Seguro habitacional cobre vícios ocultos mesmo após quitação do contrato

STJ


A quitação do contrato de mútuo para aquisição de imóvel não extingue a obrigação da seguradora de indenizar os compradores por vícios de construção ocultos que impliquem ameaça de desabamento.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma proprietária de imóvel para que, superada a preliminar de ausência de interesse processual, o juízo de primeira instância prossiga no julgamento da demanda.

A recorrente havia comprado o imóvel com financiamento da Caixa Econômica Federal e seguro obrigatório. Alegando ter constatado risco de desabamento, ela acionou o seguro, mas a cobertura foi negada e o caso foi parar na Justiça. Em primeira e segunda instância, o pedido da proprietária foi negado ante a quitação do contrato.

Segundo a ministra relatora do recurso no STJ, Nancy Andrighi, à luz dos parâmetros da boa-fé objetiva e da proteção contratual do consumidor, os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional.
Ela explicou que os efeitos do seguro devem se prolongar no tempo, ainda que os defeitos só se revelem após o fim do contrato.

Nancy Andrighi destacou as características desse tipo de seguro – uma obrigação para que o consumidor consiga o financiamento: “O seguro habitacional tem conformação diferenciada, uma vez que integra a política nacional de habitação, destinada a facilitar a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população”.

De acordo com a relatora, é um contrato obrigatório “que visa à proteção da família, em caso de morte ou invalidez do segurado, e à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento, resguardando, assim, os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema”.

Interesse público

No entendimento da ministra, a ótica do interesse público reforça a importância da garantia do seguro, na medida em que a integridade estrutural do imóvel é condição essencial para que o bem se mostre apto a acautelar o financiamento e, consequentemente, assegure a continuidade da política habitacional.

“Assim como a entrega da obra não extingue a obrigação do construtor pela solidez e segurança da edificação, a conclusão do contrato de seguro não afasta a responsabilidade da seguradora quanto ao risco coberto que nasceu durante a sua vigência, o qual, nos termos do artigo 779 do Código Civil de 2002, compreende todos os prejuízos resultantes ou consequentes dos vícios de construção”, afirmou.

Nancy Andrighi destacou que, se não fosse esse o entendimento, o segurado que antecipasse a quitação do financiamento teria menor proteção em comparação com aquele que fizesse os pagamentos apenas nos prazos acordados.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1622608
Fonte: STJ


A impossibilidade de responsabilização da instituição bancária por emissão de cheques sem fundo de seu correntista

STJ


O banco possui com seu correntista um contrato de prestação de serviços e de depósito, onde se obriga a prestar os serviços previamente contratados e, igualmente, a manter sob sua custódia o dinheiro entregue pelo contratante. Um destes serviços é a disponibilização de cheques para ordens de pagamento à vista em nome do correntista.

O cheque é uma das modalidades mais antigas de ordem de pagamento à vista em que o correntista determina ao banco o pagamento a um terceiro de valores depositados em sua conta junto à instituição financeira.

Excetuados os casos em que o correntista conta com uma linha de crédito junto à instituição financeira para cobertura de despesas além de seu saldo bancário, o conhecido “cheque especial”, a instituição bancária não está obrigada a garantir o pagamento da ordem de pagamento à vista do correntista que não possui fundos em sua conta bancária.

Igualmente, apenas o banco e seu correntista, em regra, são conhecedores dos recursos disponíveis na conta junto à instituição financeira.

Em épocas de crise econômica como a que assola o país nos últimos anos, o número de pessoas inadimplentes e a consequente emissão de cheques “sem fundos” cresce exponencialmente.

A questão então posta para análise versa sobre a possibilidade ou não da instituição financeira ser responsabilizada pela emissão de um cheque com insuficiência de fundos por parte de seu correntista. Mais ainda: se seria possível equiparar o terceiro tomador do cheque, sem vínculo com a instituição financeira, a consumidor.

Recentemente, a questão foi posta em análise por parte do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Através do Recurso Especial nº 1.508.977 a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, reformou decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que entendia que o terceiro tomador do cheque equiparava-se ao consumidor, uma vez que se utilizava do serviço bancário como destinatário final.

