrumentos necessários para a atividade produtiva poderia beneficiar a todos.

E não é apenas o benefício econômico que deve ser levado em consideração: o benefício social é inegável com a desburocratização de procedimentos administrativos perante os entes públicos e seus órgãos.

Um passo importante foi dado com a sanção presidencial da Lei Federal 13.726, publicada no Diário Oficial da União em 08 de Outubro de 2018.

Esta Lei versa sobre a racionalização dos atos e procedimentos administrativos e em todos os entes federativos e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação.

Seu maior objetivo é, como o próprio texto legal expressa, suprimir e simplificar formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário quanto para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude[1].

Alguns aspectos importantes são trazidos na nova Lei quanto à relação do cidadão com os órgãos e entidades dos Poderes da União, Distrito federal, Estados e Municípios, tais como[2]:

– Reconhecimento de firma, devendo o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar sua autenticidade no próprio documento;

II – Autenticação de cópia de documento, cabendo ao agente administrativo, mediante a comparação entre o original e a cópia, atestar a autenticidade;

III – Juntada de documento pessoal do usuário, que poderá ser substituído por cópia autenticada pelo próprio agente administrativo;

IV – Apresentação de certidão de nascimento, que poderá ser substituída por cédula de identidade, título de eleitor, identidade expedida por conselho regional de fiscalização profissional, carteira de trabalho, certificado de prestação ou de isenção do serviço militar, passaporte ou identidade funcional expedida por órgão público;

– Apresentação de título de eleitor, exceto para votar ou para registrar candidatura;

VI – Apresentação de autorização com firma reconhecida para viagem de menor se os pais estiverem presentes no embarque.

 

Deve-se ainda destacar que, na forma do texto legal, “é vedada a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação de outro documento válido[3], o que certamente contribuirá ainda mais para a agilidade na obtenção de documentos e registros em repartições públicas.

A Lei também cria o Selo de Desburocratização e Simplificação, que será concedido aos órgãos públicos, e será destinado a reconhecer e estimular projetos que simplifiquem o funcionamento da administração pública.

Há, inclusive, previsão de premiação para os órgãos ou entidades que forem selecionadas pela realização das práticas descritas acima.

Desta forma, entendemos ser importante e fundamental o movimento adotado pelo legislador para a desburocratização perante os órgãos públicos ligados aos entes federativos. E que outros movimentos como este sejam implementados, uma vez que é inegável o ganho econômico e social com tais medidas.

 


 

[1] Art. 1º Esta Lei racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios mediante a supressão ou a simplificação de formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário como para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude, e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação.

[2] Art. 3º  Na relação dos órgãos e entidades dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com o cidadão, é dispensada a exigência de:

[3] § 1º  É vedada a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação de outro documento válido.


Superior Tribunal de Justiça prossegue julgando sobre a mitigação do rol previsto no artigo 1.015 do Código de Processo Civil com votos divergentes

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Há dias atrás, escreveu-se aqui sobre a mitigação da taxatividade do rol de hipóteses de cabimento de Agravo de Instrumento conforme preconiza o artigo 1.015 do Código de Processo Civil. À época, discutia-se o voto da Ministra Nancy Andrigui, relatoria dos Recursos Especiais afetados (RESp 1.704.520 e 1.696.396), e seu entendimento.

Lembramos que o tema foi cadastrado sob o n.º 988 quanto aos Recurso Repetitivos, com a seguinte redação:

“Definir a natureza do rol do artigo 1.015 do CPC/2015 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos do referido dispositivo do novo CPC.”

Naquela oportunidade, a Ministra mitigou a taxatividade do rol constante do artigo 1.015 do Código de Processo Civil em seu voto, tendo havido pedido de vista pela Exma. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Posicionou-se aqui anteriormente que se entendia como acertada a posição adotada pela Ministra Nancy Andrigui, uma vez que, ao que parece, o simples impedimento de manejo do Agravo de Instrumento não pode ser a única forma de dar celeridade ao processo. Ao contrário, o recurso deve ser permitido em todas as situações em que se observe um requisito objetivo: a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação – impedindo o engessamento das hipóteses legais de cabimento do Agravo de Instrumento contidas no artigo 1.015 do Código de Processo Civil.

