Intimação eletrônica prevalece sobre publicações no órgão oficial
O processo eletrônico foi instituído em nosso
ordenamento jurídico pela Lei Federal nº 11.419, de 19 de Dezembro de 2006 e,
com ele, as modalidades de comunicação e intimação eletrônicas dos atos
processuais feitos nestes processos.
Em seu artigo 4º [1], a Lei
permitiu aos Tribunais criarem Diários de Justiça Eletrônicos, disponibilizados
em sítio na rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e
administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicação
em geral, mas, ainda assim, trata este artigo da publicação de um determinado
ato processual em um periódico oficial, ainda que eletrônico.
No artigo seguinte, qual seja o artigo 5º [2], a Lei
faz referência às intimações feitas de maneira eletrônica dentro do próprio
ambiente do sistema informatizado utilizado pelo respectivo tribunal, em portal
próprio, aos que se cadastrarem na forma da Lei [3], dispensando-se
a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.
Desta forma, e pela simples leitura dos artigos
acima citados, o entendimento é de que não haveria mais a publicação dos atos
processuais em órgão oficial no âmbito do processo eletrônico, inclusive aquele
que trata o artigo 4º acima citado.
Entretanto, na prática, não é o que acontece em
diversas serventias de diversos tribunais.
Invariavelmente, vê-se a ocorrência de publicações
no Diário de Justiça Eletrônico e também a intimação eletrônica feita no
ambiente próprio do processo eletrônico nos sistemas informatizados de diversos
Tribunais e serventias, feitas em referência ao mesmo ato processual.
E, com isso, ocorrem na prática duas intimações de
atos processuais, sendo certo que a Lei Processual considera ambos os casos
como marcos para o início da contagem para atendimento dos prazos processuais,
como se observa dos incisos V e VII do artigo 231 do Código de Processo Civil [4].
Assim, há o questionamento natural: como se aferir
a tempestividade de um prazo processual a partir de dois termos iniciais que,
por certo, levariam à existência de duas datas distintas para a verificação do
término do prazo processual.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou
a questão através do Recurso Especial nº 1.330.052, cuja relatoria coube ao
Ministro Luis Felipe Salomão.
O Ministro Relator entendeu que, havendo
duplicidade de intimações, a data da intimação eletrônica do advogado no âmbito
do sistema do processo eletrônico dos tribunais prevalece para fins de contagem
de prazos sobre a data da publicação da decisão no Diário da Justiça Eletrônico
(DJe).
Em seu voto, o Ministro Salomão, citando o artigo
5º da Lei do Processo Eletrônico, entendeu que “a referida interpretação protege a confiança dos patronos e
jurisdicionados nos atos praticados pelo Poder Judiciário, zelando pelo
princípio da presunção de legalidade e da boa-fé processual, evitando, por fim,
a indesejável surpresa na condução do processo”.
Igualmente, o Ministro citou o artigo 272 [5] do
Código de Processo Civil, que acaba por tornar regra a intimação eletrônica,
tratando como residual e subsidiária a publicação dos atos no órgão oficial.
Com este entendimento, o STJ
reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que havia
considerado intempestivo recurso interposto se fosse considerada a publicação
do Diário de Justiça Eletrônico (DJe), mas que seria tempestivo se o prazo
fosse contado a partir da intimação eletrônica. A esse respeito, ressaltou o
Ministro que tal situação acarretaria “efetivo prejuízo à parte
recorrente, máxime porque a comunicação por via eletrônica partiu da própria
corte de origem, devendo os atos judiciais serem respeitados, ante a presunção
de legalidade a eles imanente, de sorte a preservar os princípios da não surpresa
e da proteção da confiança”.
Entendemos que a decisão acaba por, de certa forma,
trazer segurança jurídica às partes e aos advogados envolvidos nas demandas
jurídicas, uma vez que não mais haverá dúvidas quanto ao marco inicial dos
prazos processuais.
Entretanto, se é a intimação (seja ela qual for) o
ato que torna a ciência inequívoca da parte ou de seus procuradores da
necessidade de cumprimento de algum prazo processual, e partindo-se do
princípio que inexiste nulidade em ambos, talvez fosse adequado entender que o
prazo seria deflagrado a partir da ocorrência do primeiro ato de intimação,
repita-se, partindo-se do princípio de que ambos são válidos.
Ainda assim, o melhor cenário seria aquele em que
se observaria o estrito cumprimento pelas serventias do disposto no artigo 5º
da Lei Federal 11.419/2006, evitando-se a ocorrência de duas formas distintas
de intimação.
[1]Art.
4o Os tribunais poderão criar Diário da Justiça
eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para
publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles
subordinados, bem como comunicações em geral.
[2]Art.
5o As intimações serão feitas por meio eletrônico em
portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2o desta
Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.
[3]Art.
2o O envio de petições, de recursos e a prática de atos
processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de
assinatura eletrônica, na forma do art. 1o desta Lei,
sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme
disciplinado pelos órgãos respectivos.
