A possibilidade de inclusão de parcelas vincendas na execução de dívida condominial

Até a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, entendia-se que as cotas condominiais em atraso somente poderiam ser objeto de ação de cobrança, pelo rito sumário[1], sendo certo que tal entendimento decorria da interpretação literal da Lei Processual que previa exatamente esta hipótese no processo de conhecimento, mais precisamente no artigo 275, II, b, da antiga Lei de Ritos.
Como se tratava de ação de cobrança, através do processo de conhecimento, o artigo 290[2] do antigo Código previa expressamente que o pedido poderia conter a previsão de condenação do devedor ao pagamento das parcelas vincendas, ou seja, aquelas cujo vencimento se dava após o ajuizamento da ação de cobrança, sendo devidamente comprovadas no curso da ação.
Tal previsão, absolutamente razoável, tendo em vista a existência de obrigações quanto às cotas condominiais que são periódicas, e mais do que natural que o devedor permaneça inadimplente com parcelas não originalmente incluídas no pedido de condenação em pagar quantia certa, foi reproduzida com mínimas mudanças no Código de Processo Civil de 2015 em seu artigo 323[3].
Entretanto, sempre pairou dúvida quanto à possibilidade de, ao invés de lançar mão do processo de conhecimento e, consequentemente, da ação de cobrança de cotas condominiais, com um caminho mais longo até a satisfação do crédito exequendo, se utilizar o processo de execução, uma vez que o título a embasar a demanda poderia atender os requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade.
Com o advento do novo Código de Processo Civil, a Lei Processual passou a prever expressamente a possibilidade de se promover a execução do débito condominial, desde que atendidos alguns requisitos legais que revestem o processo de execução e, principalmente, o título executivo extrajudicial.
Desta forma, o artigo 784, X[4], do Código de Processo Civil de 2015 passou a elencar como título executivo extrajudicial o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas.
Assim, não resta mais qualquer dúvida de que as cotas condominiais, desde que dotadas dos requisitos contidos acima, podem ser objeto de execução.
Entretanto, como se sabe, o título executivo extrajudicial, sendo líquido, certo e exigível, é dotado de certa imutabilidade quanto ao seu valor dentro da demanda, pois, do contrário, poderia lhe faltar exatamente um ou mais de um dos requisitos acima, apresentando um valor variável ao longo do processo.
Diante deste raciocínio, em conclusão apressada, entender-se-ia então pela impossibilidade, na execução, e ao contrário do processo de conhecimento, de incluir parcelas vincendas da obrigação continuada, ainda que revestidas dos requisitos de título executivo extrajudicial, na ação de execução já intentada, forçando o credor a ajuizar mais e mais processos na medida em que as obrigações se vencerem.
Entretanto, em recentíssimo julgado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu pela possibilidade da inclusão, no processo de execução, das prestações que se vencerem ao longo do processo, até a sentença.
Através do julgamento do Recurso Especial de nº 1.756.791, a Ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, destacou a interdisciplinar entre os ritos previstos no Código de Processo Civil, e sua aplicação subsidiária uns aos outros.
No caso concreto, destacou a Ministra que “o novo código processual, na parte que regula o procedimento da execução fundada em título executivo extrajudicial, admite, em seu art. 771[5], a aplicação subsidiária das disposições concernentes ao processo de conhecimento à lide executiva.”
Prossegue a Ministra aduzindo que “também dispõe, na parte que regulamenta sobre o processo de conhecimento, que o procedimento comum se aplica subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução (art. 318, parágrafo único, do CPC/2015)[6]”.
Por fim, concluiu a Ministra Nancy Andrighi que “Tal entendimento está em consonância com os princípios da efetividade e da economia processual, evitando o ajuizamento de novas execuções com base em uma mesma relação jurídica obrigacional”.
Entendemos acertadíssimo o entendimento manifestado pela Ministra Nancy Andrighi, pois permite ainda maior efetividade no recebimento de valores pelos credores, em especial os credores condominiais, que dependem da verba das cotas para o pagamento das despesas diárias e não auferem atividade empresarial, sendo ainda mais relevante o recebimento das referidas cotas.
[1]Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário:
II – nas causas, qualquer que seja o valor;
- b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio;
[2]Art. 290. Quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação.
[3]Art. 323. Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.
[4]Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
X – o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;
[5] Art. 771. Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, e suas disposições aplicam-se, também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no procedimento de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva.
Parágrafo único. Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial.
[6] Art. 318. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.
Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.
Para Terceira Seção, estelionato por meio de aplicativo deve ser julgado onde o dinheiro foi recebido

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é competência da 5ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo (SP) a condução de inquérito policial e eventual julgamento de estelionato praticado por meio de aplicativo, por ter sido lá que os valores efetivamente entraram na esfera de disponibilidade dos acusados.
