Administrador de empresa que não observar o Dever de Informar poderá responder por danos a sócios e a terceiros
Tramita perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 8.657/2017, de autoria do Dep. Carlos Bezerra, que visa instituir importantes mudanças na atual legislação que rege as Sociedades Anônimas, notadamente quanto à possibilidade de se atribuir responsabilidade ao administrador por falha ou violação do Dever de Informar.
O PL 8.657/2017 visa alterar os artigos 157 e 158 da Lei Federal n.º 6.404/76, que “dispõe sobre a Sociedade por Ações, para fins de disciplinar a responsabilidade civil e o dever de informar dos administradores das companhias”.
Em uma primeira leitura da ementa transcrita acima, tem-se a impressão que o novo Projeto de Lei trará inovação quanto à inserção, na Lei já existente, do Dever de Informar por parte do Administrador e de eventual responsabilidade civil em caso de inobservância.
Devemos alertar que tal dever já existe e encontra-se previsto em lei, juntamente com outros dois deveres do administrador: o Dever de Diligência e o Dever de Lealdade.
A legislação em vigor já disciplina o Dever de Informar e a obrigatoriedade do administrador em observá-lo, mas apenas em relação a Comissão de Valores Mobiliários e às bolsas de valores ou entidades de mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação[1].
Em verdade, o Projeto de Lei visa, como o seu próprio texto expressamente cita, “estender ao público em geral as informações relacionadas aos fatos relevantes e reputados como verdadeiros relacionados à companhia, em sua inteireza, de forma consistente, tempestiva e atualizada, sempre zelando pela utilização de linguagem clara, objetiva e consisa“[2]
Igualmente, a responsabilização do administrador não constitui inovação por parte do PL 8.657/2017.
O artigo 158 da Lei Federal 6.404/76 prevê que o administrador responde civilmente pelos prejuízos que causar quando proceder com culpa e dolo dentro de suas atribuições ou poderes, ou ainda quando seu atuar se dá com violação à lei ou ao estatuto da sociedade por ações.
Entretanto, e por força da primeira alteração da qual já tecemos comentários, viu o legislador a necessidade de se atribuir expressamente a responsabilidade civil do administrador também pelos dados causados aos sócios e a terceiros.
Muito embora entendamos que tal inserção extirpe quaisquer dúvidas quanto a possibilidade de atribuição de responsabilidade civil do administrador por danos causados por sua culpa ou dolo a sócios e terceiros, da mesma forma acreditamos que a violação ao Dever de Informação poderia, desde já, ensejar a responsabilidade civil do administrador pela regra geral existente no próprio Código Civil em seu artigo 927[3], devendo haver prova do cometimento do ato ilícito por parte do administrador, através de ação ou omissão, e que tal ato tenha gerado efetivo prejuízo.
Deve-se lembrar que, mesmo vindo a ser aprovado o Projeto de Lei acima citado, a regra continua a de que o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade em virtude do ato regular de gestão; apenas quando agir com dolo ou culpa, ou em violação à lei e ao estatuto, poderá o administrador ser responsabilizado.
Entretanto, se aprovado o PL tal como proposto, trará importante positivação na legislação sobre o tema, realçando ainda mais a necessária observância do Dever de Informar pelo administrador e, principalmente, das consequências de sua atuação, não só em relação aos órgãos que regulam o setor, mas também aos acionistas e a terceiros, evitando-se situações oriundas das decisões da companhia prejudiciais não só quanto ao contexto econômico, mas também na questão social, ambiental, consumerista, trabalhista, entre outras, primando sempre pela clareza, lisura e transparência, em estrita observância à Lei e ao estatuto, aspectos dos quais o Administrador não poder jamais alijar-se.
[1] Lei 6.404/76, artigo 157, § 6º: “Os administradores da companhia aberta deverão informar imediatamente, nos termos e na forma determinados pela Comissão de Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, as modificações em suas posições acionárias na companhia”. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)
[2] PL 8657/2017 – “II – ao público em geral, notadamente ao mercado em que atua, por intermédio de portal na rede mundial de computadores (internet), todos os fatos relevantes e reputados como verdadeiros relacionados com a companhia, em sua inteireza, de forma consistente, tempestiva e atualizada, sempre zelando pela utilização de linguagem clara, objetiva e concisa”
[3] Código Civil – Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo”
Responsabilidade dos Sócios à luz da Reforma Trabalhista
Dentre as principais preocupações na constituição de uma empresa destacam-se, inegavelmente, os riscos e responsabilidades assumidos pelos sócios, seja durante o exercício de suas atividades ou mesmo após sua saída do quadro societário.
Via de regra, os sócios não respondem com seu patrimônio pessoal pelas dívidas da pessoa jurídica, uma vez que as personalidades jurídicas são distintas e não se confundem. Todavia, havendo abuso da personalidade jurídica, consubstanciado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento, que os efeitos de certas e determinadas relações obrigacionais sejam estendidos aos bens particulares dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica, conforme preleciona o artigo 50 do Código Civil.
A chamada desconsideração da personalidade jurídica é, portanto, medida excepcional, somente tendo lugar quando comprovada a ocorrência de fraude ou abuso de direito, na forma da lei. Há, contudo, duas teorias de aplicação da mesma.
Isso porque, para além do que estabelece o Código Civil, há o Código de Defesa do Consumidor, que adota teoria distinta para justificar a desconsideração da personalidade jurídica. Enquanto o primeiro acolheu a teoria maior, exigindo a demonstração de abuso ou fraude como pressuposto para sua decretação (artigo 50, CC), o CDC perfilha a teoria menor, a qual admite a responsabilização dos sócios quando a personalidade da sociedade empresária configurar impeditivo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor (artigo 28, § 5º, CDC).
Na seara trabalhista, por analogia, desde há muito vinha sendo aplicada a teoria menor. Independente da justificativa para desconsiderar a personalidade jurídica, os principais questionamentos existentes orbitam sobre o procedimento para a responsabilização dos sócios, que nas execuções trabalhistas acabava por ser automático: não se encontrando bens em nome da sociedade executada, era determinado, pelo juiz, o redirecionamento da cobrança para os sócios ou administradores, sem qualquer possibilidade prévia de defesa.
O auge da controvérsia ocorreu com o início da vigência do Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº. 13.105/2015, que trouxe o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, com regras próprias de tramitação estabelecidas nos artigos 133 a 137. De acordo com a legislação processual civil, para a responsabilização dos sócios ou administradores passou a ser imprescindível que o requerente comprove o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica, seguida de imediata oportunidade de defesa.
A aplicabilidade do incidente aos processos trabalhistas foi, inicialmente, prevista na Instrução Normativa nº. 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho e, posteriormente, positivada no artigo 855-A da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, a responsável pela Reforma Trabalhista. Estas normas, em especial a segunda, são de extrema importância para fulminar os argumentos anteriormente utilizados para afastar a aplicação do incidente ao processo do trabalho, quais sejam a inexistência de previsão legal expressa e a suposta incompatibilidade entre o procedimento e a celeridade que norteia as reclamatórias.
Têm-se, então, que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é, atualmente, plenamente aplicável aos processos trabalhistas, de modo que, especialmente com o advento da Lei 13.467/2017, é direito do sócio, seja ele formal ou de fato, ver direcionada a execução trabalhista contra si somente por meio da instauração do incidente, sob pena de violação ao devido processo legal.
Os reflexos desta alteração são substanciais. Como demonstrado, antes da reforma trabalhista a lei possibilitava aos juízes do trabalho desconsiderar a personalidade jurídica das empresas até mesmo de ofício, sem ouvir a parte contrária. Permitia-se, assim, a responsabilização de sócios que sequer detinham qualquer poder de administração fossem responsabilizados por débitos trabalhistas.
Já na vigência das novas normas, multiplicam-se decisões como a recentemente proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro[1], em que, avaliando-se a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica no caso, decidiu-se que acionista minoritário sem poder de gestão não responde por dívidas trabalhistas da companhia. No caso, o acionista detinha 0,08% do capital social de uma sociedade anônima.
Outra alteração importante no que concerne à responsabilidade dos sócios por débitos trabalhistas é aquela que registra, no artigo 10-A da CLT, também inserido pela Lei da Reforma Trabalhista, os limites à responsabilização do sócio retirante. É que, mesmo com a regra expressa no artigo 1.003 do Código Civil, não raro se viam decisões responsabilizando ex-sócios mesmo após o lapso temporal de dois anos contados da modificação do contrato social, fixados na legislação material. Comprovada a fraude na alteração societária, contudo, o sócio retirante responderá solidariamente com os demais.
Deve-se ter em mente que a aplicação do dispositivo considera apenas como sócio retirante aquele que teve o seu desligamento averbado no contrato social da empresa; o sócio retirante de fato, ou seja, aquele que se desliga apenas por instrumento particular sem, contudo fazer a devida averbação no órgão responsável, não terá direito à ordem preferencial, já que esse desligamento não terá eficácia.
Neste sentido, o TRT-RJ[2] também já se manifestou expressamente pela aplicação da reforma trabalhista, se posicionando no sentido de que o sócio retirante responde pelas dívidas da empresa somente até o limite de dois anos contados da data de averbação, perante a junta comercial, de sua saída do quadro societário. Proposta a ação trabalhista além desse limite, seria inviável atribuir responsabilidade ao sócio retirante quanto ao crédito trabalhista reconhecido em juízo.
Assim, ao incluir os artigos 10-A e 855-A no texto da CLT, a Lei 13.467/2017, quer quanto à limitação temporal da responsabilidade do ex-sócio nos casos de saída regular da sociedade, quer quanto ao procedimento a ser adotado para desconsideração da personalidade jurídica da empresa, conduz o processo trabalhista no sentido de imprimir previsibilidade, uniformidade e segurança aos jurisdicionados.
[1] Processo nº 0010300-06.2015.5.01.0046
[2] Processo nº 0018400-40.2008.5.01.0063
Regulação das Fintechs aquece o mercado financeiro
Chamou a atenção do mercado financeiro a aprovação, pelo Conselho Monetário Nacional, da Resolução CMN nº. 4.656/2018. A norma, que passou por consulta pública, em resumo, estabelece requisitos mínimos para funcionamento das fintechs que oferecem crédito no Brasil.
Com a regulamentação, o CMN pretende aumentar a competitividade do Sistema Financeiro Nacional, fomentar o crédito e reduzir o seu custo para o tomador final. Há promessa, ainda, de maior segurança jurídica para as estruturas de concessão de crédito que contam com o auxílio da tecnologia e de plataformas eletrônicas para a prestação de serviços financeiros.
Isso porque a Resolução CMN nº. 4.656/2018 criou duas novas modalidades de instituições financeiras: a Sociedade de Crédito Direto (SCD) e a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP). Neste contexto, permite-se que as fintechs atuem sem a necessidade de estarem vinculadas a instituições financeiras tradicionais, numa estrutura mais simples e com um feixe de contratos e de operações menos denso.
Nada impede, porém, que as parcerias com bancos continuem a ser utilizadas por essas plataformas. Isso ocorrerá caso essas fintechs entendam que os custos e o tempo que terão que dispender para conseguir autorização do Banco Central serão muito elevados e não compensarão os esforços. As fintechs devem ponderar, também, que terão que observar um conjunto maior de regras enquanto entidades reguladas do que enquanto meros correspondentes bancários, como veremos adiante.
Antes disso, relembra-se que tanto as SCD quanto as SEP devem se atentar às normas de sigilo estabelecidas na Lei Complementar nº. 105/2001, que prevê aplicação dos seus ditames a qualquer entidade reconhecida como instituição financeira pelo CMN.
Sociedade de Crédito Direto (SCD)
A SCD, conforme regulado na resolução, é a fintech que, prestando serviços exclusivamente por meio de plataforma eletrônica, tem por objeto a realização de operações de empréstimo, de financiamento e de aquisição de direitos creditórios com a utilização de recursos que tenham como única origem o capital próprio, sendo vedada a captação de recursos públicos.
É facultado às SCD ceder seus créditos para outras instituições financeiras, para fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) e para companhias securitizadoras cujos ativos emitidos sejam destinados exclusivamente a investidores qualificados.
A Resolução prevê, ainda, a captação de recursos do público pela SCD exclusivamente por meio da emissão de ações.
Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP)
A SEP, por sua vez, tem por objeto a realização de empréstimo e de financiamento entre pessoas exclusivamente por meio de plataforma eletrônica. Pautada no modelo peer-to-peer de negócios, a SEP, mediante o uso de tecnologia, tem a capacidade de remover intermediários das operações de crédito realizadas, como por exemplo os bancos ou cooperativas de crédito, e assim, permitir uma interação mais direta entre as pessoas que necessitam de empréstimo e aquelas que estão dispostas a concedê-los.
Podem ser credores nas operações realizadas nas SEP as pessoas naturais, outras instituições financeiras, os FIDC, as companhias securitizadoras cujos ativos emitidos sejam destinados exclusivamente a investidores qualificados e as pessoas jurídicas não financeiras, exceto as companhias securitizadoras expressamente permitidas.