[4]Art.
231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do
prazo:
V – o
dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término
do prazo para que a consulta se dê, quando a citação ou a intimação for
eletrônica;
VII – a
data de publicação, quando a intimação se der pelo Diário da Justiça impresso
ou eletrônico;
[5]Art.
272. Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as
intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.
A possibilidade de se dividir em subclasses os credores da Recuperação Judicial
De acordo com a Lei Federal 11.101/05, quando do requerimento de Recuperação Judicial por parte de uma sociedade empresária, seus credores são divididos em classes, de acordo com a natureza de seus créditos.
Ademais,
tal divisão se faz necessária para efeitos de participação e voto na
assembleia-geral de credores, que definirá a aprovação do Plano de Recuperação
Judicial, a escolha do Comitê de Credores, eventual pedido de desistência de
algum devedor, nomeará o gestor judicial e qualquer outra matéria que possa
interferir ou afetar os interesses dos credores [1].
Na
forma da legislação acima citada, a Assembleia-geral de Credores será composta
pelas seguintes classes de credores, conforme o artigo 41:
Art.
41. A assembleia-geral será composta pelas seguintes classes de credores:
I –
titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de
acidentes de trabalho;
II
– titulares de créditos com garantia real;
III – titulares de créditos
quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.
IV – titulares de créditos enquadrados
como microempresa ou empresa de pequeno porte.
Estas
são, portanto, as classes de credores previstas em lei. Entretanto, e por
particularidades existentes em cada Recuperação Judicial, alguns credores da
mesma classe podem apresentar interesses homogêneos entre si, mas não comuns a
todos aqueles integrantes da referida classe, ou ainda ser diferenciados pela
sua relevância no próprio funcionamento da empresa recuperanda, possibilitando
inclusive a própria recuperação.
Entretanto,
seja qual for o critério utilizado, é necessário que este se apresente de forma
objetiva, e seja aprovado diante da assembleia-geral de credores, cujo
resultado, se não eivado de nulidade, é soberano. E, ainda, que todos os
credores de uma determinada classe tenham tratamento igualitário, desde que
tenham interesses homogêneos [2].
Neste
sentido, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou a questão acima proposta,
através do julgamento do Recurso Especial n.º 1.634.844/SP, distribuído para a
Terceira Turma, e cuja relatoria coube ao Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Em sua
decisão, acompanhada por unanimidade pelos demais integrantes da Terceira Turma
do Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Villas Bôas Cueva salienou
que “em regra, a deliberação da assembleia de credores é soberana,
reconhecendo-se aos credores, diante da apresentação de laudo
econômico-financeiro e de demonstrativos e pareceres acerca da viabilidade da
empresa, o poder de decidir pela conveniência de se submeter
ao plano de recuperação judicial ou pela realização do ativo com a decretação
da quebra, o que decorre da rejeição da proposta.”
O
Ministro desenvolve seu voto salientando que mesmo dentro de uma classe de
credores como a quirografária, podem haver credores financeiros, fornecedores
em geral, fornecedores dos quais depende a continuidade da atividade econômica
da recuperanda, credores eventuais, entre outros.
Assim,
no caso em comento, asseverou o Ministro Villas Bôas Cueva que “escolhido um critério, todos os credores que possuam
interesses homogêneos serão agrupados sob essa subclasse, devendo ficar
expresso o motivo pelo qual o tratamento diferenciado desse grupo se justifica
e favorece a recuperação judicial, possibilitando o controle acerca da
legalidade do parâmetro estabelecido”.
Por fim, o Ministro concluiu que “…é
possível a criação de subclasses entre os credores da recuperação judicial,
desde que estabelecido um critério objetivo, justificado no plano de
recuperação judicial, abrangendo credores com interesses homogêneos, ficando
vedada a anulação de direitos de eventuais credores isolados”.
Com
esse entendimento, acreditamos que o Superior Tribunal de Justiça possa dar
ainda mais força a determinados credores quirografários que, ainda que
pertencente a uma única classe de credores, podem apresentar interesses
diversos daqueles pela peculiaridade de suas atividades, inclusive para a
efetiva recuperação da empresa recuperanda.
Mas,
como ressaltou o Ministro Relator, a objetividade na escolha do critério para a
criação da subclasse é requisito essencial para a sua validade, uma vez que eventual
critério objetivo poderia causar dúvidas e dar margem à interpretação,
culminando com a violação do tratamento igualitário que deve nortear o
procedimento de recuperação judicial.
[1] Art.
