Impedimento do consumidor ir a juízo se voluntariamente aderiu a cláusula de arbitragem

STJ


Muito se discute no meio jurídico sobre a validade das cláusulas arbitrais inseridas nos contratos que regulam relações de consumo, mais ainda quando se trata de contratos de adesão.

Sabemos da necessária proteção e defesa, inclusive prevista constitucionalmente[1], do consumidor e sua presumida hipossuficiência[2] econômica e técnica em relação aos prestadores de produtos e serviços, materializada em diversos artigos do Código de Defesa do Consumidor.

Talvez a mais importante delas consista na interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor, prevista expressamente no artigo 47 da Lei Federal 8.078/90, que assim versa:

“Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, o artigo anterior (46) expressamente desobriga o consumidor das cláusulas contratuais das quais não foi oportunizado conhecer do seu conteúdo, ou se de difícil compreensão, nos seguintes termos:

“Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”

Durante muitos anos, viu-se quaisquer formas de solução alterativas de conflitos como procedimentos que dificultavam a defesa dos direitos do consumidor, sendo o único caminho a judicialização dos conflitos entre consumidores e fornecedores.

Assim – e, particularmente neste artigo, trataremos desta modalidade alternativa de solução de conflitos – a cláusula arbitral nos contratos de consumo foi tratada como cláusula nula, pois colocaria o consumidor em desvantagem excessiva em relação ao fornecedor em todas as situações em que estaria presente.

É bem verdade que nos contratos de adesão, em que o consumidor pouco ou nada pode opinar quanto às condições colocadas, mas tão somente optar por celebrar o contrato ou não, a incidência da nulidade tende a ser muito maior ante a imposição que ele representa.

E, na prática, era o que víamos em demandas que versavam sobre contratos que possuíam a cláusula compromissória arbitral. Invariavelmente, os pedidos formulados já continham a nulidade da cláusula arbitral simplesmente porque, no entendimento ali manifestado, já se trataria de condição abusiva a ensejar a impossibilidade da defesa dos direitos do consumidor.

Entretanto, não se pode, apenas pelo fato de existir a cláusula que prevê a solução de conflitos oriundos do contrato pela via da arbitragem, peremptoriamente taxá-la de abusiva, ilegal e nula de pleno direito, se dela conheceu e concordou o consumidor quando da assinatura do contrato.

Mais ainda: quando o consumidor aceita e participa do início do procedimento arbitral, aduzindo sua nulidade em processo judicial após estes fatos, demonstrando mínima aquiescência à cláusula compromissória de arbitragem.

Partindo desta premissa, a questão chegou até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) através do Recurso Especial nº 1.742.547, cuja relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi.

O caso em comento versava sobre demanda extinta sem resolução do mérito, na forma do inciso VII do artigo 485 do Código de Processo Civil[3], sendo esta mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG).

No Recurso Especial, que manteve as decisões anteriores, alegava-se a nulidade da cláusula compromissória por se tratar, no caso, de um contrato de adesão.

Em seu voto, a Ministra Nancy Andrighi destacou que “na hipótese dos autos, percebe-se claramente que os recorrentes aceitaram sua participação no procedimento arbitral, com a assinatura posterior do termo de compromisso arbitral, fazendo-se representarem com advogados de alta qualidade perante à câmara de arbitragem”.

Prosseguiu a Ministra aduzindo que “em vista da celebração de termo compromissório posterior ao contrato de compra e venda e, além disso, participaram ativamente do procedimento arbitral. Os supostos fatos novos deduzidos pela recorrente no curso da arbitragem não permitem que se afaste a jurisdição arbitral sobre a resolução do litígio instaurado entre as partes.”

Não se pode, portanto, ter como abusiva e ilegal, e consequente nula “de pleno direito”, a simples existência de cláusula compromissória arbitral. É necessário que se demonstre a efetiva imposição por parte do fornecedor nos contratos de consumo para que sejam então declaradas nulas.

 


[1] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

V – defesa do consumidor;

[2] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

[3]Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência;


Não é cabível ação anulatória para discutir prova nova ou erro de fato em sentença transitada em julgado

STJ


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou inviável a propositura de ação anulatória com o objetivo de desconstituir parte de sentença transitada em julgado que fixou pensão alimentícia em favor de vítima de acidente provocado pelo caminhão de uma empresa.