O Ministro Villas Boas Cueva, relator do Recurso especial em referência, e cujo voto foi seguido pela maioria da Terceira turma, considerou não haver defeito na prestação dos serviços bancários na hipótese em comento. Asseverou o Ministro que, justamente por esse motivo, “afasta a possibilidade de emprestar a terceiros – estranhos à relação de consumo havida entre o banco e seus correntistas – o tratamento de consumidores por equiparação”.

O Ministro ainda ressaltou que “verificando o sacado que o valor do título se revela superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo de seu correntista, deve o banco devolver o cheque por falta de fundos”.

Vale ressaltar ainda que a única hipótese capaz de, em tese, gerar uma responsabilização da instituição bancária seria o defeito na prestação dos serviços, o que ocorreria, por exemplo, pela devolução de cheque por suposta insuficiência de fundos quando estes estejam presentes.

Vale destacar ainda trecho do julgado acima citado, em que o Relator conclui que “inexistindo equívoco na realização de tal procedimento, não há que falar em defeito na prestação do serviço e, consequentemente, não se revela plausível imputar ao banco prática de conduta ilícita ou a criação de risco social inerente à atividade econômica por ele desenvolvida capaz de justificar sua responsabilização pelos prejuízos materiais suportados por beneficiários dos cheques resultantes única e exclusivamente da ausência de saldo em conta dos emitentes suficiente para sua compensação.

Entendemos acertada a posição manifestada pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez que não cabe ao banco garantir o pagamento do cheque emitido contra ele ou mesmo existência de fundos nas contas sob sua responsabilidade.

Ao banco cabe apenas a conferência da existência de fundos ou outros aspectos necessários à segurança e efetivação do pagamento da ordem recebida, e posterior comunicação dos motivos do não pagamento.

Ressalte-se ainda o entendimento manifestado na decisão quanto à ausência de nexo de causalidade, o que seria requisito essencial para a existência de eventual responsabilidade civil.


Terceiro interessado também pode propor ação de levantamento de curatela

STJ


O rol do artigo 756, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 2015 não enuncia todos os legitimados para propor a ação de levantamento da curatela, havendo a possibilidade de que o pedido seja ajuizado por outras pessoas, qualificadas como terceiros juridicamente interessados.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma terceira interessada para permitir o prosseguimento da ação que discute a necessidade da manutenção da curatela no caso de um homem que se envolveu em acidente automobilístico e posteriormente foi aposentado por invalidez.

A autora da ação de levantamento da curatela foi condenada, após o acidente, a pagar indenização por danos morais e pensão mensal vitalícia à vítima. Ela alegou que o interditado não tem mais a patologia que resultou em sua interdição, ou então que teria havido melhora substancial no quadro clínico que implicaria a cessação do pensionamento vitalício.

Em primeira instância, o processo foi julgado extinto sem resolução de mérito por ilegitimidade ativa da autora, sob o fundamento de que a regra do artigo 756 confere apenas ao próprio interdito, ao curador e ao Ministério Público a legitimidade para pleitear o levantamento da curatela. A sentença foi mantida em segunda instância.

Segundo a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, a regra prevista no CPC/2015 não é taxativa. A ministra destacou que o novo CPC ampliou o rol dos legitimados, acompanhando tendência doutrinária que se estabeleceu ao tempo do código revogado.

Terceiros qualificados

“Além daqueles expressamente legitimados em lei, é admissível a propositura da ação por pessoas qualificáveis como terceiros juridicamente interessados em levantar ou modificar a curatela, especialmente aqueles que possuam relação jurídica com o interdito, devendo o artigo 756, parágrafo 1º, do CPC/2015 ser interpretado como uma indicação do legislador, de natureza não exaustiva, acerca dos possíveis legitimados”, explicou a relatora.

Nancy Andrighi disse que o conceito de parte legítima deve ser aferido tendo como base a relação jurídica de direito material que vincula a parte que pede com a parte contra quem se pede.

A ministra disse que o uso do verbo “poderá” no artigo 756 do CPC/2015 cumpre a função de enunciar ao intérprete quais as pessoas têm a faculdade de ajuizar a ação de levantamento de curatela sem, contudo, “excluir a possibilidade de que essa ação venha a ser ajuizada por pessoas que, a despeito de não mencionadas pelo legislador, possuem relação jurídica com o interdito e, consequentemente, possuem legitimidade para pleitear o levantamento da curatela”.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.


