Cobrança de quantia materializada em boleto bancário prescreve em cinco anos
Novamente nos debruçamos sobre o instituto jurídico da prescrição, desta vez em um aspecto que diz respeito a uma atividade corriqueira em nosso cotidiano: a emissão de boletos de cobrança.
Invariavelmente, o boleto bancário materializa a cobrança de valores constantes em instrumentos contratuais que balizam as obrigações contraídas pelas partes, como prestação de serviços, seguros e aluguéis, nos indicando o valor líquido da dívida ou obrigação a ser saldada.
Assim, eles tão somente representam o valor a ser saldado, oriundo da obrigação principal materializada em contrato ou pacto firmado pelas partes, atraindo, em um primeiro momento, que a natureza da obrigação principal é que delineará a análise da prescrição para sua cobrança, materializada na ação competente, nos moldes dos artigos 205[1] e 206[2] do Código Civil.
Entretanto, ao emitir o Boleto de Cobrança, materializando uma dívida líquida constante em instrumento público ou particular, ainda que ela derive, exemplificativamente, de um contrato de seguro, e se efetivar a ação judicial de cobrança daquela dívida no boleto emitido, o prazo prescricional para cobrança da obrigação principal poderia então ser alterado por conta da forma em que foi cobrada?
Recentemente, ao julgar o Recurso Especial de nº 1.763.160, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o prazo prescricional aplicável em ação de cobrança materializada em boleto bancário é de cinco anos, na forma do artigo 206, § 5º, I, do Código de Processo Civil.
Na ementa, o relator delimita a controvérsia a discutir:
- a) o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança, materializada em boleto bancário, ajuizada por operadora do plano de saúde contra empresa que contratou o serviço de assistência a médico-hospitalar para seus empregados e
- b) o termo inicial da correção monetária e dos juros de mora.
Importante destacar que, em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) manteve entendimento do Juízo de piso com o reconhecimento da prescrição decenal, na forma do artigo 205 do Código Civil, alegando não haver prazo prescricional específico, enquanto a operadora sustentava que, em relação securitária, deveria incidir o disposto no artigo 206, § 1º, II, do Código Civil.
Em seu voto, o Ministro Villas Bôas Cueva, Relator do processo, explicou que “não se desconhece que a jurisprudência desta Corte Superior tem entendido ser aplicável o prazo prescricional de 10 (dez) anos para as pretensões resultantes do inadimplemento contratual (EREsp 1.280.825/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 27/6/2018, DJe 2/8/2018)”.
Ressaltou, entretanto, o Ministro Relator que “apesar de existir uma relação contratual entre as partes, verifica-se que a ação de cobrança está amparada em um boleto de cobrança e que o pedido se limita ao valor constante no documento”, justificando a adequação da aplicação do dispositivo legal constante do artigo 206, § 5º, I, do Código Civil.
Por fim, aduziu em seu voto que “o boleto bancário não constitui uma obrigação de crédito por si só. Contudo, a jurisprudência tem entendido que ele pode, inclusive, amparar execução extrajudicial quando acompanhado de outros documentos que comprovem a dívida.”
Há, portanto, que se entender a peculiaridade do caso e curvar-se sobre o entendimento emanado do acórdão acima analisado, pois, no caso em comento, cobrava-se tão somente os valores contidos no boleto de cobrança, sendo este o título a embasar a referida ação. Fosse uma ação de cobrança pelo descumprimento das cláusulas contratuais, tendo o contrato como base, atrair-se-ia, sem qualquer sobra de dúvidas, a prescrição decenal.
[1] Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
[2]Art. 206. Prescreve:
- 1º Em um ano:
I – a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
- a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
- b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III – a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;
IV – a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;
V – a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.
- 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
- 3º Em três anos:
I – a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II – a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III – a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V – a pretensão de reparação civil;
VI – a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;
VII – a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
- a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;
- b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
- c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX – a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
- 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
- 5º Em cinco anos:
I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
II – a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;
III – a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
Prazo prescricional de cobrança amparada em boleto bancário é de cinco anos, decide Terceira Turma
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança materializada em boleto bancário é de cinco anos.
O relator, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que, “apesar de existir uma relação contratual entre as partes, verifica-se que a ação de cobrança está amparada em um boleto de cobrança e que o pedido se limita ao valor constante no documento”, atraindo a incidência do disposto no inciso I do parágrafo 5º do artigo 206 do Código Civil, que prevê o prazo prescricional de cinco anos para a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular.
O ministro acrescentou que, segundo entendimento firmado pelo STJ, nas dívidas líquidas com vencimento certo, a correção monetária e os juros de mora incidem a partir da data do vencimento da obrigação, mesmo quando se tratar de obrigação contratual.
Boleto vencido
A controvérsia analisada teve origem em ação de cobrança ajuizada por operadora de plano de saúde contra empresa que contratou assistência médico-hospitalar para seus empregados.
Em primeiro grau, o pedido da operadora foi julgado procedente, e a empresa ré foi condenada a pagar o valor constante do boleto bancário não quitado, acrescido de correção monetária e juros desde o vencimento.
Quanto à prescrição, o magistrado entendeu que se aplica o prazo geral de dez anos previsto no artigo 205 do Código Civil de 2002 por se tratar de pretensão referente à prestação de serviços, não ao contrato de seguro. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a sentença.
No recurso apresentado ao STJ, a empresa ré sustentou a prescrição da ação de cobrança, por se tratar de pretensão do segurador contra o segurado, hipótese que atrairia a aplicação do prazo de um ano estabelecido no artigo 206, parágrafo 1º, II, do CC/2002.
Prazos prescricionais
Segundo o relator, não é possível aplicar ao caso a prescrição de um ano prevista para ações sobre direitos referentes a contratos de seguro. “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que não se aplica a prescrição ânua (artigo 206, parágrafo 1º, II, do CC/2002) para as ações que discutem direitos oriundos de planos ou seguros de saúde”, afirmou.
Villas Bôas Cueva destacou que, conforme definido pelo STJ em recurso repetitivo, prescreve em três anos a possibilidade de pedir restituição de valores pagos indevidamente em virtude de nulidade de cláusula de reajuste tida por abusiva em contrato de plano ou seguro de assistência à saúde, nos termos do artigo 206, parágrafo 3º, IV, do CC/2002 (Tema 610).
O ministro também citou precedentes segundo os quais prescreve em dez anos (prazo geral fixado no artigo 205) a pretensão de cobrança de despesas médico-hospitalares contra a operadora do plano de saúde em virtude do descumprimento da prestação de serviço.
Porém, o prazo de dez anos (artigo 205 do Código Civil) adotado pelo TJSP não é a solução mais adequada para o caso em análise – observou o ministro –, visto que tal prazo é residual, devendo ser aplicado apenas quando não houver regra específica que estabeleça prazo inferior.
Relação contratual
De acordo com Villas Bôas Cueva, apesar de haver uma relação contratual, pois se trata de demanda ajuizada pela operadora do plano contra empresa que contratou a assistência médico-hospitalar para seus empregados, a ação está amparada em um boleto de cobrança, e o pedido se limita ao valor constante no documento.
Por tal motivo, deve ser aplicado o prazo de cinco anos, previsto no inciso I do parágrafo 5º do artigo 206 do CC/2002.
Ao negar provimento ao recurso da empresa ré contra a operadora, o ministro observou que, apesar de afastado o prazo decenal adotado pelo juízo de origem, não houve o decurso do prazo de cinco anos aplicado para esse tipo de pretensão.
Leia o acórdão.