Ao restabelecer a sentença que extinguiu a ação em virtude da inadequação da via eleita, o colegiado entendeu, entre outros fundamentos, que a causa de pedir da ação – amparada em “prova nova” ou “erro de fato” – era própria, unicamente, de ação rescisória. Além disso, a turma concluiu que um dos temas discutidos pela empresa na ação – a revisão da pensão – já era objeto de outro processo, com a consequente caracterização de litispendência.

Em virtude do acidente, a vítima perdeu seu companheiro e ficou com sequelas permanentes que inviabilizaram o exercício profissional. Na sentença do processo indenizatório, para estabelecer a pensão mensal, o juiz considerou o valor de R$ 4 mil como remuneração da vítima, que trabalhava como biomédica à época do acidente, em 1996. De acordo com a sentença, a pensão deveria ser reajustada conforme a variação do salário mínimo.

No entanto, na ação anulatória, a empresa de transportes alegou que o valor da pensão se baseou em declaração de remuneração que não traduziu com exatidão os ganhos efetivamente recebidos pela vítima. Segundo a empresa, essa distorção elevou de forma desproporcional o montante das indenizações.

Relativiz​​ação

Em primeiro grau, o magistrado indeferiu a petição inicial da ação anulatória por reconhecer a inadequação daquela via processual. Além disso, o juiz apontou a existência de litispendência em relação ao pedido de revisão do cálculo da pensão, que já estava sendo discutido na fase de cumprimento de sentença da ação de indenização.

No julgamento de segunda instância, porém, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) anulou a sentença que indeferiu liminarmente a petição inicial. O TJMS concluiu que seria possível relativizar a coisa julgada em razão dos vultosos valores a que teria chegado o arbitramento da pensão alimentícia, que atingiriam, nos dias de hoje, um pensionamento de cerca de R$ 44 mil por mês e uma dívida acumulada de R$ 24 milhões.

Ainda segundo o TJMS, ao adotar o salário mínimo como referência para a atualização da pensão, a sentença contrariou o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal e a Súmula Vinculante 4 do Supremo Tribunal Federal.

Coisa ju​​lgada

O relator do recurso especial, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que a coisa julgada, a um só tempo, não apenas impede que a mesma controvérsia, relativa às mesmas partes, seja novamente objeto de ação e de outra decisão de mérito, como também promove o respeito e a proteção ao que ficou decidido em sentença transitada em julgado.

“Note-se que, uma vez transitada em julgado a sentença, a coisa julgada que dela dimana assume a condição de ato emanado de autoridade estatal de observância obrigatória – imune, inclusive, às alterações legislativas que porventura venham a ela suceder –, relegando-se a um segundo plano o raciocínio jurídico desenvolvido pelo julgador, os fundamentos ali exarados, a correção ou a justiça da decisão, pois estes, em regra, já não mais comportam nenhum questionamento”, apontou o ministro.

Apesar disso, lembrou Bellizze, a legislação estabelece situações específicas e taxativas em que se admite a desconstituição da coisa julgada por meio de ação rescisória, nos limites do prazo decadencial de dois anos, em regra. Entre essas situações, o artigo 966 do Código de Processo Civil de 2015 elenca a possibilidade de decisão fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria rescisória, além de erro de fato verificável no exame dos autos. Nesses casos, a desconstituição da coisa julgada se dá em sentença de mérito válida e eficaz.

Em outras hipóteses, destacou o relator, a doutrina e a jurisprudência também admitem ação anulatória para a declaração de vício insuperável de existência da sentença transitada em julgado – a qual, nesse caso, embora faça a chamada “coisa julgada formal”, não teria a capacidade de produzir efeitos concretos. As hipóteses incluem sentenças consideradas inconstitucionais, como aquelas fundadas em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Ação res​​​cisória

No caso dos autos, contudo, Marco Aurélio Bellizze destacou que a causa de pedir da ação anulatória tratou de matéria própria de ação rescisória – a ocorrência de “erro de fato” ou de “prova nova”. A constatação, segundo o ministro, vem dos próprios fundamentos da ação (a declaração de trabalho da biomédica, emitida pelo diretor de um hospital, além da alegação de que a pensão foi fixada em premissa equivocada).

Segundo o relator, caso a sentença transitada em julgado tenha adotado premissa com base em erro de fato ou posteriormente tenha sobrevindo prova nova, tais circunstâncias não comprometem a validade da sentença, de forma que sua desconstituição é possível, apenas, por meio de ação rescisória, dentro do prazo decadencial fixado em lei – que, no caso dos autos, foi ultrapassado há muito tempo.

Em relação às sentenças inconstitucionais, o relator ressaltou que, para efeito de inexigibilidade do título judicial, é imprescindível que a declaração, pelo STF, de inconstitucionalidade do normativo que fundamenta o título tenha ocorrido antes do trânsito em julgado da sentença discutida; se posterior, a coisa julgada, em nome da segurança jurídica, deve prevalecer.

“A par disso, também não é possível depreender, dos fundamentos utilizados pela corte estadual, a existência de um posicionamento consolidado do Supremo Tribunal Federal, anterior à formação do título judicial – tampouco posterior –, que pudesse atribuir à sentença transitada em julgado a pecha de inconstitucionalidade, seja quanto à adoção do salário mínimo como fator de correção monetária, seja quanto às disposições afetas ao teto da remuneração do serviço público”, disse o ministro.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1782867

Fonte: STJ


Adesão voluntária à arbitragem impede consumidor de buscar Judiciário para resolver conflito em contrato de adesão

STJ


​​​A cláusula compromissória, que determina a solução de conflitos por meio de arbitragem, é nula quando imposta ao consumidor. No entanto, é possível a instauração de procedimento arbitral em relações de consumo, mesmo no caso de contrato de adesão, se houver a concordância posterior das partes com esse mecanismo de solução extrajudicial de conflitos.

Com esse entendimento, a Terceira Turma manteve a extinção de ação indenizatória movida no Poder Judiciário por compradores de imóvel que alegam descumprimento contratual por parte da construtora.

Em primeira instância, a ação de indenização por danos materiais e morais foi julgada extinta, sem julgamento de mérito, com fundamento no artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil de 1973, tendo em vista a instauração de procedimento arbitral para dirimir a mesma controvérsia.

Os compradores alegaram que o compromisso arbitral seria nulo, por se tratar de um contrato de adesão (cujas cláusulas não podem ser negociadas pelo consumidor), mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a sentença, considerando que o termo que submeteu o litígio à arbitragem foi assinado posteriormente ao contrato de compra e venda do imóvel.

Compromisso au​​tônomo

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, ressaltou que o artigo 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem no momento da celebração do contrato, mas não impede que posteriormente, diante do litígio, havendo consenso entre as partes – em especial a aquiescência do consumidor –, seja instaurado o procedimento arbitral.

Segundo a relatora, é possível a utilização da arbitragem para a resolução de litígios originados de relação de consumo, desde que não haja imposição pelo fornecedor, ou quando a iniciativa da instauração do procedimento arbitral for do consumidor, ou, ainda, sendo a iniciativa do fornecedor, se o consumidor vier a concordar com ela expressamente.

Nancy Andrighi esclareceu que, no caso em julgamento, os consumidores celebraram, de forma autônoma em relação ao contrato de compra do imóvel, um termo de compromisso, e participaram ativamente do procedimento arbitral.

“Percebe-se claramente que os recorrentes aceitaram sua participação no procedimento arbitral, com a assinatura posterior do termo de compromisso arbitral, fazendo-se representar por advogados de alta qualidade perante a câmara de arbitragem”, comentou a ministra ao negar provimento ao recurso dos consumidores.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1742547

Fonte: STJ


Imunidade Tributária não é estendida a ocupante de imóvel público

STJ


A Imunidade Tributária consiste em uma vedação legal à cobrança de e tributos sobre o contribuinte. Nas palavras do professor Amílcar Falcão, a imunidade tributária “é uma forma qualificada ou especial de não incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas pelo estatuto supremo[1].”

A Constituição Federal traz em seu artigo 150, VI[2], as hipóteses de imunidade tributária. São elas:

  1. a) Imunidade recíproca às pessoas políticas (União, Estados, DF e Municípios);
  2. b) Imunidade do patrimôniorendaserviçosdas autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
  3. c) Imunidade do patrimônio, da renda e dos serviços dos templos de qualquer culto;
  4. d) Imunidade dos partidos políticos, sindicatos dos empregados, instituições assistenciais e educacionais sem fins lucrativos;
  5. e) Imunidade dos jornais, livros, periódicos e o papel destinado à sua impressão.
  6. f) Imunidade de fonogramas e videogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras de artistas brasileiros.

Neste artigo, nos ateremos apenas quanto à hipótese ventilada na alínea “a” do inciso VI do artigo 150 da Constituição, e sua aplicação em um caso concreto recentemente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça.

A hipótese versa sobre uma concessionária de serviços público que ocupa prédio pertencente à Marinha do Brasil, portanto, à União, e sobre a obrigatoriedade ou não ao pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano por parte dela.

Em sua tese, a concessionária alegou que não é a responsável pelo pagamento do tributo de imóvel pertencente à União Federal, o qual ocupa, mais ainda por não ser a proprietária do terreno e ainda o imóvel gozar da imunidade na forma do artigo 150, VI,a, da Constituição Federal.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu pertinentes os argumentos acima, entendendo que a posse da concessionária se dava sem animus domini, pelo que haveria a inocorrência do fato gerador do imposto.

O Recurso Especial da Municipalidade titular do imposto em questão foi inadmitido na origem, provocando a interposição do respectivo Agravo ao Superior Tribunal de Justiça.

O referido Recurso de Agravo foi autuado sob o nº 853.350, e a relatoria coube ao Ministro Napoleão Nunes Maia, que monocraticamente o proveu, entendendo que a matéria encontra-se pacificada em âmbito de Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o julgamento do Recurso Extraordinário nº 601.720/RJ.

Inconformada, a concessionária interpôs Agravo Interno, o qual foi desprovido pelo colegiado da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Em seu voto, o Ministro Napoleão Nunes Maia novamente fez referência ao julgado paradigma do Supremo Tribunal Federal, aduzindo que “O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 601.720/RJ, sob o regime da repercussão geral, ao apreciar o Tema 437 – reconhecimento de imunidade tributária recíproca à empresa privada ocupante de bem público -, assentou a tese de que incide o IPTU considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido à pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo.”

Lançando apenas tal argumento, o Ministro Relator concluiu que “impõe-se reconhecer que o acórdão recorrido não se encontra em sintonia com a novel orientação do Supremo Tribunal Federal, devendo ser mantida a decisão que deu provimento ao Apelo Nobre do Município.”

Apesar de simples, importante destacar que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, antes favorável à tese advogada pela concessionária, curvou-se ao entendimento (com repercussão geral) manifestado pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento ocorrido ano passado, no processo já citado acima.

Para ilustração, o voto proferido naquele processo leva em conta a interpretação constitucional do § 3º do artigo 150 da Constituição[3], e guia seu entendimento no fato de haver, no uso do imóvel, a exploração de atividade econômica.

Neste mesmo voto, o Ministro Relator do Recurso Extraordinário aduziu que “uma vez verificada atividade econômica, nem mesmo as pessoas jurídicas de direito público gozam da imunidade, o que dizer quanto às de direito privado.”

E, desta forma, acabou por colocar uma pá-de-cal sobre a controvérsia, afastando talvez o aspecto mais importante do fato gerador do imposto em referência: a propriedade do imóvel urbano.

Todas as decisões acerca do tema seguirão, invariavelmente, o entendimento exposto acima, não cabendo mais discussões acerca da matéria.

 


[1] FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. São Paulo: RT, 1971, p. 64

[2] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI – instituir impostos sobre:                  (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

  1. a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
  2. b) templos de qualquer culto;
  3. c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
  4. d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
  5. e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.                  (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013)

[3] § 3º As vedações do inciso VI, “a”, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.


Primeira Turma reafirma que não há litisconsórcio necessário nos casos de responsabilidade solidária

STJ


A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento a recurso especial para afastar a formação de litisconsórcio passivo necessário em ação de cobrança, cumulada com ressarcimento e declaratória de direitos, ajuizada por empresa pública em desfavor de algumas contratadas.

Em razão do descumprimento de prazos na execução do contrato e da previsão da responsabilidade solidária entre as contratadas, a empresa pública ajuizou ação ordinária de cobrança, cumulada com ressarcimento e declaratória de direitos, em desfavor de apenas duas empresas contratadas.

No entanto, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) reconheceu a existência de litisconsórcio passivo necessário entre todas as empresas contratadas (no que se refere à pretensão de cunho declaratório) e deferiu o chamamento ao processo de outra empresa no tocante ao pedido relacionado ao fornecimento de um produto.

No recurso apresentado ao STJ, a empresa pública defendeu a inexistência de litisconsórcio passivo necessário, alegando haver responsabilidade solidária entre todas as empresas consorciadas. Afirmou ainda a impossibilidade de chamamento ao processo da outra empresa nos termos do artigo 77, III, do Código de Processo Civil, explicando haver convenção de arbitragem entre as consorciadas, e acrescentou que a formação de litisconsórcio passivo implicaria o ingresso no feito de mais dez réus, entre eles pessoas jurídicas paraguaias, o que acarretaria enorme tumulto processual e atravancaria o processo.

Responsabilidade so​lidária

O relator, ministro Benedito Gonçalves, explicou que a jurisprudência do STJ possui entendimento de que não há litisconsórcio necessário nos casos de responsabilidade solidária.

“O acórdão de origem encontra-se em divergência do entendimento firmado no âmbito desta corte, segundo o qual não há litisconsórcio necessário nos casos de responsabilidade solidária, sendo facultado ao credor optar pelo ajuizamento da ação contra um, alguns ou todos os responsáveis”, afirmou.

Benedito Gonçalves explicou que a responsabilidade solidária prevista em contrato afasta o litisconsórcio passivo necessário, qualquer que seja a natureza do pedido correlato ao contrato, tendo o credor, portanto, o direito de escolher quais coobrigados serão incluídos no polo passivo, ainda que o pleito seja declaratório.

“É de se concluir pela desnecessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário com as demais empresas contratadas, as quais a credora optou por não incluir como rés na demanda”, destacou.

Ao dar parcial provimento ao recurso, o relator acrescentou que, em relação à alegação da empresa pública de impossibilidade de chamamento ao processo de apenas uma outra empresa, a insurgência não deve ser acolhida, pois não é preciso que o réu demandado chame ao processo todos os demais devedores.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1625833

Fonte: STJ


Primeira Turma nega extensão da imunidade tributária para ocupante de imóvel público

STJ


A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido da empresa Barcas S.A. – concessionária do serviço de transporte aquaviário de passageiros no Rio de Janeiro, que utiliza um imóvel situado em terreno de marinha pertencente à União – para não pagar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) relativo ao ano 2000.

A decisão reformou o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o qual, mantendo a sentença, estabeleceu que a concessionária não seria responsável pelo pagamento do IPTU referente ao imóvel de propriedade federal, em razão da imunidade tributária recíproca entre os entes federativos.

Na origem do caso, o município do Rio ajuizou execução fiscal contra a concessionária por débitos de IPTU. Em sua defesa, a empresa alegou que é simples ocupante do espaço, a título de delegatária, e que a verdadeira proprietária é a União, que goza de imunidade tributária. O município, porém, sustentou não ser possível estender à concessionária os benefícios fiscais da União, posto que esses benefícios não seriam extensivos ao setor privado.

S​TF

No STJ, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, ao julgar monocraticamente o recurso do município contra a decisão do TJRJ, reconheceu que a concessionária deve responder pelo pagamento do imposto.

Em agravo para a Primeira Turma, buscando reformar a decisão monocrática, a empresa insistiu em sua tese e ainda alegou que a rediscussão da responsabilidade sobre o tributo implicaria o reexame de provas e de questões fáticas – o que não é aceito pelo STJ em recurso especial (Súmula 7).

No voto, que foi acompanhado por unanimidade pela Primeira Turma, o ministro Napoleão Maia Filho destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF), sob o regime da repercussão geral, permitiu a cobrança de imposto municipal sobre terreno público cedido a empresa privada ou de economia mista. A tese definiu que incide o IPTU sobre imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, que é a devedora do tributo.

Com base nesse entendimento, os ministros negaram provimento ao agravo da concessionária.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):AREsp 853350

Fonte: STJ


Ajuizamento da ação é o marco para a incidência de correção monetária em ação de ressarcimento em dobro de valores provenientes de cobrança indevida

STJ


Um dos pontos que mais suscita dúvidas nas sentenças de mérito condenatórias e que envolvem valores é o termo inicial da correção monetária de incidentes sobre as verbas ali contidas.

A Lei, mais precisamente o Código Civil, determina que nas obrigações inadimplidas o devedor responde por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado[1].

É certo que a correção monetária representa a recomposição do valor da moeda tendo em vista a perda ocorrida em determinado período. E, como visto acima, sua incidência recorre de Lei, o que até mesmo dispensaria que constasse expressamente no dispositivo da sentença condenatória.

Entretanto, de acordo com a natureza da verba conferida na sentença, o termo inicial da correção monetária sofre alterações, podendo incidir desde o desembolso para ressarcimento de damos materiais, da data do efetivo prejuízo sobre dívida proveniente de ato ilícito na forma da Súmula 43[2] do Superior Tribunal de Justiça, ou ainda desde o julgado que fixar o valor dos danos morais, na forma da Súmula 362[3] do mesmo Tribunal Superior.

Frequentemente, vemos a necessidade do manejo de Embargos de Declaração para ver sanada a omissão quanto ao termo inicial da incidência da correção monetária, uma vez que acaba o tema passando por um critério interpretativo do juiz.

Uma das situações em que havia mais dúvidas quanto ao termo inicial de incidência da correção monetária dizia respeito à dobra contida no artigo 940 do Código Civil. Eis sua redação:

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

A questão foi recentemente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça através do Recurso Especial nº 1.628.544, cuja relatoria coube à Exma. Ministra Nancy Andrighi.

No caso dos autos, uma empresa ajuizou ação monitória em face de um condomínio que, em sede de Embargos Monitórios, argumentou que, dentro do valor cobrado, havia valores já pagos, e pugnou o ressarcimento em dobro, na forma do artigo 940 do Código Civil, dos valores já pagos e cobrados indevidamente.

O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu pela aplicação da dobra legal, a partir do julgado que condenou ao pagamento da verba em referência. Tal entendimento motivou o manejo do Recurso Especial pelo Condomínio, que entendia que a incidência da correção monetária a partir do julgado em verdade premiaria o ilícito cometido.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, e seguindo o voto da Ministra Relatora, deu parcial provimento ao Recurso Especial, por entender que o termo inicial da correção monetária deveria ser, no caso em referência, o ajuizamento da ação monitória.

Na forma do voto da Ministra Nancy Andrighi, “se a recomposição monetária tem por objetivo exatamente a recomposição no tempo do valor da moeda em que se expressa determinada obrigação pecuniária, deve-se reconhecer que o termo inicial de sua incidência deve ser a data em que indevidamente cobrado tal valor – que deve ser ressarcido em dobro –, ou seja, a data de ajuizamento da ação monitória”.

Ressaltou a Relatora que, ainda que a condenação a dobra só tenha ocorrido em segunda instância através do julgamento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, na verdade, a cobrança indevida nasce com o ajuizamento da ação monitória, naquilo que foi objeto de indenização.

Por fim, concluiu a Ministra Relatora que “é por este motivo que a atualização monetária remonta à data em que se deu o ajuizamento da ação monitória, já que o valor, à época em que cobrado indevidamente – e que deverá ser restituído ao condomínio –, é que deve submeter-se à correção monetária.”

Há que se observar com cautela o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.

No caso em comento, o ato de cobrança indevida, consubstanciada no ajuizamento de Ação Monitória, não acarretou o pagamento ou, mais especificamente, o efetivo desembolso imediato de quantia cobrada indevida por parte do Embargante. Se este não precisou dispor do valor para apenas recuperá-lo com a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, não experimentou a perda do valor da moeda e a necessidade de sua recomposição.

E tal afirmativa se faz com base no artigo 702 do Código de Processo Civil, em que é expressamente dispensada a segurança do juízo para a oposição dos Embargos Monitórios[4].

Assim, entendemos que a correção monetária, neste caso, poderia ter seu termo inicial quando da constituição do direito à dobra contida no artigo 940 do Código Civil.


[1] Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

[2] Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.

[3] A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.

[4] Art. 702. Independentemente de prévia segurança do juízo, o réu poderá opor, nos próprios autos, no prazo previsto no art. 701 , embargos à ação monitória.


Pagamento em dobro por cobrança indevida deve ser corrigido desde ajuizamento da ação

STJ


​Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, quando a parte é condenada a pagar em dobro o valor da dívida que cobrou indevidamente (artigo 940 do Código Civil), o termo inicial da correção monetária é a data de ajuizamento da ação monitória, que, na hipótese, foi a data em que ocorreu o ato de cobrança indevida.

O colegiado reformou, em parte, acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que fixou como termo inicial para a correção monetária do valor o momento do arbitramento, ou seja, o momento em que foi reconhecido pela Justiça o dever de pagar a quantia em dobro.

Segundo os autos, uma construtora ajuizou ação monitória para receber de um condomínio dívida de R$ 421.913,27. O condomínio questionou a cobrança, argumentando que havia sido desconsiderado montante já pago de R$ 246.349,90, e pediu a condenação da construtora ao pagamento em dobro do valor cobrado de forma indevida.

Obrigação ine​​xistente

Os embargos monitórios do condomínio foram julgados procedentes para reconhecer a inexistência da obrigação de pagar a quantia perseguida com a ação monitória. Após a interposição de apelação por parte do condomínio, o TJSP determinou que a construtora pagasse a quantia indevidamente cobrada em dobro.