No dia 19 de Agosto, a Ministra Maria Thereza abriu divergência ao voto da eminente Relatora.

Em suas razões, há que se destacar o que se segue:

“A tese trará mais problemas que soluções, porque certamente surgirão incontáveis controvérsias sobre a interpretação dada no caso concreto. Como se fará a análise da urgência? Caberá a cada julgador fixar de modo subjetivo o que será urgência no caso concreto?”

Prosseguindo com seu voto, a eminente Ministra destacou que eventual mitigação deveria ter sido proposta pelo legislador Ordinário, e não caberia, portanto, ao Superior Tribunal de Justiça a substituição desse legislador.

Por fim, concluiu a Ministra Maria Thereza:

“Somente tem cabimento o agravo de instrumento nas hipóteses previstas expressamente no artigo 1.015 do CPC/15. No mais, seria caso de um projeto de lei.“

Após ter votado a Ministra Maria Thereza abrindo a divergência, pediu vista o Ministro Otávio Noronha, que levou o tema a julgamento novamente no último dia 03 de Outubro.

Em seu voto, o Ministro acompanhou a divergência inaugurada pela Ministra Maria Thereza, ressaltando que apenas a lei poderia “criar” recursos, salientando que “não é dado ao intérprete rediscutir os critérios de cabimento do recurso se o legislador pretendeu restringir”. Na mesma linha de pensamento, ainda votou o Ministro Humberto Martins na mesma sessão, dizendo que “o rol do artigo. 1.015 é taxativo e apenas as decisões interlocutórias, no sentido de que possam ser impugnadas por agravo de instrumento, tem que obedecer aquelas enumeradas no art. 1015.”

A limitação do entendimento de que o rol, porque teria o legislador assim optado, seria taxativo, inadmitindo qualquer outra hipótese, em verdade, poderia impedir que situação de lesão ou grave ameaça a direito simplesmente não pudesse ser discutida antes de eventual sentença.

Tal reflexão se mostra importante, mas preocupa no sentido de que limitaria inclusive o poder do magistrado em julgar conforme outras fontes do direito, como, claramente, os princípios. Não se pretende aqui ingressar em discussão aprofundada sobre o Direito Alternativo, mas sabe-se que o Juiz se depare com situação injusta cuja solução depende da não aplicação da Lei e sim de princípios, deve o magistrado optar pelo segundo caminho.

O Magistrado deve garantir o resultado útil do processo, garantir a tutela jurisdicional a fim de que situações não gerem às partes danos irreparáveis. Ainda que tais situações se apresentem a ele no processo.

Ainda na sessão ocorrida em 03 de Outubro, votou o Ministro Luis Felipe Salomão acompanhando a Ministra Relatora. Mais ainda, o Ministro Luis Felipe fez importantíssima observação quando advertiu que, ao admitir-se a taxatividade, estar-se-ia “ressuscitando” o Mandado de Segurança para este tipo de situação. Assim se posicionou o Ministro Salomão:

“Estamos ressuscitando o MS. Estamos aqui dizendo que não vai caber mais agravo, porém, tem uma solução, que vai ser represtinar o MS, que vai a torto e a direita”

Após a Explanação do Ministro Luis Felipe Salomão, o voto da Relatora foi acompanhado ainda pelos Ministros Napoleão Nunes Maia, Felix Fisher e Jorge Mussi, pedindo vista o Ministro Og Fernandes.

Assim, há cinco votos favoráveis à mitigação, acompanhando a Relatora, e três formando a divergência, e entendendo pela taxatividade do rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.

Acredita-se que todos aguardam ansiosos o final deste julgamento, uma vez que, como foi dito no artigo anterior, a decisão aqui emanada norteará o entendimento dos demais Tribunais do país, quando então poderá se definir o exato alcance da norma processual vigente.