A possibilidade de pessoa com restrição de crédito contratar seguro à vista

STJ


Como sabemos, os sistemas de proteção ao crédito existem para dar segurança às relações de outorga ou concessão de crédito às pessoas. Se alguma pessoa não honra pagamentos dos créditos obtidos perante o mercado, seja através de instituições bancárias, ou mesmos outros agentes de fornecimento de produtos e serviços, a consequência é sua inclusão nos cadastros de restrição ao crédito.

Deve-se salientar que esta conduta é lícita e encontra, inclusive, previsão na lei consumerista, desde que atendidos os requisitos legais para a inclusão.

Desta forma, e admitindo-se a inclusão lícita do CPF do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, os fornecedores de crédito, produtos e serviços não estão obrigados a contratar com estes devedores, podendo vetar os pactos ou mesmo condicionar sua contratação a outros fatores, como redução de parcelas e aumento da taxa de juros.

Entretanto, quando a venda não é feita a prazo e é realizada em espécie (ou meio em que o pagamento seja efetuado à vista), ainda que o nome do consumidor esteja inserido de maneira lícita no Cadastro Restritivo de Crédito, e uma vez que a efetivação do serviço é automática após o pagamento do preço integral cobrado do contratante, poderia a empresa recusar a efetivação do objeto do contrato alegando a restrição cadastral?

O Superior Tribunal de Justiça analisou Recurso Especial interposto em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face de seguradora para compelir esta a efetivar a contratação à vista de seguro em nome de consumidor com o nome incluído no sistema de proteção ao crédito.

Neste recurso, de relatoria do Ministro Vilas Boas Cueva[1], após entender pela legitimidade do Ministério Público para a propositura da demanda em questão, acabou por manter a decisão proferida em acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Em seu voto, o Ministro ressaltou que “as seguradoras não podem justificar a aludida recusa com base apenas no passado financeiro do consumidor, sobretudo se o pagamento for à vista, sendo recomendável, para o ente segurador, a adoção de alternativas, como a elevação do valor do prêmio, diante do aumento do risco, dado que a pessoa com restrição de crédito é mais propensa a sinistros, ou, ainda, a exclusão de algumas garantias (cobertura parcial).”

Vale ressaltar que, em primeira instância, houve sentença desfavorável ao Ministério Público, sob o argumento de que a restrição seria lícita até mesmo porque reveste-se em característica essencial do contrato de seguro a avaliação do risco.

Entretanto, tanto o Tribunal de Justiça de São Paulo quanto o Superior Tribunal de Justiça entenderam que tal conduta fere o disposto no artigo 39, IX, do Código de Defesa do Consumidor[2], por constituir prática abusiva a sua recusa quando o consumidor se dispuser a realizar o pagamento total e antecipado, à vista.

Primeiramente, deve-se ressaltar que a atividade securitária, como muito bem reconheceu o MM Juízo de primeiro grau, se funda na análise e mensuração do risco, através de complexos cálculos atuariais que envolvem diversas variáveis.

Por outro lado, como muito bem destacou o Ministro Relator, a própria seguradora tem instrumentos para mitigar o risco e trazer mais equilíbrio à contratação, mas observando-se o caráter social do contrato, possibilitando a sua contratação para quem se disponha a pagar antecipadamente e à vista a totalidade dos valores da contratação.

O entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça nos parece acertado, tendo em vista que o risco de inadimplemento do contrato a ser celebrado mediante pagamento à vista e de maneira antecipada, da totalidade dos valores contratados, extinguiria, em tese, a parte obrigacional do consumidor no contrato celebrado, restando, se acontecer o sinistro referente à cobertura previamente contratada, a obrigação da seguradora.

No entanto, vale ressaltar que todas as decisões recepcionam a possibilidade de ser negada a contratação da venda do seguro a prazo, em parcelas, e tal ato não pode ser considerado como abusivo, sendo, em verdade, o exercício regular de um direito.


[1] Resp 1.594.024

[2]Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

 

 


Banco pode cobrar por manutenção de título vencido desde que pessoa jurídica tenha solicitado o serviço

STJ


Os bancos podem cobrar tarifa de manutenção de título vencido de pessoa jurídica, desde que haja previsão contratual ou que o serviço seja previamente autorizado ou solicitado. Segundo os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a condição é necessária, uma vez que as tarifas relativas a serviços prestados a pessoas jurídicas não foram padronizadas.

O impedimento de cobrar pela prestação de serviços bancários essenciais e a limitação à exigência de outros valores em decorrência da prestação de serviços prioritários, especiais e diferenciados apenas se aplica às pessoas naturais, de acordo com as Resoluções 3.518/2007 e 3.919/2010, ambas do Conselho Monetário Nacional (CMN).

A ação de repetição de indébito foi movida por uma empresa que questionava a legalidade da cobrança da tarifa sem que tivesse contratado o serviço com o banco. A autora diz ter pedido várias vezes à instituição financeira para cessar a cobrança, mas não foi atendida.

Função da tarifa

O magistrado de primeiro grau reconheceu a ilegalidade e condenou o banco a restituir os valores cobrados em dobro, de acordo com o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor.  Em apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a sentença.

No recurso especial, a instituição financeira alegou que cobrava a tarifa para custear vários serviços relacionados a boletos bancários (relativos a créditos da empresa perante seus próprios clientes) que não eram pagos na data de vencimento.

Mediante a tarifa de manutenção de título vencido, o banco disse que ficava responsável pela atualização dos registros de dados, pelo processamento diário de relatórios de controle disponibilizados ao cliente e até mesmo pela emissão de novos boletos. Argumentou ainda que, se a empresa não desejava mais pagar a tarifa de manutenção, deveria ter ordenado a baixa dos títulos após o vencimento.

Prática corrente

Segundo o relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, os boletos bancários constituem forma de movimentação financeira amplamente utilizada no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) para quitação de obrigações de qualquer natureza, atualmente disciplinada pela Circular 3.598/2012 do Banco Central do Brasil (Bacen).

Ele explicou que a emissão e a apresentação do boleto podem ser feitas pelo próprio credor, por meio de softwares especiais, ou mediante utilização dos serviços prestados por uma instituição financeira contratada para esse fim específico.

“Agindo na qualidade de mandatárias, as instituições financeiras destinatárias costumam efetuar a cobrança de tarifas tanto pela emissão, manutenção e baixa de boletos bancários quanto pelo recebimento e posterior creditamento do respectivo valor na conta do beneficiário, sendo a tarifa, nessa última hipótese, normalmente estabelecida em percentual sobre o numerário recebido”, afirmou.

Serviço não autorizado

O relator disse que na Resolução 3.919/2010 não foram padronizadas as tarifas de serviços prestados a pessoas jurídicas, “podendo ser livremente cobradas pelas instituições financeiras, desde que contratualmente previstas ou referentes a serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou usuário”.

No entanto, no caso julgado, o ministro informou que não consta dos autos nenhum elemento comprobatório de que o serviço de manutenção de títulos vencidos tenha sido previamente autorizado ou solicitado pela empresa.

“Registra-se, por fim, que a tarifa ora examinada, tal qual as decorrentes da emissão, baixa e compensação de boletos bancários, deve resultar da pactuação entre a instituição financeira destinatária e o beneficiário do título, que faz uso do serviço para fins de recebimento das suas receitas em toda a rede bancária, submetendo-se, por isso, à exigibilidade das respectivas tarifas, como forma de remuneração do serviço de cobrança utilizado”, declarou.

Em relação ao pedido de devolução em dobro dos valores cobrados, o ministro lembrou que a orientação adotada no acórdão recorrido diverge da jurisprudência do STJ, a qual exige, além da cobrança de quantia indevida, a configuração de má-fé do credor, o que não se verificou no caso.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1626275
Fonte: STJ


Credor fiduciário é responsável por despesa com estadia do veículo alienado em pátio privado

STJ


Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o credor fiduciário é responsável pelo pagamento das despesas de remoção e estadia de veículos em pátio de propriedade privada, mesmo quando a apreensão dos bens não se deu a seu pedido ou por qualquer fato imputável a ele. No entanto, segundo o colegiado, o credor pode exercer o direito de regresso contra os devedores.

O banco credor firmou contratos de financiamento com alienação fiduciária de dois veículos, posteriormente levados pela Polícia Militar ao pátio de estacionamento de uma empresa privada. O primeiro foi apreendido por abandono, depois de ser utilizado para a prática de crime; e o segundo, pelo fato de o condutor não estar portando documento obrigatório para dirigi-lo.

