A impossibilidade de responsabilização da instituição bancária por emissão de cheques sem fundo de seu correntista

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O banco possui com seu correntista um contrato de prestação de serviços e de depósito, onde se obriga a prestar os serviços previamente contratados e, igualmente, a manter sob sua custódia o dinheiro entregue pelo contratante. Um destes serviços é a disponibilização de cheques para ordens de pagamento à vista em nome do correntista.

O cheque é uma das modalidades mais antigas de ordem de pagamento à vista em que o correntista determina ao banco o pagamento a um terceiro de valores depositados em sua conta junto à instituição financeira.

Excetuados os casos em que o correntista conta com uma linha de crédito junto à instituição financeira para cobertura de despesas além de seu saldo bancário, o conhecido “cheque especial”, a instituição bancária não está obrigada a garantir o pagamento da ordem de pagamento à vista do correntista que não possui fundos em sua conta bancária.

Igualmente, apenas o banco e seu correntista, em regra, são conhecedores dos recursos disponíveis na conta junto à instituição financeira.

Em épocas de crise econômica como a que assola o país nos últimos anos, o número de pessoas inadimplentes e a consequente emissão de cheques “sem fundos” cresce exponencialmente.

A questão então posta para análise versa sobre a possibilidade ou não da instituição financeira ser responsabilizada pela emissão de um cheque com insuficiência de fundos por parte de seu correntista. Mais ainda: se seria possível equiparar o terceiro tomador do cheque, sem vínculo com a instituição financeira, a consumidor.

Recentemente, a questão foi posta em análise por parte do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Através do Recurso Especial nº 1.508.977 a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, reformou decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que entendia que o terceiro tomador do cheque equiparava-se ao consumidor, uma vez que se utilizava do serviço bancário como destinatário final.

O Ministro Villas Boas Cueva, relator do Recurso especial em referência, e cujo voto foi seguido pela maioria da Terceira turma, considerou não haver defeito na prestação dos serviços bancários na hipótese em comento. Asseverou o Ministro que, justamente por esse motivo, “afasta a possibilidade de emprestar a terceiros – estranhos à relação de consumo havida entre o banco e seus correntistas – o tratamento de consumidores por equiparação”.

O Ministro ainda ressaltou que “verificando o sacado que o valor do título se revela superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo de seu correntista, deve o banco devolver o cheque por falta de fundos”.

Vale ressaltar ainda que a única hipótese capaz de, em tese, gerar uma responsabilização da instituição bancária seria o defeito na prestação dos serviços, o que ocorreria, por exemplo, pela devolução de cheque por suposta insuficiência de fundos quando estes estejam presentes.

Vale destacar ainda trecho do julgado acima citado, em que o Relator conclui que “inexistindo equívoco na realização de tal procedimento, não há que falar em defeito na prestação do serviço e, consequentemente, não se revela plausível imputar ao banco prática de conduta ilícita ou a criação de risco social inerente à atividade econômica por ele desenvolvida capaz de justificar sua responsabilização pelos prejuízos materiais suportados por beneficiários dos cheques resultantes única e exclusivamente da ausência de saldo em conta dos emitentes suficiente para sua compensação.

Entendemos acertada a posição manifestada pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez que não cabe ao banco garantir o pagamento do cheque emitido contra ele ou mesmo existência de fundos nas contas sob sua responsabilidade.

Ao banco cabe apenas a conferência da existência de fundos ou outros aspectos necessários à segurança e efetivação do pagamento da ordem recebida, e posterior comunicação dos motivos do não pagamento.

Ressalte-se ainda o entendimento manifestado na decisão quanto à ausência de nexo de causalidade, o que seria requisito essencial para a existência de eventual responsabilidade civil.


A possibilidade de pessoa com restrição de crédito contratar seguro à vista

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Como sabemos, os sistemas de proteção ao crédito existem para dar segurança às relações de outorga ou concessão de crédito às pessoas. Se alguma pessoa não honra pagamentos dos créditos obtidos perante o mercado, seja através de instituições bancárias, ou mesmos outros agentes de fornecimento de produtos e serviços, a consequência é sua inclusão nos cadastros de restrição ao crédito.

Deve-se salientar que esta conduta é lícita e encontra, inclusive, previsão na lei consumerista, desde que atendidos os requisitos legais para a inclusão.

Desta forma, e admitindo-se a inclusão lícita do CPF do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, os fornecedores de crédito, produtos e serviços não estão obrigados a contratar com estes devedores, podendo vetar os pactos ou mesmo condicionar sua contratação a outros fatores, como redução de parcelas e aumento da taxa de juros.