35. A assembléia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre:
I – na recuperação judicial:
a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial
apresentado pelo devedor;
b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua
substituição;
c) (VETADO)
d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4o do
art. 52 desta Lei;
e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor;
f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores;
[2] “O plano de recuperação judicial
deve prever tratamento igualitário para os membros da mesma classe de credores
que possuem interesses homogêneos, sejam estes delineados em função da natureza
do crédito, da importância do crédito ou e outro critério de similitude
justificado pelo proponente do plano homologado pelo magistrado.” Enunciado
nº 57 da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal
Desconto dado ao locatário pontual não impede a multa em caso de atraso
A relação locatícia encontra-se disciplinada em nosso ordenamento jurídico tanto no Código Civil, em seus artigos 565 e seguintes, e, quanto aos imóveis urbanos, pela Lei Federal nº 8.245, de 1991.
Por certo, como qualquer negócio jurídico e que gera direitos e deveres às partes, a obrigação mais elementar nos contratos desta natureza (locação) seja o pagamento pontual do valor locatício livremente pactuado entre Locador e Locatário [1].
O contrato realizado entre Locador e Locatário pode estabelecer cláusula penal para os casos de atraso ou inadimplemento no seu pagamento, sendo certo que incidirá sobre o valor do débito, além da multa pactuada, a devida correção monetária, juros de mora legalmente permitidos e, ainda, honorários de advogado [2].
Entretanto, alguns contratos preveem, também – e, como veremos adiante, não há qualquer problema na coexistência destes dois institutos no mesmo contrato de locação – um desconto para o pagamento pontual e/ou antecipado da obrigação. Isto acontece, por exemplo, no contrato que prevê o vencimento de determinada obrigação de pagar o aluguel até o quinto dia do mês vincendo, premiando o Locatário em caso de pagamento com descontos no valor da obrigação antes do prazo de vencimento do débito. E, da mesma forma, puni-lo através da obrigação da cláusula penal de multa, sem prejuízo das demais cominações legais citadas no parágrafo anterior, em caso de atraso.
Alguns operadores do Direito interpretavam a coexistência destes dois institutos, – desconto e multa – como antagônicos e que, na prática, um anularia o outro. Sustentam os defensores desta tese que o pagamento a destempo seria, em verdade, a renúncia ao desconto outorgado, e que isso, por si só, já seria uma cláusula de penalidade. Sustenta-se, portanto, que a aplicação de multa além da “perda” do desconto seria, em verdade, a aplicação de multa em duplicidade.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça analisou a questão através do Recurso Especial 1.745.916, através de acórdão disponibilizado em 22 de Fevereiro deste ano.
A relatoria do Recurso Especial em referência coube à Ministra Nancy Andrigui, que proferiu seu voto, acompanhado por unanimidade pelos Ministros integrantes da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de dar parcial provimento ao recurso para afastar o entendimento de bis in idem por parte do Locador na cobrança de multa pela impontualidade no pagamento do aluguel a despeito da existência de previsão de desconto no valor da prestação para o pagamento antecipado.
A Ministra destacou que, embora os dois institutos sejam espécies de sanção, há uma diferença entre eles no sentido de que o primeiro (desconto) seria uma sanção positiva, e o segundo (multa pelo inadimplemento), uma sanção negativa.
De se destacar ainda o voto da Ministra Nancy Andrigui quando, com muita propriedade, conclui que “o abono de pontualidade, enquanto ato de liberalidade pela qual o credor incentiva o devedor ao pagamento pontual, revela-se, não como uma “multa moratória disfarçada”, mas como um comportamento cooperativo direcionado ao adimplemento da obrigação, por meio do qual ambas as partes se beneficiam”.
Assim, o julgamento determinou podem coexistir os dois institutos e que, em caso de pagamento após o vencimento da obrigação, além de não fazer jus ao desconto, ainda incide a multa contratual pelo inadimplemento.
Entendemos correto o posicionamento da Ministra Relatora no caso em comento. O pagamento pontual é o objetivo de qualquer contrato, e o incentivo ao adimplemento, forte nos princípios de boa-fé norteadores das obrigações, deve ser incentivado. Ao contrário, a impontualidade deve ser punida para que não aconteça, o que justifica a adoção do posicionamento constante do julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça.
[1] Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.
Art. 569. O locatário é obrigado:
II – a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar;
Lei 8.245/91 – Art. 23. O locatário é obrigado a:
I – pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação, legal ou contratualmente exigíveis, no prazo estipulado ou, em sua falta, até o sexto dia útil do mês seguinte ao vencido, no imóvel locado, quando outro local não tiver sido indicado no contrato;
[2] Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
A possibilidade de inclusão de parcelas vincendas na ação de execução de título extrajudicial
Como sabemos, em ações de cobrança, que seguem o procedimento comum do código de processo civil, é possível incluir nos pedidos de cobrança de parcelas e prestações de obrigações vencidas também as prestações e parcelas vincendas e não pagas ao longo do trâmite processual, na forma do artigo 323 [1].
Isto não se reverte em inovação do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que já existia no Código de 1973, em seu artigo 290 [2].
Como se trata de processo de conhecimento, ou seja, para a constituição do título executivo, era permitida a aplicação de tais normas, o que, em tese, não poderia ser feito no processo de execução, cujo requisito é a existência de um título executivo (judicial ou extrajudicial) com todos os seus elementos, quais sejam a liquidez, a certeza e a exigibilidade.