Após mais de um ano, a empresa ajuizou ação para que o banco pagasse as despesas com a guarda dos bens, e ainda pediu a retirada imediata dos veículos do seu estacionamento.

A sentença julgou o processo extinto sem resolução de mérito, em virtude do reconhecimento da ilegitimidade do banco para figurar no polo passivo, entendimento mantido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

No recurso especial, a empresa sustentou que o credor fiduciário seria responsável pelo pagamento das despesas, pois possui a propriedade resolúvel dos bens e é titular do domínio, exercendo a posse indireta sobre eles.

Desdobramento da posse

Ao citar precedente da Quarta Turma, a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que, com a alienação, ocorre o fenômeno do desdobramento da posse, sendo o devedor o possuidor direto do bem e o credor, o titular indireto. Apenas com o pagamento da dívida, o fiduciante se torna o único proprietário.

“Ocorre que as despesas decorrentes do depósito do veículo alienado em pátio privado referem-se ao próprio bem, ou seja, constituem obrigações propter rem”, declarou. Segundo ela, “isso equivale a dizer que as despesas com a remoção e a guarda dos veículos estão vinculadas ao bem e a seu proprietário, ou seja, o titular da propriedade fiduciária resolúvel”.

“Assim, não há dúvida de que o credor fiduciário é o responsável final pelo pagamento das despesas com a estadia dos automóveis. Essa circunstância não impede, contudo, a possibilidade de reaver esses valores por meio de ação regressiva a ser ajuizada em face dos devedores fiduciantes, que supostamente deram causa à retenção dos bens”, afirmou.

Em seu voto, a ministra disse ainda que esses valores também serão indireta e integralmente ressarcidos pelos devedores, pois, ao efetuar a venda do automóvel, o credor fiduciário deverá aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas de cobrança, conforme previsão do artigo 2° do DL 911/69, do parágrafo 3°, artigo 66-Bartigo 66-B, da Lei 4.728/65 e do artigo 1.364 do Código Civil.

Obrigações inerentes

Segundo a relatora, não é possível confundir as obrigações inerentes à coisa e decorrentes da propriedade, com as obrigações advindas de infração cometida pelo condutor, pois ainda que a retenção do bem possa ser imputada ao devedor fiduciante, isso não altera o fato de que as despesas decorrentes de sua permanência em pátio particular devam ser suportadas pelo credor.

Em seu voto, ela destacou que os gastos com a guarda e a remoção dos veículos foram destinados à devida conservação dos bens e, dessa forma, a empresa recorrente não está obrigada a devolvê-los sem qualquer contraprestação pelo serviço prestado.

“Dispensar o recorrido do pagamento dessas despesas implica amparar judicialmente o locupletamento indevido do credor fiduciário, legítimo proprietário do bem depositado”, disse a ministra.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1657752

Fonte: STJ


Ampliação de colegiado admite rediscussão de todos os capítulos do processo

STJ


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a técnica de ampliação do colegiado em caso de julgamento não unânime de apelação, introduzida pelo artigo 942 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), possibilita que os novos julgadores convocados analisem integralmente o recurso, não se limitando aos pontos sobre os quais houve inicialmente divergência. O entendimento firmado pela Terceira Turma dirime dúvida quanto aos efeitos da técnica prevista no artigo 942.

A inovação trazida pelo CPC/2015 determina que, em alguns casos de decisão não unânime, sejam convocados outros desembargadores para participar da continuação do julgamento, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial.

O relator do recurso analisado, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que se trata de assunto polêmico nos meios acadêmico e judicial. No seu entendimento, “o artigo 942 do CPC/2015 não configura uma nova espécie recursal, mas, sim, uma técnica de julgamento, a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito de controvérsia, de natureza fática ou jurídica, acerca da qual houve dissidência”.

O voto do relator foi acompanhado pela maioria da Terceira Turma no entendimento de que “a ampliação do colegiado é obrigatória sempre que a conclusão na primeira sessão for não unânime e independe da matéria acerca da qual houve divergência, prosseguindo o julgamento estendido de todo o processado e não apenas da parte constante do ‘voto vencido’”. O ministro Marco Aurélio Bellizze estava ausente justificadamente, e a ministra Nancy Andrighi, impedida.