Entretanto, quando a venda não é feita a prazo e é realizada em espécie (ou meio em que o pagamento seja efetuado à vista), ainda que o nome do consumidor esteja inserido de maneira lícita no Cadastro Restritivo de Crédito, e uma vez que a efetivação do serviço é automática após o pagamento do preço integral cobrado do contratante, poderia a empresa recusar a efetivação do objeto do contrato alegando a restrição cadastral?

O Superior Tribunal de Justiça analisou Recurso Especial interposto em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face de seguradora para compelir esta a efetivar a contratação à vista de seguro em nome de consumidor com o nome incluído no sistema de proteção ao crédito.

Neste recurso, de relatoria do Ministro Vilas Boas Cueva[1], após entender pela legitimidade do Ministério Público para a propositura da demanda em questão, acabou por manter a decisão proferida em acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Em seu voto, o Ministro ressaltou que “as seguradoras não podem justificar a aludida recusa com base apenas no passado financeiro do consumidor, sobretudo se o pagamento for à vista, sendo recomendável, para o ente segurador, a adoção de alternativas, como a elevação do valor do prêmio, diante do aumento do risco, dado que a pessoa com restrição de crédito é mais propensa a sinistros, ou, ainda, a exclusão de algumas garantias (cobertura parcial).”

Vale ressaltar que, em primeira instância, houve sentença desfavorável ao Ministério Público, sob o argumento de que a restrição seria lícita até mesmo porque reveste-se em característica essencial do contrato de seguro a avaliação do risco.

Entretanto, tanto o Tribunal de Justiça de São Paulo quanto o Superior Tribunal de Justiça entenderam que tal conduta fere o disposto no artigo 39, IX, do Código de Defesa do Consumidor[2], por constituir prática abusiva a sua recusa quando o consumidor se dispuser a realizar o pagamento total e antecipado, à vista.

Primeiramente, deve-se ressaltar que a atividade securitária, como muito bem reconheceu o MM Juízo de primeiro grau, se funda na análise e mensuração do risco, através de complexos cálculos atuariais que envolvem diversas variáveis.

Por outro lado, como muito bem destacou o Ministro Relator, a própria seguradora tem instrumentos para mitigar o risco e trazer mais equilíbrio à contratação, mas observando-se o caráter social do contrato, possibilitando a sua contratação para quem se disponha a pagar antecipadamente e à vista a totalidade dos valores da contratação.

O entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça nos parece acertado, tendo em vista que o risco de inadimplemento do contrato a ser celebrado mediante pagamento à vista e de maneira antecipada, da totalidade dos valores contratados, extinguiria, em tese, a parte obrigacional do consumidor no contrato celebrado, restando, se acontecer o sinistro referente à cobertura previamente contratada, a obrigação da seguradora.

No entanto, vale ressaltar que todas as decisões recepcionam a possibilidade de ser negada a contratação da venda do seguro a prazo, em parcelas, e tal ato não pode ser considerado como abusivo, sendo, em verdade, o exercício regular de um direito.


[1] Resp 1.594.024

[2]Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

 

 


A possibilidade da empresa em recuperação judicial participar de licitações sem apresentar certidões negativas

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Muito se discute acerca da possibilidade ou não da empresa em recuperação judicial participar de licitações, tendo em vista que não dispõe, em regra, de certidão negativa exigida por Lei e pelos editais dos certames, essencial para que possam contratar com o Poder Público.

 

A Lei de Licitações prevê expressamente, em seu artigo 31, II [1], que constitui documentação essencial a Certidão de Falências para que a empresa possa participar da licitação. E não só esta, mas também as certidões negativas fiscais, por vezes são barreiras encontradas pelas empresas em recuperação judicial para a participação em licitações e consequente contratação com a administração pública.

 

Tal exigência tem fundamento ao passo que constituiria risco à administração pública a contratação com empresa que não goza de saúde financeira, que poderia, após receber parcelas do contrato, não prestar os serviços contratados ou não entregar os produtos eventualmente adquiridos.

 

Por outro lado, as empresas em recuperação judicial por vezes dependem, por sua própria natureza, da contratação com o Poder Público. A participação no certame torna-se fundamental para, inclusive, haver a própria recuperação da empresa nestas condições.

 

O Superior Tribunal de Justiça, por vezes, analisou esta questão, prestigiando o entendimento de que as certidões representariam óbice à preservação da atividade econômica da empresa em recuperação, ainda mais quando essa atividade constitui-se prioritariamente em prestação de serviços ou fornecimento de produtos por contratos com o Poder Público.

 

Recentemente, o Presidente do Superior Tribunal de Justiça [2], atendendo pedido de empresa de telefonia em recuperação judicial, em procedimento de Suspensão de Segurança, sustou os efeitos de decisão do Tribunal Regional Federal local que, em sede de Mandado de Segurança, havia impedido a participação da empresa recuperanda em certame licitatório.