Tais elementos, em uma primeira análise, não permitiriam que o título tivesse estes modificados a cada vencimento de prestações vincendas, acarretando na prática a propositura de uma execução para cada título, ou lote de título vencido.
Tal medida, por certo, acarreta mais custos e o aumento da demanda judicial.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial de nº 1.759.364, entendeu ser possível incluir as parcelas vincendas e não pagas de obrigações na Ação de Execução de Títulos Extrajudiciais.
Através de seu voto, o Relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, permitiu que em uma ação de Execução de Título Executivo Extrajudicial calcada em débitos condominiais fossem incluídas cotas vincendas até a plena satisfação do crédito.
O Ministro Marco Aurélio destacou que o próprio Código de Processo Civil permite a aplicação subsidiária do processo de conhecimento na ação de execução. Em suas palavras, “o artigo 771 do CPC/2015, que regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, permite, em seu parágrafo único, a aplicação subsidiária das disposições concernentes ao processo de conhecimento à execução, dentre as quais se insere a regra do aludido artigo 323.”
O Ministro ainda realçou o disposto no artigo 780 do Código de Processo Civil [3], em que o exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor.
Desta forma, acreditamos que o julgado acima representa uma evolução quanto ao processo de Execução de Títulos Extrajudiciais, notadamente porque privilegia princípios processuais importantes como o da Celeridade e Economia Processual, contribuindo para a melhora da prestação jurisdicional e a diminuição do acervo de processos em nossos Tribunais.
[1]Art. 323. Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.
[2] Art. 290. Quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação.
[3]Art. 780. O exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o procedimento.
Acordo celebrado após o deferimento de Recuperação Judicial não pode ser executado nos autos da recuperação
A Recuperação Judicial foi instituída em nosso ordenamento jurídico através da Lei Federal 11.101, de 09 de Fevereiro de 2005, para possibilitar àquelas empresas que se encontram em situação financeira precária e com diversas dívidas que sigam desenvolvendo sua atividade empresarial e, assim, tenham a possibilidade de saldar seus compromissos [1].
Na forma do seu artigo 6º, o deferimento da Recuperação Judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas de credores particulares do sócio solidário.
Estes créditos serão processados perante o Juízo competente para promover a Recuperação Judicial da empresa, sendo ele competente para processar e julgar as ações sobre bens, interesses e negócios da Recuperanda, sendo o chamado Juízo Universal [2].
Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos [3].
Ou seja, de acordo com a redação acima, transcrita diretamente da Lei Federal citada, os créditos e dívidas posteriores ao pedido de recuperação estarão fora do plano de recuperação, e deverão prosseguir de forma autônoma.
Sendo assim, um acordo firmado posteriormente ao pedido da Recuperação Judicial, pela regra citada, estaria excluído do procedimento e, por conseguinte, não atrairia a competência do Juízo Universal, podendo ser executado na Vara competente.
Através do julgamento do Recurso Especial n.º 1.766.413, o Superior Tribunal de Justiça manifestou o entendimento de que não são da competência do Juízo Universal a homologação e fiscalização do Acordo celebrado após o pedido de Recuperação Judicial.
Em seu voto, o Ministro Villas Bôas Cueva, relator do processo e integrante da Terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, enfatizou que “O fato de a LFRE conferir ao administrador judicial atividade fiscalizatória não significa que lhe cabe se imiscuir no mérito dos atos negociais, mas, sim, que deve acompanhar o andamento da recuperação judicial, verificando o cumprimento do plano e eventuais ilegalidades”.
Mais adiante, em relação à alegação da Recorrente de que os valores constantes do acordo poderiam ser utilizados no pagamento dos credores, o Ministro aduziu que “a referida quantia não está prevista no plano de recuperação judicial, na justa medida em que o contrato foi assinado em momento posterior, evidenciando a ausência de interferência no andamento da recuperação”.
Desta forma entende-se que o julgado deu cumprimento ao artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial e Falências, pois excluiu do objeto da Recuperação Judicial o crédito posterior ao pedido feito pela empresa.
Deve-se destacar, entretanto, que, como asseverou o Ministro Relator, o Juízo Universal deve fiscalizar os atos realizados pela empresa em Recuperação Judicial, intervindo naqueles em que se pode, em verdade, subverter o próprio objeto da Recuperação Judicial, colocando em risco o pagamento aos credores ali habilitados.
[1]Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
[2] Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.
[3] Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
Decisão que acolhe ou rejeita prescrição e decadência é interlocutória e, por esta razão, é atacável por agravo de instrumento
Como sabemos, o legislador processual dividiu as sentenças terminativas dos processos em duas categorias: as sem resolução do mérito e as que resolvem o mérito nas demandas.