A vítima comprou uma carta de crédito para aquisição de um veículo Mercedez Benz por meio de aplicativo especializado em anúncios dos chamados “carros de repasse”. Seguindo as orientações dos supostos vendedores, ele fez duas transferências – de R$ 40 mil e R$ 80 mil – para contas situadas em agências bancárias da cidade de São Bernardo do Campo. Também efetuou um depósito em dinheiro na boca do caixa, no valor de R$ 4 mil. As movimentações foram feitas pela conta bancária da vítima, cujo banco se situa em Caxias do Sul (RS).
No conflito de competência julgado pela Terceira Seção, o juízo suscitado, da 5ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo, entendeu que ainda que as contas bancárias dos supostos vendedores pertençam a agências situadas em São Bernardo do Campo, o local geográfico de destinação do dinheiro integra o post-factum, não coincidindo com o local de consumação do crime, que seria o lugar onde se realizou o depósito – Caxias do Sul.
O suscitante, juízo da 2ª Vara Criminal de Caxias do Sul, por sua vez, sustentou que a obtenção da vantagem indevida ocorreu quando o dinheiro ingressou nas contas dos supostos estelionatários, em São Bernardo do Campo.
Consumação
Segundo o relator do conflito, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, o artigo 70 do Código de Processo Penal estabelece que a competência será, em regra, determinada pelo lugar em que se consumou a infração, e o estelionato, crime tipificado no artigo 171 do Código Penal, “consuma-se no local e momento em que é auferida a vantagem ilícita”.
Para o ministro, quando o estelionato ocorre por meio do saque ou compensação de cheque, a obtenção da vantagem ilícita ocorre no momento em que o cheque é sacado, e o local da obtenção dessa vantagem é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, ou seja, onde a vítima possui conta bancária.
Quando a vítima, voluntariamente – como no caso analisado –, efetua depósitos ou faz transferência de valores para o estelionatário, a obtenção da vantagem ilícita ocorre quando o criminoso efetivamente se apossa do dinheiro, no momento em que ele é depositado em sua conta.
“Como, no caso concreto, a vítima efetuou tanto um depósito em dinheiro quanto duas transferências bancárias, para duas contas-correntes vinculadas a agências bancárias situadas na cidade de São Bernardo do Campo, é de se reconhecer que a competência para a condução do inquérito policial é do juízo de direito de São Bernardo do Campo”, concluiu.
Para Quarta Turma, cláusula de inalienabilidade não impede doação do bem em testamento

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as cláusulas de inalienabilidade têm duração limitada à vida do beneficiário – seja ele herdeiro, legatário ou donatário –, não se admitindo o gravame perpétuo, transmitido sucessivamente por direito hereditário. Assim, as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo o testamento, que só produz efeitos após a morte do testador.
Com base nesse entendimento, o colegiado julgou improcedente ação de nulidade de testamento de parte de imóveis gravados, deixados como herança para a companheira, com quem o falecido conviveu durante 35 anos.
De acordo com os autos, em 1970, o pai do falecido deixou para ele oito apartamentos situados em um prédio no Rio de Janeiro. Em decorrência da condição de ébrio habitual do herdeiro, no testamento foram fixadas cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade dos imóveis, para garantir que o beneficiário não pudesse vender ou doar o patrimônio recebido.
Em 1996, o então dono dos imóveis fez um testamento deixando parte dos bens herdados para sua companheira. Contudo, depois que ele morreu, seus filhos (netos do testador inicial) entraram com ação de nulidade do testamento, alegando que o documento não teria validade por causa das cláusulas restritivas.
Nulidade
A sentença julgou nulo o testamento por considerar que ele contrariava as restrições registradas em relação aos bens. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a nulidade sob o argumento de que o testador inicial (avô dos autores da ação) tentou garantir o patrimônio não só ao filho, mas também aos netos. Para o TJRJ, a cláusula de inalienabilidade impede a transmissão dos bens por ato intervivos.
No recurso apresentado ao STJ, alegou-se que, em se tratando de testamento e sucessão testamentária, não há transmissão de propriedade por ato intervivos, mas apenas manifestação de vontade, unilateral, para vigorar e produzir efeitos após a morte do testador.
Livre circulação
O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, esclareceu que, enquanto o beneficiário dos imóveis estava vivo, os bens se sujeitavam à restrição imposta pelas cláusulas estabelecidas no testamento deixado pelo seu pai. Contudo, após sua morte, tais medidas restritivas perderam a eficácia.
O ministro afirmou que a jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que a cláusula de inalienabilidade vitalícia tem vigência enquanto viver o beneficiário, passando livres e desembaraçados aos seus herdeiros os bens objeto da restrição.
“Por força do princípio da livre circulação dos bens, não é possível a inalienabilidade perpétua, razão pela qual a cláusula em questão se extingue com a morte do titular do bem clausulado, podendo a propriedade ser livremente transferida a seus sucessores”, explicou.