 

Em sua decisão, o Ministro João Otávio Noronha ressaltou que ainda que exista dúvida sobre o valor do dano à ordem econômica decorrente da decisão impugnada, o fato é que ele existe, pois a suspensão da decisão do juízo falimentar compromete diretamente o exercício das atividades desempenhadas pelas requerentes”.

 

Em seguida, o Ministro ponderou que a decisão do Tribunal Regional Federal local “afeta o interesse público e gera grave lesão à ordem e à economia públicas, pois foram comprovados pelas requerentes, de forma efetiva e concreta, os impactos para a continuidade do serviço público de telecomunicações por elas prestado.”
De fato, tem-se que a posição assumida pelo Superior Tribunal de Justiça encontra-se acertada, uma vez que a recuperação tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, permitindo-lhe a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Desta forma, pode-se preservar a empresa, a sua função social e o estímulo à atividade econômica, essencial em nosso país.

 

Vale ressaltar, entretanto, que a posição acima deve envolver uma empresa economicamente viável, com reais condições de recuperar-se e cumprir, por certo, com todos os pontos referidos acima, devendo o magistrado analisar o caso concreto e, caso estejam presentes essas condições, permitir a participação da empresa recuperanda em licitações.

 


 

[1] Art. 31.  A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:

II – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;

 

[2] Suspensão de Segurança 3048

 


A possibilidade da empresa pública utilizar precatórios para pagar dívidas trabalhistas

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Como sabemos, os débitos judiciais da Fazenda Pública em nosso país obedecem ao regime do pagamento por precatórios, instituído pela Constituição Federal em seus artigos 100 e seguintes[1].

Igualmente, a Constituição Federal regulamentou as empresas públicas e sociedades de economia mista, dando a essas pessoas jurídicas as características de direito privado, não as alçando, desta forma, à definição de Fazenda Pública.

Entretanto, algumas dessas empresas acabam atuando no mercado sob o regime de monopólio, o que gerou preocupação e uma necessidade maior de proteção por parte das decisões judiciais, em especial aquelas contrárias e que, necessariamente, originariam débitos a estas empresas.

E ainda se discute, dentro dessa mesma questão, se verbas preferenciais, como são, por exemplo, os créditos trabalhistas, estariam sob o regime dos precatórios ou, tendo em vista não só a sua especificidade, como também a natureza jurídica destas empresas, deveriam ser pagos sem essas características.

Com entendimento favorável à aplicação do regime de precatórios para créditos trabalhistas, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, suspendeu dois processos que tramitam na Justiça do Trabalho do Estado do Rio Grande do Sul que determinavam o pagamento de verbas trabalhistas por empresa pública de transportes sem a observância do regime de precatórios, com a penhora inclusive em suas contas bancárias.

As decisões foram proferidas nas Reclamações de nº 32882 e 32888, no plantão do Supremo Tribunal Federal.

Em sua decisão, o Ministro Dias Toffoli citou precedente do Supremo Tribunal Federal que, ao analisar a questão nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 387, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, concluiu que o regime de precatórios deve ser aplicado nos casos em julgamento, mesmo em matéria trabalhista.

Em sua decisão, o Ministro Dias Toffoli entendeu que “a atividade da empresa está voltada à atuação própria do Estado, de natureza não concorrencial, o que atrai a incidência do regime constitucional de precatórios.”

Importante ressaltar que este entendimento vale apenas para as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos próprios do Estado e em regime de monopólio.

A decisão proferida encontra-se em consonância com a jurisprudência da Suprema Corte.

Citada pelo Ministro Dias Toffoli, a ADPF 387, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, concluiu que é aplicável o regime de precatórios às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público próprio do Estado e de natureza não concorrencial.

Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes assim argumentou:

“Naturalmente, a satisfação de créditos trabalhistas, devidamente reconhecidos e liquidados pela Justiça do Trabalho, importa questão de relevante valor social e jurídico. Nem por isso, no entanto, será o caso de ignorar o fato de que a EMGERPI possui personalidade jurídica própria de direito privado, distinta do ente político que a criou e a mantém. Como destacado na decisão cautelar, a verba bloqueada constitui numerário à disposição do Tesouro estadual em conta única por ele próprio administrada. Eventual destinação futura de parte desses valores à EMGERPI, por óbvio, não lhes desnatura a condição de receitas públicas a serem dispendidas com fiel observância ao regramento constitucional que regula a atividade orçamentária do Estado. No caso, em se permitindo o bloqueio desses valores, sob pretexto de que subrogariam na verba a ser destinada ao ente da administração indireta, ocorrerá interferência indevida na programação financeira e orçamentária do ente.”