Prazo para manutenção do nome do devedor no cadastro restritivo de crédito deve iniciar no dia seguinte ao vencimento da dívida

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Na última pesquisa realizada pela SERASA EXPERIAN, em junho de 2018, havia cerca de 61,8 milhões de brasileiros inadimplentes. Tal número representou um recorde no número verificado pela entidade, que iniciou a pesquisa em 2016[1].

Isto é: 61,8 milhões de brasileiros, quase um quarto da população do nosso país, teve seu nome e CPF incluídos em algum cadastro de proteção ao crédito por conta de alguma dívida vencida.

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que tais cadastros são permitidos pelo ordenamento jurídico, inclusive pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, havendo, entretanto, regras para inclusão do nome e CPF do Consumidor nos órgãos de proteção ao crédito.

O artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor atesta que o cadastro é válido desde que cumpra determinados requisitos para seu funcionamento. Entre tais requisitos, estão o direito do consumidor ao acesso das informações sobre ele inseridas nos cadastros, fichas, assim como suas respectivas fontes.

Além disso, de acordo com o mesmo artigo, os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e os serviços de proteção ao crédito são considerados entidades de caráter públicos.

Mas, por quanto tempo máximo o consumidor pode ter seu nome e CPF mantidos no cadastro de proteção ao crédito?

A resposta a esta pergunta não comporta quaisquer dúvidas: o prazo será de 05 (cinco) anos.

Entretanto, dúvidas ainda pairavam sobre quando tal prazo teria início: se da inclusão do nome no cadastro restritivo de crédito, do vencimento da dívida, ou ainda do início da cobrança judicial.

Assim, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n.º 1.630.659, entendeu que o prazo de cinco anos para manter o nome e CPF do consumidor nos cadastros restritivos de crédito deve ter seu termo inicial no dia seguinte ao vencimento da dívida.

Em suas razões, a Ministra Nancy Andrigui, Relatora do Recurso Especial acima citado, entendeu que “o termo inicial do limite temporal de cinco anos em que a dívida pode ser inscrita no banco de dados de inadimplência é contado do primeiro dia seguinte à data de vencimento da dívida”.

Para fundamentar seu voto, a eminente Ministra argumentou que:

Tendo em vista os princípios da veracidade e da finalidade, entendo que a orientação que mais se coaduna ao espírito do CDC é de que o termo a quo do quinquênio do art. 43, § 1º, do CDC deve tomar por base a data do fato gerador da informação depreciadora, o dia seguinte ao vencimento da dívida.

Em primeiro lugar porque a inscrição de dado negativo de consumo do devedor nos bancos de dados de proteção ao crédito não é imprescindível para a cobrança da dívida, consistindo, portanto, em direito potestativo do credor (TARTUCE, Flavio e NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Manual de Direito do Consumidor. 3ª ed., São Paulo: Método, pág. 441).

Ademais, conforme pontuado pela doutrina, o Código Civil de 2002 reduziu os prazos prescricionais previstos no Código Civil de 1916, fixando termos específicos para a cobrança, sendo o maior aquele para a cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular, que é de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 206, § 5º, I, do CC/02.

Corroborando essa assertiva doutrinária, esta Corte consignou, em julgamento de recurso especial repetitivo, que “qualquer dívida resultante de documento público ou particular, tenha ou não força executiva, submete-se à prescrição quinquenal, contando-se do respectivo vencimento” (REsp 1101412/SP, Segunda Seção, DJe 03/02/2014).

Tendo essa coincidência em vista, somada à circunstância de que os limites temporais de manutenção da informação devem ter cunho objetivo, penso que o termo inicial do prazo de cinco anos previsto no § 1º do art. 43 do CDC deve corresponder ao primeiro dia seguinte à data de vencimento da dívida, por ser esse o entendimento que mais se coaduna com a função dos bancos de dados de inadimplentes de refletir com fidelidade a situação financeira dos devedores.