Antonio Carlos Ferreira destacou que o testamento é um negócio jurídico que somente produz efeito após a morte do testador, quando ocorre a transferência do bem. Desse modo, “a elaboração do testamento não acarreta nenhum ato de alienação da propriedade em vida, senão evidencia a declaração de vontade do testador, revogável a qualquer tempo”.
Para o relator, considerando que as cláusulas restritivas vigoraram durante a vida do testador, e que os efeitos do testamento questionado somente tiveram início com sua morte, devem ser consideradas válidas as disposições de última vontade que beneficiaram a sua companheira.
Segundo o ministro Antonio Carlos, o documento em discussão não avançou sobre a legítima dos herdeiros e observou apenas a parte disponível para doação.
“Sendo o testador plenamente capaz, a forma prescrita em lei e o objeto lícito, é válido o testamento” – concluiu, dando provimento ao pedido para julgar improcedente a ação anulatória.
Leia o acórdão.
Cláusula de perda total de valores pagos é válida se proposta pelo comprador

A questão tratada neste artigo guarda relação entre o alcance da manifestação de vontade e as consequências trazidas aos que a manifestam, especialmente nos negócios jurídicos que preveem a perda de valores em favor da outra parte, oriundos da não execução ou cumprimento do objeto da avença.
Não é incomum vermos, especialmente nos contratos imobiliários, cláusulas penais de retenção de valores em caso de arrependimento ou impossibilidade de manutenção dos pagamentos por parte dos adquirentes, que solicitam a rescisão dos negócios jurídicos e a devolução dos valores pagos.
É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que, nos contratos em que incida o Código de Defesa do Consumidor, os valores pagos pelo comprador ao vendedor devem ser integralmente restituídos nos casos em que o vendedor der causa à rescisão do negócio, e parcialmente se foi o comprador que provocou a rescisão[1].
Igualmente, na segunda hipótese (desistência do adquirente), o STJ já pacificou o entendimento quanto à possibilidade de retenção, que não poderá ser superior a 25% (vinte e cinco por cento) do valor pago pelo adquirente[2].
Todas estas situações levam em conta, como não poderia deixar de ser, os princípios protetivos do Código de Defesa do Consumidor e a sua vulnerabilidade. Entretanto, há contratos em que o Código não tem incidência.
Em um contrato de compra e venda de imóvel, celebrado entre duas pessoas físicas, apesar da não incidência do Código de Defesa do Consumidor, deve-se observar igualmente a boa-fé na sua execução, a manifestação de vontade lícita e não eivada de vícios e o enriquecimento sem causa.
Mas poderia então, com base em tais premissas, haver cláusula que simplesmente decretasse a perda da integralidade dos valores pagos em caso de inadimplemento dos compradores?
Tendo sido do próprio comprador a proposta de inserção da referida cláusula, e não havendo vício na sua manifestação de vontade, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que sim.
A questão foi analisada pelo STJ através do julgamento do Recurso Especial de nº 1.723.690, cuja relatoria coube ao Ministro Villas Bôas Cueva.
Na hipótese, após o Juízo de primeira instância entender por nula a cláusula inserida por aditivo e que estipulava a perda total dos valores pagos, determinou a restituição com os descontos de intermediação do negócio, o sinal e a multa contratual.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, entretanto, reformou a sentença por entender válida a cláusula de perda integral, entendendo haver prova cabal (uma mensagem SMS, no caso), de que a referida cláusula havia sido proposta pelo próprio comprador.
Em seu voto, o Ministro Villas Bôas Cueva ressaltou que são nulos os negócios jurídicos celebrados com algum vício de consentimento, citando expressamente o estado de perigo, contido no artigo 156 do Código Civil[3], e a Lesão, constante do artigo 157 do mesmo diploma legal[4].
Tendo concluído pela ausência de prova da existência dos referidos defeitos no negócio jurídico celebrado, o Ministro destacou que “No caso dos autos, por se tratar de compromisso de compra e venda celebrado de forma voluntária entre particulares que, em regra, estão em situação de paridade, é imprescindível que os elementos subjetivos da lesão sejam comprovados, não se admitindo a presunção de tais elementos. Entendimento em sentido contrário poderia incentivar a parte a assumir obrigações que sabe serem excessivas para depois pleitear a anulação do negócio jurídico.”
Destacou ainda o Ministro Villas Bôas Cueva que acolher o pedido dos recorrentes “implicaria ratificar a conduta da parte que não observou os preceitos da boa-fé em todas as fases do contrato, o que vai de encontro à máxima do ‘venire contra factum proprium’”.
Como se viu, o julgado privilegiou a manifestação de vontade lícita e, principalmente, o Princípio da Boa-fé objetiva, consubstanciado ainda em um de seus institutos mais importantes, qual seja a vedação ao comportamento contraditório.
Entretanto, tais institutos não podem caminhar ao largo de outro instituto igualmente importante e que deve nortear os negócios jurídicos, qual seja a vedação ao enriquecimento sem causa.