Entendemos correta a posição dos Ministros nos casos em referência, uma vez que, como dito, não se está diante de descumprimento de ordem judicial a se justificar o sequestro do numerário nas contas do próprio Estado.

Ademais, deve-se destacar que apenas as empresas públicas e sociedades de economia mista que desempenham serviço público sob regime de monopólio poderão beneficiar-se do regime dos Precatórios.


[1]Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
(Vide Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
(Vide ADI 4425)

 


É possível a cumulação de honorários advocatícios na execução e nos seus respectivos embargos à execução

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É possível a cumulação de honorários advocatícios na execução e nos seus respectivos embargos à execução

Muito se discute no meio jurídico acerca da cumulação dos honorários de advogado arbitrados na execução resistida por meio de Embargos à Execução.

Isto porque, segundo corrente jurisprudencial, os honorários advocatícios arbitrados em Embargos à Execução deveriam ser compensados com aqueles arbitrados na própria execução, pois, na visão dos que defendem essa corrente, ocorreria uma espécie de bis in idem em favor do advogado.

Por outro lado, sabe-se que os Embargos à Execução constituem ação autônoma, incidental à Execução, tendo atos processuais próprios e que demandam, sem sombra de dúvidas, a pronta atuação do advogado.

Tendo em vista a existência destes dois entendimentos, e a necessidade de pacificação da controvérsia, a matéria foi afetada pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo cadastrado através do número 587.

Através do julgamento, em 18.12.2018, do Recurso Especial de número 1.520.710, o relator do processo, Ministro Mauro Campbell, fixou duas teses sobre o tema:

“Os embargos do devedor são ação de conhecimento incidental à execução, razão por que os honorários advocatícios podem ser fixados em cada uma das duas ações, de forma relativamente autônoma, respeitando-se os limites de repercussão recíproca entre elas, desde que a cumulação da verba honorária não exceda o limite máximo previsto no parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/1973”.

“Inexistência de reciprocidade das obrigações ou de bilateralidade de créditos (pressupostos do instituto da compensação, artigo 368 do Código Civil), o que implica a impossibilidade de se compensarem os honorários fixados em embargos à execução com aqueles fixados na própria ação de execução”.

Segundo o Ministro Mauro Campbell, “os embargos existem em decorrência da execução e, assim, o próprio valor a ser obtido por meio da execução é condicionado pelo resultado do julgamento dos embargos”.

Com o julgamento do recurso afetado, os processos que tiveram seu andamento paralisado, aguardando o resultado do referido julgamento, voltam a tramitar, devendo seguir o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Entendemos que a decisão do STJ preservou a autonomia dos processos (Execução e Embargos à Execução), acabando por afastar o errado entendimento de que haveria um ganho indevido por parte do advogado ao cumular honorários nos dois procedimentos.

Entretanto, e como ressaltou o Ministro Relator, ainda que haja autonomia nas ações, há que ser observado o limite imposto pelo artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, que em seu § 3º [1] determina o percentual máximo de 20% (vinte por cento) para a aferição dos honorários advocatícios, limite este que se encontra também no Código de Processo Civil de 2015 em seu artigo 85, § 2º [2].

Acreditamos que a decisão do Superior Tribunal de Justiça pacificará o tema, garantido a correta remuneração do trabalho do advogado pela atuação em dois processos que, embora umbilicalmente ligados, possuem natureza autônoma e, como tal, deverão contar, cada um, a sua sucumbência.


[1] Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.

  • 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:

[2] Art. 85.  A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

  • 2oOs honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

 


Termo inicial da correção monetária no ressarcimento do crédito tributário

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O tema em referência, por vezes, foi objeto de análise pelos Tribunais Regionais e também pelo Superior Tribunal de Justiça, ocorrendo julgamentos com mais de um entendimento acerca da matéria.

A principal controvérsia quanto ao tema ora analisado, consubstanciada no termo inicial da incidência da correção monetária, reside em dois momentos diferentes: (i) a data do protocolo administrativo do pedido de ressarcimento de créditos tributários, ou (ii) o fim do prazo de 360 dias previsto no artigo 24 da Lei Federal n.º 11.457/2007.

A controvérsia reside no fato de haver decisões nos dois sentidos, ou no mesmo sentido, mas com interpretações diferentes quanto ao aproveitamento do prazo de 360 dias no cômputo do prazo para incidência da correção monetária no caso de ausência de resposta da Administração Pública.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça vinha entendendo de maneira pacífica no seguinte sentido:

“6. A lógica é simples: se há pedido de ressarcimento de créditos de IPI, PIS/COFINS (em dinheiro ou via compensação com outros tributos) e esses créditos são reconhecidos pela Receita Federal com mora, essa demora no ressarcimento enseja a incidência de correção monetária, posto que caracteriza também a chamada “resistência ilegítima” exigida pela Súmula n. 411/STJ. Precedentes: REsp. n. 1.122.800/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 1.3.2011; AgRg no REsp. n. 1082458/RS e AgRg no AgRg no REsp. n. 1088292/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgados em 8.2.2011.