No que toca ao reconhecimento de prescrição ou decadência, em que pese tratarem os institutos de prejudiciais de mérito, o legislador entendeu que o reconhecimento de cada uma delas acaba por resolver o mérito[1], mesmo sem analisá-lo, tendo em vista que a sua verificação impede, por exemplo, que se ajuíze nova demanda.
Não restam dúvidas de que a decisão que acolhe prescrição ou decadência resolve o mérito, na forma citada anteriormente. Entretanto, a dúvida persiste no que tange ao recurso cabível desta decisão, e que será objeto do presente artigo.
Em primeiro lugar, acredita-se que não haja dúvidas quanto ao cabimento do Recurso de Apelação, previsto no artigo 1009 do Código de Processo Civil[2], quando o juiz analisa na sentença a existência de prescrição ou decadência.
Entretanto, a questão referente às prejudiciais de mérito acima citadas pode perfeitamente ser objeto de decisão no curso do processo. Neste caso, em se tratando de decisão interlocutória, e não sentença, ainda que resolva o mérito total ou parcialmente, ainda assim seria cabível a Apelação, ou seria possível manejar o recurso de Agravo de Instrumento?
Tal questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) através do Recurso Especial nº 1.778.237.
Através do julgamento do referido recurso, em sessão realizada em 19/02/2019, a Quarta Turma do STJ entendeu que a decisão interlocutória que versa sobre prescrição e decadência deve ser impugnada pelo Recurso de Agravo de Instrumento.
Na referida sessão, o Relator do processo, Ministro Luis Felipe Salomão, entendeu ser cabível o Agravo de Instrumento em face de decisão interlocutória que versava sobre a existência de prescrição e decadência.
O recorrente, no caso concreto, argumentava que a matéria não poderia ser objeto de Agravo de Instrumento, tendo em vista não estar presente no rol taxativo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.
O Ministro Salomão frisou que “a questão relacionada às hipóteses de cabimento dos recursos de agravo de instrumento e de apelação no novo Código de Processo Civil tem sido objeto de intensos debates no âmbito da doutrina e da jurisprudência”.
Citando outro julgamento do próprio Superior Tribunal de Justiça (tema 988 – recursos repetitivos), quanto à taxatividade do rol constante no artigo 1.015 do Código de Processo Civil, o qual inclusive foi objeto de artigo por nós publicado neste site, o Ministro esclareceu que esta taxatividade encontrava-se mitigada, e por tal motivo se admitia a interposição do Agravo de Instrumento mesmo não estando expressa tal situação.
O Ministro ainda enfatizou que quando apreciada em decisão interlocutória, o recurso cabível é o Agravo de Instrumento, e que, se a questão for decidida apenas no âmbito da sentença, seria, neste caso, cabível a apelação cível.
A decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça acaba por pacificar o tema e vai ao encontro do que consta da sistemática da Lei Processual e também o próprio entendimento do Superior Tribunal de Justiça quando da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015.
O Novo Código de Processo Civil trouxe, em seu bojo, a inovação do julgamento antecipado do mérito[3]. Nesta hipótese, o próprio artigo 356, § 5º, do Código de Processo Civil expressamente prevê o cabimento do Agravo de Instrumento como recurso cabível, mesmo que se trate o mérito na decisão.
Ademais, com a mitigação da taxatividade do rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, não resta mais qualquer dúvida quanto à possibilidade de interposição de Agravo de Instrumento no caso em referência.
[1]Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:
II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;
[2] Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.
- 1oAs questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
[3]Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:
I – mostrar-se incontroverso;
II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.
A impossibilidade de adoção da equidade como regra na fixação de honorários advocatícios
Os honorários advocatícios no processo civil sempre foram objeto de muitas discussões quanto aos critérios para o seu arbitramento, principalmente por conta de haver no ordenamento jurídico, em especial no Código de Processo Civil de 1973 – Lei Federal 5869/73, a possibilidade de, em certos casos, utilizar-se de critério baseado na equidade para seu arbitramento.
Conforme versava o artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973, apenas nas causas em que havia condenação eram aplicados os percentuais de 10 (dez) a 20 (vinte) por cento sobre os valores arbitrados [1].
Assim, em todas as outras hipóteses que não a de condenação, e ainda excluídos os casos de condenação da fazenda Pública, os honorários eram arbitrados conforme apreciação equitativa do juiz [2], atendidos (i) o grau de zelo do profissional; (ii) o local da prestação dos serviços, e; (iii) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço.
A rigor, não tivesse o processo uma sentença de condenação – e excluindo-se os casos em que a condenação se dava em face da Fazenda Pública – os honorários eram arbitrados conforme livre arbítrio do juiz, podendo ser utilizado o valor da causa como parâmetro, mas não de maneira obrigatória.
O Código de Processo Civil de 2015 (Lei Federal 13.105/2015) trouxe, em seu artigo 85, § 2º, significativa inovação em relação ao código anterior, consubstanciada na expressa indicação de outros critérios objetivos para incidência dos percentuais de 10 (dez) a 20 (vinte) por cento, tais como, além do valor da condenação, o proveito econômico obtido e o valor atualizado da causa [3].