Não se está aqui retirando a importância e a correção do julgado ora analisado, mas tão somente chamando-se atenção à necessária observância do último instituto de direito acima citado, sob pena de se derrubar a própria boa-fé e os princípios norteadores dos negócios jurídicos, devendo ser analisado o caso concreto para que se faça o correto julgamento de proporcionalidade do alcance das cláusulas contratuais avençadas.
[1] Súmula 543: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento
[2]STJ – AgInt no AREsp 1062082/AM: Ministro Luis Felipe Salomão; Quarta turma: Dje 23/05/2017
[3]Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
[4] Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
Falta de indexação de peças facultativas não impede conhecimento de agravo de instrumento

A falta de indexação de peças facultativas em um agravo de instrumento não é motivo suficiente para que o recurso não seja conhecido pelo tribunal.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que não conheceu do agravo de instrumento interposto por um banco, sob a fundamentação de haver irregularidade formal na juntada das peças facultativas.
Para a turma, a decisão do TJRS está em frontal dissonância com a tese firmada no Tema 462 dos recursos repetitivos, a qual, embora tenha sido fixada na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), pode ser aplicada aos agravos interpostos sob o CPC/2015.
Afronta
Segundo os autos, o processo tramitou inicialmente em meio físico, sendo eletrônicos apenas os autos do agravo de instrumento. Após receber o agravo, o tribunal gaúcho afirmou que o recorrente anexou a documentação desordenadamente e que o modo como o recurso foi apresentado afrontava os princípios da economia e da celeridade processual.
O TJRS determinou que o recorrente retificasse a documentação juntada, incluindo a indicação das páginas, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecimento do recurso.
Desinteresse
Vencido o prazo, o tribunal decidiu pelo não conhecimento do agravo. Segundo a decisão, a oportunidade para regularizar o processo havia sido dada, mas a parte teria cumprido a determinação judicial de forma parcial e equivocada, o que atestaria seu desinteresse na apreciação do recurso.
A decisão invocou o Ato 017/2012 da presidência do TJRS, editado com base na Lei 11.419/2006, que atribuía aos tribunais o poder de regulamentar a prática de atos processuais por meio eletrônico no âmbito de suas jurisdições, sendo que a mesma competência foi mantida pelo CPC/2015, embora em caráter supletivo às normas do Conselho Nacional de Justiça.
O banco alegou que o agravo não foi conhecido ao argumento de que o instrumento recursal não estaria de acordo com as peculiaridades do processo eletrônico adotado pela corte estadual, mas a decisão não indicou qual seria essa desconformidade.
Excesso de formalismo
Para o relator do recurso no STJ, Paulo de Tarso Sanseverino, o entendimento do tribunal gaúcho “peca pelo excesso de formalismo processual, uma vez que não houve manifestação judicial acerca da possibilidade de julgamento do mérito do agravo de instrumento”.
O relator lembrou que mesmo antes de o CPC/2015 entrar em vigor, o STJ, ao definir o Tema 462, já havia abrandado o excesso de formalismo na formação do instrumento de agravo, sendo firmada tese no sentido de se exigir um juízo sobre a necessidade da peça faltante para o julgamento da controvérsia recursal.
“Na vigência do CPC/2015, diploma processual orientado pelo princípio da primazia do julgamento de mérito, não parece haver lugar para um retrocesso em termos de formalismo processual, como o que se mostrou no caso dos autos”, acrescentou o ministro.
Indexação integral
Sanseverino também observou que, apesar das orientações que buscam otimizar a formação do instrumento de agravo, o tribunal de origem ainda pode solicitar a indexação de todos os documentos, caso julgue não ter condições de analisar antecipadamente quais peças processuais são necessárias para a compreensão da controvérsia recursal.
“Nada obsta a que o tribunal de origem venha a determinar novamente a indexação da cópia integral dos autos, desde que o faça fundamentadamente, com base nas circunstâncias do caso concreto.”
O colegiado, por unanimidade, determinou que o TJRS prossiga no juízo de admissibilidade do agravo instrumento, como entender de direito.
Leia o acórdão.
Negativa de cobertura da seguradora é marco inicial de prescrição para ação indenizatória por vícios de construção

Quando não for possível comprovar a data em que o segurado tomou conhecimento dos vícios na estrutura de imóvel comprado por meio do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o prazo para ajuizar ação visando o recebimento do seguro deverá ser contado a partir do momento em que houve a comunicação do fato à seguradora e ela se recusou a pagar a indenização.
O entendimento foi reafirmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) que havia considerado como data de início do prazo de prescrição o termo final dos contratos de financiamento ou a data de cancelamento das hipotecas. A decisão foi por maioria.
A ação de indenização foi proposta contra uma seguradora, buscando o pagamento de indenização por danos materiais em imóveis adquiridos pelo SFH. Segundo os proprietários, os imóveis do conjunto habitacional foram edificados com negligência na fiscalização das obras e desrespeito às normas técnicas de engenharia. Como consequência, alegaram, as casas vêm revelando vários danos estruturais.
