O reflexo da Pandemia nas relações alunos e Instituições de Ensino
Atualmente vivenciamos situações jurídicas sem qualquer precedente diante de tamanha imprevisibilidade em razão da pandemia decorrente do COVID-19.
Estima-se que cerca de 1,6 bilhão de estudantes em todo o mundo, de mais de 180 países, tiveram sua rotina e grade curricular atingida pela pandemia. Em razão de tal impacto, consequentemente, surgem as mais diversas dúvidas quanto às relações contratuais que têm como partes os estudantes e as instituições de ensino.
Inicialmente, é primordial ter em mente que “boa-fé”, observância da necessidade de transigir, equilíbrio e transparência nas relações são algumas das palavras-chaves que devem ser destacadas nas relações contratuais e consumeristas em tempos de pandemia.
A principal orientação do MEC, que homologou o parecer do Conselho Nacional de Educação em junho de 2020, é que as aulas continuem sendo realizadas de forma não presencial em todas as etapas de ensino, a fim de evitar prejuízo aos alunos e o atraso na formação destes.
É possível identificar a eventual aplicabilidade da Teoria da Imprevisão, tendo em vista a necessidade forçada de revisão contratual ocasionada pelo evento imprevisível que é a pandemia, bem como os impactos financeiros que esta vem gerando não somente nos estudantes e em suas famílias, mas também nas finanças das instituições de ensino. Desta forma, a fim de obstar que o contrato se torne extremamente oneroso para alguma das partes, há de se ter uma revisão contratual justa e equilibrada, com o devido acerto de contas.
Neste diapasão, objetivando não ocasionar um desacertado ajuste de contas, faz-se necessário que ambas as partes ajam com transparência.
Fato é que a ausência de aulas presenciais impactou os gastos fixos das instituições de ensino, podendo ensejar, assim, a redução de custos fixos referentes ao fornecimento de água, energia elétrica, dentre outras. Em contrapartida, há de se observar eventuais gastos para a implementação de aulas remotas, bem como os custos trabalhistas para manutenção do salário dos professores, funcionários e aluguel do espaço físico da instituição.
Desta forma, como cirurgicamente pontuado pelo renomado Desembargador e professor Werson Rêgo na aula inaugural de seu recém lançado curso de Direito do Consumidor, o justo neste momento é o acerto de contas com observância tanto da redução, quanto dos acréscimos de gastos, a fim de que haja o repasse equilibrado de tais despesas, de forma a impedir que o risco da atividade passe a ser suportado por somente uma das partes, tornando, assim, o contrato agudamente oneroso para esta.
Justamente por isso é que o PROCON do Rio de Janeiro, de forma deliberada e voluntariamente, solicitou a algumas instituições de ensino superior de redes particulares uma planilha contendo gastos a fim de analisar a eventual necessidade de repasse.
Além disso, o PROCON/RJ também agiu prontamente diante da inserção de cláusula contratual realizada por instituições de ensino superior e especializado de redes privadas que informaram que não seriam concedidos descontos nos valores das mensalidades tanto por ato normativo quanto por ordem legal, em razão da fragilidade e da instabilidade decorrente da situação de pandemia. Destarte, o PROCON notificou as instituições de ensino para que estas esclarecessem a inclusão da referida cláusula, que diante de tal notificação foi alterada.
Ademais, também no Rio de Janeiro houve o advento da Lei nº 8.864, que previu a redução de 15% a 30% nos valores das mensalidades de ensino da rede privada, assegurando, ainda, a manutenção do pagamento integral aos profissionais de educação.
Todavia, em recente decisão, o desembargador relator Luciano Saboia Rinaldi de Carvalho, apreciando Agravo de Instrumento interposto contra decisão que manteve ativa a possibilidade de o Procon fiscalizar a aplicabilidade da Lei nº 8.864/2020, decidiu que a atuação do órgão configurava violação ao princípio da livre iniciativa, sob a fundamentação de que caberia as partes renegociação dos valores das mensalidades diante das particularidades de cada situação.
A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenem) ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sob o nº 6.448, afirmando que a referida lei acabou por violar a competência privativa da União de legislar sobre Direitos Civis e Trabalhistas. A própria Confenem já havia ajuizado ADI’s referentes às leis que versaram sobre o mesmo tema nos Estados do Maranhão e do Ceará.
As teses das ADI’S ajuizadas, além de sustentarem a violação da competência privativa da União para legislar, afirmaram que leis que versem sobre a redução dos valores das mensalidades estariam violando o princípio da proporcionalidade, tendo em vista que a migração de aulas presenciais para o sistema remoto não implica na suspensão do ensino.
Ainda, o STF também identificou o ajuizamento de duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental sob os nº 706 e nº 713 requerendo a suspensão com urgência de todas as decisões judiciais que concederam descontos nas mensalidades das universidades durante a pandemia, sob a fundamentação de que os descontos concedidos podem impactar de forma prejudicial e permanente as instituições de ensino.
As aludidas ADP’s têm como fundamentação a circunstância de que os descontos impostos por liminares tendem a impedir a negociação individual com os estudantes, sendo indicado analisar em apartado cada caso concreto e a necessidade de aplicabilidade de descontos, sustentando que a concessão compulsória e generalizada imposta por força de lei ou de decisão judicial pode acabar beneficiando pessoas que não sofreram impactos financeiros em razão da pandemia, ou que não fazem jus a descontos.
O Deputado André Ceciliano, presidente da ALERJ e um dos autores da referida lei, sustenta que a Lei Estadual nº 8.864 busca justamente assegurar as famílias afetadas financeiramente pela pandemia e garantir que haja a continuidade do pagamento das mensalidades, visando sempre ao equilíbrio da relação contratual.
No Rio de Janeiro foram concedidas liminares aplicando descontos nas mensalidades de instituições de ensino superior e especializado de redes privadas. Em contrapartida, no dia 15/06/2020 a nobre magistrada Regina Chuquer concedeu liminar suspendendo a aplicabilidade da Lei estadual nº 8.864 sob o pretexto de que seria inconstitucional, liminar essa que foi suspensa pelo E. TJRJ poucos dias após.
Também em decisão recente, apreciando a questão objeto da aludida controvérsia, o Exmo. Ministro Dias Toffoli reestabeleceu a liminar concedida pela juíza Regina Chuquer, confirmando que os descontos aplicados nas mensalidades de forma generalizada conflitavam com normas constitucionais.
Faz-se primordial destacar que acima de tudo é necessário haver observância à qualidade do ensino prestado, tendo em vista as diferenças na realização de aulas presenciais e remotas, com o objetivo de suprir as necessidades dos alunos e garantir que o nível do serviço prestado não será rebaixado em razão de tal alteração.
Não obstante a atipicidade e diante da prestação permanente de aulas remotas decorrente do momento vivenciado, há de se atentar que o fato de o ensino acabar por ter sua carga horária reduzida ou passar a ser prestado em qualidade inferior ao contratado em momento anterior à pandemia poderão refletir diretamente na alteração do valor da mensalidade, eis que o serviço prestado estará divergente daquele inicialmente contratado. Assim, deve também ocorrer a análise de instituições que estejam incorrendo na suspensão das aulas, podendo ocorrer até mesmo a solicitação de cancelamento.
À vista de todo exposto e, em decorrência da atipicidade ocasionada pandemia do COVID-19, é indicado que as tentativas de reajustes e negociações entre as partes, estudantes e instituições de ensino, sejam realizadas priorizando o equilíbrio, a proporcionalidade e a harmonia nas relações contratuais, a fim de que seja oportunizado um diálogo transparente e pautado em boa-fé por todos os interessados, de modo que se enxergue o judiciário como meio alternativo e postremo de resolução de conflitos.
Camila Freitas
Advogada
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Recuperação judicial: atenção redobrada com as empresas em crise
A recuperação judicial, disciplinada em solo pátrio pela Lei n.º 11.101/05, compreende um conjunto de medidas com o objetivo de reestruturar as empresas em crise que se mostrem economicamente viáveis, protegendo-as momentaneamente de ações de credores que poderiam levá-las à falência ou colocar em risco seu potencial de fomentar a economia mediante geração de lucro, asseguração de empregos e recolhimento de tributos.
Embora as decisões dos credores, reunidos em assembleia, tenham uma superlativa primazia ao longo do procedimento, o Poder Judiciário assume também um importante papel na supervisão do plano de recuperação e na recuperação das empresas, fomentando práticas que as mantenham em atividade de forma competitiva e saudável.
Prova disso está, por exemplo, nas orientações recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visaram a dar vigor às recuperações judiciais em curso e, com isso, preservarem não apenas o interesse das recuperandas, mas dos credores e, em última análise, da própria sociedade, que é grandemente beneficiada quando empresas economicamente viáveis são mantidas em atividade. Com efeito, não sendo possível prever quando haverá o encerramento do estado de calamidade decretado tanto em âmbito nacional quanto por algumas outras esferas de poder, do qual derivam, dentre outras consequências, o isolamento social obrigatório e a proibição de funcionamento de alguns setores econômicos, foi muito bem-vindo o Ato Normativo CNJ n.º 0002561-26.2020.2.00.0000, aprovado pela unanimidade dos Conselheiros em 31 de março de 2020, que buscou proteger as empresas em recuperação dos efeitos desastrosos causados pela pandemia do Covid-19.
O escopo do referido Ato Normativo, nas palavras do seu relator, Conselheiro Henrique Ávila, prende-se ao fato de que “os processos de recuperação empresarial são processos de urgência, cujo regular andamento impacta na manutenção da atividade empresarial e, consequentemente, na circulação de bens, produtos e serviços essenciais à população, na geração de tributos que são essenciais à manutenção dos serviços públicos, e na manutenção dos postos de trabalho e na renda do trabalhador”.