Some-se a isso ter a legislação em comento normatizar os honorários em causas em que a Fazenda Pública for parte, conforme § 3º do artigo 85 [4].
A apreciação equitativa do Juiz ficou limitada aos casos em que a o proveito econômico for irrisório ou inestimável, ou ainda quando o valor dado à causa for muito baixo [5].
Portanto, tem-se que a apreciação equitativa não configura a regra para o arbitramento dos honorários de sucumbência, devendo ser aplicada subsidiariamente e somente nos casos citados acima.
Assim também entendeu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial nº 1.746.072.
Em seu voto, o Ministro Raul Araújo, cujo voto prevaleceu, entendeu que “o Código de Processo Civil relegou ao parágrafo 8º do artigo 85 a instituição de regra excepcional, de aplicação subsidiária, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: for inestimável ou irrisório o proveito econômico obtido; ou for muito baixo o valor da causa”.
Mais adiante, enfatizou o Ministro que “a incidência, pela ordem, de uma das hipóteses do artigo 85, parágrafo 2º, impede que o julgador prossiga com sua análise a fim de investigar eventual enquadramento no parágrafo 8º do mesmo dispositivo, porque a subsunção da norma ao fato já se terá esgotado.”
Dessa forma, não resta mais qualquer dúvida quanto à aplicação apenas subsidiária da equidade para arbitramento dos honorários advocatícios, devendo o julgador esgotar as possibilidades constantes dos parágrafos antecedentes do artigo 85 do Código de Processo Civil para fixar seu arbitramento.
[1] § 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:
[2] § 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.
[3] § 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
[4] § 3o Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2o e os seguintes percentuais:
[5] § 8o Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2o.
Sócio que se retirou da sociedade não pode ser responsabilizado por dívidas posteriores à sua saída
As sociedades empresarias, assim tratadas pelo Código Civil em seu artigo 44, II,[1] gozam de personalidade jurídica que não se confunde com a de seus sócios. Nas sociedades limitadas, a responsabilidade de cada um de seus sócios é restrita ao valor de suas quotas, na forma do artigo 1052 do Código Civil[2].
É possível, entretanto, que a Lei determine casos excepcionais em que haja desvio de finalidade ou confusão patrimonial, entre outros, que seja desconsiderada a personalidade jurídica para que determinada obrigação possa incidir em face da pessoa física do próprio sócio e, consequentemente, sobre seu patrimônio[3]. Assim, a pessoa física do sócio pode, uma vez havendo a desconsideração da personalidade jurídica, responder pelas obrigações contraídas pela sociedade limitada, nos moldes do artigo acima referido.
O sócio pode, na forma da lei e do contrato social da sociedade, transferir suas cotas a terceiros, total ou parcialmente, mas continua, por dois anos, solidariamente responsável ao sócio que o sucedeu, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio[4]. Assim, poder-se-ia concluir que o sócio que se retira da sociedade responderia pelas obrigações desta por até dois anos de sua saída, e em consequência, em caso de desconsideração de personalidade jurídica, poderia substituir a sociedade em ação judicial em face da sociedade, se presentes os requisitos da desconsideração, não havendo qualquer questionamento quanto a este tema.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar a questão através do Recurso Especial de n.º 1.537.521, entendeu que o ex-sócio não é responsável por obrigações contraídas após sua saída da empresa.
Com este entendimento, a Terceira Turma do STJ, através do Ministro Villas Bôas Cueva, entendeu que “a interpretação dos dispositivos legais transcritos[5] conduz à conclusão de que, na hipótese de cessão de cotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo de até dois anos após a averbação da modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade”.
Em seu voto, o Ministro ainda ressaltou que “as obrigações que são objeto do processo de execução se referem a momento posterior à retirada do recorrente da sociedade, com a devida averbação, motivo pelo qual ele é parte ilegítima para responder por tal débito”.
Desta forma, vê-se que não basta, para a responsabilização do sócio que se retira da sociedade, o aspecto do lapso temporal de dois anos; deve-se verificar se os atos os quais geraram a obrigação da qual resulta a desconsideração da personalidade jurídica foram praticados quando o sócio cedente ainda pertencia à sociedade.
O entendimento acima acaba por trazer uma situação de justiça em relação às obrigações do ex-sócio que se retira da sociedade em nada contribui para que seja gerada obrigação oriunda de inadimplemento de obrigações por parte da sociedade, não ocasionando, em consequência, qualquer penalidade à pessoa física para a constituição de novas sociedades empresárias e demais obrigações em seu nome.
[1]Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
II – as sociedades;
[2]Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
[3]Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
[4]Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.
Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.
Espólio de consignante deve responder por dívida, que não se extingue com o falecimento
É comum em nossa sociedade que pessoas contraiam empréstimos junto às instituições financeiras para sanar dívidas, pagar novas despesas ou mesmo realizar sonhos.