Em primeiro grau, o juiz declarou a ilegitimidade ativa de algumas das partes e julgou extinto o processo, com resolução de mérito, em relação aos demais, em virtude da prescrição.
A sentença foi mantida pelo TJGO. Para o tribunal, como os autores não demonstraram a data em que tomaram ciência dos danos nos imóveis, deveria ser considerado para o início do prazo de prescrição o fim dos contratos de financiamento ou a data de cancelamento das hipotecas – momento em que se encerraria a obrigação securitária.
Como as casas foram construídas e financiadas nas décadas de 1980 e 1990, com os contratos baixados até 2004, e a reclamação para o recebimento da cobertura securitária ocorreu em 2011, o TJGO entendeu que estava superado há muito tempo o prazo de um ano, previsto pelo artigo 178 do Código Civil de 1916 e pelo artigo 206 do Código Civil de 2002.
Proteção contratual
A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, destacou entendimento fixado pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.622.608, no sentido de que, em respeito aos princípios da boa-fé objetiva e da proteção contratual do consumidor, os vícios estruturais de construção estão cobertos pelo seguro habitacional mesmo após a conclusão do contrato, ficando garantida a cobertura para sinistro concomitante à vigência do ajuste, ainda que só revelado depois de sua extinção.
Em relação à prescrição, no mesmo julgamento, a turma concluiu que, quanto aos vícios concomitantes à vigência do contrato, uma vez comprovada a data em que os segurados deles tomaram conhecimento, passa a correr o prazo de um ano para o exercício da pretensão indenizatória.
Todavia, a relatora ressaltou que não houve demonstração cabal do momento em que os consumidores descobriram os defeitos alegados no processo. Nesses casos, Nancy Andrighi também destacou entendimento da Terceira Turma segundo o qual o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento da ação é o momento em que o segurado comunica o fato à seguradora e esta se recusa a indenizar.
No caso dos autos, a ministra destacou que, apesar de as unidades imobiliárias terem sido construídas e financiadas até a década de 1990, a reclamação para o recebimento da cobertura securitária se deu apenas em 2011 – mesmo ano em que foi ajuizada a ação indenizatória.
“Assim, há de ser afastada a prescrição e, consequentemente, determinado o retorno dos autos ao juízo de origem para o devido andamento processual”, concluiu a ministra.
Leia o acórdão.
Fonte: STJ
Antena de celular instalada em imóvel locado caracteriza fundo de comércio e autoriza uso de ação renovatória

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a Estação Rádio Base (ERB) instalada em imóvel alugado caracteriza fundo de comércio de empresa de telefonia celular, sendo cabível a ação renovatória prevista no artigo 51 da Lei 8.245/1991 para esse tipo de locação.
A decisão teve origem em ação renovatória ajuizada pela empresa de telefonia Claro. A operadora alegou ter direito à renovação do contrato pelo fato de cumprir todos os requisitos previstos na lei, além de exercer atividade de utilidade pública e ter sempre quitado pontualmente os aluguéis.
Em primeira instância, o processo foi extinto sem resolução do mérito por falta de interesse processual. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento à apelação da empresa sob o fundamento de que a instalação das antenas não exige localização específica, podendo ocorrer em outro imóvel, não sendo possível, assim, o enquadramento do contrato analisado no conceito de fundo de comércio a ser protegido.
Em sua defesa, a Claro afirmou que a instalação de ERBs não é feita de forma aleatória e que os imóveis locados são escolhidos de forma específica, de modo a garantir a cobertura geográfica para seus clientes. Acrescentou que as antenas de transmissão fazem parte de seu patrimônio e que os imóveis em que tais equipamentos se encontram instalados são parte integrante de seu estabelecimento para o atendimento da clientela.
Centros de comunicação
Em seu voto, a ministra relatora do recurso no STJ, Nancy Andrighi, destacou – com base em informações prestadas pela Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) – que as ERBs trabalham de forma conjunta, de modo que se uma das antenas for desligada, o aparelho se conectará automaticamente a outra ERB mais distante – o que, embora não interrompa o serviço, pode comprometer a sua qualidade. “As ERBs se apresentam como verdadeiros centros de comunicação espalhados por todo o território nacional”, afirmou a magistrada.
Nancy Andrighi ressaltou que as ERBs não atendem apenas a uma necessidade privada da empresa proprietária, mas cumprem função social, já que a lei impõe às prestadoras de serviços de telecomunicações o dever de permitir o uso de suas estruturas por outras empresas que trabalhem pelo interesse público.
“Além de servir à própria operadora, responsável pela instalação, a estrutura vertical das ERBs – torres e postes – pode ser compartilhada com outras concessionárias do setor de telecomunicações, segundo prevê o artigo 73 da Lei 9.472/1997, o que, entre outras vantagens, evita a instalação de diversas estruturas semelhantes no mesmo local e propicia a redução dos custos do serviço.”
Fundo de comércio
Ao conceituar o fundo de comércio, a relatora lembrou que compõem o patrimônio de uma empresa os bens corpóreos e incorpóreos, e que todos eles, considerados em sua totalidade, são objeto da proteção legal. O ponto empresarial é um exemplo de bem incorpóreo e, segundo a ministra, embora ele não se confunda com o imóvel em que está instalado, a exploração de atividade econômica organizada no local agrega valor ao imóvel.
“As ERBs são estruturas essenciais ao exercício da atividade de prestação de serviço de telefonia celular, que demandam investimento da operadora e, como tal, integram o fundo de comércio e se incorporam ao seu patrimônio.”
Além de constituir um instrumento de proteção do fundo empresarial – acrescentou Nancy Andrighi –, a ação renovatória “concretiza a intenção do legislador de evitar o locupletamento do locador, inibindo o intento de se aproveitar da valorização do imóvel resultante dos esforços empreendidos pelo locatário no exercício da atividade empresarial”.
“O cabimento da ação renovatória não está adstrito ao imóvel para onde converge a clientela, mas se irradia para todos os imóveis locados com o fim de promover o pleno desenvolvimento da atividade empresarial, porque, ao fim e ao cabo, contribuem para a manutenção ou crescimento da clientela”, concluiu a relatora.
Leia o acórdão.
Fonte: STJ
Intervenção de Terceiros que altera competência é atacável por Agravo de Instrumento

Desde que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou em sede de recursos repetitivos o tema 988, que tratou da taxatividade ou não do rol de possibilidades do cabimento do recurso de Agravo de Instrumento, várias foram as discussões acerca do tema que desaguaram naquela corte.
Devemos lembrar que o novo Código de Processo Civil tem apenas três anos de vigência, o que se reveste ainda em um terreno fértil para discussões e assentamento da jurisprudência. Por sua relevância para os operadores do direito, em especial aos que militam no Contencioso Cível, o tema deve ser revisitado sempre que houver importante decisão quanto ao cabimento do recurso em questão.
E, uma vez que seu cabimento não está limitado pela Lei, demandará sempre um estudo sobre o caso concreto, aperfeiçoando não só a jurisprudência, mas também a doutrina acerca do Agravo de Instrumento.
Lembramos que as possibilidades de Agravo de Instrumento em face de decisões interlocutórias encontram-se relacionadas no rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil[1]. E, como já tivemos a possibilidade de analisar aqui, a taxatividade do rol contido no artigo acima citado foi mitigada por força do julgamento, em sede de Recursos Repetitivos por parte do Superior Tribunal de Justiça, do tema 988, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi[2].
Entretanto, devemos advertir que a decisão proferida no Tema acima não considerou toda e qualquer decisão atacável pelo recurso de Agravo de Instrumento, pelo que não constitui uma carta branca aos operadores para lançarem mão do recurso sempre que não concordarem com determinada decisão interlocutória. Basta ver o teor de decisões do próprio STJ sobre o tema, em especial da própria Ministra Nancy Andrighi, para se constatar que o cabimento do referido recurso na fase de conhecimento ainda continua restrita.
E o caso específico tratado neste artigo dá esta exata dimensão.
Como já escrevemos aqui anteriormente, buscou-se com a inserção do rol de possibilidades do cabimento do Agravo de Instrumento um dinamismo maior ao processo, em especial à fase de conhecimento, permitindo que decisões interlocutórias ao longo da fase de conhecimento pudessem ser atacadas através de preliminares do Recurso de Apelação e até mesmo de suas contrarrazões.
A questão sob exame demanda a análise de duas situações dentro de uma única decisão: a intervenção de terceiros e a modificação da competência.
Na forma dos incisos do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, é expresso o cabimento do recurso de Agravo de Instrumento quanto a admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros. Entretanto, quanto à competência, não se vislumbra menção expressa no rol contido no artigo anteriormente citado.
Desta forma, o Tribunal de Justiça do Paraná entendeu por não ser cabível o Agravo de Instrumento ao admitir a intervenção da Caixa Econômica Federal em processo com diversos autores, mas apenas quanto a três deles e, por tal motivo, desmembrar a demanda e enviar os processos destes três autores para a Justiça Federal. Inconformada, a Ré recorreu salientando que a intervenção deveria se dar em relação a todos os autores e que, por tal motivo, todo o processo deveria ser enviado para julgamento pela Justiça Federal. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entendeu incabível o Agravo de Instrumento no que tange ao declínio de competência, ante a ausência de previsão no rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.
Ao analisar a questão através do Recurso Especial de nº 1.797.991, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu cabível o recurso de Agravo de Instrumento na situação acima descrita.
A Ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial, salientou que a questão posta à discussão “possui natureza complexa, pois reúne, na mesma decisão judicial, dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos estanques”.
Prosseguiu a Ministra Relatora em seu voto que “… a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, sobretudo porque, na hipótese, somente se pode cogitar uma alteração de competência do órgão julgador se – e apenas se – houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação.”
Por fim, concluiu a Ministra que “a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado – se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no artigo 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal; se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no artigo 109, I, da Constituição Federal, haverá manutenção da competência na Justiça estadual.”
Entendemos correta a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. Não há dúvidas quanto à recorribilidade, de imediato, da questão ligada à intervenção de terceiros. No caso em comento, o recurso não rebatia apenas a questão da competência – o que, em determinadas situações, ao nosso sentir, poderia até permitir o cabimento do recurso – mas, principalmente, o interesse do Réu em ver a intervenção da CEF nos pedidos formulados por todos os autores da ação, sendo este o ponto principal e do qual derivam todos os demais pontos da decisão agravada.
[1]Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I – tutelas provisórias;
II – mérito do processo;
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI – exibição ou posse de documento ou coisa;
VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;
XII – (VETADO);
XIII – outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
[2]“o rol do artigo 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.
É válida previsão de fiança em contrato de cessão de crédito que tem FIDC como cessionário

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que é válida a previsão de garantia fidejussória (fiança) em contrato de cessão de crédito que tem por cessionário um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).
A controvérsia analisada pelo colegiado teve origem em embargos à execução opostos por sócia de um grupo empresarial, após ter sido incluída no polo passivo de processo movido por um FIDC contra a empresa da qual era fiadora para receber crédito no valor de R$ 99.643,52. O contrato de cessão de crédito estabelecia que, se os títulos não fossem pagos pelos devedores da empresa, teriam de ser recomprados pela empresa e por sua sócia.
Em sua defesa, a sócia afirmou que o grupo empresarial, devedor principal, encontra-se em recuperação judicial, tendo sido suspensos todos os débitos. Alegou também que, ainda que não se reconheça a tese da suspensão, de qualquer forma, o valor executado foi novado em vista da recuperação, e suspendeu-se a execução das garantias, estando os fiadores exonerados do cumprimento das obrigações.
Ponderou, ainda, que a relação jurídica existente entre ela e o grupo empresarial tem origem em uma operação de cessão de títulos de crédito, sendo o regresso contra o devedor solidário ilegal e abusivo, pois o FIDC já cobra considerando os riscos inerentes às suas atividades, não tendo direito a obter garantia fidejussória nas operações de cessão dos recebíveis.
Recurso especial
O juízo de primeiro grau acolheu as alegações, houve apelação, e a sentença foi mantida. O fundo de investimentos interpôs recurso especial no STJ sustentando divergência jurisprudencial e violação aos artigos 286, 295, 296, 297 e 298 do Código Civil (CC).
Em sua argumentação, o recorrente disse que o voto divergente no tribunal de origem considerou que o FIDC adquire, a título oneroso, os direitos creditórios do cedente, tornando-se dele titular e podendo, com base no direito cambiário e no disposto no artigo 296 do CC, exigir do cedente o crédito em caso de insolvência do devedor, se houver cláusula contratual nesse sentido.
Afirmou que o outro voto divergente entendeu que esse tipo de operação realizada pelo fundo não se confunde com factoring, nada havendo que afaste os efeitos e a validade da disposição prevista no contrato de cessão, e que a oposição de embargos à execução torna evidente a desnecessidade de ser oferecida a recompra à fiadora.
Por fim, assegurou que o acórdão recorrido não diferencia o factoring da securitização de recebíveis, atividade realizada pelos FIDCs.
Condomínio
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, destacou a natureza de condomínio dos FIDCs e a evolução da legislação relacionada ao tema, que passou a possibilitar, por exemplo, a oferta de cotas por investidores não qualificados e a exclusão de valores de investimentos mínimos.
“Parece mesmo ser a intenção do legislador, em harmonia com as disposições infralegais do órgão público supervisor, estabelecer a natureza de condomínio, visto que, em atenção à ausência de personalidade jurídica, para o caso específico dos fundos imobiliários, definiu no artigo 2º da Lei 8.668/1993 que se constitui condomínio. Em vista da natureza de condomínio, o artigo 6º dispõe que os bens dos fundos imobiliários são adquiridos pelo administrador, em caráter fiduciário.”
Institutos distintos
Em relação à forma de atuação, o ministro ressaltou que os FIDCs operam mediante securitização de recebíveis e não se confundem com os escritórios de factoring, que não são instituição financeira.
“A securitização caracteriza-se pela cessão de créditos originariamente titulados por uma unidade empresarial para outra unidade, que os deve empregar como lastro na emissão de títulos ou valores mobiliários, colocados junto a investidores com escopo de angariar recursos ordinariamente para o financiamento da atividade econômica.”
