É necessária a previsão de reparação de danos na sentença em ação coletiva, mas dispensa-se a sua especificação.


Como sabemos, de acordo com o Código de Processo Civil, mais precisamente em seu artigo 324, o pedido em uma ação judicial deve ser determinado. Entretanto, a formulação de pedido genérico é permitida em algumas situações, como, por exemplo, nas ações universais e também quanto não é possível determinar, no momento da propositura da demanda, as consequências do ato ou fato discutido como causa de pedir [1].

Da mesma forma, sua interpretação pelo juiz deve ser feita através do conjunto de da postulação, observando-se, sempre, a boa-fé[2].

O Julgador, por seu turno, resolverá o mérito da demanda quando acolher, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes[3], e ainda que for formulado pedido genérico, como vimos ser possível acima, ficará dispensado, desde logo, de fixar valores, índices de correção monetária e taxa de juros, não for possível determinar o montante devido[4].

Entretanto, poderia o Juiz reconhecer pedido condenatório genérico formulado em Ação Civil Pública sem especificar quais os danos que deverão ser reparados às vítimas do evento danoso?

Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que sim, bastando que a sentença expressamente determine, em seu dispositivo, que haja reparação dos danos causados às vítimas, sem, contudo, estipular a sua natureza.

Através do julgamento do Recurso Especial de n.º 1.718.535, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que é possível que a sentença condenatória não especifique o tipo do dano sofrido. Entretanto, ressaltou que é necessário que a sentença traga em seu dispositivo a condenação da Ré a reparar todos os prejuízos suportados pelas vítimas.

Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio Belizze deu parcial provimento ao Recurso Especial do Ministério Público, que pedia a condenação específica quanto ao tipo de danos, que seriam comprovados pelos interessados em liquidação de sentença.

O julgado reformado reconhecia a o ato ilícito praticado pela Ré, mas a condenação não incluía a reparação dos prejuízos, pois, no entendimento do julgador, este pedido deveria ser formulado em ações autônomas propostas pelos lesados.

Em seu voto, o Ministro Belizze salientou que o julgado deve conter deliberação sobre a existência de obrigação do devedor (ou seja, fixação da responsabilidade pelos danos causados), determinação de quem é o sujeito passivo dessa obrigação e menção à natureza desse dever (de pagar/ressarcir; de fazer ou de não fazer, essencialmente)”.

Salientou ainda o Ministro Relator que, reconhecendo a existência de ato ilícito praticado pela Ré e que tenha violado interesses individuais homogêneos, terá como consequência a prolação de sentença de procedência, “fixando-se, a partir de então, a responsabilidade civil por todos os danos daí advindos”.

Concluiu o Ministro Belizze salientando que “A generalidade da sentença a ser proferida em ação civil coletiva, em que se defendem direitos individuais homogêneos, decorre da própria impossibilidade prática de se determinarem todos os elementos normalmente constantes da norma jurídica em concreto, passível de imediata execução”.

Por fim, ressaltou que “o autor da ação coletiva atua como substituto processual dos titulares dos direitos e interesses individuais lesados, afigurando-se-lhe absolutamente inviável delimitar e, mesmo, comprovar os danos individualmente sofridos por estes”.

Olhamos com cautela o entendimento manifestado acima.

Deve-se prestigiar a lei Processual quanto à necessidade de formular pedido determinado. E isso não significa afastar a possibilidade de formulação de pedido genérico ou que não se consiga quantificar no momento da propositura da ação, mas sim em correlacionar corretamente os fatos que embasam os pedidos condenatórios e a natureza dos danos aso quais se requer a reparação.

As provas a serem produzidas nos autos poderiam levar ou não ao entendimento do magistrado da ocorrência de danos de uma ou mais naturezas, acolhendo todos ou parte deles. A Ausência de provas da ocorrência de danos extrapatrimoniais, por exemplo, levaria, necessariamente, à improcedência deste pedido, não podendo, por conseguinte, ser objeto de cumprimento de sentença. Ao passo que uma sentença que apenas diga que os danos devem ser reparados, sem, contudo, ater-se à sua individualização, poderia outorgar um autêntico “cheque em branco” para o início do cumprimento de sentença.

No entendimento do Relator, não é exigida do demandante nesse tipo de ação, na fase inicial, a especificação dos prejuízos sofridos, tampouco a sua comprovação.

Entendemos que a frase acima se destina à quantificação dos danos sofridos, mas não à sua natureza. Um exemplo são os danos morais coletivos, ou punitive damages, cuja comprovação na fase de conhecimento da Ação Civil Pública é essencial para o seu acolhimento, devendo ser comprovado durante a instrução do processo.

Os elementos para que o magistrado chegue à conclusão de que houve o cometimento do ato ilícito podem não levar, necessariamente, à conclusão da existência de determinado prejuízo e sua natureza, devendo, portanto, a sentença delimitar qual o tipo de danos que devem ser reparados.


[1] Art. 324.  O pedido deve ser determinado.

§ 1o É lícito, porém, formular pedido genérico:

I – nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados;

II – quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato;

[2] Art. 322.  O pedido deve ser certo.

§ 1o Compreendem-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios.

§ 2o A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.

[3] Art. 490.  O juiz resolverá o mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes.

[4] Art. 491.  Na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, salvo quando:

I – não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido;