Quarta Turma afasta responsabilidade de banco e universidade por sequestro-relâmpago em estacionamento
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o Banco do Brasil e a Universidade Potiguar (UnP), de Natal, não têm responsabilidade civil no caso de um sequestro-relâmpago ocorrido no estacionamento da instituição de ensino, que teve como vítima um homem que havia acabado de utilizar um terminal do banco no local.
Por unanimidade, o colegiado considerou que o estacionamento não era oferecido pelo banco como comodidade aos seus clientes – o que exime o BB de responsabilidade. Além disso, a turma entendeu que a área onde ocorreu o sequestro era aberta, gratuita e de livre acesso, de forma que a universidade também não deve responder pelos danos.
De acordo com o processo, em 2008, o cliente do banco foi abordado por dois homens armados logo após sacar dinheiro em um caixa eletrônico situado na UnP. Levada pelos bandidos em seu próprio carro, a vítima afirmou ter sofrido violência e ameaças, antes de ser deixada em local distante. Os criminosos roubaram o carro, cartões de crédito e documentos pessoais.
Omissão
Em primeira instância, o juiz condenou as instituições, em caráter solidário, ao pagamento de indenização por danos materiais e morais – estes últimos fixados em R$ 12 mil.
A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). Para a corte, seria evidente a responsabilidade objetiva do banco, ante a omissão no dever de vigilância no terminal, que resultou em prejuízo para quem confiou em um serviço aparentemente seguro.
Em relação à universidade, o TJRN concluiu que deveria haver mais monitoramento nas áreas próximas aos terminais bancários situados em seu espaço.
Requisitos
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso no STJ, assinalou que, segundo as informações do processo, o estacionamento não pertencia ao banco. Portanto, não seria possível caracterizar o local como um atrativo de clientela para a instituição financeira, mas uma área necessária às atividades rotineiras da universidade.
Salomão destacou jurisprudência do STJ que reconhece a responsabilidade objetiva dos bancos por assaltos ocorridos no interior das agências, com base no entendimento de que o risco é inerente à atividade bancária.
Entretanto, o relator apontou dois requisitos necessários para o reconhecimento da responsabilidade do banco no caso de crime cometido em estacionamentos: a disponibilização voluntária do estacionamento pela instituição e a intenção de se beneficiar com a comodidade oferecida aos clientes.
Por isso, o ministro entendeu que não há como o BB ser responsabilizado no caso analisado, tendo em vista que o estacionamento onde ocorreu o assalto não se traduzia em benefício oferecido aos clientes.
Terreno aberto
Quanto à universidade, o relator também apontou jurisprudência no sentido de que a instituição de ensino não é responsável por furto de veículos ocorrido em terreno aberto utilizado como estacionamento pelos alunos, já que apenas tolera a parada de carros nesses locais, sem qualquer contraprestação.
O ministro lembrou ainda que a vítima do assalto não era aluno da instituição – com a qual, em relação aos serviços educacionais, os estudantes têm, de fato, uma relação regida pelo Código de Defesa do Consumidor.
“A questão determinante para a configuração da responsabilidade, nos moldes do código consumerista, tal como fundamentado pelos julgadores da instância de origem, seria a confirmação de que a instituição de ensino teria assumido a guarda e fiscalização dos bens e das pessoas que se utilizassem do estacionamento – os consumidores de seus serviços –, situação que não se observa na hipótese”, concluiu o relator ao julgar improcedente o pedido de indenização.
Comprador de bens de banco em regime de administração especial não responde por dívida estranha ao negócio
Com base nas disposições do artigo 6º da Lei 9.447/1997, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que a alienação de bens, direitos e obrigações de instituição financeira em regime de administração especial temporária, em operação autorizada pelo Banco Central, não caracteriza sucessão empresarial apta a obrigar que a instituição adquirente, em virtude dessa operação, responda por débito estranho ao negócio jurídico.
Dessa forma, o colegiado negou recurso de um grupo de credores – entre eles a extinta TV Manchete – que buscava o reconhecimento da validade de execução contra o Unibanco por dívida contraída pelo Banco Nacional para a produção de programas destinados à exibição em televisão. O Unibanco, que comprou parte dos ativos do Nacional, foi depois adquirido pelo Itaú.
Em razão do ineditismo da questão jurídica no STJ e da divergência de entendimentos nos tribunais estaduais, o julgamento do recurso na Quarta Turma contou com a participação – como amicus curiae – de instituições como o Banco Central, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e a Federação Brasileira de Bancos.
Nos autos que deram origem ao recurso, o Unibanco alegou que, em cumprimento de sentença, foi intimado – sem que ao menos tivesse integrado a relação processual – para pagar cerca de R$ 780 mil, sob o fundamento de ser sucessor do Banco Nacional.
De acordo com a decisão de primeiro grau, a manifestação prévia do Unibanco era dispensável em virtude do caráter público e notório da assunção dos ativos e da liquidação dos passivos do Banco Nacional por aquela instituição financeira.
Atividade operacional
A decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que concluiu que o vínculo jurídico estabelecido entre as instituições bancárias, formalizado em contrato de compra e venda de ativos e assunção de obrigações, não implicou, necessariamente, que o Unibanco assumisse toda a universalidade de direitos e obrigações do Banco Nacional.
Para o TJRJ, foi transferida ao Unibanco apenas a atividade operacional bancária, da qual se exclui a produção de programas para veiculação em rede de televisão. Por isso, a corte fluminense entendeu que a dívida em execução, que não tem qualquer relação com a continuidade das atividades bancárias, não foi repassada ao Unibanco.
Por meio de recurso especial, os credores sustentaram a legitimidade do Unibanco para integrar o polo passivo da ação, pois o contrato entre os bancos teria como objetivo lesar credores, ao permitir que o comprador adquirisse o bônus sem arcar com o ônus. Para os recorrentes, o Unibanco não tinha como desconhecer as ações em curso propostas contra o Banco Nacional.
Regime especial
O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, afirmou inicialmente que, segundo os autos, não houve reorganização societária ou transferência de ações entre as instituições, tendo em vista que a alienação foi promovida em Regime de Administração Especial Temporária (RAET), por ato próprio de intervenção do conselho diretor nomeado pelo Banco Central, e não dos sócios do banco ou dos gestores por eles indicados. O conselho foi responsável pela celebração do contrato de compra e venda com o Unibanco.
O ministro lembrou que o Nacional manteve sua personalidade jurídica, estando submetido ao procedimento de liquidação extrajudicial, e não é possível enquadrá-lo no instituto jurídico da incorporação – regulado pelo artigo 27 da Lei 6.404/1976 –, mediante o qual uma das sociedades, após aprovação por assembleia geral de cada companhia, é absorvida por outra, que lhe sucede em todos os direitos e obrigações.
Além disso, o relator destacou que, nos casos de iminência de uma crise bancária, compete ao Banco Central adotar um dos três regimes especiais de saneamento: intervenção administrativa, administração especial temporária e liquidação extrajudicial.
De acordo com o artigo 6º da Lei 9.447/1997, no resguardo da economia pública e dos interesses dos depositantes e investidores, o interventor, o liquidante ou o conselho diretor da instituição submetida aos regimes de intervenção, liquidação ou administração especial temporária, quando prévia e expressamente autorizado pelo Bacen, poderá, entre outras medidas, transferir para outras sociedades, isoladamente ou em conjunto, direitos e obrigações da empresa, além de alienar ou ceder bens e direitos a terceiros e acordar a assunção de obrigações por outra sociedade.
Ato de império
Segundo Salomão, o formato previsto pela Lei 9.447/1997 consagra o modelo good bank/bad bank, no qual o banco é cindido em dois: a parte contendo bons ativos é negociada no mercado, e a “parte ruim” é liquidada ou submetida a programa de recuperação por instituições especializadas.
“Não procede a assertiva do recorrente de que houve fraude perpetrada pelo adquirente, sendo o negócio celebrado ato de império de reorganização da atividade operacional bancária, que não implica nenhuma forma de proteção aos sócios da instituição financeira em crise, mas de textual resguardo legal dos interesses dos depositantes e investidores, e de manutenção da normalidade da economia pública”, afirmou o ministro.
Ao negar provimento ao recurso, o relator também enfatizou que não foi apontado nenhum ato por parte do Unibanco que tivesse gerado dano aos credores, de forma que só seria concebível ação para anular o próprio ato administrativo praticado pelos conselheiros nomeados pelo Banco Central, sob o fundamento de ter sido indevidamente comprometida a garantia de solvência dos créditos, e não para que o banco adquirente cumprisse obrigação do banco hoje em liquidação.
Banco não terá de indenizar consultora que teve demissão divulgada na imprensa
Ela foi dispensada por enviar mensagens contra a reeleição de Dilma Rousseff.
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho absolveu o Banco Santander (Brasil) S.A. do pagamento de R$ 400 mil a uma superintendente de consultoria de investimento dispensada após a inserção de conteúdo político-partidário em boletim mensal encaminhado a clientes. Ela sustentava que a divulgação pública de seu nome e de sua demissão havia prejudicado sua imagem profissional. Mas, por unanimidade, os ministros entenderam que os fatos foram divulgados pela imprensa, e não pela instituição.
Dilma Rousseff
A supervisora foi desligada sem justa causa em junho de 2014. O motivo foi a divulgação de que clientes preferenciais do banco tinham recebido, em nome do banco, texto que alertava que a reeleição da presidente Dilma Rousseff representaria ameaça à economia. O fato foi objeto de queixa de um cliente e chegou à imprensa.
Na reclamação trabalhista, ela atribuiu a demissão a”odioso ato de perseguição política”. Por sua vez, o Santander sustentou que a empregada havia violado norma de conduta da instituição ao enviar conteúdo com conotação político-partidária aos clientes.