Caso concreto

O recurso especial teve origem em ação de prestação de contas ajuizada por um correntista contra um banco, questionando a evolução do saldo de sua conta bancária.

Em virtude da diferença entre os valores apresentados pelo correntista e pela instituição financeira, foi determinada a realização de perícia contábil a ser custeada pelo banco, o qual, porém, não depositou os honorários periciais devidos. Por tal motivo, as contas apresentadas pelo autor foram julgadas válidas, e o banco foi condenado a pagar o respectivo débito.

A instituição bancária então apelou ao TJSP, que, em um primeiro momento, divergiu quanto à extensão do provimento do recurso. Diante da divergência, foi adotado o procedimento previsto no artigo 942 do CPC/2015, sendo convocados dois outros desembargadores para dar continuidade ao julgamento.

Na sessão subsequente, com o quórum ampliado, um dos desembargadores alterou o voto anteriormente proferido para negar provimento à apelação e manter a sentença, resultado que acabou prevalecendo, por maioria.

Apreciação integral

No recurso especial interposto, o banco alegou que o TJSP teria violado o artigo 942 do CPC/2015, argumentando que a divergência parcial não autorizaria o prosseguimento do julgamento e que a análise do recurso pelo colegiado estendido deveria se restringir aos capítulos sobre os quais não tenha havido unanimidade. O recorrente sustentou também que os julgadores que já haviam proferido voto não poderiam rever sua posição em prejuízo de questão superada no primeiro julgamento.

Contudo, segundo expôs o ministro Villas Bôas Cueva, o julgamento da apelação só se encerra com o pronunciamento do colegiado estendido, inexistindo a lavratura de acórdão parcial de mérito. O voto do relator fez referência a posicionamentos doutrinários a respeito do tema, concluindo que “a ausência de efeito devolutivo é consequência da natureza jurídica da técnica de ampliação do julgamento, haja vista não se tratar de recurso”.

Quanto à tese recursal de que seria vedada a alteração de voto, o relator enfatizou que o parágrafo 2º do artigo 942 do CPC/2015 autoriza expressamente, por ocasião da continuidade do julgamento, a modificação de posicionamento dos julgadores que já tenham votado.

O relator esclareceu ainda que “o prosseguimento do julgamento com quórum ampliado em caso de divergência tem por objetivo a qualificação do debate, assegurando-se oportunidade para a análise aprofundada das teses jurídicas contrapostas e das questões fáticas controvertidas, com vistas a criar e manter uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente”.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1771815

Fonte: STJ


Condenação genérica em ação coletiva deve prever reparação sem especificar danos sofridos pelas vítimas

STJ


Uma sentença genérica prolatada em ação civil pública que reconhece conduta ilícita deve conter em seus termos a reparação por todos os prejuízos suportados pelas vítimas, sem a obrigação de ter que especificar, entretanto, o tipo de dano sofrido.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento a um recurso do Ministério Público Federal para reconhecer a procedência do pedido de reparação de todos os prejuízos suportados pelos segurados de plano de saúde advindos de conduta considerada ilegal por parte da operadora.

O provimento foi parcial, já que o MPF pedia condenação específica quanto ao tipo de dano, material e/ou moral. Os danos serão alegados e comprovados pelos interessados na fase de liquidação de sentença.

A sentença reconheceu a ilegalidade da conduta da operadora, que condicionava a realização de exames e outros procedimentos a requisições emitidas exclusivamente por médicos cooperados ou prescritas em formulário padrão elaborado por ela. Entretanto, a condenação não incluiu a reparação dos prejuízos, afirmando que tal pedido deveria ser feito em ações autônomas propostas pelos segurados.

Generalidade

Segundo o ministro relator no STJ, Marco Aurélio Bellizze, tal entendimento das instâncias ordinárias refoge por completo da abrangência da sentença genérica proferida em ação civil coletiva, que se restringe, por imposição legal e prática, ao núcleo de homogeneidade dos direitos afirmados na petição inicial.

O ministro explicou que, nessa etapa, o exame judicial se concentra na verificação da prática de ato ilícito que tenha violado interesses individuais homogêneos, “fixando-se, a partir de então, a responsabilidade civil por todos os danos daí advindos”. Na sentença genérica, acrescentou, deve constar “deliberação sobre a existência de obrigação do devedor (ou seja, fixação da responsabilidade pelos danos causados), determinação de quem é o sujeito passivo dessa obrigação e menção à natureza desse dever (de pagar/ressarcir; de fazer ou de não fazer, essencialmente)”.