Embora não ostente caráter mandatório, mas apenas recomendatório, espera-se que as orientações nele contidas sejam aplicadas pelos juízes à frente das recuperações judiciais em busca da manutenção da atividade empresarial por parte das empresas recuperandas, apesar do cenário adverso, preservando, na medida do possível, a circulação de bens, produtos e serviços, muitos deles essenciais à população, os postos de trabalho e a renda dos trabalhadores.
A mitigação das regras dispostas na Lei n.º 11.101/05 é fundamental neste momento para evitar o colapso dessas empresas, pois se mesmo aquelas até então rentáveis e com bom fluxo de caixa vêm se mostrando severamente atingidas pelas consequências econômicas do coronavírus (estima-se que ocorrerá um recuo entre 13% e 32% no comércio mundial neste ano, superando de longe o cenário visto na crise financeira de 2008, e que 50% das maiores empresas do Brasil possuem caixa para se manter, sem faturamento, pelo período de três meses), com muito maior razão era de esperar que os efeitos sejam muito mais sentidos pelas empresas em recuperação judicial, mais vulneráveis às turbulências econômicas e às oscilações financeiras.
De forma bem resumida, as recomendações aprovadas foram as seguintes:
1) Priorização na análise e nas decisões relativas a pedidos de levantamento de valores em favor de credores ou de empresas em recuperação, medida essa que almeja garantir o funcionamento da economia através da circulação de recursos, com todos os efeitos diretos e indiretos daí decorrentes (manutenção da força de trabalho, recolhimento dos tributos etc.);
2) Suspensão das Assembleias Gerais de Credores presenciais, com o nítido objetivo de evitar aglomerações, podendo ser autorizada a realização de reuniões virtuais em casos mais urgentes, quando necessárias deliberações voltadas à manutenção das atividades da empresa em recuperação ou pagamento de credores;
3) Prorrogação do stay period (cujo período legal é de 180 dias) para todas as ações e execuções ajuizadas em face das empresas em recuperação quando houver a necessidade de adiamento de Assembleia Geral de Credores, fôlego esse que visa à proteção do patrimônio delas contra possíveis penhoras e bloqueios judiciais que, se ocorressem, prejudicariam o saneamento das contas, inviabilizariam a retomada das atividades produtivas e colocariam em risco o cumprimento do plano de recuperação judicial;
4) Autorização para apresentação de aditivos modificativos dos planos de recuperação judicial, ainda que já aprovados pelos credores e homologado judicialmente, quando comprovada a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia da Covid-19, medida essa que almeja restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro e evitar a convolação da recuperação judicial em falência (essas situações excepcionais poderão ser consideradas como “força maior” ou “caso fortuito” pelos juízes, ensejando a aplicação da teoria da imprevisão);
5) Prosseguimento das funções, pelos administradores judiciais, de fiscalização das empresas em recuperação de forma virtual ou remota e disponibilização na internet dos relatórios mensais de atividades e os balanços financeiros;
6) Avaliação cautelosa de medidas de urgência, despejos por falta de pagamentos, bem como atos executivos de natureza patrimonial em ações judiciais que demandarem por obrigações não cumpridas durante o estado de calamidade decretado, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos do Decreto Legislativo n.º 6/20.
O conjunto dessas medidas preserva, de um lado, tanto o interesse da comunidade de credores, que não tem interesse algum em assistir a bancarrota das empresas em recuperação e ficarem à míngua, sem o recebimento ainda que parcial dos seus créditos, quanto, de outro, da sociedade e dos entes estatais, que vêm assegurada a continuidade da atividade por empresas que sejam economicamente viáveis, com aptidão para gerarem empregos na sociedade e também receitas para o erário.
A preservação da empresa é muito mais do que um princípio constitucional, senão que um objetivo a ser perseguido concretamente pelos credores e pela comunidade na qual aquela se insere. Para tanto, o Poder Judiciário tem um papel fundamental, como já assinalado desde o início, para coibir eventuais abusos e possíveis tentativas que levem ao prevalecimento dos interesses egoísticos de alguns poucos.
Alguns julgados vêm considerando a pandemia da Covid-19 como caso fortuito ou força maior, evidenciando o reconhecimento da gravidade da atual conjuntura pelo Poder Judiciário e a necessidade de serem feitos ajustes aos planos de recuperação. Nesse contexto, tem-se visto decisões que, antes mesmo do Ato Normativo expedido pelo CNJ, prorrogaram o stay period, suspenderam as obrigações do plano de recuperação judicial e autorizaram a realização de assembleia geral de credores em meio virtual. Exemplo disso é a decisão proferida pelo juiz Cláudio Augusto Marques de Sales, da 1ª vara de Recuperação de Empresas e Falências de Fortaleza (CE), em favor de empresa fabricante e distribuidora de aço, que suspendeu por 90 (noventa) dias o pagamento de obrigações e covenants previstos no plano recuperacional (autos n.º 0131447-76.2017.8.06.0001).
Se a realidade da pandemia tem se mostrado preocupante para as empresas em boa e saudável vida financeira, evidencia-se alarmante para aquelas que foram surpreendidas pela crise em pleno processo de reestruturação e recuperação judicial. Não é por outro motivo que a realidade atual inspira preocupação para além do Poder Judiciário, levando também o Poder Legislativo a promover medidas específicas voltadas para essas empresas e outras em delicada situação econômica, a exemplo do que se tem visto em outros países, como Austrália, Espanha, Itália e França. É justamente nessa linha que se apresenta o Projeto de Lei n.º 1.397/20, apresentado pelo Deputado Hugo Leal (PSD/RJ), que visa a promover alterações de caráter emergencial e transitório à Lei de Recuperação Judicial e a criar normas de proteção ao agente econômico afetado pela crise atual, cujas medidas teriam vigência até 31 de dezembro de 2020 ou enquanto perdurar o estado de calamidade pública decretado em âmbito nacional.
Nos termos do referido projeto, pretende-se afastar temporariamente a aplicação do art. 73, inc. IV, da Lei n.º 11.101/05 para o fim de tornar inexigível, pelo prazo de 120 dias, o cumprimento das obrigações previstas nos planos de recuperação judicial e extrajudicial já homologados, afastando, com isso, a decretação de falência nesse período por motivo de inadimplemento das prestações por parte da empresa em recuperação.
Outra alteração que evidencia a preocupação legislativa em preservar as recuperandas reside na fixação de um limite mínimo de R$ 100.00,00 (cem mil reais) para que seja autorizada a decretação da falência. Desta forma, passará a ser exigida uma inadimplência qualificada da devedora, não justificando mais a quebra da empresa a inércia dela frente a uma execução por qualquer quantia.
O projeto prevê também uma redução do quórum necessário à aprovação da recuperação extrajudicial, que passaria a ser o de maioria simples, e não mais de 3/5 dos credores envolvidos, bem como a criação de regras específicas para as microempresas e empresas de pequeno porte, com plano especial prevendo o pagamento da primeira parcela em até um ano.
Além dessas medidas, há no referido projeto outras disciplinas bem interessantes também, como a instituição de uma negociação preventiva entre o agente econômico devedor e seus credores durante a pandemia de Covid-19, a suspensão, por 60 dias, a contar da vigência da lei, das ações revisionais de contrato e das ações judiciais de execução que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após 20 de março de 2020 (mas originadas de ajustes firmados anteriormente, pois as medidas não se aplicarão às obrigações assumidas após essa data), a suspensão, durante o período de calamidade pública, de execução de garantias, cobranças de multas, decretação de falência, despejo por falta de pagamento e resolução unilateral de contratos bilaterais.
Encerrado o período de suspensão, o agente econômico que tenha redução igual ou superior a 30% de seu faturamento poderá apresentar ao Poder Judiciário pedido de negociação preventiva da dívida, mediante procedimento dirigido ao juízo falimentar do local do seu principal estabelecimento, sendo facultativa a participação dos credores nas rodadas de negociação preventiva e permitido ao devedor celebrar, independentemente de autorização judicial ou dos credores, contratos de financiamentos para custear sua reestruturação.
Caso haja pedido de recuperação judicial na sequência, o período de suspensão legal de 60 dias, previsto no projeto de lei, será deduzido do stay period de 180 dias previsto na Lei n.º 11.101/05.
Se o PL 1.397/20 vier a ser aprovado, no que se acredita, os devedores passarão a contar com uma gama bastante ampla de proteções para seus negócios, mas o que é importante frisar é que mesmo antes disso se tornar realidade já estão à disposição deles diversas medidas que asseguram a preservação das empresas em dificuldades financeiras nesses tempos sombrios de pandemia, cabendo a estas submeterem, o quanto antes, os pedidos de recuperação judicial ao juízo competente, caso ainda não o tenham formulado até o momento, ou então, na hipótese de já figurarem como recuperandas, apresentarem os requerimentos que estão ao seu alcance (na linha das sugestões do CNJ, mas não se limitando a elas), cujas medidas poderão lhes trazer maior alívio nesse momento tão delicado.
Nossa equipe está à disposição para eventuais esclarecimentos e orientações que se façam necessários.
Renato Martins
Sócio
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Portaria PGFN nº 14.402/2020 – Efeitos da pandemia COVID-19
Portaria PGFN nº 14.402/2020 – Das condições para transação excepcional na cobrança da Dívida Ativa da União (DAU) – Efeitos da pandemia COVID-19
A Portaria PGFN nº 14.402, publicada no Diário Oficial de 17 de junho de 2020, estabeleceu as condições para a transação tributária excepcional de débitos inscritos em dívida ativa da União, considerando em seus objetivos tanto o atual cenário de crise econômico-financeira do devedor decorrente dos impactos ocasionados pela pandemia do COVID-19 quanto as pretensões da União no que tange a viabilidade de recebimento dos valores cobrados.
Cumpre ressaltar que essa transação excepcional, que tem total intuito de apoio aos devedores neste momento de crise, demanda ponderação, por parte da PGFN, do grau de viabilidade de recuperação dos débitos objeto da cobrança em divida ativa, devendo tal classificação de grau estar atrelada a verificação da situação econômica do devedor e sua capacidade de geração de resultados diante do período de crise pandêmica.
Na etapa de classificação do grau de recuperabilidade dos débitos exigidos, tem-se análises (i) da situação econômica dos devedores, devendo os mesmos enviarem as informações cadastrais, patrimoniais ou econômico-fiscais dos devedores à PGFN ou aos demais órgãos da Administração Pública e (ii) da capacidade de pagamento, que se origina da situação econômica e será calculada visando estimar a condição de pagamento integral dos débitos, no prazo de 05 anos e sem descontos, levando-se em conta os reflexos da pandemia na capacidade de geração de resultados do devedor pessoa jurídica ou comprometimento da renda das pessoas físicas.
O impacto na capacidade de geração de resultados da pessoa jurídica causado pela pandemia do COVID-19 está definido na Portaria como sendo aquele fator redutor, independente do percentual, representado pela soma do rendimento bruto mensal de 2020, compreendido entre o mês de março e o mês imediatamente anterior ao de adesão comparando-se à soma da receita bruta mensal em período equivalente e relativo ao ano de 2019.
Após a compreensão da capacidade de pagamento dos devedores, os débitos tributários inscritos em dívida serão classificados em ordem decrescente face sua possibilidade de recuperação, podendo ser classificado entre (i) tipo A alta perspectiva de recuperação, (ii) tipo B – média perspectiva de recuperação, (iii) Tipo C – difícil recuperação e (iv) Tipo D – irrecuperável. Vale destacar que a insuficiência da capacidade de pagamento do devedor para liquidação integral de todo o passivo tributário composto na dívida ativa, influenciará na formato dos prazos e descontos ofertados, que seguirão de acordo com a possibilidade de adimplemento dos débitos.
A transação excepcional é passível nos casos em que os débitos tributários inscritos em dívida ativa, mesmo aqueles ajuizados pela via da execução fiscal ou oriundo de parcelamento rescindindo, tenham valor atualizado igual ou inferior a R$150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais), envolvendo, (i) a possibilidade parcelamento, alongado ou não em relação ao prazo ordinário de 60 (sessenta) meses, observados os limites máximos previstos na lei 13.988/2020 e na Portaria e (ii) oferecimento de descontos nos casos dos débitos classificados como de difícil ou irrecuperáveis.
Importante frisar que a transação excepcional será admitida, exclusivamente, pela adesão à proposta da PGFN, via portal Regularize, devendo o devedor prestar as informações pertinentes e aderir dentro do período compreendido entre 01/07/2020 e 29/12/2020. E logo após a adesão será disponibilizado ao devedor as inscrições sujeitas à transação, devendo o mesmo optar quais inscrições pretende transacionar.
No tocante aos débitos tributários objeto de discussão judicial, a Portaria estabelece que a adesão dependerá da apresentação, por parte do devedor, de cópia do requerimento de desistência das ações, impugnações ou recursos, com pedido de extinção do processo com resolução de mérito, com base nas regras do Código de Processo Civil, no entanto, haverá manutenção automática dos gravames decorrentes de arrolamento de bens, de medida cautelar fiscal e das garantias prestadas administrativamente ou em feitos de execução fiscal ou em qualquer outra ação judicial. Por outro lado, no casos de bens penhoras ou oferecidos em garantia em execução fiscal, o devedor poderá solicitar a alienação visando a redução ou liquidação do saldo devedor objeto do acordo com a PGFN.
E dentre as modalidades envolvendo a transação excepcional será possível obter descontos de até 100% do valor do juros, das multas e dos encargos legais, observando alguns limites impostos sobre o total de cada débito acordado na negociação.
Por fim, cumpre esclarecer que em caso de rescisão da transação prevista na mencionada Portaria, o devedor só poderá transacionar novamente após o prazo de 02 anos, conforme dispõe o artigo 17 da Portaria PGFN 9.917/2020.
Nossa equipe tributária está à disposição para eventuais esclarecimentos.
Honorários na habilitação de crédito em inventário
Em pesquisa realizada recentemente no Superior Tribunal de Justiça, descobri significativa desorientação sobre a incidência de honorários sucumbenciais na habilitação de crédito em inventário. Fato preocupante, pois a ação é útil e de uso frequente.
A indefinição sobre a questão poderá levar ao desuso do instrumento processual por insegurança jurídica das partes e de seus advogados, que preferirão a opção direta da via ordinária.
Deve, portanto, o Superior Tribunal de Justiça, corte de vértice detentora de competência constitucional para uniformizar a interpretação de lei federal, realizá-la dentro em breve, já que a problemática se mantém há muitos anos, desde antes do vigente Código de Processo Civil.
Nesse contexto, adianto não ser a matéria de simples solução, assim como discordo de parte da evolução das premissas e conclusões emanadas do Tribunal Superior até agora.
Em apertada síntese, pelo menos desde maio de 2004 até agosto de 2019, período da pesquisa, ou seja, os últimos 15 anos, as Turmas de direito privado vêm adotando as seguintes premissas[1] para a fixação de honorários sucumbenciais em habilitação de crédito em inventário: (i) embora de jurisdição voluntária, havendo litigiosidade, cabem honorários sucumbenciais, e (ii) o procedimento veicula duas pretensões, uma de habilitação e outra de reserva de bens.
A partir desses entendimentos, os Ministros vêm conferindo as seguintes soluções para os cenários divergentes, que só aparecem, evidentemente, quando os herdeiros não concordam com a habilitação do crédito: (i) habilitação e reserva de bens rejeitadas, sucumbência integral do credor e consequente pagamento de honorários ao advogado dos herdeiros; (ii) habilitação rejeitada e reserva de bens deferida, sucumbência recíproca e compensação dos honorários advocatícios (o que é vedado pelo CPC/15).
O mais recente acórdão da corte subverteu essa ordem de ideias ao decidir que “A sentença que denega a habilitação de crédito na sucessão, por mera discordância de qualquer interessado, não enseja a condenação em honorários advocatícios, pois não torna litigiosa a demanda, não havendo falar em condenação, nem de se cogitar em qualquer proveito econômico, já que o direito ao crédito e à sua cobrança são remetidos às vias ordinárias”[2].
Essa decisão é interessante, primeiro porque sinaliza a mudança de entendimento, senão da 4ª Turma, ao menos do seu Relator Min. Luis Felipe Salomão.
Chama a atenção também pelo fato da mudança ter ocorrido no bojo do mesmo processo. Enquanto a decisão monocrática invocara os julgados anteriores para aplicar o enunciado da súmula n. 568, STJ[3], o acórdão do julgamento do Agravo Interno, apesar de tê-lo desprovido, modificou totalmente a fundamentação da decisão do Relator, indo em sentido diametralmente oposto à jurisprudência da Corte.
Esta, portanto, é a questão fundamental: a possível superação da ratio decidendi dos julgados da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que prevaleceu até agosto de 2019.
Se até então o Superior Tribunal de Justiça admitia haver litigiosidade em habilitação de crédito em inventário a justificar sucumbência, que, por sua vez, vinha sendo fixada de acordo com a rejeição integral ou parcial das pretensões formuladas (habilitação e reserva de bens), a última decisão rompeu esses paradigmas ao definir que a rejeição pelos herdeiros da habilitação do crédito não torna litigiosa a demanda, razão por que não há sucumbência nesses casos.
Destaca-se, pois de suma importância, que na lide originária do referido caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia rejeitado o pedido de reserva de bens. Esse ponto, entretanto, não foi objeto de expressa apreciação no acórdão do Superior Tribunal de Justiça, de modo que não se sabe se o considerou para chegar àqueles fundamentos e conclusão.
Dito isso, faz-se impositivo analisar as normas legais que regem o processo de habilitação de crédito, a começar pelo disposto no art. 642 do Código de Processo Civil[4], que faculta ao credor do falecido valer-se desse instrumento processual. Trata-se, portanto, de uma opção do credor, que poderá ser exercida ou não.
No quotidiano é muito comum os herdeiros não terem conhecimento da totalidade das dívidas contraídas pelo falecido. Nessa situação, o pedido de habilitação de crédito é bastante frequente e útil para ambas as partes (credor e herdeiros).
Ao credor, pois dá ciência aos herdeiros da existência da dívida, abre a oportunidade de diálogo e se aceita a habilitação o credor aguarda o momento oportuno do pagamento, sem ter de se valer de eventual ação de cobrança ou de execução, hipótese em que teria maior dispêndio de tempo e dinheiro.
Para os herdeiros, a habilitação se mostra igualmente útil. Cientes da existência da dívida e convencidos da sua liquidez e certeza, dissipam eventuais dúvidas e livram-se dos custos inerentes à derrota na eventual ação em que os credores perseguirão seus créditos, gerando economia ao espólio[5].
Nada impede, entretanto, que o credor, sabendo previamente que os herdeiros resistirão ao pedido de habilitação de crédito, opte pela direta propositura da ação cabível nas vias ordinárias, economizando tempo[6].
Quando, entretanto, pelo menos um dos herdeiros não concorda com a habilitação do crédito, a pretensão do credor deverá ser remetida para as vias ordinárias, não restando outra alternativa ao juiz e ao requerente; é o que dispõe a norma do artigo 643[7] do Código de Processo Civil.