Forças políticas
Para o juízo da 78ª Vara do Trabalho de São Paulo, o banco havia se submetido às forças políticas ao demitir a empregada, uma vez que o caso teve grande repercussão nacional. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) concordou que a divulgação do fato na imprensa havia prejudicado a imagem da profissional e condenou a instituição ao pagamento de indenização de R$ 450 mil.
Imprensa
O relator do recurso de revista do Santander, ministro Caputo Bastos, disse que não viu na decisão do TRT fato que comprovasse o ato ilícito do empregador capaz de atingir a vida da consultora a ponto de justificar a indenização. Segundo ele, por se tratar de discussão que envolvia a maior autoridade do Poder Executivo Federal, “não se poderia esperar que o caso passasse despercebido pela imprensa” nem exigir da instituição bancária que impedisse a sua veiculação.
Ao contrário do alegado pela funcionária, o relator concluiu que o banco realizou as demissões sem tornar público o nome dos demitidos. “Foram os órgãos de imprensa que realizaram a divulgação, e não a instituição bancária”, acrescentou.
O ministro observou ainda que o motivo divulgado pela mídia para a dispensa foi o descumprimento do código de conduta do banco, que constitui mera falta administrativa, e não ato ilícito. “Se não diz respeito a um ato ilícito, a simples veiculação na imprensa não se mostra capaz de causar o dano alegado pela bancária”, concluiu.
Processo: ARR-2830-29.2014.5.02.0078
Fonte: TST
Legitimidade passiva para discussão sobre manutenção em plano de saúde após aposentadoria é da operadora, e não da empregadora
Quando da entrada em vigor da Lei Federal nº 9.656/98, que regulamentou os Planos de Saúde em nosso país, uma das situações nela previstas eram justamente daqueles planos e seguros de saúde que o usuário possuía por força de seu vínculo de emprego.
Nesses casos, o seguro é contratado pela empregadora diretamente com a operadora ou por meio de empresa estipulante, e oferecido aos empregados enquanto estes estiverem com seus vínculos empregatícios em vigor.
Invariavelmente, as questões referentes aos procedimentos de seus usuários/empregados são resolvidas por meio de contatos dos representantes da empregadora com a operadora do plano de saúde, mas o usuário não possui contrato direto com a aquela.
Entretanto, cumpre esclarecer que o usuário, em muitas vezes, contribui também para o custeio do plano de saúde, sendo descontado parte de seus vencimentos a título de contribuição, e pela própria Lei Federal 9.656/98 é tratado expressamente como consumidor[1].
Mesma situação é aquela do trabalhador que se aposenta[2].
Como toda prestação de serviços em escala, divergências podem ocorrer na interpretação das cláusulas contratuais e mesmo na própria prestação dos serviços, dos quais, não se tem qualquer dúvida, o usuário é o beneficiário e, como tal, o legitimado para pleitear, em nome próprio, providências de caráter obrigacional e até mesmo indenizatório, no caso de existência de prejuízos materiais e imateriais.
A questão sub exame consiste na legitimidade ou não de se o empregador, que de fato contrata o seguro junto à operadora e o oferece aos seus empregados, poderia, juntamente com a operadora, responder aos pedidos formulados pelo usuário em eventual demanda judicial pelo defeito na prestação dos serviços de saúde.
A questão foi recentemente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça através do Recurso Especial de nº 1.756.121, julgado em outubro do corrente ano pela Terceira Turma da Corte Especial.
A relatoria do Recurso Especial coube à Ministra Nancy Andrighi, e envolvia pleito obrigacional envolvendo o usuário aposentado e a operadora do plano de saúde.
Em seu voto, a Ministra relatora ressaltou que “o pedido foi de ser assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, nos termos do art. 31, da Lei 9.656/98. Nesta hipótese, em análise das condições da ação, o sujeito de direito a suportar os efeitos de eventual condenação judicial é a operadora de plano de saúde e não a pessoa jurídica estipulante.”
Esclareceu ainda a ministra que “sequer é possível visualizar conflito de interesses entre os beneficiários do plano de saúde coletivo empresarial e a pessoa jurídica da qual fazem parte, pois o sujeito responsável pelo litígio na relação de direito material é, ao menos em tese, a operadora que não manteve as mesmas condições do plano de saúde, após a aposentadoria do beneficiário. Não há, portanto, lide entre a estipulante e os usuários finais quanto à manutenção do plano de saúde coletivo. Precedentes: REsp 1575435/SP, Terceira Turma, DJe 03/06/2016; REsp 1730180/SP, Terceira Turma, DJe 24/08/2018.”
Assim, concluiu a Ministra Relatora que “não há qualquer censura ao raciocínio estabelecido no acórdão recorrido, pois, de fato, a recorrente não tem legitimidade passiva para figurar no polo passivo da demanda, envolvendo o beneficiário final e a operadora do plano de saúde, nos termos do art. 31, da Lei 9.656/98.”
Com este raciocínio, a Ministra relatora entendeu por manter a decisão proferida em sede do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que entendeu por bem extinguir o processo, sem resolução do mérito em relação à ex-empregadora do autor aposentado, uma vez que não se vislumbrava a sua legitimidade passiva para responder aos pleitos do Autor.