Também é comum que pessoas, em especial aquelas cujos vencimentos sejam depositados em conta bancária, autorizem o débito das prestações dos valores obtidos por empréstimos diretamente nestas contas, em dias previamente informados. Tal medida pode, em alguns casos, inclusive reduzir a taxa de juros dos empréstimos, pois, em tese, representariam uma diminuição do risco de inadimplência.
Mais reduzido ainda é o risco (e, por conseguinte, os juros) quando o empréstimo pode ser debitado diretamente da folha de pagamento do mutuário, pois prescinde inclusive de saldo positivo na conta bancária deste.
Ocorre que, em alguns casos, o mutuário falece ainda com prestações dos empréstimos a vencer, sendo certo que, como o falecimento, extingue-se o contrato de trabalho e, por conseguinte, o recebimento de proventos e sua retirada da “folha de pagamento”.
E aí vem a questão: a dívida extingue-se com a morte?
A Lei Federal 1.046/50 permitiu que empréstimos em dinheiro fossem consignados em folha de pagamento. Em princípio, poderiam consignar em folha aqueles constantes do rol do artigo 4º[1] da referida Lei, sendo, essencialmente, militares e servidores públicos.
Em seu artigo 16[2], a Lei previa que a dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em folha ficaria extinta com o falecimento do Consignante.
Já a Lei Federal 10.820/03 tratou da consignação em folha dos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.
Assim, e alegando afronta ao artigo 16 da Lei 1.046/50, herdeiros de um consignante falecido interpuseram Recurso Especial em face de acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Grande do Sul que, reformando a sentença de primeiro grau, entendeu que a morte do consignante não extinguia a dívida, por entender que a herança responde pela dívida. O Recurso Especial recebeu o número 1.753.135 e coube à Ministra Nancy Andrigui a sua relatoria.
Em seu voto, seguido à unanimidade pelos demais ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, a Ministra, conhecendo em parte o Recurso Especial e, nesta parte, desprovendo-o, entendeu acertado o entendimento manifestado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Em seu voto, a Ministra Nancy Andrigui destacou que “configura-se, pois, a ab-rogação tácita ou indireta da Lei 1.046/50 na medida em que a Lei 8.112/90 tratou, inteiramente, da matéria contida naquela, afastando a sua vigência no ordenamento jurídico. Não havendo na lei revogadora previsão semelhante à do artigo 16 da Lei 1.046/50, não há falar, a partir da entrada em vigor da Lei 8.112/90, em extinção da dívida por morte do consignante”.
Assim, ainda que houvesse discussão quanto a ser o consignante estatutário ou celetista, o artigo 16 da Lei Federal 1.046/50 já estaria revogado no entendimento da Ministra Relatora.
Parece-nos acertada a decisão do Superior Tribunal de Justiça.
A dívida, não garantida por seguro prestamista, não se extingue, por si só, com o falecimento do devedor. Responderá o espólio, até seus limites, pelos valores devidos, ou, em caso de já terminada a transferência dos bens aos herdeiros, estes respondem até o limite do que receberam como, aliás, já pacificado pelo próprio STJ (e-STJ fl. 237).
[1]Art. 4º Poderão consignar em fôlha: (Vide Lei nº 5.725, de 1971)
I – Funcionários públicos ou extranumerários, mensalistas, diaristas, contratados e tarefeiros;
II – Militares do Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros do Distrito Federal;
III – Juízes, membros do Ministério Público e serventuários da Justiça;
IV – Senadores e Deputados;
V – Servidos e segurados ou associados de autarquias, sociedades de economia mista, ernprêsas concessionárias de serviços de utilidade pública, ou inucorporada ao patrimônio público;
VI – Associados e servidores de cooperativas de consumo, com fins beneficentes, legalmente constituídas;
VII – Servidores civis aposentados, e militares reformados, ou da reserva remunerada;
VIII – Pensionistas civis e militares.
[2] Art. 16. Ocorrido o falecimento do consignante, ficará extinta a dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em fôlha.
Autor da ação renovatória deve pagar os alugueis devidos ainda que renuncie ao direito à renovação
A Ação Renovatória está prevista em nosso ordenamento jurídico nos artigos 71 e seguintes da Lei Federal nº 8.245/91.
Seus requisitos estão descritos nos referidos artigos, destacando-se:
- Estar em dia com a locação e os encargos locatícios;
- O Contrato a renovar ter sido celebrado por prazo determinado;
- O prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos ser de 5 (cinco) anos;
- Ingressar com a ação renovatória no interregno de 1 (um) ano, no máximo, até 6 (seis) meses, no mínimo, anteriores à data de finalização do prazo do contrato em vigor.
Desta forma, preenchidos os requisitos acima, dentre outros, poderá o Locatário requerer a renovação da locação por igual período, não podendo o Locador simplesmente não concordar ou não aceitar a renovação da locação.