O voto acima, reproduzido parcialmente, deixa claro o entendimento da Eminente Ministra Relatora de que a fundamentação por ela utilizada vincula o prazo acima tratado com aquele previsto no Código Civil para cobrança de dívida líquida constante de instrumento público ou particular, e cujo termo inicial da prescrição é justamente o dia seguinte ao vencimento da dívida, combinando-o com o julgamento do REsp 1.101.412[2]

Assim, o Superior Tribunal de Justiça vem a fixar importante entendimento quanto ao termo inicial para o cômputo do tempo máximo de permanência do nome e CPF do consumidor nos cadastros restritivos de crédito, pacificando a questão e trazendo segurança jurídica não só para o consumidor, mas também para os fornecedores e para os próprios órgãos de proteção ao crédito, uma vez que, como sabemos, a inclusão ou manutenção indevida pode gerar responsabilidade civil e, consequentemente, o dever de indenizar.

 


 

[1] https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/07/19/numero-de-inadimplentes-chega-a-618-milhoes-e-bate-recorde-diz-serasa.ghtml

[2] “…qualquer dívida resultante de documento público ou particular, tenha ou não força executiva, submete-se à prescrição quinquenal, contando-se do respectivo vencimento” (REsp 1101412/SP, Segunda Seção, DJe 03/02/2014)”


A Responsabilidade Civil do Estado na demora da Prestação Jurisdicional

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Em tempos de informatização dos processos judiciais e metas impostas pelo Conselho Nacional de Justiça por produtividade aos Tribunais por todo o país, podemos nos perguntar, diante da ainda existente morosidade do Poder Judiciário apesar dos fatores colocados acima: poderia o Estado responder civilmente pela demora na prestação jurisdicional?

A resposta a esta pergunta é positiva!

Como sabemos, o acesso à justiça é constitucionalmente garantido. E assim também o é o direito das partes terem direito a uma prestação jurisdicional célere, devendo o processo ser julgado em prazo razoável[1].

Mas não só no ordenamento pátrio há a previsão para tal direito; a legislação ordinária, mais precisamente o Código de Processo Civil, prevê em seu artigo 139, inciso II, que o juiz deve velar pela rápida solução do litígio[2].

No que tange à responsabilidade civil do Estado, esta também mereceu destaque no texto constitucional, preconizada no artigo 37, § 6º da Carta Magna, em que encontra-se expresso que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agente, nesta qualidade, causarem a terceiros[3].

Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça, analisando processo judicial que versou sobre o tema, em que, no caso concreto, a prestação jurisdicional em ação de alimentos que, por sua natureza, exige a tramitação com maior celeridade, entendeu por condenar o Estado do Amazonas em danos morais.

O Ministro Og Fernandes, ao analisar e julgar o Recurso Especial n.º 1.383.776, deu provimento a este para julgar procedente os pedidos de indenização por danos morais de autora que reclamava da demora excessiva e injustificada da prestação jurisdicional por parte do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.

Ressalta-se que o acórdão reformado do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas entendeu por modificar a sentença de primeiro grau que havia julgado parcialmente procedentes os pedidos. Nas razões expostas no acordão, os Desembargadores locais, a simples demora na prestação jurisdicional, sem que ficasse demonstrado que houve erro, dolo ou desídia do magistrado, não seria suficiente para caracterizar o ilícito civil do Estado, e que tal demora poderia decorrer do excesso de serviços do magistrado, que seriam submetidos a condições que os impediriam de atender materialmente a demanda jurisdicional.

Como muito bem observado pelo Ministro Og Fernandes, “a administração pública está obrigada a garantir a tutela jurisdicional em tempo razoável, ainda quando a dilação se deva a carências estruturais do Poder Judiciário, pois não é possível restringir o alcance e o conteúdo deste direito, dado o lugar que a reta e eficaz prestação da tutela jurisdicional ocupa em uma sociedade democrática. A insuficiência dos meios disponíveis ou o imenso volume de trabalho que pesa sobre determinados órgãos judiciais isenta os juízes de responsabilização pessoal pelos atrasos, mas não priva os cidadãos de reagir diante de tal demora, nem permite considerá-la inexistente.”