Decisão interlocutória reconheceu que sobre o valor da condenação em dobro deveriam incidir correção monetária e juros.

No recurso ao STJ, o condomínio argumentou que a indenização por cobrança de dívida já paga deve ser corrigida e acrescida de juros a partir da data em que ocorreu o ato de cobrança indevida. Para o recorrente, reconhecer que os encargos incidiriam somente a partir da data do arbitramento premia o ilícito cometido pela construtora, que durante anos insistiu na cobrança da dívida já paga.

Juros e corr​​​eção

De acordo com a relatora, ministra Nancy Andrighi, como a construtora não tinha possibilidade de satisfazer a obrigação pecuniária enquanto não estivesse fixada a obrigação pelo tribunal, os juros moratórios deveriam ser pagos a partir da data em que ela foi condenada à pena prevista no artigo 940do Código Civil.

A correção monetária, por sua vez, como lembrou a ministra, tem por finalidade a recomposição do valor da moeda no tempo. Na hipótese analisada, o termo inicial deve remontar à data em que se deu o ajuizamento da ação monitória, já que o valor cobrado indevidamente é que deve submeter-se à correção monetária.

“Se a recomposição monetária tem por objetivo exatamente a recomposição no tempo do valor da moeda em que se expressa determinada obrigação pecuniária, deve-se reconhecer que o termo inicial de sua incidência deve ser a data em que indevidamente cobrado tal valor – que deve ser ressarcido em dobro –, ou seja, a data de ajuizamento da ação monitória”, afirmou.

Nancy Andrighi ressaltou que, mesmo que a condenação só tenha ocorrido posteriormente no tribunal de segunda instância, o reconhecimento do pagamento em dobro deve levar em conta, na verdade, o valor indevidamente cobrado pela construtora, pois é esse o montante que será objeto da indenização.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1628544

Fonte: STJ


Impugnação de crédito apresentada fora do prazo da Lei de Falência não deve ser analisada

STJ


No curso do processo de recuperação judicial, o mérito da impugnação de crédito apresentada fora do prazo previsto no artigo 8º da Lei 11.101/2005 não deve ser analisado, já que se trata de prazo específico legalmente estipulado.

Por maioria, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou esse entendimento para rejeitar o recurso de um banco, mantendo decisão que impediu a análise do mérito de impugnação apresentada pela instituição financeira fora do prazo legal.

No caso, a impugnação de crédito, apresentada cinco dias após o prazo, foi acolhida pelo juízo responsável. A decisão, porém, foi reformada pelo tribunal de segunda instância, que considerou a impugnação intempestiva.

No recurso ao STJ, o banco afirmou que a impugnação não pode ser julgada intempestiva, pois as impugnações retardatárias estão sujeitas apenas ao recolhimento de custas.

Em voto seguido pela maioria da Terceira Turma, a ministra Nancy Andrighi destacou que a Lei de Falência e Recuperação de Empresas não deixa margem a dúvidas.

Segundo ela, a norma do artigo 8º “contém regra de aplicação cogente, que revela, sem margem para dúvida acerca de seu alcance, a opção legislativa a incidir na hipótese concreta. Trata-se de prazo peremptório específico, estipulado expressamente pela lei de regência”.

Nancy Andrighi disse que a eventual superação da regra legal só pode ser admitida de forma excepcional, observadas determinadas condições específicas, tais como elevado grau de imprevisibilidade, ineficiência ou desigualdade – circunstâncias que não foram verificadas no caso em julgamento.

Escolha do legi​​slador

Para a ministra, a regra foi inserida na lei por escolha consciente do legislador, após a ponderação sobre aspectos como isonomia e celeridade processual, não havendo espaço para “interpretações que lhe tirem por completo seus efeitos, sob pena de se fazer letra morta da escolha parlamentar”.

De acordo com Nancy Andrighi, esse entendimento não revela tratamento discriminatório ao credor impugnante frente àquele que foi omitido na lista inicial apresentada pelo administrador.

Ela ressaltou que há uma grande diferença que justifica a existência de prazos distintos para a habilitação retardatária e para a impugnação: no primeiro caso, credores omitidos na lista inicial buscam a inclusão de seu crédito no plano de recuperação; no segundo, partes já contempladas na relação de credores tentam modificar o valor ou a classificação de seu crédito.