Considero, portanto, o pedido formulado pelo credor de habilitar o seu crédito no inventário uma simples faculdade (em contraposição a um suposto direito subjetivo). E assim entendo porque diante da recusa do herdeiro não terá o credor como coagi-lo a habilitar o crédito.
O direito subjetivo compreende o binômio direito-dever. Para encontrá-lo nessa relação jurídica, haveriam de existir o dever do sujeito passivo (herdeiro) e o correspondente direito do sujeito ativo (credor)[8], e o que a lei efetivamente prevê diante da situação de negativa do herdeiro é a simples remessa da pretensão do credor às vias ordinárias.
O credor, repita-se, tem a mera faculdade de pretender a habilitação do seu crédito, o que lhe confere a possibilidade de adquirir o direito subjetivo ao recebimento da dívida nessa via, se, e somente se, o herdeiro aceitar a pretensão e o juiz declarar o crédito habilitado[9].
A compreensão de que o credor detém simples faculdade está em plena harmonia com a de que o herdeiro, nesse caso, possui direito potestativo[10] à negativa, subjugando não só o credor mas também o juiz, que integra a vontade do titular daquele direito quando se restringe a declarar o crédito não habilitado, remetendo a pretensão às vias ordinárias.
Não há, portanto, no que se refere ao pedido de habilitação de crédito propriamente dito, previsão no direito objetivo de imediata substituição da pretensão do credor ou da resistência do herdeiro por decisão do terceiro imparcial, no caso o Estado-juiz. O magistrado do processo de habilitação de crédito não exercerá a jurisdição para resolver o conflito por meio de decisão adjudicada; apenas declarará o crédito não habilitado entre as dívidas do espólio e remeterá a solução da lide para ser dirimida em outra instância, nos autos de um novo processo. Não haverá vencido, não haverá vencedor, e, consequentemente, ninguém poderá ser condenado a pagar honorários sucumbenciais.
Essa conclusão é exatamente a mesma a que chegou o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, no julgamento do AgInt nº REsp 1792709/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 06.08.2019, DJe 13.08.2019, mencionado e destacado anteriormente.
Acontece, porém, que essa decisão é incompleta, pois não abordou expressamente a regra do parágrafo único[11] do art. 643 do Código de Processo Civil, sobre a reserva de bens.
Se é correto afirmar que a discordância dos herdeiros em habilitar determinado crédito não torna litigiosa a demanda, o mesmo não ocorre em relação à eventual discussão sobre a reserva de bens do espólio para futuro pagamento do crédito perseguido na via ordinária, pois esta situação configura um contencioso judicial típico.
Eventualmente existirá, no que se refere à reserva de bens, atividade jurisdicional litigiosa, de natureza cautelar[12], a ser dirimida. Estando presentes os requisitos (condição) para reserva de bens, o juiz, ex officio, mandará (imposição que substitui a vontade das partes) reservá-los.
A discordância poderá ocorrer em relação à presença dos requisitos autorizadores da tutela cautelar. Franqueado o exercício do contraditório e da ampla defesa sobre essas questões, e havendo resistência por parte dos herdeiros (eles podem simplesmente aceitá-la): se acolhida, sucumbe o credor; se rejeitada, sucumbem aqueles.
Observe que o juiz não poderá se omitir quanto à apreciação dos requisitos que autorizam a reserva de bens do espólio quando o herdeiro não concordar com a habilitação do crédito, pois esse dever decorre de expressa previsão legal e, portanto, independe de pedido do credor.
Logo, após submeter a questão ao contraditório das partes, exsurgirá um dos seguintes cenários. (i) Ambas as partes e o juiz concordam em que haverá ou não a reserva de bens; (ii) as partes entendem de uma forma e o juiz de outra, ou (iii) as partes divergem sobre a presença dos requisitos que ensejam a reserva de bens e o juiz decide a lide cautelar.
Nesta última hipótese, e somente nesta, haverá vencido e vencedor e, logicamente, a sentença deverá condenar o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, na forma prevista no art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, cujo arbitramento deverá observar as alíneas I a IV[13], diante da inexistência de condenação ou de proveito econômico a favor do vencedor.
Conclui-se, então, que o processo de habilitação de crédito em inventário veicula dois pontos a serem decididos: um pelos herdeiros (a habilitação do crédito propriamente dita) e o outro, eventualmente, pelo juiz (a reserva dos bens do espólio).
O pedido de habilitação de crédito propriamente dito (de natureza não contenciosa) é dirigido aos herdeiros, que podem concordar ou não (direito potestativo deles). Se aceito, o juiz declara habilitado o crédito e assim se encerra o processo, sem ônus sucumbenciais. Se repelido, o pleito é remetido às vias ordinárias, onde será resolvido por meio de outra ação, esta, sim, de natureza contenciosa. Inobstante, a partir da recusa, a lei impõe ao juiz que decida sobre a presença dos requisitos autorizadores para a reserva de bens do espólio. Caso as partes divirjam quanto a essa questão específica (de natureza cautelar), restará configurado o litígio a ser dirimido na sentença, ocasião em que prevalecerá o interesse do credor ou o dos herdeiros e, consequentemente, o vencido será condenado a arcar com os ônus sucumbenciais.
É correta, portanto, a jurisprudência amplamente majoritária do Superior Tribunal de Justiça que entende a habilitação de crédito em inventário como um processo de jurisdição voluntária que pode se tornar litigioso[14]. Assim como também acerta quando considera litigiosa a eventual discussão sobre a reserva de bens do espólio e condiciona a fixação de honorários à existência de litigiosidade. É equivocada, porém, quando vê litigiosidade na simples recusa dos herdeiros em aceitar o pedido propriamente dito de habilitação de crédito.
Essa compreensão conduz à distribuição errônea dos ônus sucumbenciais, porque parte da premissa da existência de dois pedidos de natureza eventualmente litigiosa: habilitação de crédito e reserva de bens. Rejeitados o primeiro (pelos herdeiros) e o segundo (pelo juiz), sucumbe integralmente o credor (resultado correto a partir de premissa errada), que pagará honorários ao advogado dos herdeiros, vencedores. Rejeitado o primeiro e acolhido o segundo, sucumbência recíproca, compensando-se os honorários advocatícios (o que é expressamente vedado pelo art. 85,§14º, CPC).
O correto, no entanto, seria fixar a sucumbência exclusivamente sob o prisma do conflito estabelecido em torno da reserva de bens. Não sendo assim, os herdeiros, em especial seus advogados, seriam estimulados a nunca aceitarem o pedido de habilitação de crédito, esvaziando substancialmente a utilidade e a finalidade do instrumento, pois no pior cenário (rejeição da habilitação e acolhimento da reserva de bens) os honorários dos advogados seriam compensados (o que é vedado, repito) e no melhor cenário (rejeição da habilitação e da reserva de bens) seus advogados receberiam honorários. Nesse contexto, o risco assumido pelo credor ao promover a habilitação de crédito seria muito grande, sendo preferível a propositura direta da ação judicial contenciosa. Nesta hipótese, estaria declarada a morte do processo de habilitação de crédito.
Por outro lado, acerta o Superior Tribunal de Justiça, através da sua única decisão, porém a mais recente, quando não vê litigiosidade na mera discordância dos herdeiros quanto à habilitação do crédito, situação incapaz de justificar condenação em honorários de advogado. Deixa aberta a discussão, entretanto, sobre o entendimento acerca de eventual litigiosidade sobre a reserva de bens, pois não foi objeto de apreciação nesse julgado.
A sociedade espera que o Superior Tribunal de Justiça uniformize o entendimento sobre os honorários de sucumbência em habilitação de crédito em inventário e quando o fizer decida a matéria exclusivamente sob o prisma da existência de eventual litigiosidade quanto à reserva de bens do espólio.
Fabio Campista
Mestre em Processo Civil e sócio de CMartins Advogados
[1] Eis os principais acórdãos e decisões monocráticas relevantes no período, seja em razão do conteúdo, da autorreferência ou da modernidade: (REsp nº 578.943 – SC, Min. Cesar Rocha, j. em 19.5.04, DJU 4.10.04); (REsp nº 831.092 – RS, Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 14.2.2011, DJU 17.02.2011); (REsp nº 1.524.634 – RS, Min. Ricardo Villas Boas Cueva, j. em 27.10.2015, DJe de 3.11.2015); (REsp nº 1.431.036- SP, Min. Moura Ribeiro, j. em 17.04.2018, DJe 24.04.2018); (AREsp nº 1.204.405 – SP, Min. Antonio Carlos Ferreira, j. em 12.09.2018, DJe 18.09.2018); (AgInt no REsp nº 1.403.636, Min. Antonio Carlos Ferreira, j. em 26.04.2019, DJe 30.04.2019); e (REsp nº 1.792.709, Min. Luis Felipe Salomão, j. em 03.04.2019, DJe 02.05.2019).
[2] (AgInt nº REsp 1792709/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 06.08.2019, DJe 13.08.2019).
[3] “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”.
[4] Art. 642. Antes da partilha, poderão os credores do espólio requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis.
§ 1º A petição, acompanhada de prova literal da dívida, será distribuída por dependência e autuada em apenso aos autos do processo de inventário.
§ 2º Concordando as partes com o pedido, o juiz, ao declarar habilitado o credor, mandará que se faça a separação de dinheiro ou, em sua falta, de bens suficientes para o pagamento.
[5] Ocorre, nesse caso, a denominada autocomposição: “São três as formas de autocomposição (as quais, de certa maneira, sobrevivem até hoje com referência aos interesses disponíveis): a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão); c) transação (concessões recíprocas). Todas essas soluções têm em comum a circunstância de serem parciais — no sentido de que dependem da vontade e da atividade de uma ou de ambas as partes envolvidas.”
(CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria Geral do Processo. 11ª ed., Malheiros Editores – SP, 1995. p. 21)
[6] É bom notar, por outro lado, que embora a lei institua um procedimento não contencioso para a habilitação dos credores no inventário, o uso desse expediente é apenas uma faculdadee não uma condição para o recebimento das obrigações do espólio. Nada impede, por isso, que o credor, ciente das resistências dos herdeiros, opte, desde logo, pelo ajuizamento do processo contencioso.” (Theodoro Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. III, 17ª ed., Editora Forense – RJ, 1997, p. 285) 7
[7] Art. 643. Não havendo concordância de todas as partes sobre o pedido de pagamento feito pelo credor, será o pedido remetido às vias ordinárias.
[8] Assim, enquanto a expressão direito objetivo exprime o conjunto das regras normativas que disciplinam um determinado ordenamento, o direito subjetivo, por seu turno, diz respeito ao poder de exigir ou de pretender de alguém um comportamento específico.
Nessa linha de ideias, observa-se que o direito subjetivo encontra-se envolto por algumas características evidentes: (i) corresponde a uma pretensão conferida ao titular, paralelamente a um dever jurídico imposto a outrem; (ii) admite violação, pois o terceiro pode não se comportar de acordo com a pretensão do titular (gerando o direito à indenização pelo prejuízo causado); (iii) é coercível, podendo o sujeito ativo coagir o passivo a cumprir o seu dever; (iv) o seu exercício depende, fundamentalmente, da vontade do titular. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, Parte geral e LINDB. 16ª edição. 2018. Ed. Juspodivm – Salvador. 2018, p. 34)
[9] “Pode parecer contraditório dizer que o direito subjetivo não se confunde com o vocábulo faculdade, porém, como bem adverte J. M. Leoni Lopes de Oliveira, este último pode ser entendido de duas maneiras diferentes. Na primeira, configuraria a possibilidade de adquirir direitos. Ou seja, na simples faculdade torna-se possível a realização (ou não) de determinados atos sem qualquer dever jurídico correspondente de terceiros.”(ibdem, p. 35)
[10] “aqueles em que se atribui ao seu titular o poder de produzir, mediante sua exclusiva declaração de vontade, a modificação ou extinção de uma relação jurídica, com efeitos jurídicos em relação ao outro ou outros sujeitos da relação jurídica. Nos direitos potestativos os sujeitos que assumem a situação jurídica subjetiva passiva não têm, como nos direitos subjetivos, uma situação de obrigação, mas estão submetidos a admitir os efeitos produzidos em decorrência da exclusiva manifestação de vontade do titular do direito potestativo”. (OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Introdução ao Direito Civil, op. cit., p. 409. Apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, Parte geral e LINDB. 16ª edição. 2018. Ed. Juspodivm – Salvador. 2018, p. 34)
[11] Parágrafo único. O juiz mandará, porém, reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para pagar o credor quando a dívida constar de documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em quitação.
[12] Há, porém, uma medida cautelar que o juiz toma, exofficio, em defesa do interesse do credor que não obtém sucesso na habilitação: se o crédito estiver suficientemente comprovado por documento e a impugnação não se fundar em quitação, o magistrado mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para pagar o credor, enquanto aguarda a solução da cobrança contenciosa (art. 1.018, parág. Único). (Theodoro Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. III, 17ª ed., Editora Forense – RJ, 1997, p. 285)
[13] Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(…)
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos
I- o grau de zelo do profissional;
II- o lugar de prestação do serviço;
III- a natureza e a importância da causa;
IV- o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
[14] O REsp nº 1.524.634/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BOAS CUEVA, Terceira Turma, DJe de 3/11/2015 confirma essa conclusão amparado em fartas doutrina e jurisprudência.
Revisão dos contratos em tempo de coronavírus
Com a propagação do coronavírus praticamente por todo o planeta, o Brasil não escapou de ser pego pela crise advinda dessa pandemia, a qual vem produzindo efeitos graves sobre as relações contratuais e, em especial, sobre as obrigações de curto, médio e longo prazo. Isso tem sido tanto mais danoso em razão do estado de calamidade reconhecido pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, ao aprovar a Mensagem Presidencial nº 93/2020, e de outras medidas que vieram a reboque, que, além do isolamento social imposto à população, determinaram também a suspensão de diversas atividades econômicas. O corolário dessa medida foi desde logo sentido pelas pessoas e também pelas empresas, sobretudo as de pequeno e médio portes, que não têm capacidade financeira para suportar, de um lado, dias seguidos de paralisação das atividades, e de outro, a manutenção das suas obrigações assumidas com terceiros (normalmente fornecedores e clientes), empregados e poder público.
Para amenizar esse quadro, algumas medidas têm sido adotadas pelos Poderes Executivo e Legislativo nas mais diferentes áreas, dentre as quais podem ser citadas a possibilidade de negociar a suspensão temporária do contrato de trabalho (com algumas condições e contrapartidas), o adiamento do vencimento de obrigações tributárias, a suspensão de algumas medidas processuais (como despejo e busca apreensão), dentre várias outras que têm como causa comum a imprevisibilidade dessa pandemia pela sociedade.
O escopo deste breve texto é analisar um dos aspectos dessa imprevisibilidade, relacionado à dificuldade (ou à impossibilidade mesmo) de as pessoas poderem cumprir as obrigações contraídas em momento anterior no qual a situação atual sequer pudesse ser imaginada ou pelo menos prevista. À primeira vista, as leis até então existentes já ofereciam caminhos para contornar os efeitos dessas surpresas nas relações contratuais, havendo previsão de alternativas que vão desde a invocação do caso fortuito ou da força maior como exceção ao princípio do pacta sunt servanda (art. 393 do Código Civil), passando pela previsão da onerosidade excessiva nos contratos de execução continuada ou diferida (art. 478 do Código Civil), até a exceção de ruína, que é plenamente admitida na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.479.420/SP).
A primeira questão é saber, no entanto, se a pandemia atual pode servir de panaceia para a liberação automática, indiscriminada e generalizada do cumprimento das obrigações contratuais, e a resposta é negativa. Isso não quer dizer, no entanto, que a parte obrigada ao cumprimento de determinada prestação nada tenha a fazer senão lamentar a má sorte de haver sido colhido por essas conjunturas enquanto pendentes obrigações a cumprir de sua parte. Obviamente que não é isso que se está a afirmar, mas sim, ao contrário, que o direito à revisão das prestações contratuais depende da situação fática enfrentada por cada uma dessas pessoas afetadas por restrições à produção, à comercialização, à circulação e, em última análise, ao próprio funcionamento, bem como que a imprevisibilidade deve exceder consideravelmente os riscos normais do negócio, insuscetível de razoável antecipação pelos contratantes no momento da celebração do contrato.
Não se nega que o ordenamento jurídico garante aos contratantes afetados o direito de pedir a revisão do contrato ou até mesmo a rescisão dele em casos excepcionais, mas será necessário demonstrarem que os eventos que lhes desfavoreceram foram “inevitáveis”, “imprevisíveis” e/ou “extraordinários”, porque o Código Civil valoriza o princípio da conservação do contrato, buscando a preservação do negócio em sua máxima medida possível. Todavia, se houver demonstração da excessiva onerosidade, da impossibilidade de cumprimento da prestação pelo devedor, da frustração do fim contratual, de sacrifícios econômicos que não têm como serem suportados pelo devedor, assim como do nexo causal entre essas situações e o estado de calamidade que se abateu sobre o país, com reflexos sobre suas atividades, sem sombra de dúvidas deve ser assegurado a esse contratante o direito de invocar uma das exceções legais para então poder rever ou extinguir o contrato.
Como quer que seja, uma vez presente uma dessas situações, a doutrina tem exigido que as partes recorram à boa-fé e ao dever de renegociar como solução primeira e alternativa para evitar a heterocomposição do conflito, uma vez que revisão dos contratos ou a extinção dos vínculos contratuais deve ser, antes de mais nada, discutida entre as próprias partes interessadas, às quais competem agir em cooperação e com lealdade em relação ao outro (art. 422 do Código Civil). E, sem dúvida, é recomendável que seja mesmo assim, pois é importante preservar as parcerias contratuais e as boas relações, que serão retomadas tão logo a pandemia cesse.
No entanto, se a composição entre as partes não for possível, restará ao contratante sacrificado o caminho judicial para obter o reequilíbrio das prestações ou, se for o caso, a extinção do contrato do qual decorrem as obrigações impossíveis de serem cumpridas, e nesse caso uma das possibilidade é a invocação da exceção de caso fortuito e força maior (conforme o caso), que exige, como já visto, a demonstração do nexo de causalidade entre a pandemia e a inexecução do contrato.
Outra possibilidade é a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, presente implicitamente em todo contrato, a qual permite o reequilíbrio das prestações contratuais por fato superveniente que torne o contrato excessivamente oneroso para uma das partes (artigos 317 e 478 do Código Civil). Para a aplicação dessa teoria, deve a parte demonstrar que a pandemia representou um evento imprevisível, para além do risco empresarial, e que por força dele a prestação contratual que lhe cabia inicialmente passou a ostentar uma desproporção absoluta, ensejando uma onerosidade excessiva e superveniente das prestações contratuais.
Uma terceira alternativa seria a alegação de exceção da ruína. Com efeito, ao estipular que aos contratantes cabem alocar os riscos nos contratos que celebram (artigo 421, inciso II, do Código Civil), a lei material indica que a incerteza faz parte dos negócios, dos quais podem resultar tanto benefícios quanto prejuízos para as partes. Entretanto, a doutrina reconhece a necessidade de se atentar ao limite do sacrifício imposto ao devedor quanto ao cumprimento da prestação assumida, de tal maneira que se possa utilizá-lo para justificar o descumprimento da obrigação por parte dele ou mesmo afastar cogitação sobre sua mora.
Por meio da exceção da ruína, ajusta-se o contrato de longa duração para manter o equilíbrio das prestações e evitar o colapso de um dos contratantes. Nesse caso, as bases da contratação são revistas para evitar uma desvantagem exagerada por uma das partes. É interessante acentuar que essa teoria não se limita a analisar pontualmente a relação entre o devedor e o credor da prestação, mas também as demais relações contratuais estabelecidas pelo primeiro, levando-se em conta os contratos similares, de modo a verificar se a manutenção da obrigação do devedor será prejudicial não apenas para a ruína dele, mas para o próprio credor, que acabará nada recebendo ao final.
E afora o ajuizamento de ação judicial para evitar seu colapso ou a sujeição a eventuais penalidades contratuais por descumprimento de obrigação que lhe cabia, o que mais deve fazer o devedor que se vir excessivamente prejudicado pelos efeitos da pandemia a ponto de se sacrificar excessivamente para cumprir a obrigação a que estava sujeito ou de não ver outra opção que não descumprir a prestação que lhe cabe, por impossibilidade de comportamento diverso? O primeiro passo é verificar o impacto da pandemia nas suas relações contratuais e distinguir aquelas em que ele é a parte mais afetada daquelas em que deve tolerar o descumprimento das obrigações pela outra parte, de modo a analisar em quais casos poderá invocar uma das exceções ao cumprimento das obrigações, em quais poderá alegar os impactos do evento no cumprimento das obrigações pela parte contrária, em quais deverá buscar um acordo e em quais será inevitável o litígio judicial. Importante também que examine seus contratos atuais para verificar se há cláusulas prevendo caso fortuito e força maior ou a aplicação da teoria da imprevisão, os prazos para notificação da parte contrária, eventuais coberturas securitárias etc.
É relevante também que ele se antecipe em adotar as medidas necessárias à mitigação dos efeitos derivados da situação, tais como emissão de comunicados a clientes e fornecedores, e que se previna para discussões futuras guardando documentos e provas que demonstrem, por exemplo, quando figurar como credor de determinada prestação, a possibilidade de o outro contratante cumprir suas obrigações a despeito da calamidade pública. Por fim, para os contratos celebrados a partir de então, igualmente se recomenda que passem a prever cláusulas sobre o cumprimento das obrigações durante períodos de pandemia.
Nossa equipe está à disposição para eventuais esclarecimentos, bem como orientações que se façam necessárias para o ingresso imediato da medida judicial.
Renato Martins
Sócio
[email protected]
Efeitos da MP 948/20 sobre os setores do turismo e do entretenimento
Depois de um período fortemente abalado pela crise financeira que se abateu sobre o país após a realização da Copa do Mundo de 2014 – e, no caso da cidade o Rio de Janeiro, dos Jogos Olímpicos de 2016 – , o setor do turismo nacional dava mostras de que enfim viveria anos melhores a partir de 2019, com taxa de ocupação dos hotéis em 70% no primeiro trimestre, bem acima dos 46% registrados no ano anterior. Pelo menos, era isso o que os empresários esperavam até serem colhidos pelos efeitos da dantesca pandemia causada pelo coronavírus.
As expectativas, de fato, eram as melhores possíveis. Segundo estatísticas oficiais, o Brasil recebeu 6,62 milhões de turistas no ano de 2019, dos quais 1,3 milhão visitaram o Estado do Rio de Janeiro. Sem sombra de dúvidas um número baixo ainda, especialmente se considerado o potencial turístico do país e do estado fluminense, mas ainda assim melhor do que vinha sendo vivenciado nos anos recentes por força de diferentes circunstâncias.
Uma delas, de grande peso, diz respeito à ampliação bastante acentuada da abertura e disponibilização de quartos de hotéis para fazer frente à ocupação esperada tanto de visitantes internos quanto dos vindos de outros países por ocasião dos já citados eventos esportivos internacionais (o número saltou de 29 mil em 2009 para 58 mil em 2019), o que tornou ainda mais dramática a situação da rede hoteleira no último triênio, que ao ver seus espaços serem esvaziados logo assim que findos os citados eventos, experimentou queda expressiva de faturamento não apenas pela diminuição do número de hóspedes, mas igualmente como consequência da redução do valor das diárias, causada pela maciça oferta de quartos que passou a existir frente a um número cada vez menor de público capaz de ocupá-los. Para muitas empresas do setor, portanto, a pandemia atual infelizmente poderia vir a representar a pá de cal derradeira para solapar a atividade.
Nesse cenário, não apenas os empresários colapsariam, como o próprio país sentiria fortemente os efeitos dessa derrocada. A importância do setor hoteleiro para o Brasil não se resume à atração de turistas e ao ingresso de receitas na economia, senão que também ao elevado número de empregos diretos, indiretos e induzidos que a atividade gera, estimado atualmente em cerca de 7 milhões e com potencial de crescimento, considerando que no mundo um a cada cinco empregos criados tem relação com atividades desse setor.
A mesma relevância se pode dizer do setor cultural, que gera um valor econômico expressivo para o país. Segundo Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, divulgado pela Firjan, o PIB da economia criativa, da qual a cultura faz parte, cresceu 69,8% na última década, quase o dobro dos 36,4% de incremento do PIB brasileiro. No mesmo período, houve alta de 90% no número de empregos formais, enquanto o mercado de trabalho nacional como um todo avançou 56%, representando atualmente cerca de 4% do total do país.
Os números apresentados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) também chamam atenção. Segundo dados colhidos, o setor foi responsável por movimentar, no Brasil, R$ 171,5 bilhões, correspondendo a 2,64% do Produto Interno Bruto (PIB), e cada real nele aplicado gerou mais tributos do que o dinheiro investido nas indústrias mais tradicionais e no agronegócio. Tanto que um estudo de 2013 mostrou que enquanto o PIB geral cresceu 2,3% naquele ano, o PIB da economia criativa cresceu 6,7%, quase três vezes mais.
O setor da cultura é importante não apenas como estratégia de desenvolvimento do país, à conta dos efeitos econômicos já apontados, mas também por transbordar benefícios para outros setores, incrementando, por exemplo, a educação e a inclusão social, dentre outros aspectos.
Certamente foi o reconhecimento da inegável importância dos setores do turismo e da cultura para o país que levou o Presidente da República a editar a Medida Provisória 948 em 08 de abril de 2020, que, de maneira geral, estabeleceu regras especiais para cancelamento de serviços de reservas dos segmentos de hospedagem, agências de turismo, transportadoras turísticas, organizadoras de eventos, mídias digitais, parques temáticos e acampamentos turísticos em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n.º 6, de 20 de março de 2020.
No que diz respeito ao setor hoteleiro, a MP 948/20 não resolve todos os problemas, que só na cidade do Rio de Janeiro levaram ao fechamento de pelo menos 16 hotéis nos últimos dois anos, mas serve de alento aos empresários em um momento em que poderiam se ver obrigados a devolver valores das reservas a consumidores, justamente quando veem secar sua fonte principal de receita. Para se ter uma ideia, apenas de meados de março até o momento em que este texto é escrito (lapso inferior a um mês), cerca de 60 hotéis locais cerraram momentaneamente as portas em razão do isolamento social resultante do decreto de calamidade pública, colocando em risco a sobrevivência deles e das pessoas que deles dependem não apenas nesse período, mas especialmente no pós-crise.
Segundo estimativa recente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), divulgada agora em abril de 2020 no seminário “E agora, Brasil?”, no setor de turismo as perdas foram de R$ 14 bilhões apenas em março, sendo R$ 11,96 bilhões na segunda quinzena (queda de 84% em comparação com o mesmo período de 2019). Igualmente no setor cultural as perdas foram drásticas e bastante sentidas, por ser um segmento extremamente dependente da circulação de pessoas.
A Medida Provisória 948/20, a exemplo de outras editadas nesse período de pandemia, como a MP 925/20, que permitiu um alívio de caixa às companhias aéreas, tem como aspiração evitar que os importantes setores por ela contemplados sejam combalidos de modo tão grave a ponto de não terem força de se soerguerem quando a pandemia passar. Foi justamente visando a amenizar as consequências desastrosas da falta de hóspedes e de público que o citado ato normativo estipulou que as empresas desses setores não precisarão reembolsar imediatamente os consumidores pelo cancelamento de eventos – como shows, sessões de cinema e peças de teatro – e reservas de hotéis devido à pandemia do novo coronavírus.
Para aquelas situações em que as empresas de cultura e de turismo já tiverem recebido valores pela venda de ingressos e diárias e não puderem, sem culpa sua, honrar seus compromissos com os consumidores, aí incluídas as plataformas digitais de vendas de ingressos pela internet (art. 3º), passam elas, a partir da MP 948, a ficar dispensadas de efetuarem o imediato reembolso, como determina o Código de Defesa do Consumidor, e poderão remarcar os serviços, as reservas e os eventos para um período posterior, disponibilizar créditos para serem utilizados ou servirem de abatimento em outro momento ou fazer outro tipo de acordo com seus clientes (art. 2º).
Essas operações terão que ser realizadas sem custo adicional para os consumidores, como taxa ou multa, desde que a solicitação seja feita no prazo de 90 dias a contar de 08 de abril de 2020 (art. 2º, § 1º), sendo que na hipótese de se optar pela disponibilização de crédito, o valor poderá ser utilizado no prazo de doze meses a partir da data do encerramento do estado de calamidade pública em vigor no país (art. 2º, § 2º). Se houver remarcação dos eventos, reservas ou diárias, deverá ser observado o mesmo prazo limite de doze meses, contado igualmente da cessação do estado de calamidade (art. 2º, § 3º). Na impossibilidade de uma dessas medidas ser colocada em prática, não restará outra alternativa aos empresários senão restituir aos consumidores os valores deles recebidos, com atualização monetária pelo IPCA-E, em prazo novamente não superior a doze meses do fim do estado de calamidade (art. 2º, § 4º).
Essas novas disposições invertem a lógica que até então era genericamente aplicada às relações de consumo, em que cabia ao consumidor, uma vez frustrado na sua expectativa, fazer a opção pela forma como desejaria ver o dano reparado (arts. 18, § 1º, e 19 da Lei n.º 8.078/90). Enquanto durar o estado de calamidade, essa opção caberá a priori ao fornecedor do serviço, cuja liberdade de ação, contudo, estará restringida pelos prazos e medidas estabelecidas na MP 948/20.
No caso de artistas que já tenham recebido adiantadamente valores dos serviços ou cachês e não puderam prestar o serviço em razão dos impactos da pandemia, as regras aplicáveis são muito parecidas, cabendo a eles prestar o serviço no prazo também de doze meses a contar da cessação do estado de calamidade (art. 4º), sob pena de ficarem obrigados a restituir os valores atualizadamente no limite desse mesmo prazo (art. 4º, parágrafo único).
Por fim, a MP 948/20 afastou a aplicação do art. 56 do Código de Defesa do Consumidor às relações de consumo por ela regidas e estipulou que a não realização dos serviços contratados em virtude da pandemia não enseja aos fornecedores obrigação de pagar indenização por danos morais em favor consumidores, pelo reconhecimento de que as situações caracterizam hipótese de caso fortuito ou força maior (art. 5º).
Considerando, de um lado, a superlativa importância desses setores econômicos para o desenvolvimento do país, e, de outro, que as restrições criadas às relações de consumo são de pequena monta e estritamente necessárias para a salvaguarda dos interesses coletivos, conclui-se que a disciplina e o regramento dados pela MP 948/20 são plenamente justificáveis e em conformidade com o ordenamento jurídico, tudo indicando, por tal motivo, que este ato normativo será aprovado e convertido em lei tal e qual editado.
Ocorrendo isso, as chances de manutenção das atividades por esses setores serão enormes e todos sairão ganhando ao final, em especial os empregados, que terão uma probabilidade muito maior de verem seus empregos preservados quando a crise passar, as Fazendas públicas municipal e estadual, pois com a retomada das atividades voltarão a ver aportar em seus cofres somas volumosas de receita, os credores (aí incluídos os consumidores), que verão seus direitos garantidos para usufruição posterior, e o próprio país, que rapidamente poderá estender novamente o tapete de boas-vindas aos turistas e recepcioná-los tão bem como sempre os recebeu.
Nossa equipe está à disposição para eventuais esclarecimentos, bem como orientações que se façam necessárias para o ingresso imediato da medida judicial.
Renato Martins
Sócio
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Cobrança de quantia materializada em boleto bancário prescreve em cinco anos
Novamente nos debruçamos sobre o instituto jurídico da prescrição, desta vez em um aspecto que diz respeito a uma atividade corriqueira em nosso cotidiano: a emissão de boletos de cobrança.
Invariavelmente, o boleto bancário materializa a cobrança de valores constantes em instrumentos contratuais que balizam as obrigações contraídas pelas partes, como prestação de serviços, seguros e aluguéis, nos indicando o valor líquido da dívida ou obrigação a ser saldada.
Assim, eles tão somente representam o valor a ser saldado, oriundo da obrigação principal materializada em contrato ou pacto firmado pelas partes, atraindo, em um primeiro momento, que a natureza da obrigação principal é que delineará a análise da prescrição para sua cobrança, materializada na ação competente, nos moldes dos artigos 205[1] e 206[2] do Código Civil.
Entretanto, ao emitir o Boleto de Cobrança, materializando uma dívida líquida constante em instrumento público ou particular, ainda que ela derive, exemplificativamente, de um contrato de seguro, e se efetivar a ação judicial de cobrança daquela dívida no boleto emitido, o prazo prescricional para cobrança da obrigação principal poderia então ser alterado por conta da forma em que foi cobrada?
Recentemente, ao julgar o Recurso Especial de nº 1.763.160, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o prazo prescricional aplicável em ação de cobrança materializada em boleto bancário é de cinco anos, na forma do artigo 206, § 5º, I, do Código de Processo Civil.
Na ementa, o relator delimita a controvérsia a discutir:
- a) o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança, materializada em boleto bancário, ajuizada por operadora do plano de saúde contra empresa que contratou o serviço de assistência a médico-hospitalar para seus empregados e
- b) o termo inicial da correção monetária e dos juros de mora.
Importante destacar que, em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) manteve entendimento do Juízo de piso com o reconhecimento da prescrição decenal, na forma do artigo 205 do Código Civil, alegando não haver prazo prescricional específico, enquanto a operadora sustentava que, em relação securitária, deveria incidir o disposto no artigo 206, § 1º, II, do Código Civil.
Em seu voto, o Ministro Villas Bôas Cueva, Relator do processo, explicou que “não se desconhece que a jurisprudência desta Corte Superior tem entendido ser aplicável o prazo prescricional de 10 (dez) anos para as pretensões resultantes do inadimplemento contratual (EREsp 1.280.825/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 27/6/2018, DJe 2/8/2018)”.
Ressaltou, entretanto, o Ministro Relator que “apesar de existir uma relação contratual entre as partes, verifica-se que a ação de cobrança está amparada em um boleto de cobrança e que o pedido se limita ao valor constante no documento”, justificando a adequação da aplicação do dispositivo legal constante do artigo 206, § 5º, I, do Código Civil.
Por fim, aduziu em seu voto que “o boleto bancário não constitui uma obrigação de crédito por si só. Contudo, a jurisprudência tem entendido que ele pode, inclusive, amparar execução extrajudicial quando acompanhado de outros documentos que comprovem a dívida.”
Há, portanto, que se entender a peculiaridade do caso e curvar-se sobre o entendimento emanado do acórdão acima analisado, pois, no caso em comento, cobrava-se tão somente os valores contidos no boleto de cobrança, sendo este o título a embasar a referida ação. Fosse uma ação de cobrança pelo descumprimento das cláusulas contratuais, tendo o contrato como base, atrair-se-ia, sem qualquer sobra de dúvidas, a prescrição decenal.
[1] Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
[2]Art. 206. Prescreve:
- 1º Em um ano:
I – a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
- a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
- b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III – a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;
IV – a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;
V – a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.
- 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
- 3º Em três anos:
I – a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II – a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III – a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V – a pretensão de reparação civil;
VI – a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;
VII – a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
- a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;
- b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
- c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX – a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
- 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
- 5º Em cinco anos:
I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
II – a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;
III – a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
Prescrição intercorrente em execução deve observar prazo judicial de suspensão para seu cômputo
Novamente nos debruçamos sobre o instituto da prescrição, tão importante para todos os operadores do direito, eis que, como já dito anteriormente, representa a perda do direito de intentar uma ação por conta da inércia de seu titular. Ou seja, há um prazo para que possa ser exercido o direito de ação referente a uma determinada pretensão que nasce de um determinado fato jurídico.
Neste artigo trataremos, em especial, de uma modalidade de prescrição que ocorre durante a tramitação de uma ação judicial, sem que haja o devido impulso da parte interessada para a execução de um determinado ato: a prescrição intercorrente.
E aqui trataremos da prescrição intercorrente na fase processual em que sua incidência se verifica em grande escala: a fase de execução. Igualmente, aplicam-se os termos aqui descritos nos processos de execução, tratados assim como procedimentos autônomos.
Para a caracterização da prescrição intercorrente, é necessário que se verifique necessariamente que houve inércia ou negligência do credor em promover os atos executórios.
Sabe-se que o credor pode, no curso da Execução, requerer a suspensão do feito para buscar dados e bens do devedor, devendo tal medida ser deferida pelo Juiz.
Entretanto, não se tinha claramente na legislação se o período de suspensão seria considerado para o cômputo do lapso temporal necessário para a caracterização da prescrição intercorrente.
É bem verdade que o Superior Tribunal de Justiça já havia se manifestado sobre o tema através do Incidente de Assunção de Competência 1/STJ, quando foi firmada a tese de que “o termo inicial da contagem da prescrição intercorrente, na vigência do CPC/1973, é a data seguinte ao término do prazo judicial de suspensão da execução, ou o prazo de um ano previsto pela Lei 6.830/1980, caso não tenha havido estipulação de prazo pelo juízo”
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe inovação legislativa ao prever expressamente em seu artigo 921[1] que, durante o prazo da suspensão determinada pelo juiz, não se contará a prescrição.
E, recentemente, ao julgar o Recurso Especial 1.704.779/RS, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para afastar a prescrição intercorrente que não havia observado o período de suspensão para afastá-lo do cômputo do prazo da prescrição intercorrente.
Em seu voto, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino ressaltou que “na vigência do CPC/2015, não há necessidade de fixação de prazo pelo juízo ou de emprego da analogia, pois o novo códex previu expressamente o prazo de um ano para a suspensão da prescrição, conforme se verifica no enunciado normativo do artigo 921, parágrafo 1º“.
Explicou o Ministro, analisando o caso concreto, que “Computando-se os três anos do prazo judicial, a partir de dezembro de 2008, observa-se que o lustro da prescrição intercorrente somente começaria a fluir a partir de dezembro de 2011, finando, portanto, em dezembro de 2016. Antes dessa data, porém, em julho de 2015, a parte exequente deu prosseguimento ao cumprimento de sentença, tendo, inclusive, logrado êxito em penhorar bens do devedor, fato que afasta, a toda evidência, a possibilidade de se declarar a prescrição intercorrente“.