Além disso, destacou, além dos dispositivos legais acima – e outros do antigo Código de Processo Civil, lei processual vigente à época dos fatos – que “sobressai a responsabilidade civil estatal, porquanto inaceitável que a morosidade, que culminou com o inevitável retardo no direito postulado, tenha ocorrido em fase tão inicial do processo, necessária para se instaurar a lide entre as partes e para qual, como já dito, não se exige um grande debruçamento sobre a causa”.

Prosseguindo com seu voto, o Ministro lembrou da primeira condenação do Estado Brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela lesão à razoável duração do processo judicial, imposta em 2006 no patamar de US$ 130.000,00 (cento e trinta mil dólares americanos)[4].

Assim, finalizou o Ministro Og Fernandes seu voto concluindo que “comprovado que o retardo na prestação jurisdicional deu-se em razão da deficiência no serviço estatal, não sendo demais lembrar, que a requerente formulou diversos pedidos solicitando providências para o andamento do feito, todos incessantemente dirigidos tanto ao Juízo do feito, quanto à Ouvidoria, à Corregedoria e à Presidência do Tribunal de Justiça Estadual, é de se reconhecer que as razões que levaram o Magistrado de primeiro grau a julgar procedente o pedido indenizatório permanecem hígidas.”

Sabemos que no Brasil há uma deficiência crônica na prestação dos serviços públicos e que o Poder Judiciário não está a salvo desta triste estatística.

Por outro lado, não se pode simplesmente conformar-se com tais deficiências e entender que tudo decorre da falta de condições materiais para a correta e eficiente prestação jurisdicional. É preciso aplicar técnicas de gestão efetivas para que casos como o que foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça não voltem a ocorrer.

[1] Artigo 5º, LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[2] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

II – velar pela duração razoável do processo;

[3] Art. 37, § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

[4] Informe Anual de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. San José: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2006, p. 23. Disponível em: ; e OLIVEIRA, Vallisney de Souza. O caso Ximenes Lopes. O Brasil na corte interamericana de direitos humanos. Correio Braziliense. Brasília. Suplemento Direito & Justiça, 2/7/2007, p. 1-3.


Operadoras de planos de saúde aguardam esclarecimentos sobre decisão que determina que estas devem ressarcir o Sistema Único de Saúde

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Como se sabe, em 1998 entrou em vigor a Lei Federal n.º 9.656/98, cujo objetivo era regular o funcionamento e operação dos planos e seguros privados de assistência à saúde em todo o território nacional.

A Lei mereceu, à época, vários elogios e, igualmente, muitas críticas por parte do setor de operação dos planos e seguros de saúde. A principal crítica dizia respeito à transferência, ao particular, de obrigações que deveriam, na visão das operadoras, ser prestadas pelo Estado, de acordo com a Constituição Federal.

Assim, muitas foram as discussões travadas sobre o tema, notadamente a impossibilidade de intervenção do Estado na atividade econômica lícita desempenhada pelas operadoras de planos e seguros de saúde, tendo em vista que, ao passo que determinava e obrigava as operadoras a arcar com determinados procedimentos, cobrir despesas com tratamentos que não foram incluídos nos róis de procedimentos contratados e até mesmo ressarcir o Sistema Único de Saúde em caso de atendimento a um de seus segurados.

Em todas elas, discutiu-se, prioritariamente, a inconstitucionalidade destas normas, tendo em vista os princípios que regem a Ordem Econômica, como o Princípio da Livre Iniciativa, além de princípios infraconstitucionais, como a relativização do Princípio da Autonomia de Vontade.