  1. O Fisco deve ser considerado em mora somente a partir da data do protocolo dos pedidos de ressarcimento. […][1]

O entendimento manifestado era o de que a mora da Administração Pública (Fisco) se constitui pela ausência de solução ao requerimento administrativo no prazo de trezentos e sessenta dias contados da data do protocolo, o que daria ensejo à atualização monetária a contar da data desse protocolo administrativo, sem que o referido lapso temporal seja descontado ou diminuído para o cálculo da correção.

Por outro lado, poder-se-ia entender que a aplicação da correção monetária só seria possível após o decurso do prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias a que trata o artigo 24 da lei Federal 11457/2007. Assim versa o referido artigo:

Art. 24.  É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.

Ou seja, pelo entendimento da União, até que se esgote o prazo constante do artigo acima citado, não há que se falar em mora por parte da Administração pública, estando essa mora caracterizada apenas no dia seguinte ao decurso do prazo legal fixado.

Segundo informações levantadas pelo Núcleo de Gerenciamento de Precedentes, há mais de 340 processos com Recursos Especiais admitidos e que discutem justamente a controvérsia apontada neste artigo.

Desta forma, em acórdão de relatoria do Ministro Sérgio Kukina, em 20 de Novembro de 2018, a Primeira Seção, por unanimidade, resolveu afetar os processos tratados pelos REsp 1.768.415, 1.768.060, e 1.767.945, e o tema recebeu o n.º 1.003. Em seu acórdão, o Ministro determinou a suspensão da tramitação, em todo o território nacional, dos processos pendentes, individuais e coletivos, que versem sobre a questão afetada.

Acreditamos que, como já vinha decidindo a Primeira Seção em casos análogos, prevaleça o entendimento de que a correção monetária deva contar da data do protocolo do requerimento administrativo.

Isso porque este ato dá ciência inequívoca do Fisco de que há valores pagos indevidamente que precisam ser ressarcidos ou compensados. O prazo para avaliação do pedido não descaracteriza, se reconhecido, o efetivo pagamento indevido e todas as consequências de não se dispor dos valores, pois foram entregues indevidamente à Receita Federal.

Ademais, o prazo de 360 (trezentos e sessenta dias) é classificado como máximo para que haja a apreciação e solução do requerimento administrativo, não podendo constituir um “prêmio” para a administração que, em seu entendimento, poderia utilizá-lo por completo para analisar os requerimentos sem que houvesse qualquer ressarcimento ou penalidade durante este lapso temporal.

A incidência da correção monetária fará com que aumente a eficiência por parte do Fisco, que evitará alongar essas análises e observará prazos menores que o máximo permitido por Lei, além de efetivamente preservar a integridade dos valores dispendidos indevidamente pelo Contribuinte.


[1] (STJ, Primeira Seção, EAg 1220942/SP, rel. Mauro Campbell Marques, DJe 18abr.2013)

 

 

 


É necessária a previsão de reparação de danos na sentença em ação coletiva, mas dispensa-se a sua especificação.

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Como sabemos, de acordo com o Código de Processo Civil, mais precisamente em seu artigo 324, o pedido em uma ação judicial deve ser determinado. Entretanto, a formulação de pedido genérico é permitida em algumas situações, como, por exemplo, nas ações universais e também quanto não é possível determinar, no momento da propositura da demanda, as consequências do ato ou fato discutido como causa de pedir [1].

Da mesma forma, sua interpretação pelo juiz deve ser feita através do conjunto de da postulação, observando-se, sempre, a boa-fé[2].

O Julgador, por seu turno, resolverá o mérito da demanda quando acolher, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes[3], e ainda que for formulado pedido genérico, como vimos ser possível acima, ficará dispensado, desde logo, de fixar valores, índices de correção monetária e taxa de juros, não for possível determinar o montante devido[4].

Entretanto, poderia o Juiz reconhecer pedido condenatório genérico formulado em Ação Civil Pública sem especificar quais os danos que deverão ser reparados às vítimas do evento danoso?

Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que sim, bastando que a sentença expressamente determine, em seu dispositivo, que haja reparação dos danos causados às vítimas, sem, contudo, estipular a sua natureza.

Através do julgamento do Recurso Especial de n.º 1.718.535, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que é possível que a sentença condenatória não especifique o tipo do dano sofrido. Entretanto, ressaltou que é necessário que a sentença traga em seu dispositivo a condenação da Ré a reparar todos os prejuízos suportados pelas vítimas.

Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio Belizze deu parcial provimento ao Recurso Especial do Ministério Público, que pedia a condenação específica quanto ao tipo de danos, que seriam comprovados pelos interessados em liquidação de sentença.

O julgado reformado reconhecia a o ato ilícito praticado pela Ré, mas a condenação não incluía a reparação dos prejuízos, pois, no entendimento do julgador, este pedido deveria ser formulado em ações autônomas propostas pelos lesados.

Em seu voto, o Ministro Belizze salientou que o julgado deve conter deliberação sobre a existência de obrigação do devedor (ou seja, fixação da responsabilidade pelos danos causados), determinação de quem é o sujeito passivo dessa obrigação e menção à natureza desse dever (de pagar/ressarcir; de fazer ou de não fazer, essencialmente)”.

Salientou ainda o Ministro Relator que, reconhecendo a existência de ato ilícito praticado pela Ré e que tenha violado interesses individuais homogêneos, terá como consequência a prolação de sentença de procedência, “fixando-se, a partir de então, a responsabilidade civil por todos os danos daí advindos”.

Concluiu o Ministro Belizze salientando que “A generalidade da sentença a ser proferida em ação civil coletiva, em que se defendem direitos individuais homogêneos, decorre da própria impossibilidade prática de se determinarem todos os elementos normalmente constantes da norma jurídica em concreto, passível de imediata execução”.

Por fim, ressaltou que “o autor da ação coletiva atua como substituto processual dos titulares dos direitos e interesses individuais lesados, afigurando-se-lhe absolutamente inviável delimitar e, mesmo, comprovar os danos individualmente sofridos por estes”.

Olhamos com cautela o entendimento manifestado acima.

Deve-se prestigiar a lei Processual quanto à necessidade de formular pedido determinado. E isso não significa afastar a possibilidade de formulação de pedido genérico ou que não se consiga quantificar no momento da propositura da ação, mas sim em correlacionar corretamente os fatos que embasam os pedidos condenatórios e a natureza dos danos aso quais se requer a reparação.

As provas a serem produzidas nos autos poderiam levar ou não ao entendimento do magistrado da ocorrência de danos de uma ou mais naturezas, acolhendo todos ou parte deles. A Ausência de provas da ocorrência de danos extrapatrimoniais, por exemplo, levaria, necessariamente, à improcedência deste pedido, não podendo, por conseguinte, ser objeto de cumprimento de sentença. Ao passo que uma sentença que apenas diga que os danos devem ser reparados, sem, contudo, ater-se à sua individualização, poderia outorgar um autêntico “cheque em branco” para o início do cumprimento de sentença.

No entendimento do Relator, não é exigida do demandante nesse tipo de ação, na fase inicial, a especificação dos prejuízos sofridos, tampouco a sua comprovação.

Entendemos que a frase acima se destina à quantificação dos danos sofridos, mas não à sua natureza. Um exemplo são os danos morais coletivos, ou punitive damages, cuja comprovação na fase de conhecimento da Ação Civil Pública é essencial para o seu acolhimento, devendo ser comprovado durante a instrução do processo.

Os elementos para que o magistrado chegue à conclusão de que houve o cometimento do ato ilícito podem não levar, necessariamente, à conclusão da existência de determinado prejuízo e sua natureza, devendo, portanto, a sentença delimitar qual o tipo de danos que devem ser reparados.


[1] Art. 324.  O pedido deve ser determinado.

§ 1o É lícito, porém, formular pedido genérico:

I – nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados;

II – quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato;

[2] Art. 322.  O pedido deve ser certo.

§ 1o Compreendem-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios.

§ 2o A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.

[3] Art. 490.  O juiz resolverá o mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes.

[4] Art. 491.  Na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, salvo quando:

I – não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido;


Possibilidade de denunciação da lide a parte que já integre o polo passivo da demanda

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Como sabemos, a sistemática processual traz em seu bojo a possibilidade de um terceiro intervir na demanda em que originalmente não tenha sido parte.

De acordo com a nova legislação processual, em seu título III, esta intervenção pode se dar de cinco formas distintas: I) Assistência; II) Denunciação da Lide; III) Chamamento ao Processo; IV) Desconsideração da Personalidade Jurídica; e V) Amicus Curiae.

Das hipóteses acima, iremos abordar neste artigo apenas a Denunciação da Lide, e o recente entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.

O artigo 70 do Código de Processo Civil de 1973, a Denunciação da Lide era obrigatória, sendo certo que a não observância da norma poderia, em tese, fulminar a pretensão daquele que poderia trazer ao processo aquele que entendia ser o responsável pelo resultado da demanda. É bem verdade que, com o tempo, a própria doutrina e a jurisprudência trataram de mitigar tal obrigatoriedade, limitando-a ao caso de evicção (inciso I) [1].