Salomão ressaltou também que o artigo 2º, II, da Instrução CMV 356/2001, com a finalidade de dar mais segurança às operações por esses fundos de investimento, passou a “prever que a cessão dos direitos creditórios é a transferência pelo cedente, credor originário ou não, de seus direitos creditórios para o FIDC, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional”.
A própria recorrida, conforme destacou o relator, reconhece na petição inicial que “se fosse desconto bancário, seria possível o estabelecimento de garantia na cessão de crédito”.
Sobre esse ponto, o ministro assinalou que nos FIDCs há captação de poupança popular dos próprios cotistas, e pela eficiência da “engenhosa estrutura” envolvendo a operação dos fundos, em que não há intermediação, o deságio pela cessão de crédito é menor do que nas operações de desconto bancário, embora ambas sejam semelhantes. Por isso, não se justificaria a nulidade da garantia, em prejuízo dos condôminos do fundo de investimento.
Instituições financeiras
O relator ponderou que, de acordo com as disposições da Lei 4.595/1964, não há dúvida de que os FIDCs são considerados instituições financeiras, já que fornecem crédito mediante captação da poupança popular, com administração de instituição financeira.
Destacou que se equiparam às instituições financeiras as pessoas físicas que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, a intermediação ou a aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros, como previsto no referido diploma legal.
“Também se subordinam às disposições e disciplina desta lei, no que for aplicável, as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações ou de quaisquer outros títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.”
Fonte: STJ
Prazo para impugnar valor da execução só começa a contar após a garantia do juízo

O prazo para o devedor alegar excesso de execução só começa a correr após a sua intimação acerca da penhora ou do depósito do valor da condenação para a garantia do juízo. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e definiu que a falta de manifestação do devedor sobre os cálculos do contador judicial – os quais foram homologados pelo juízo – não impede a posterior alegação de excesso de execução em impugnação ao cumprimento de sentença.
O recurso teve origem em ação contra a Caixa de Previdência do Banco da Amazônia para restituição de valores indevidamente recolhidos a título de contribuição previdenciária. Na fase de cumprimento da sentença, os cálculos apresentados pelo credor foram refeitos pela contadoria judicial, após o juiz observar discrepâncias. Com a concordância do credor sobre o novo valor, a entidade previdenciária foi intimada a se manifestar, mas, diante da sua inércia, os cálculos foram homologados.
A pedido do credor, o juiz determinou o bloqueio da quantia executada via BacenJud, ocasião em que foi determinada a intimação do devedor. Nesse momento, a instituição devedora apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, alegando excesso de execução. No entanto, o TJDFT entendeu que a oportunidade para essa alegação estaria preclusa diante da homologação dos cálculos.
Montante da penhora
A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que, com base nos dispositivos que tratam da liquidação de sentença no Código de Processo Civil de 1973, depreende-se que o envio dos autos ao contador judicial para apurar a quantia a ser paga “não é ato judicial hábil a definir, necessariamente, o valor da execução, representando, em verdade, ato para definir o montante da penhora, o que afastaria a necessidade de qualquer alegação de excesso de execução neste momento particular”.
Segundo ela, nos termos do artigo 475-B do CPC/1973, quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, instruindo o pedido com a memória discriminada do cálculo.
A ministra ressaltou que, nos casos de aparente excesso do valor calculado, o contador do juízo poderá refazer os cálculos. Caso o credor concorde com o valor, prosseguirá o cumprimento da sentença, com a intimação do devedor em 15 dias; contudo, se discordar, a execução prosseguirá pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador.
“Ora, o fato de, em não havendo concordância do credor em relação aos cálculos apresentados pelo contador, a penhora ter por base o valor por este encontrado, reforça, exatamente, o argumento de que o envio dos autos ao mesmo justifica-se para fixar o quantum debeatur da penhora, momento inadequado para o devedor alegar excesso de execução”, disse a ministra.
A relatora lembrou que, nessa fase, não há participação do devedor no procedimento, a não ser que a elaboração dos cálculos dependa de dados existentes em seu poder, ocasião em que o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-los.
Intimação do credor
Ao prosseguir com o cumprimento da sentença – esclareceu a ministra –, o devedor condenado é intimado a efetuar o pagamento em 15 dias; caso contrário, o montante será acrescido de multa no percentual de 10%. A relatora observou também que, após pedido do credor, poderá ser expedido o mandado de penhora e avaliação, momento no qual o executado é intimado a oferecer impugnação no prazo de 15 dias.
“Pelo exposto, denota-se, então, que o momento processual que o devedor possui para alegar excesso de execução é posteriormente à sua intimação acerca da penhora ou do depósito do valor da condenação para garantia do juízo”, concluiu Nancy Andrighi.
Assim, segundo a relatora, o prazo para que a Caixa de Previdência do Banco da Amazônia pudesse alegar excesso de execução começou a correr no momento de sua intimação após o bloqueio da quantia executada via BacenJud.
Leia o acórdão.