Em uma destas ações, o tema chegou até o Supremo Tribunal Federal através do Recurso Extraordinário de n.º 597.064, em que, com Repercussão Geral, em fevereiro do corrente ano, a Primeira Sessão do STF entende ser constitucional o texto do artigo 32 da Lei Federal 9.656/98, que trata exatamente do ressarcimento, ao Sistema Único de Saúde, pelos serviços prestados aos usuários de planos e seguros de saúde e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas.[1]

No julgamento do referido Recurso Extraordinário, entendeu o Plenário do referido órgão, acatando o voto do Ministro Gilmar Mendes, que “observada a cobertura contratual entre os cidadãos-usuários e as operadoras de planos de saúde, além dos limites mínimo (praticado pelo SUS) e máximo (valores de mercado pagos pelas operadoras de planos de saúde), tal ressarcimento é compatível com a permissão constitucional contida no art. 199 da Carta Maior”.

Mereceu destaque também o seguinte posicionamento do Ministro Relator, quando este afirmou que:

“Dessa forma, apesar de a repercussão constitucional do ônus econômico ser primordialmente do Estado, no momento em que há a autorização à iniciativa privada da assistência à saúde, tanto o bônus (receita) quanto o ônus (custo da prestação do serviço) devem ser assumidos pelo segundo setor (iniciativa privada), sob pena de desvirtuamento da matriz constitucional que possibilitou esse fomento (art. 199, caput), além da destinação de recursos públicos de forma indireta para auxílio às instituições privadas (com ou sem fins lucrativos), situação que deve ser vedada pelo Guardião da Constituição.”

Igualmente, o acórdão ainda citou que “além do mais, eventual questão envolvendo a possibilidade de fixação de tabelas de ressarcimento dentro dos limites mínimo e máximo instituídos pelo § 8º do art. 32 da Lei 9.656/98 é resolvida no campo da análise infraconstitucional, mormente eventual conflito entre normas de 1º e 2º graus reflete, no máximo, ofensa reflexa à Constituição, a qual sabidamente não é passível de análise na via do recurso extraordinário”.

O acórdão suscitou a oposição, pela entidade hospitalar recorrente no processo e também por diversas empresas que atuam como amicus curiae no processo – diversas operadoras de planos e seguros de saúde, por exemplo – de embargos de declaração, com o fim de suprir omissões, eliminar contradição e esclarecer obscuridade.

Em suas teses, os Embargantes suscitam desde a ausência de fundamentação do acórdão e negativa de prestação jurisdicional quanto à aplicação dos artigos 195, parágrafo 4º, artigo 198 e artigo 154, todos da Constituição Federal, até o esclarecimento quanto ao termo inicial de quando se poderia cobrar o ressarcimento, uma vez que o acórdão expressamente determina o dia 04 de setembro de 1998, quando a Lei Federal n.º 9.656/98 entrou em vigor noventa dias após esta data.

Além disso, foram suscitadas outras questões como, por exemplo, que o tema relativo aos valores cobrados pelos procedimentos não teria sido objeto de apreciação pelo Pleno do Supremo Tribunal federal no recurso, uma vez que se trataria de matéria infraconstitucional e jamais teria sido objeto de decisão por parte das instâncias inferiores, não havendo, portanto, prequestionamento da referida matéria.

No último dia 03 de setembro, o processo foi remetido ao Relator para que este analise as questões suscitadas nos Embargos de Declaração das partes, para elucidar os pontos tidos como omissos, contraditórios e obscuros, devendo ser em breve levado novamente a plenário para a discussão dos ministros.

Com esta tentativa, as operadoras de planos e seguros de saúde tentam, ao menos, delinear de uma maneira mais clara a questão do ressarcimento ao Sistema Único de Saúde, uma vez já decidida a sua constitucionalidade. Em que pese a natureza dos Embargos de Declaração não possuir, em tese, efeitos infringentes, algo ainda poderá ser modificado no acórdão, notadamente a definição de tabelas e valores para tais ressarcimentos.

________________________________________
[1] Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS.(Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)


A possibilidade de Terceirização de atividade-fim: manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema

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Como sabemos, em novembro do ano passado passou a vigorar a Lei Federal nº 13.467/2017, batizada de Reforma Trabalhista pelos seus autores e também pelos juristas estudiosos sobre o tema, que veio, como o seu próprio texto assinala, para adequar a legislação às novas relações de trabalho.