Já o Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 125 [2], adotou um tom mais maleável quanto à utilização da Denunciação da Lide, admitindo-a ao invés de obriga-la, dando a ideia de faculdade do instituto, não exigindo a sua utilização de plano.

Ora, mas então, se não é obrigatório, e ainda podendo exercer o direito através de ação autônoma, qual seria então a vantagem da Denunciação da Lide?

Bem, ao que nos parece, a vantagem clara é a de celeridade, podendo discutir todas as questões referentes ao direito tutelado em um mesmo processo, sem a necessidade de se mover um processo autônomo de regresso.

Igualmente se discute, em nome da mesma celeridade processual, e ao passo que a Denunciação da Lide, atualmente, guardar um caráter facultativo para sua utilização, se seria admissível a utilização do instituto nos casos em que o denunciado já constar como parte da demanda.

Pois bem: ao Julgar o Recurso Especial n.º 1.670.232, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu ser perfeitamente possível a Denunciação da Lide nos casos de litisconsórcio passivo, em que Denunciante e Denunciado já componham o referido polo.

Em seu voto, a Ministra Nancy Andrigui ressaltou que “a denunciação da lide é admitida quando a parte denunciante pretende assegurar eventual direito de regresso, em razão de lei ou contrato, em caso de procedência do pedido formulado na ação principal.

Em seguida, ressaltou a Ministra que “Com a denunciação da lide, a par da relação já existente, forma-se uma segunda relação jurídico-processual apenas entre o denunciante e o denunciado, por meio da qual o primeiro exerce pretensão ressarcitória em face do último.”.

E é exatamente este o ponto que merece nosso destaque e elogios quanto ao entendimento manifestado.

A Denunciação da Lide, como dito acima, instaura uma demanda dentro da demanda, abreviando ritos e procedimentos, capazes de trazer celeridade e economia na prestação da tutela jurisdicional.

Além disso, como bem ressaltado na ementa do Recurso, a Denunciação da Lide deve ser prestigiada tendo em vista que “somente assim se instaura entre eles a lide simultânea assecuratória do direito regressivamente postulado”.

Desta forma, concordamos com o entendimento manifestado no Recurso Especial acima citado.


[1] Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:

I – ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção Ihe resulta;

II – ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;

III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

Art. 125.  É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:

I – ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;

II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.

  • 1oO direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.

 


Impossibilidade de se exigir o pagamento de IPI de carga roubada após a saída do parque produtor

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O IPI, ou Imposto sobre Produtos Industrializados, atualmente encontra-se regulamentado pelo Decreto 7.212/2010 (RIPI 2010).

Em seu artigo 35, II, o referido Decreto define como fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados “a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial.[1]

Interpretando literalmente a letra da lei, conforme transcrito acima, a autoridade fiscal entende que bastaria a saída da mercadoria industrializada do parque ou planta industrial para nascer o fato gerador, e também a sua ocorrência, incidindo, pois, o Imposto sobre Produtos Industrializados.

Entretanto, há situações em que efetivamente não ocorre o proveito econômico do produtor, uma vez que este não aufere lucro, mas sim prejuízo com a saída dos produtos, como o é, por exemplo, no caso de furto de sua carga antes da chegada ao destinatário dos produtos.

Desta forma, o produtor pagaria o imposto pela simples saída dos produtos de sua planta industrial, e ainda amargaria o prejuízo de não receber por tais produtos.

O Superior Tribunal de Justiça recentemente analisou a questão, julgando os Embargos de Divergência 734.403, em 21 de Novembro deste ano.

Neste processo, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, através de acórdão proferido pelo Ministro Relator, Napoleão Nunes Maia Filho, deu provimento ao Recurso de uma indústria de tabaco, afastando a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados, tendo em vista o roubo da carga de produtos antes que chegasse ao seu destinatário.

Em seu acórdão, o Ministro Relator ressaltou que a controvérsia constante dos autos encontra-se superada nas duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de entender que, havendo o roubo/furto da carga, inexiste proveito econômico sobre o qual deverá incidir o tributo.

Asseverou o Ministro Relator que “consolidado o entendimento de que a operação passível de incidência da exação é aquela decorrente da saída do produto industrializado do estabelecimento do fabricante e que se aperfeiçoa com a transferência da propriedade do bem, porquanto somente quando há a efetiva entrega do produto ao adquirente a operação é dotada de relevância econômica capaz de ser oferecida à tributação”.

Na hipótese, o produtor tentava, por meio de Embargos à Execução Fiscal, desconstituir o crédito tributário e, por consequência, o lançamento do tributo, obtendo êxito perante o Superior Tribunal de Justiça com o provimento de seus Embargos de Divergência.