Não é incomum que alguns locatários, após ingressarem com as respectivas ações renovatórias, não desejem mais discutir a referida renovação, seja por força de uma decisão financeira ou mesmo por entender que haveria algum insucesso na demanda.
A renúncia ao direito no qual se funda a ação é possível por parte do Autor na ação renovatória, sendo o processo extinto com resolução do mérito na forma do artigo 487, V, do Código de Processo Civil. Com a homologação da renúncia, o Autor não pode mais discutir nem pleitear a renovação do contrato de locação nas mesmas condições do contrato que se desejava renovar, podendo, entretanto, fazê-lo em novas condições tratadas com o Locador.
A questão é: poderia juiz homologar um pedido de renúncia do autor ao direito no qual se funda ação, após proferida sentença de improcedência e, se positiva, quais seriam as consequências quanto ao pagamento dos alugueis e encargos discutidos na demanda.
Ao julgar o Recurso Especial nº 1.707.365, o Ministro Villas Bôas Cueva, entendeu ser possível o acolhimento do pedido de renúncia do autor da ação, reformando entendimento manifestado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, após sentença de improcedência em ação renovatória, entendeu não ser possível acolher o pedido de renúncia do autor quanto ao direito discutido, pelo fato de que, em sua análise, já teria transcorrido o prazo do objeto constante da demanda renovatória.
Além disso, entendeu o tribunal local que estava em jogo, também, o valor proposto pelo Locador para o novo período de locação a ser renovado, como previsto no artigo 72 da Lei de Locações[1]. Por tais motivos, a renúncia não foi homologada.
Manejado o Recurso Especial, o Ministro Relator ponderou que a renúncia “é ato unilateral, no qual o autor dispõe da pretensão de direito material, podendo ser apresentada até o trânsito em julgado da demanda”. Ou seja, é possível a homologação da renúncia mesmo após a sentença de improcedência, operando desde já o trânsito em julgado. E ressaltou o Ministro ainda, quanto ao período de ocupação do imóvel durante a discussão traçada na Ação Renovatória, que fossem pagos os alugueis em vigor até a efetiva desocupação.
No caso em comento, com a sentença de improcedência dos pedidos, ainda houve o comando para expedição de Mandado de Despejo para ser efetivado em 30 (trinta dias), tendo em vista a ausência de renovação da locação.
Por certo, e acreditamos que não paire quaisquer dúvidas sobre isso, são devidos aluguéis pelo período em que o imóvel permaneceu ocupado pelo Locatário por força da locação objeto do litígio.
Entretanto, andou bem a decisão do Superior Tribunal de Justiça que não só reconhece a obrigatoriedade do pagamento dos aluguéis mesmo com a homologação da renúncia ao direito ao qual se funda a ação, mas também autorizou a cobrança destes alugueis na própria Ação Renovatória, dando efetividade ao direito do Locador em receber os valores locatícios.
O Relator ressaltou que essa decisão não exime a locatária de cumprir a obrigação de deixar o imóvel e efetuar o pagamento dos aluguéis devidos até a data da efetiva desocupação.
Assim, entendemos correta a aposição do Superior Tribunal de Justiça, conferindo celeridade e segurança jurídica ao tema proposto.
[1] Art. 72. A contestação do locador, além da defesa de direito que possa caber, ficará adstrita, quanto à matéria de fato, ao seguinte:
I – não preencher o autor os requisitos estabelecidos nesta lei;
II – não atender, a proposta do locatário, o valor locativo real do imóvel na época da renovação, excluída a valorização trazida por aquele ao ponto ou lugar;
III – ter proposta de terceiro para a locação, em condições melhores;
IV – não estar obrigado a renovar a locação (incisos I e II do art. 52).
- 1º No caso do inciso II, o locador deverá apresentar, em contraproposta, as condições de locação que repute compatíveis com o valor locativo real e atual do imóvel.
- 2º No caso do inciso III, o locador deverá juntar prova documental da proposta do terceiro, subscrita por este e por duas testemunhas, com clara indicação do ramo a ser explorado, que não poderá ser o mesmo do locatário. Nessa hipótese, o locatário poderá, em réplica, aceitar tais condições para obter a renovação pretendida.
- 3º No caso do inciso I do art. 52, a contestação deverá trazer prova da determinação do Poder Público ou relatório pormenorizado das obras a serem realizadas e da estimativa de valorização que sofrerá o imóvel, assinado por engenheiro devidamente habilitado.
- 4º Na contestação, o locador, ou sublocador, poderá pedir, ainda, a fixação de aluguel provisório, para vigorar a partir do primeiro mês do prazo do contrato a ser renovado, não excedente a oitenta por cento do pedido, desde que apresentados elementos hábeis para aferição do justo valor do aluguel.
- 5º Se pedido pelo locador, ou sublocador, a sentença poderá estabelecer periodicidade de reajustamento do aluguel diversa daquela prevista no contrato renovando, bem como adotar outro indexador para reajustamento do aluguel.