A possibilidade de pessoa com restrição de crédito contratar seguro à vista


Como sabemos, os sistemas de proteção ao crédito existem para dar segurança às relações de outorga ou concessão de crédito às pessoas. Se alguma pessoa não honra pagamentos dos créditos obtidos perante o mercado, seja através de instituições bancárias, ou mesmos outros agentes de fornecimento de produtos e serviços, a consequência é sua inclusão nos cadastros de restrição ao crédito.

Deve-se salientar que esta conduta é lícita e encontra, inclusive, previsão na lei consumerista, desde que atendidos os requisitos legais para a inclusão.

Desta forma, e admitindo-se a inclusão lícita do CPF do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, os fornecedores de crédito, produtos e serviços não estão obrigados a contratar com estes devedores, podendo vetar os pactos ou mesmo condicionar sua contratação a outros fatores, como redução de parcelas e aumento da taxa de juros.

Entretanto, quando a venda não é feita a prazo e é realizada em espécie (ou meio em que o pagamento seja efetuado à vista), ainda que o nome do consumidor esteja inserido de maneira lícita no Cadastro Restritivo de Crédito, e uma vez que a efetivação do serviço é automática após o pagamento do preço integral cobrado do contratante, poderia a empresa recusar a efetivação do objeto do contrato alegando a restrição cadastral?

O Superior Tribunal de Justiça analisou Recurso Especial interposto em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face de seguradora para compelir esta a efetivar a contratação à vista de seguro em nome de consumidor com o nome incluído no sistema de proteção ao crédito.

Neste recurso, de relatoria do Ministro Vilas Boas Cueva[1], após entender pela legitimidade do Ministério Público para a propositura da demanda em questão, acabou por manter a decisão proferida em acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Em seu voto, o Ministro ressaltou que “as seguradoras não podem justificar a aludida recusa com base apenas no passado financeiro do consumidor, sobretudo se o pagamento for à vista, sendo recomendável, para o ente segurador, a adoção de alternativas, como a elevação do valor do prêmio, diante do aumento do risco, dado que a pessoa com restrição de crédito é mais propensa a sinistros, ou, ainda, a exclusão de algumas garantias (cobertura parcial).”

Vale ressaltar que, em primeira instância, houve sentença desfavorável ao Ministério Público, sob o argumento de que a restrição seria lícita até mesmo porque reveste-se em característica essencial do contrato de seguro a avaliação do risco.

Entretanto, tanto o Tribunal de Justiça de São Paulo quanto o Superior Tribunal de Justiça entenderam que tal conduta fere o disposto no artigo 39, IX, do Código de Defesa do Consumidor[2], por constituir prática abusiva a sua recusa quando o consumidor se dispuser a realizar o pagamento total e antecipado, à vista.

Primeiramente, deve-se ressaltar que a atividade securitária, como muito bem reconheceu o MM Juízo de primeiro grau, se funda na análise e mensuração do risco, através de complexos cálculos atuariais que envolvem diversas variáveis.

Por outro lado, como muito bem destacou o Ministro Relator, a própria seguradora tem instrumentos para mitigar o risco e trazer mais equilíbrio à contratação, mas observando-se o caráter social do contrato, possibilitando a sua contratação para quem se disponha a pagar antecipadamente e à vista a totalidade dos valores da contratação.

O entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça nos parece acertado, tendo em vista que o risco de inadimplemento do contrato a ser celebrado mediante pagamento à vista e de maneira antecipada, da totalidade dos valores contratados, extinguiria, em tese, a parte obrigacional do consumidor no contrato celebrado, restando, se acontecer o sinistro referente à cobertura previamente contratada, a obrigação da seguradora.

No entanto, vale ressaltar que todas as decisões recepcionam a possibilidade de ser negada a contratação da venda do seguro a prazo, em parcelas, e tal ato não pode ser considerado como abusivo, sendo, em verdade, o exercício regular de um direito.


[1] Resp 1.594.024

[2]Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;