Há que se concordar com o entendimento exposto no voto da eminente Ministra Nancy Andrighi, apenas nos cumprindo fazer uma pequena observação: no caso em comento, os pleitos elaborados pelo ex-empregado aposentado diziam respeito a questões exclusivamente imputáveis ao plano, como fixação do valor da mensalidade. Houvesse uma falha na comunicação da ex-empregadora com a operadora, e esta viesse a causar prejuízo ao autor, certamente ela responderia pelo prejuízo por ela causado.
[1] Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
[2]Art. 31. Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Terceira Seção decide que tabela da OAB não é obrigatória para advogado dativo em processo penal
Sob o rito dos recursos repetitivos, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) modificou a jurisprudência do tribunal e decidiu que não é obrigatório observar os valores da tabela do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para fixar os honorários devidos ao defensor dativo nomeado para atuar em processos criminais.
O colegiado fixou quatro teses a respeito da controvérsia, cadastrada como Tema 984:
1 – As tabelas de honorários elaboradas unilateralmente pelos Conselhos Seccionais da OAB não vinculam o magistrado no momento de arbitrar o valor da remuneração a que faz jus o defensor dativo que atua no processo penal; servem como referência para o estabelecimento de valor que seja justo e que reflita o labor despendido pelo advogado;
2 – Nas hipóteses em que o juiz da causa considerar desproporcional a quantia indicada na tabela da OAB em relação aos esforços despendidos pelo defensor dativo para os atos processuais praticados poderá, motivadamente, arbitrar outro valor;
3 – São, porém, vinculativas, quanto aos valores estabelecidos para os atos praticados por defensor dativo, as tabelas produzidas mediante acordo entre o poder público, a Defensoria Pública e a seccional da OAB.
4 – Dado o disposto no artigo 105, parágrafo único, II, da Constituição da República, possui caráter vinculante a Tabela de Honorários da Justiça Federal, assim como tabelas similares instituídas, eventualmente, pelos órgãos competentes das Justiças dos Estados e do Distrito Federal, na forma dos artigos 96, I, e 125, parágrafo 1º, parte final, da Constituição da República.
Mudança de entendimento
Um dos recursos representativos da controvérsia foi interposto por um advogado contra acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que arbitrou seus honorários como defensor dativo em R$ 660, ao entendimento de que a tabela da OAB seria apenas referencial. Para o advogado, o pagamento do serviço deveria ser vinculado ao que dispõe o artigo 22, parágrafos 1° e 2°, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB).
O ministro relator dos repetitivos, Rogerio Schietti Cruz, explicou que a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de reconhecer como vinculativa, para os honorários do defensor dativo, a tabela do Conselho Seccional da OAB. No entanto, ressaltou que esse entendimento foi estabelecido em precedentes proferidos em meados de 2003 – há mais de 15 anos, portanto.
Para ele, a superação dessa orientação “é justificada pela relevante necessidade de definição de critérios mais isonômicos de fixação dos honorários, e menos onerosos aos cofres públicos, sem prejuízo da necessidade de assegurar a dignidade da advocacia e o acesso à Justiça pelos hipossuficientes”.
Segundo o ministro, essa constatação é reforçada pela existência de diversos dispositivos legais e atos normativos que estabelecem tabelas distintas, cada qual com um valor de honorários. Citou como exemplo a Resolução 305/2014 do Conselho da Justiça Federal, em que os valores estabelecidos para os advogados dativos são inferiores aos previstos nas diferentes tabelas das seccionais da OAB. Schietti observou ainda que as turmas que compõem a Primeira e a Segunda Seções do STJ alinham-se à orientação de que a tabela organizada pela OAB não é vinculativa.
Interesse público
De acordo com o ministro, a indicação de advogado dativo, conforme o artigo 22, parágrafo 1°, do Estatuto da OAB, resulta em arbitramento de honorários àquele profissional, os quais devem ser suportados pelo Estado – ente político ao qual incumbe o dever de assistência judiciária.
O relator observou que não há uniformidade nos critérios para a produção das tabelas fornecidas pelas diversas entidades estaduais representativas dos advogados, o que resulta em valores díspares. Por exemplo, disse que o valor previsto para uma única impetração de habeas corpus é de R$ 11 mil em Santa Catarina e de R$ 5 mil no Amapá.
Para o ministro, nesse tipo de situação não deve prevalecer a lógica do mercado ou dos interesses profissionais e privados, mas, sim, a do direito público, porque, “ao atuar como defensor dativo, o advogado age sob um múnus público, na defesa do hipossuficiente, sujeitando-se, pois, às limitações e princípios que informam qualquer atividade pública”.
Condição sui generis
Schietti explicou que artigo 22 do Estatuto da OAB assegura, seja por contrato ou por fixação judicial, a contraprestação econômica indispensável à sobrevivência digna do advogado, tratando o primeiro parágrafo da hipótese de defensores dativos – aos quais devem ser fixados os honorários segundo a tabela organizada pela seccional da OAB – e o segundo parágrafo das situações em que não há estipulação contratual dos honorários convencionais, de modo que a fixação deve se dar por arbitramento judicial.
Segundo o ministro, a condição sui generis da relação estabelecida entre o advogado e o Estado – não só por se tratar de particular em colaboração com o poder público, mas também por decorrer de determinação judicial – implica a existência, ainda que transitória, de vínculo que o condiciona à prestação de uma atividade em benefício do interesse público.
“A utilização da expressão ‘segundo tabela organizada’, prevista no primeiro parágrafo, deve ser entendida como referencial, na medida em que não se pode impor à administração o pagamento de remuneração com base em tabela produzida unilateralmente por entidade representativa de classe de natureza privada, como contraprestação de serviços oferecidos, fora das hipóteses legais de contratação pública”, declarou o ministro.
Para ele, a expressão “não podendo ser inferiores”, contida no parágrafo segundo, tem o objetivo de resguardar a pretensão do advogado particular que não ajustou o valor devido pela prestação dos seus serviços.
“Tudo isso a reforçar a percepção – a meu sentir bem clara – de que, sob qualquer formato (convencional, por arbitramento, por sucumbência), os honorários não podem se distanciar de critérios de razoabilidade e, mais ainda quando envolvem dinheiro público, critérios de economicidade”, afirmou. Dessa forma, o relator concluiu que a tabela da OAB deve servir como referencial para o magistrado extrair o valor a ser estipulado como honorários do profissional que colabora com a Justiça criminal.
Leia o acórdão no REsp 1.656.322.
Colegiado afasta responsabilidade de hospital por morte de paciente durante fase pós-cirúrgica
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que afastou a responsabilidade de um hospital pela morte de paciente supostamente provocada por erro em procedimento pós-cirúrgico de troca de cateter. De acordo com a família da vítima, tal erro teria gerado uma infecção que a levou ao óbito.
Para chegar ao entendimento que isentou o hospital – e que foi ratificado no STJ de forma unânime –, o TJRS considerou, entre outros elementos, perícia segundo a qual a causa da morte foi multifatorial. Também levou em conta que a doença inicial do paciente, por si só, poderia ter comprometido suas chances de sobrevivência.
De acordo com o processo, em 2003, o paciente passou por operação para tratar um tumor no intestino. Na fase de recuperação, devido a suposto erro na troca do equipamento de soro pela equipe de enfermagem, o paciente teria sofrido choque séptico e infecção respiratória, vindo a morrer quatro meses após a cirurgia.
Em primeira instância, o juiz condenou o hospital ao pagamento mensal de R$ 4,2 mil até a data em que a vítima completaria 70 anos, além de compensação por danos morais de R$ 180 mil.
O TJRS reformou a sentença por entender que a responsabilidade do hospital dependeria da comprovação de erro, imperícia ou imprudência na atuação de médico a ele vinculado.
Além disso, para o TJRS, a perícia não afirmou categoricamente que a troca de cateter foi a causa principal da infecção que complicou o quadro do paciente e o levou à morte. Também segundo o tribunal, a sentença foi baseada nas declarações do médico cirurgião que prestou serviços ao paciente e que, portanto, deveria ter sido ouvido não como testemunha, mas na condição de mero informante. De acordo com o TJRS, “a prova técnica deve preponderar sobre a prova oral”.
Responsabilidades
Por meio de recurso especial, a família da vítima alegou que a responsabilidade objetiva do hospital seria incontestável, passível de afastamento apenas se houvesse prova pericial irrefutável em sentido contrário – o que não existiria no caso.
A família também defendeu que a perícia, por não ser conclusiva, deveria ser apreciada no conjunto das demais provas produzidas pelas partes.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, afirmou que a responsabilidade dos hospitais, no que diz respeito à atuação dos profissionais contratados, é subjetiva, dependendo de demonstração da culpa do preposto, de forma que não é possível excluir a culpa do médico e responsabilizar objetivamente o hospital.
Por outro lado, lembrou a ministra, se o dano decorre de falha técnica restrita ao profissional médico, que não possui qualquer vínculo com o hospital (empregatício ou de mera preposição), não cabe atribuir à instituição hospitalar a obrigação de indenizar a vítima.
Sem hierarquia
Em relação a uma suposta preponderância da perícia sobre as demais provas, a ministra apontou que no processo não há peso ou hierarquia dos meios de prova, mas um contexto aberto, no qual a narrativa dos fatos deve encontrar embasamento nas variadas provas coligadas com o objetivo de convencer o julgador quanto à correta solução do conflito.
Apesar da menção, pelo TJRS, de que a prova técnica deveria preponderar sobre a oral, Nancy Andrighi destacou que o colegiado gaúcho – ao acompanhar o perito no entendimento de que a doença inicial, por si só, já poderia comprometer a vida do paciente – analisou diversas provas dos autos, como a lista de antibióticos usados para o controle da infecção e documentos no sentido de que a cirurgia realizada é considerada potencialmente contaminada.
“Nessa linha, apesar de encarar o médico que realizou as cirurgias no paciente como informante em vez de testemunha, esta circunstância não é suficiente para eivar de nulidade o acórdão recorrido, nem sequer compromete a exata compreensão da convicção motivada a que chegou o TJRS”, concluiu a ministra ao manter a decisão de segunda instância.
Leia o acórdão.
Guerra fiscal: STF invalida regra do Paraná que autorizava Executivo a conceder benefícios fiscais
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou dispositivo da Lei estadual 10.689/1993 do Paraná que autorizava o Poder Executivo a conceder, de forma unilateral, benefícios fiscais relativos ao ICMS sem a prévia celebração de convênio no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), sempre que outro estado ou o Distrito Federal também conceder incentivos. Em sessão virtual, os ministros julgaram parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3936, nos termos do voto da relatora, ministra Rosa Weber.
Legitimidade
A ministra reconheceu inicialmente a legitimidade do governador do Amazonas para questionar a lei paranaense, uma vez que os benefícios em questão estão inseridos no contexto da guerra fiscal, que acabam por atrair empresas para o Paraná “de forma ilegítima”, em detrimento do Estado do Amazonas e dos demais estados da Federação.
Mérito
Segundo a ministra Rosa Weber, o artigo 2º da lei, ao delegar ao Poder Executivo a concessão de benefícios fiscais, viola o princípio da legalidade específica para as desonerações tributárias (artigo 150, parágrafo 6º, da Constituição Federal). O dispositivo estabelece que qualquer mecanismo que, de alguma forma, diminua a carga tributária deve ser estabelecido por lei em sentido estrito que regule exclusivamente a matéria ou o tributo.
A relatora observou que a regra estadual também fere previsão do artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea g, da Constituição, que reserva à lei complementar a regulação da outorga de incentivos e benefícios fiscais no âmbito do ICMS. Ela explicou que, de acordo com o dispositivo, a regulamentação a ser estabelecida pela lei complementar exige prévia deliberação dos estados e do Distrito Federal para que os benefícios sejam concedidos e revogados (a denominada “reserva de convênio”). A concessão de incentivos do tributo, lembrou a ministra, é regulada no plano infraconstitucional pela Lei Complementar 24/1975. “O Supremo tem reiteradamente afastado leis e decretos que desconsideram o postulado constitucional da deliberação prévia entre os Estados e o Distrito Federal para a outorga de benefícios no âmbito do ICMS”, concluiu.
A decisão de mérito confirma liminar anteriormente deferida pelo Plenário. Os ministros também reconheceram a prejudicialidade da ADI na parte relativa às regras do Decreto 5.141/2001, que foi revogado. Os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli (presidente) e Roberto Barroso divergiram da relatora somente para que os efeitos da decisão valessem a partir da data do deferimento da medida cautelar.
Leia a íntegra do voto da ministra Rosa Weber.
Leia mais: 19/9/2007 – Suspensos dispositivos de lei paranaense que concede benefícios fiscais
Fonte: STF
Compete ao juízo da falência decidir sobre garantias dadas pela falida a empresa em recuperação
”Cuidando-se de bens do falido, que apenas garantem o cumprimento de obrigação em favor da empresa em recuperação, compete ao juízo do processo falimentar decidir o que entender de direito a respeito deles.”
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestou esse entendimento ao julgar conflito de competência entre o juízo que processa a autofalência de suposta devedora – segundo o qual os bens dados por ela em garantia pertencem à massa falida – e o juízo onde tramita a recuperação judicial da credora – que não libera os bens por entender que caberia ao juízo arbitral, em primeiro lugar, decidir o mérito da divergência entre as empresas a respeito de eventual descumprimento do contrato.
Os bens que estão no centro da controvérsia foram dados por uma empresa de serviços como garantia da execução de contrato firmado com uma empresa de energia renovável para construção e manutenção de parques eólicos. Diante de suposto descumprimento das obrigações por parte da prestadora de serviços, o caso foi submetido a procedimento de arbitragem, no qual se chegou a um acordo que, segundo a contratante, também teria sido descumprido.
A empresa de energia renovável entrou em recuperação judicial na Justiça estadual de São Paulo, enquanto a prestadora de serviços requereu sua autofalência em juízo do Ceará.
Bens da massa
O conflito de competência no STJ foi suscitado pelo juízo da recuperação, após o juízo responsável pelo processo falimentar ter entendido que o propósito da garantia teria sido cumprido, devendo os bens retornar para a massa falida. Para o juízo suscitante, a controvérsia deveria ser solucionada em procedimento arbitral, para decidir sobre o mérito do descumprimento das obrigações.
Para o relator do conflito, ministro Antonio Carlos Ferreira, compete ao juízo da falência decidir sobre a destinação dos bens dados em garantia pela falida, que estão vinculados à execução concursal, inclusive sobre eventuais atos constritivos incidentes sobre o seu patrimônio.
Antonio Carlos destacou que o artigo 6º, caput e parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005 estabelece que a decretação da falência suspende o curso de todas as ações e execuções contra o devedor, prosseguindo a ação que demandar quantia ilíquida no juízo em que estiver sendo processada. “No presente caso, a arrecadação dos bens em favor da massa falida não impede seja processada no juízo arbitral eventual demanda na qual se discuta o descumprimento de obrigações contratuais e créditos ilíquidos”, disse.
Habilitação na falência
Ele ressaltou que, caso o juízo arbitral, eventualmente, reconheça que a empresa falida descumpriu o pacto de garantia, haverá formação de crédito em favor da outra empresa, a ser habilitado na falência, para fins de execução concursal, na classe própria, na forma dos artigos 6º, parágrafo 3º, e 83 da Lei 11.101/2005.
O juízo da recuperação judicial, explicou, tem competência para solucionar, exclusivamente, o destino a ser dado aos bens específicos de propriedade da recuperanda – o que ainda não é o caso no momento.
O ministro afirmou ainda que, se a empresa contratante discordar de decisão do juízo falimentar quanto ao destino dos bens dados em garantia, deve fazer uso dos recursos cabíveis nos autos do processo de falência, visando à reforma do respectivo entendimento, uma vez que o conflito de competência não possui índole recursal.
Leia o acórdão.
Quarta Turma nega indenização securitária por acidente com avião pilotado de forma irregular
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de indenização securitária à família do proprietário e piloto de um avião que caiu em Minas Gerais, em 2001. Ao manter o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o colegiado considerou que houve agravamento de risco – suficiente para afastar a indenização – em razão de o proprietário não possuir habilitação específica para a condução de aeronave por instrumentos. Além disso, o copiloto estava com a habilitação vencida.
“Em tal contexto, a condução de aeronave por comandante desprovido de qualificação técnica, bem como a delegação de copilotagem àquele com a respectiva habilitação vencida representam agravamento essencial do risco, de presunção relativa”, afirmou o relator do recurso especial da família, ministro Luis Felipe Salomão.
O acidente ocorreu durante voo noturno – para o qual a Aeronáutica exige a habilitação específica de condução por instrumentos – e deixou seis vítimas fatais, incluindo o proprietário. O avião possuía cobertura de seguro aeronáutico no valor de R$ 825 mil, mas a seguradora negou o pagamento da indenização sob o argumento de que o equipamento foi conduzido por piloto inabilitado, além de o plano de voo ter sido solicitado em nome de piloto que não realizou a viagem.
Sem habilitação
O pedido de indenização securitária foi negado em primeiro grau, em sentença mantida pelo TJSP. Para o tribunal, constitui agravamento de risco apto a gerar a perda do direito ao seguro, nos termos do artigo 1.454 do Código Civil de 1916, o simples fato de que o avião estava sendo pilotado por quem não tinha habilitação para operá-lo. Ainda segundo o TJSP, a hipótese dos autos se assemelharia ao agravamento de risco em acidente automobilístico quando o veículo é conduzido por motorista embriagado.
No recurso especial, a família do proprietário alegou que ele não tinha conhecimento sobre as irregularidades do plano de voo cometidas pelo copiloto, nem mesmo de que o profissional estava com a habilitação vencida. Além disso, para os familiares, essas condições não poderiam ser consideradas causas determinantes do acidente.
Conduta ilícita
O ministro Luis Felipe Salomão apontou que, de acordo com o artigo 1.454 do CC/1916, enquanto vigorar o contrato, o segurado deve se abster de tudo aquilo que possa aumentar os riscos, sob pena de perder o direito ao seguro.
De acordo com Salomão, na hipótese de acidentes com carros em que a embriaguez é causa determinante, a jurisprudência do STJ considera que o uso de bebida agrava intencionalmente o risco contratado, e esse entendimento não se restringe aos casos em que o próprio segurado se encontra alcoolizado, abrangendo também os condutores principais que estejam na direção do veículo.
Apesar de reconhecer que a conduta capaz de gerar a perda da cobertura securitária é aquela praticada, em regra, diretamente pelo segurado, o relator ponderou que, “quando o segurado pratica conduta desidiosa ou ilícita, por dolo ou culpa, e, em tal contexto, frustra as justas expectativas da execução do contrato de seguro, contribui para o agravamento, cuja consequência não é outra que não a exoneração do dever de indenizar pela seguradora – ainda que, porventura, referente a fato de terceiro”.
Regulamentos
No caso dos autos, Salomão enfatizou que o proprietário e comandante do avião – que celebrou o contrato com a seguradora – conduziu-o sem a necessária habilitação para voos por instrumento. Além disso, ressaltou, houve solicitação de voo por piloto habilitado que nem integrou a tripulação, descumprindo os regulamentos que regem a navegação aérea, cujo cumprimento é de responsabilidade do próprio comandante.
“Agindo dessa maneira, o proprietário da aeronave e contratante do seguro cria risco não previsto no pacto securitário e, em consequência, afasta-se dos limites estabelecidos para o exercício da garantia contratual e rompe com o dever de cooperação e lealdade, configurando abuso de direito”, concluiu o ministro ao negar o pedido de indenização.