“A generalidade da sentença a ser proferida em ação civil coletiva, em que se defendem direitos individuais homogêneos, decorre da própria impossibilidade prática de se determinarem todos os elementos normalmente constantes da norma jurídica em concreto, passível de imediata execução”, disse o ministro.

Cumprimento de sentença

Esse tipo de sentença, segundo o relator, examina a prática do ato ilícito imputado à parte demandada e, a partir dessa análise, fixa a responsabilidade civil pelos danos causados. O complemento da norma jurídica efetiva-se com a fase do cumprimento da sentença.

“Será, portanto, por ocasião da liquidação da sentença genérica que os interessados haverão de comprovar, individualmente, os efetivos danos que sofreram, assim como o liame causal destes com o proceder reputado ilícito na ação civil coletiva. Deverão demonstrar, ainda, a qualidade de vítima, integrante da coletividade lesada pelo proceder considerado ilícito na sentença genérica”, resumiu Bellizze.

De acordo com o ministro, renovar o pedido de reparação – que já havia sido feito na petição inicial da ação coletiva – em ações individuais, tal como apontado pelas instâncias ordinárias, tornaria “ineficaz” a tutela jurisdicional prestada na solução do conflito metaindividual, além de dar margem ao “temerário risco de rediscussão de matéria já decidida”, especialmente quanto à ilicitude da conduta da operadora.

Substituto processual

O relator lembrou que não é exigida do demandante nesse tipo de ação, na fase inicial, a especificação dos prejuízos sofridos, tampouco a sua comprovação.

“Lembre-se que o autor da ação coletiva atua como substituto processual dos titulares dos direitos e interesses individuais lesados, afigurando-se-lhe absolutamente inviável delimitar e, mesmo, comprovar os danos individualmente sofridos por estes”, concluiu.

O recurso também foi provido para ampliar a divulgação da condenação. Além da comunicação aos segurados, a operadora deverá divulgar a sentença coletiva na internet, de modo a atingir pessoas que possam ter sido lesadas, mas já não sejam mais seguradas do plano de saúde, e também os prestadores de serviços de saúde.

 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1718535
Fonte: STJ


Impossibilidade de se exigir o pagamento de IPI de carga roubada após a saída do parque produtor

STJ


O IPI, ou Imposto sobre Produtos Industrializados, atualmente encontra-se regulamentado pelo Decreto 7.212/2010 (RIPI 2010).

Em seu artigo 35, II, o referido Decreto define como fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados “a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial.[1]

Interpretando literalmente a letra da lei, conforme transcrito acima, a autoridade fiscal entende que bastaria a saída da mercadoria industrializada do parque ou planta industrial para nascer o fato gerador, e também a sua ocorrência, incidindo, pois, o Imposto sobre Produtos Industrializados.

Entretanto, há situações em que efetivamente não ocorre o proveito econômico do produtor, uma vez que este não aufere lucro, mas sim prejuízo com a saída dos produtos, como o é, por exemplo, no caso de furto de sua carga antes da chegada ao destinatário dos produtos.

Desta forma, o produtor pagaria o imposto pela simples saída dos produtos de sua planta industrial, e ainda amargaria o prejuízo de não receber por tais produtos.

O Superior Tribunal de Justiça recentemente analisou a questão, julgando os Embargos de Divergência 734.403, em 21 de Novembro deste ano.

Neste processo, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, através de acórdão proferido pelo Ministro Relator, Napoleão Nunes Maia Filho, deu provimento ao Recurso de uma indústria de tabaco, afastando a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados, tendo em vista o roubo da carga de produtos antes que chegasse ao seu destinatário.

Em seu acórdão, o Ministro Relator ressaltou que a controvérsia constante dos autos encontra-se superada nas duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de entender que, havendo o roubo/furto da carga, inexiste proveito econômico sobre o qual deverá incidir o tributo.