Quanto à habilitação retardatária, explicou que “não se tem juízo de certeza acerca de quando o credor cujo nome foi omitido da relação unilateral feita pela recuperanda teve ciência do processamento da recuperação judicial”.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1704201

Fonte: STJ


Companheira concorre igualmente com descendentes quando se tratar de filiação híbrida

STJ


​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento a recurso especial para fixar que o quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com os demais herdeiros – filhos comuns e filhos exclusivos do autor da herança –, deve ser igual ao dos descendentes quando se tratar dos bens particulares do de cujus.

O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, em sede de agravo de instrumento no curso de ação de inventário de bens, decidiu que os institutos do casamento e da união estável deveriam ter tratamento diferente e que, em relação aos bens adquiridos na constância da união estável, caberia à companheira receber quinhão hereditário igual ao dos filhos comum e exclusivos do inventariado.

Para o MP, concorrendo a companheira com o filho comum e, ainda, com os filhos exclusivos do falecido, deveria ser adotada a regra do inciso II do artigo 1.790 do Código Civil, pois esta seria a que melhor atenderia aos interesses dos filhos – ainda que a filiação seja híbrida –, não se podendo garantir à convivente cota maior em detrimento dos filhos do falecido, pois já lhe cabe a metade ideal dos bens adquiridos onerosamente durante a união.

O Ministério Público alegou também violação ao artigo 544 do Código Civil por força da doação de imóvel pelo de cujus à sua companheira em 1980 (bem que integraria o patrimônio comum dos companheiros, pois foi adquirido na constância da união).

No caso analisado, o homem viveu em união estável com a recorrida de outubro de 1977 até a data do óbito, tendo com ela um filho. Além desse filho, o falecido tinha seis outros filhos exclusivos.

Inconstitucionalid​​ade

O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que o Supremo Tribunal Federal já havia reconhecido como inconstitucional a diferenciação dos regimes sucessórios do casamento e da união estável, ao julgar o RE 878.694.

“Ocorre que o artigo 1.790 do CC foi declarado, incidentalmente, inconstitucional pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 878.694, sendo determinada a aplicação ao regime sucessório na União Estável o quanto disposto no artigo 1.829 do CC acerca do regime sucessório no casamento”, observou.

Concorrên​​cia

Sobre o reconhecimento, pelo acórdão recorrido, de que a convivente teria direito ao mesmo quinhão dos filhos do autor da herança em relação aos bens adquiridos na constância do casamento, o ministro observou que, ao julgar o REsp 1.368.123, a Segunda Seção do STJ fixou entendimento de que, nos termos do artigo 1.829, I, do CC de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares, e a referida concorrência será exclusivamente quanto aos bens particulares.

Sanseverino explicou que, quando “reconhecida a incidência do artigo 1.829, I, do CC e em face da aplicação das normas sucessórias relativas ao casamento, aplicável o artigo 1.832 do CC, cuja análise deve ser, de pronto, realizada por esta Corte Superior, notadamente em face da quota mínima estabelecida ao final do referido dispositivo em favor do cônjuge (e agora companheiro), de ¼ da herança, quando concorre com seus descendentes”.

De acordo com o relator, o Enunciado 527 da V Jornada de Direito Civil fixou que a interpretação mais razoável do enunciado normativo do artigo 1.832 do Código Civil é a de que a reserva de 1/4 da herança se restringe à hipótese em que o cônjuge concorre com filhos comuns do casal e com os filhos exclusivos do cônjuge que faleceu.

Descen​​dentes

Segundo o ministro, tanto a Constituição Federal (artigo 227, parágrafo 6º) quanto a interpretação restritiva do artigo 1.834 do CC asseguram a igualdade entre os filhos e o direito dos descendentes exclusivos de não verem seu patrimônio reduzido mediante interpretação extensiva da norma.

Para Sanseverino, não é possível falar em reserva quando a concorrência se estabelece entre o cônjuge e os descendentes apenas do autor da herança, ou, ainda, em hipótese de concorrência híbrida, ou seja, quando concorrem descendentes comuns e exclusivos do falecido.

“É de rigor, por conseguinte, a parcial reforma do acórdão recorrido, reconhecendo-se que a recorrida concorrerá com os demais herdeiros apenas sobre os bens particulares (e não sobre a totalidade dos bens do de cujus), recebendo, cada qual, companheira e filhos, em relação aos referidos bens particulares, o mesmo quinhão”, concluiu.

O ministro entendeu não ter sido demonstrada violação à legislação no questionamento trazido pelo MP em relação à validade de doação da sua propriedade de imóvel feita pelo finado à sua companheira em 1980.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1617501

Fonte: STJ