STF decide que cumprimento da pena deve começar após esgotamento de recursos
Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é constitucional a regra do Código de Processo Penal (CPP) que prevê o esgotamento de todas as possibilidades de recurso (trânsito em julgado da condenação) para o início do cumprimento da pena. Nesta quinta-feira (7), a Corte concluiu o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, que foram julgadas procedentes.
Votaram a favor desse entendimento os ministros Marco Aurélio (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, presidente do STF. Para a corrente vencedora, o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”, está de acordo com o princípio da presunção de inocência, garantia prevista no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Ficaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que entendiam que a execução da pena após a condenação em segunda instância não viola o princípio da presunção de inocência.
A decisão não veda a prisão antes do esgotamento dos recursos, mas estabelece a necessidade de que a situação do réu seja individualizada, com a demonstração da existência dos requisitos para a prisão preventiva previstos no artigo 312 do CPP – para a garantia da ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
O julgamento das ADCs foi iniciado em 17/10 com a leitura do relatório do ministro Marco Aurélio e retomado em 23/10, com as manifestações das partes, o voto do relator e os votos dos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Na sessão de 24/10, o julgamento prosseguiu com os votos dos ministros Rosa Weber, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski. Na sessão de hoje, proferiram seus votos a ministra Cármen Lúcia e os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli.
Ministra Cármen Lúcia
A ministra aderiu à divergência aberta na sessão de 23/10 pelo ministro Alexandre de Moraes, ao afirmar que a possibilidade da execução da pena com o encerramento do julgamento nas instâncias ordinárias não atinge o princípio da presunção de inocência. Segundo ela, o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal deve ser interpretado em harmonia com os demais dispositivos constitucionais que tratam da prisão, como os incisos LIV (devido processo legal) e LXI (prisão em flagrante delito ou por ordem escrita).
A eficácia do direito penal, na compreensão da ministra, se dá em razão da certeza do cumprimento das penas. Sem essa certeza, “o que impera é a crença da impunidade”. A eficácia do sistema criminal, no entanto, deve resguardar “a imprescindibilidade do devido processo legal e a insuperável observância do princípio do contraditório e das garantias da defesa”.
Ministro Gilmar Mendes
Em voto pela constitucionalidade do artigo 283 do CPP, o ministro Gilmar Mendes afirmou que, após a decisão do STF, em 2016, que passou a autorizar a execução da pena antes do trânsito em julgado, os tribunais passaram a entender que o procedimento seria automático e obrigatório. Segundo o ministro, a decretação automática da prisão sem que haja a devida especificação e individualização do caso concreto é uma distorção do que foi julgado pelo STF.
Para Mendes, a execução antecipada da pena sem a demonstração dos requisitos para a prisão viola o princípio constitucional da não culpabilidade. Ele salientou que, nos últimos anos, o Congresso Nacional aprovou alterações no CPP com o objetivo de adequar seu texto aos princípios da Constituição de 1988, entre eles o da presunção de inocência.
Ministro Celso de Mello
Ao acompanhar o relator, o ministro afirmou que nenhum juiz do STF discorda da necessidade de repudiar e reprimir todas as modalidades de crime praticadas por agentes públicos e empresários delinquentes. Por isso, considera infundada a interpretação de que a defesa do princípio da presunção de inocência pode obstruir as atividades investigatórias e persecutórias do Estado. Segundo ele, a repressão a crimes não pode desrespeitar e transgredir a ordem jurídica e os direitos e garantias fundamentais dos investigados. O decano destacou ainda que a Constituição não pode se submeter à vontade dos poderes constituídos nem o Poder Judiciário embasar suas decisões no clamor público.
O ministro ressaltou que sua posição em favor do trânsito em julgado da sentença condenatória é a mesma há 30 anos, desde que passou a integrar o STF. Ressaltou ainda que a exigência do trânsito em julgado não impede a decretação da prisão cautelar em suas diversas modalidades.
Leia a íntegra do voto do ministro Celso de Mello.
Ministro Dias Toffoli
Último a votar, o presidente do STF explicou que o julgamento diz respeito a uma análise abstrata da constitucionalidade do artigo 283 do CPP, sem relação direta com nenhum caso concreto. Para Toffoli, a prisão com fundamento unicamente em condenação penal só pode ser decretada após esgotadas todas as possibilidades de recurso. Esse entendimento, explicou, decorre da opção expressa do legislador e se mostra compatível com o princípio constitucional da presunção de inocência. Segundo ele, o Parlamento tem autonomia para alterar esse dispositivo e definir o momento da prisão.
Para o ministro, a única exceção é a sentença proferida pelo Tribunal do Júri, que, de acordo com a Constituição, é soberano em suas decisões. Toffoli ressaltou ainda que a exigência do trânsito em julgado não levará à impunidade, pois o sistema judicial tem mecanismos para coibir abusos nos recursos com a finalidade única de obter a prescrição da pena.
Fonte: STF