A legislação supracitada inseriu no ordenamento jurídico importantes mudanças nas normas trabalhistas, desde a inserção de espécies de regime laboral que não estavam previstos na CLT e legislação específica, como, por exemplo, o Teletrabalho, até por trazer importantes questões processuais afetas ao Processo do Trabalho.

Destacamos neste artigo, entretanto, a importante modificação ocorrida no texto da Lei Federal n.º 6.019/74, que dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, notadamente quanto à inserção do artigo 4-A[1] em seu bojo, que permite a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

Importante destacar que, até a entrada em vigor do dispositivo legal acima citado, o egrégio Tribunal Superior do Trabalho entendia por terceirização lícita aquela que ocorria na atividade-meio como, por exemplo, os serviços de conservação e limpeza, considerando, entretanto, ilícita a quando ocorria em atividades-fim da empresa tomadora dos serviços, ou, ainda, nas hipóteses em houvesse a subordinação do trabalhador com o tomador de serviços, na forma de sua súmula n.º 331[2].

Na última semana, em sessão plenária ocorrida em 30 de Agosto, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento sobre o tema elencado acima, através de dois processos: a ADPF 324 e o Recurso Extraordinário 958.252, apreciando o tema 725 da repercussão geral.

Quanto à Repercussão Geral, uniformizando o entendimento que passará a ser aplicado em questões que versem sobre a mesma matéria, a tese assim se fixou: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

O Ministro Luis Roberto Barros, relator da ADPF 324 destacou que a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho em verdade fere os Princípios da Livre Iniciativa, da Livre Concorrência e da Segurança Jurídica, uma vez que a Constituição não veda o modelo proposto pela nova legislação, que estariam em consonância com os princípios acima elencados. Este entendimento foi compartilhado pelo Ministro Luiz Fux, relator do Recurso Extraordinário n.º 958.252.

Estes entendimentos foram acompanhados pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal federal, destacando-se ainda os comentários dos Ministro Alexandre de Moraes. Nas palavras do Ministro, “Além de não estabelecer proibição, a Constituição de 1988 adotou o sistema capitalista”. E finalizou afinando que “não é possível impor uma única forma de organização empresarial, e cada empreendedor pode estabelecer fluxo de produção dentro de sua empresa”.

Dentre aqueles que defenderam o entendimento vencido, vale destacar o posicionamento do Ministro Edson Fachin, de que a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho não viola os princípios constitucionais da Livre Iniciativa e da Legalidade. Segundo o ministro, “não há violação quando a Justiça do Trabalho, interpretando a legislação então existente, adota uma das interpretações possíveis”.

Com o entendimento firmado, o STF acaba por permitir que se terceirize quaisquer das atividades da cadeia produtiva, e não apenas aquelas derivadas de atividade meio. Segundo dados do próprio Supremo Tribunal Federal, cerca de quatro mil ações em todo o Brasil aguardavam a fixação do entendimento ora manifestado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

É inegável que as relações de trabalho devem ser modernizadas e aperfeiçoadas, voltando-se para os modelos globalizados aplicados em diversos países, com vistas a aumentar a produtividade e, por conseguinte, a sua competitividade e, principalmente, a oferta de empregos em nosso país.

Por outro lado, tem-se como preocupação justa a precarização das relações de emprego e mesmo da própria produção, como destacaram alguns julgadores e os órgão de representação dos trabalhadores.

A verdade é que o Supremo Tribunal Federal entendeu por ser possível um modelo de contratação de mão-de-obra, mas não legitimou a precarização das relações de trabalho e da atividade produtiva. Os direitos legais garantidos aos trabalhadores devem, assim como a sua segurança e dignidade, serem preservadas, mantendo-se a sua condição de peça fundamental na atividade produtiva do país.

 

 


 

[1] Art. 4o-A.  Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.   (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

[2] SÚMULA-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALI-DADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (lei 6.019, de 03/01/74).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/88).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (lei 7.102, de 20/06/83) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo. judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da lei 8.666, de 21/06/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.