Entendemos correto o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que, aliás, já havia se manifestado no mesmo sentido em outros julgamentos, como ressaltou o Relator. Não há proveito econômico, e, por conseguinte, o aperfeiçoamento da operação mercantil que deve ser observada para a ocorrência do fato gerador do tributo.

Pensar em sentido contrário traria ônus ainda mais pesado ao produtor que, como dito acima, pagaria o imposto sem ter o proveito econômico de sua atividade industrial, ao passo que sequer receberia pelos bens produzidos.


 

[1] Art. 35.  Fato gerador do imposto é (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2o):

II – a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial.


Impossibilidade de cobrança de parcelas de leasing de veículo furtado garantido por seguro

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De acordo com a Lei Federal n.º 7132/83, considera-se arrendamento mercantil o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para o uso próprio desta[1].

Assim, o arrendamento mercantil, ou popularmente conhecido como “Leasing”[2], constitui um contrato de utilização de um bem de propriedade da arrendadora por parte da arrendatária, com condições pré-fixadas pelas partes e tendo, ao final, a arrendatária a opção de compra do bem por um valor residual, ou a sua devolução à arrendadora. Ainda é possível renovar o próprio contrato de leasing por outro período.

Como muito bem define a professora Maria Helena Diniz em sua obra[3]:

“É um contrato pelo qual uma pessoa jurídica ou física, pretendendo utilizar determinado equipamento, comercial ou industrial, ou certo imóvel, consegue que uma instituição financeira o adquira, arrendando-o ao interessado por tempo determinado, possibilitando-se ao arrendatário, findo tal prazo, optar entre a devolução do bem arrendado mediante um preço residual, previamente fixado no contrato, isto é, o que fica após a dedução das prestações até então pagas. Trata-se do financial leasing, norte americano e do creditbail dos franceses.”

Assim, o bem arrendado pertence à arrendadora, sendo entregue para a utilização do arrendatário, que paga um valor por esta utilização, conforme pactuado entre as partes.

Ocorre que, no caso de roubo ou furto do bem arrendado, a utilização, por certo, não mais será dada ao arrendatário e este, por força de contrato, poderá ser obrigado a continuar a pagar o valor pactuado tendo em vista não ter o bem voltado ao arrendador, traduzindo-se em situação a criar diversos problemas para ambas as partes.

Os Tribunais de Justiça vinham entendendo que a cobrança seria indevida, pois se esta decorre necessariamente da colocação do bem arrendado para o uso do arrendatário, esta por certo cessaria por força de existência de roubo ou furto do bem arrendado.

A questão então chegou ao Superior Tribunal de Justiça, através do Recurso Especial n.º 1.658.568, cuja relatoria coube à Ministra Nancy Andrigui. E, com base em seu voto, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que nos casos em que o contrato de arrendamento mercantil esteja garantido por seguro, a arrendadora não pode cobrar as parcelas vincendas do contrato.

Entretanto, é importante destacar que a decisão proferida manteve o entendimento antes manifestado no processo pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que entendia ser vedada a cobrança, mas acabou dando parcial provimento ao recurso das instituições financeiras para restringir essa vedação aos contratos protegidos por seguros.

Em seu voto, a Ministra Relatora, salientando que seguro é pago ao proprietário do bem, ou seja, à arrendadora e, caso a cobrança pela utilização do bem persistisse ao arrendatário, que não está utilizando o bem, cairia sobre este todo o prejuízo.

E assim, destacou a Ministra que “a perda do bem, sobretudo quando garantida por contrato de seguro, não deveria ser capaz de ensejar a resolução do contrato de arrendamento mercantil, ao menos não pelo arrendador, eis que o inadimplemento, a partir do momento do recebimento da indenização, é do arrendador, e não do arrendatário, que, até então, está adimplente com as prestações que lhe competiam”.

Destacou ainda a Ministra que a solução equitativa seria a hipótese de as partes, através de um aditivo contratual ao contrato de arrendamento mercantil garantido por seguro, prever a substituição do bem, decorrência da ocorrência de um sinistro.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça acabou por consagrar a tese manifestada pelos Tribunais de Justiça, mas trouxe equilíbrio à relação contratual entre arrendadoras e arrendatários, na medida em que preserva a propriedade (e o investimento vultoso realizado pela arrendadora na aquisição do bem) com a necessidade de existência de um contrato de seguro para que as prestações vincendas não sejam cobradas do arrendatário.

Por fim, importante ressaltar que, conforme frisou a Ministra Relatora, os efeitos da decisão proferida têm validade em todo o território nacional.


 

[1] “Art. 1º – Parágrafo único – Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.”

[2] Do inglês to lease – arrendar

[3] DINIZ, Maria Helena; Dicionário Jurídico, Vol II, p. 69.