Asseverou o Ministro Relator que “consolidado o entendimento de que a operação passível de incidência da exação é aquela decorrente da saída do produto industrializado do estabelecimento do fabricante e que se aperfeiçoa com a transferência da propriedade do bem, porquanto somente quando há a efetiva entrega do produto ao adquirente a operação é dotada de relevância econômica capaz de ser oferecida à tributação”.

Na hipótese, o produtor tentava, por meio de Embargos à Execução Fiscal, desconstituir o crédito tributário e, por consequência, o lançamento do tributo, obtendo êxito perante o Superior Tribunal de Justiça com o provimento de seus Embargos de Divergência.

Entendemos correto o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que, aliás, já havia se manifestado no mesmo sentido em outros julgamentos, como ressaltou o Relator. Não há proveito econômico, e, por conseguinte, o aperfeiçoamento da operação mercantil que deve ser observada para a ocorrência do fato gerador do tributo.

Pensar em sentido contrário traria ônus ainda mais pesado ao produtor que, como dito acima, pagaria o imposto sem ter o proveito econômico de sua atividade industrial, ao passo que sequer receberia pelos bens produzidos.


 

[1] Art. 35.  Fato gerador do imposto é (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2o):

II – a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial.


Mesmo com emissão de contraordem, prazo prescricional de cheque incompleto começa na data posteriormente registrada

STJ


Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a prescrição de cheque datado após a contraordem ao banco e reafirmou a jurisprudência do tribunal que prevê como marco inicial para a contagem do prazo prescricional a data expressamente consignada no espaço reservado para a emissão, conforme tese fixada no Tema 945 dos recursos repetitivos.

No recurso especial, o recorrente alegou que recebeu o cheque de terceiro de forma incompleta – isto é, sem o preenchimento da data de emissão – e totalmente de boa-fé. Assim, colocou como data de emissão fevereiro de 2013, não sabendo que quatro anos antes já havia sido feita contraordem ao banco.

O titular do cheque pediu o reconhecimento da prescrição, por entender que a situação violaria a boa-fé e as disposições da Lei do Cheque, já que a revogação ou contraordem de pagamento representa a manifestação da vontade do emitente de impedir o saque do título.

Princípio da cartularidade

O pedido foi julgado procedente em primeiro grau e no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), o qual entendeu que o credor agiu com ausência de boa-fé. O acórdão recorrido também fixou a data da contraordem como termo inicial da prescrição.

Segundo a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, há muito a jurisprudência admite a existência de cheques incompletos, quando emitidos com a omissão de um dos seus elementos constituintes obrigatórios, permitindo-se o seu preenchimento posterior pelo credor de boa-fé antes de sua cobrança.

“De fato, a jurisprudência do STJ vem privilegiando o princípio cambiário da cartularidade, inadmitindo inclusive a ampliação da prescrição do cheque, mesmo diante da prática largamente difundida de pós-datação”, disse em seu voto.

Lacuna legislativa

Para a relatora, a questão em julgamento se encontra em uma lacuna legislativa, uma vez que o parágrafo único do artigo 35 da Lei 7.357/85 dispõe que a contraordem produz efeitos após a expiração do prazo de apresentação do cheque, que é determinado pela data nele constante.

A ministra ainda citou que a doutrina sobre o assunto leva à conclusão de que “o direito deve privilegiar a mais livre e ampla circulação dos títulos de crédito, garantindo a seu portador a segurança de sua aquisição e que o valor nele constante, dentro das regras vigentes, será solvido, independentemente de situações particulares que possam existir no momento em que aquele título foi emitido ou em que ele é apresentado”.

Em seu voto, a relatora entendeu que seria incabível presumir a má-fé do credor pelo fato de o preenchimento do campo designado para a data ter ocorrido após a emissão da contraordem, a qual tem validade apenas quando expirado o prazo de apresentação, que por sua vez depende do preenchimento correto da data de emissão.

“Não pode o julgador deduzir a existência de má-fé pelo portador do cheque pelo simples fato de o preenchimento da data de emissão ocorrer após a contraordem para revogação do cheque, a não ser que determine expressamente a existência de má-fé pelo exequente, ora recorrido”, declarou.

A relatora também apontou em seu voto que os riscos da emissão de cheque incompleto recai sobre seu emitente. Assim, a Terceira Turma deu provimento ao recurso especial para afastar a prescrição e determinar o retorno dos autos ao primeiro grau para análise das demais questões.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1647871
Fonte: STJ