O voto do Ministro relator apenas robustece o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça já manifestado no IAC 1/STJ, e que agora dispensa qualquer tipo de interpretação, uma vez que a Lei Processual vigente estancou qualquer dúvida acerca da matéria, uma vez que expressamente excluiu do cômputo do prazo para verificação da prescrição intercorrente o período de suspensão do processo determinado pelo Juiz.
[1] Art. 921. Suspende-se a execução:
I – nas hipóteses dos arts. 313 e 315 , no que couber;
II – no todo ou em parte, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução;
III – quando o executado não possuir bens penhoráveis;
IV – se a alienação dos bens penhorados não se realizar por falta de licitantes e o exequente, em 15 (quinze) dias, não requerer a adjudicação nem indicar outros bens penhoráveis;
V – quando concedido o parcelamento de que trata o art. 916 .
- 1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.
- 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.
- 3º Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.
- 4º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente.
- 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição de que trata o § 4º e extinguir o processo.
Prescrição de ação de regresso de seguradora inicia-se na data do pagamento da indenização
Um dos institutos jurídicos mais importantes e mais estudados ao longo dos anos é, sem sombra de dúvidas, a Prescrição.
Por definição, a prescrição é a perda do direito de intentar uma ação por conta da inércia do seu titular. Ou seja, há um prazo para que possa ser exercido o direito de ação referente a uma determinada pretensão que nasce de um determinado fato jurídico.
Àqueles que costumam militar em demandas judiciais, a prescrição torna-se de observação obrigatória, constituindo-se prejudicial de mérito e, verificada a sua existência, fulmina a pretensão formulada na ação com os mesmos efeitos da sentença em que se resolve o mérito[1].
O Código Civil trata dos prazos prescricionais em seus artigos 205[2] e 206[3], sendo o primeiro o que chamamos de regra geral da prescrição, e o segundo, aquele que contém as regras especiais para cada uma das hipóteses que elenca.
Assim, o que definirá a ocorrência ou não da prescrição é o exercício do direito dentro do prazo previsto em lei para fazê-lo. E aqui vai a questão relevante em nosso artigo: quando se inicia o direito de ação, para que seja corretamente observado o prazo prescricional?
No caso sob exame, estuda-se o direito que a seguradora tem para exercer seu direito de regresso contra o real causador do dano que foi por ela indenizado ao seu segurado por força da existência de contrato dessa natureza (seguro).
A seguradora alegava que o direito de ação regressiva nasceria quando a sucata do veículo segurado foi liquidada (vendida) e, desta forma, surgindo o direito de regresso em face do real causador do prejuízo.
Entretanto, não foi esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, manifestado nos autos do Recurso Especial de nº 1.705.957, cuja relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi.
No caso dos autos, o pagamento do prêmio do seguro pela seguradora ao segurado ocorreu em fevereiro do ano de 2010, sendo que a sucata do veículo segurado foi vendida em março daquele mesmo ano.
A ação regressiva da seguradora contra o real causador do dano foi intentada em março de 2013.
O primeiro aspecto, e dele não se tem dúvida, é de que a situação que envolve o caso concreto encaixa-se no prazo prescricional de três anos, previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil, que fala do prazo prescricional para exigir a reparação civil.
Entretanto, o momento em que se configura o dano causado à seguradora é, sem qualquer sombra de dúvida, o momento em que esta desembolsa o valor do prêmio de seguro ao seu segurado, sendo irrelevante a data em que esta recebe o valor da sucata cuja propriedade reveste-se a ela por força do próprio contrato de seguro.
E assim concluiu a Ministra Nancy Andrighi, que em seu voto ressaltou que “Diferentemente do que quer fazer crer a recorrente, a data em que realizada a venda do salvado (sucata) é indiferente para fins de contagem do início de fluência do prazo prescricional. É que a ação regressiva pode ser ajuizada antes mesmo da venda do salvado, isto é, antes mesmo da quantificação do prejuízo.”.
Desta forma, entende-se totalmente acertada a decisão manifestada pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez que a o momento da lesão a ser cobrada em ação regressiva é o desembolso do prêmio ao seu segurado.
[1] Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:
I – acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;
II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;
Parágrafo único. Ressalvada a hipótese do § 1º do art. 332 , a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se.
[2] Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
[3] Art. 206. Prescreve:
- 1º Em um ano:
I – a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
- a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
- b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III – a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;
IV – a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;
V – a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.
- 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
- 3º Em três anos:
I – a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II – a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III – a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V – a pretensão de reparação civil;
VI – a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;
VII – a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
- a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;
- b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
- c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX – a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
- 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
- 5º Em cinco anos:
I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
II – a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;
III – a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença mesmo se a ação foi iniciada sob a égide do CPC de 1973
Um dos temas mais relevantes e que, por certo, interessa sobremaneira ao advogado é a questão referente à possibilidade de arbitramento dos honorários de advogado nas diversas fases do processo.
Como se sabe, pelo Princípio da Sucumbência, a parte vencida é obrigada a ressarcir os gastos com custas e despesas processuais dispendidas pelo vencedor no curso do processo, e a pagar honorários advocatícios legais aos advogados do vencedor na demanda ou disputa.
O Código de Processo Civil de 1973 previa em seu artigo 20[1] os requisitos para o arbitramento e pagamento destes honorários. Entretanto, podemos destacar o § 1º do referido artigo, que previa, por exemplo, que em cada incidente o vencido ressarciria as custas ao vencedor, mas nada falava sobre os honorários advocatícios.
Igualmente, o Código de 1973 nada falava sobre a possibilidade de honorários nas esferas recursais, sendo certo que estas representam um acréscimo no trabalho do profissional de advocacia, e que, por certo, merecia remuneração proporcional ao aumento do seu trabalho.
O Novo Código de Processo Civil trouxe a inovação que há muito se esperava e clamava. A partir de sua vigência, as hipóteses de honorários advocatícios e sua consequente majoração no caso de recursos, conforme dispõe o seu artigo 85[2].
Neste dispositivo, destacamos o § 1º, que expressamente trouxe a necessidade de serem devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
Igualmente, o Novo Código de Processo Civil trouxe em seu artigo 523[3] a previsão de condenação do devedor que não cumpre o julgado no prazo legal em honorários advocatícios de 10% sobre o valor do débito.
Como se sabe, a norma processual possui eficácia imediata, sendo aplicada nos processos em curso. Entretanto, e em homenagem ao Princípio da Segurança jurídica, há dispositivos de transição que modulam a sua aplicação.
A discussão então seria: é possível aplicar o novo código ao Cumprimento de Sentença iniciado sob a égide do Código de Processo Civil de 1973?
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial de nº 1.815.762, admitiu a incidência do Novo Código de Processo Civil em Cumprimento de Sentença proferida antes de sua entrada em vigor.
Em suas considerações, o Ministro Mauro Campbell Marques, relator, aduziu que “é possível a aplicação da norma processual superveniente a situações pendentes, desde que respeitada a eficácia do ato processual já praticado.”
Continuando em seu voto, o Ministro Relator aduziu que “Esse entendimento é corroborado pelo Enunciado Administrativo 4/STJ, in verbis: “Nos feitos de competência civil originária e recursal do STJ, os atos processuais que vierem a ser praticados por julgadores, partes, Ministério Público, procuradores, serventuários e auxiliares da Justiça a partir de 18 de março de 2016, deverão observar os novos procedimentos trazidos pelo CPC/2015, sem prejuízo do disposto em legislação processual especial.”
Correta a posição do Ministro Relator.
Inicialmente, porque se dá plena eficácia ao que dispõe o artigo 14 do Código de Processo Civil, a saber: a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
Em segundo lugar, traz justiça à remuneração do advogado, que tanto lutou para ver reconhecido o direito ao recebimento de honorários de advogado proporcionais ao trabalho empregado no processo que, como se sabe, pode conter inúmeras fases e incidentes dos quais não se tinha a previsão de remuneração.
[1] Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. (Redação dada pela Lei nº 6.355, de 1976)
- 1º O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o vencido. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)
- 2º As despesas abrangem não só as custas dos atos do processo, como também a indenização de viagem, diária de testemunha e remuneração do assistente técnico. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)
- 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)
- a) o grau de zelo do profissional; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)
- b) o lugar de prestação do serviço; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)
- c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)
- 4 o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
- 5 o Nas ações de indenização por ato ilícito contra pessoa, o valor da condenação será a soma das prestações vencidas com o capital necessário a produzir a renda correspondente às prestações vincendas (art. 602), podendo estas ser pagas, também mensalmente, na forma do § 2 o do referido art. 602, inclusive em consignação na folha de pagamentos do devedor. (Incluído pela Lei nº 6.745, de 5.12.1979) (Vide §2º do art 475-Q)
[2] Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
- 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
- 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
- 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
- 4º Em qualquer das hipóteses do § 3º :
I – os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a sentença;
II – não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V, somente ocorrerá quando liquidado o julgado;
III – não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa;
IV – será considerado o salário-mínimo vigente quando prolatada sentença líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação.
- 5º Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente.
- 6º Os limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito.
- 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.
- 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
- 9º Na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários incidirá sobre a soma das prestações vencidas acrescida de 12 (doze) prestações vincendas.
- 10. Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo.
- 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
- 12. Os honorários referidos no § 11 são cumuláveis com multas e outras sanções processuais, inclusive as previstas no art. 77 .
- 13. As verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais.
- 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.
- 15. O advogado pode requerer que o pagamento dos honorários que lhe caibam seja efetuado em favor da sociedade de advogados que integra na qualidade de sócio, aplicando-se à hipótese o disposto no § 14.
- 16. Quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da data do trânsito em julgado da decisão.
- 17. Os honorários serão devidos quando o advogado atuar em causa própria.
- 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.
- 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.
[3] Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.
- 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput , o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.