Foi autorizado, também, a aquisição, pelas SEP e por suas controladas ou coligadas, de cotas subordinadas do FIDC que invista exclusivamente em créditos originados na SEP, limitados a 5% do patrimônio do FIDC e desde que não configure assunção substancial dos riscos e benefícios.
É vedado, porém, que a SEP utilize recursos próprios ou exponha-se, direta ou indiretamente, ao risco de crédito das operações de empréstimo e de financiamento realizadas. A vedação atinge também as pessoas jurídicas controladas ou coligadas às SEP.
O CMN estabeleceu, ainda, que o limite máximo para que um mesmo credor possa contratar com um mesmo devedor na mesma SEP é de R$ 15.000,00. Esse limite, contudo, não é aplicável aos credores que sejam investidores qualificados.
Autorização de funcionamento
O funcionamento das SCD e das SEP depende de prévia autorização do Banco Central do Brasil. Sobre o procedimento para obtenção desta autorização de funcionamento, a Resolução CMN nº. 4.656/2018 trouxe algumas simplificações, dispensando requisitos e etapas como a apresentação de proposta de constituição e funcionamento ao BACEN.
Definiu, entretanto, que tanto SCD quanto SEP devem ser constituídas sob a forma de sociedades anônimas, observando permanentemente o limite mínimo de R$ 1.000.000,00 em relação ao capital social integralizado e ao patrimônio líquido.
A participação de fundos de investimento no grupo de controle das SCD e SEP foi liberada, desde que em conjunto com pessoa ou grupo de pessoas. Neste caso, o BACEN poderá exigir adicional de capital social integralizado e patrimônio líquido.
De acordo com as novas normas, o BACEN poderá exigir, também, a celebração de acordo de acionistas, contemplando expressa definição do grupo de controle, direto ou indireto, da instituição objeto do processo de autorização.
Há necessidade, ainda, de explicitar as pessoas que compõem o grupo econômico de que seja integrante a instituição e que possam vir a exercer influência direta ou indireta nos negócios das SCD e SEP aspirantes ao funcionamento, além da comprovação da origem e da respectiva movimentação financeira dos recursos utilizados no empreendimento pelos controladores e pelos detentores de participação qualificada.
Por fim, é importante destacar que a dissolução da SCD ou da SEP ou a mudança de seu objeto social, que resulte na sua descaracterização como sociedade integrante do sistema financeiro, implica o cancelamento da respectiva autorização para funcionamento.
PL 1.220/15: Regras para a desistência de compra de imóveis na planta prometem reduzir conflitos judiciais e incentivar o setor Imobiliário
No início do mês de junho, mais precisamente no dia 06, foi aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados o texto do Projeto de Lei nº 1.220/15, que regulamenta a desistência da compra de imóveis na planta.
O texto, que ainda segue para aprovação do Senado Federal, a princípio, regulamentava a “desistência do contrato de incorporação imobiliária com a retenção de até 10% (dez por cento) do valor pago por parte da incorporadora”.
Agora, porém, com a aprovação em conjunto do PL 2616/2015, do PL 3098/2015, do PL 8667/2017, e do PL 10114/2018, o texto original foi alterado, através do Substitutivo apresentado pelo deputado Jose Stédile (PSB-RS).
Com essas alterações, o PL 1220/15 passou a regular de maneira mais equilibrada e justa, seguindo o mesmo caminho que a jurisprudência maciça do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da maioria dos Tribunais de Justiça, o que certamente trará benefícios à economia do país e mais segurança ao mercado imobiliário e aos próprios consumidores.
Isso porque, diante da ausência de regulamentação do tema, multiplicaram-se as ações judiciais, em especial nos casos em que o consumidor desistia, por qualquer motivo, da compra do imóvel antes da entrega.
O número de processos foi tão significativo que o STJ chegou a editar súmula sobre o assunto. O enunciado de nº 543 fixou o entendimento de que “na hipótese de resolução do contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.
Apesar disso, a utilização do termo “parcialmente” não impedia novos litígios entre compradores e vendedores acerca dos percentuais que seriam devidos quando do distrato, de modo que o PL 1220/15, ao fixá-los, tende a promover a segurança jurídica, afastando a análise casuística.
A rescisão do contrato por responsabilidade do contratante, seja por inadimplemento ou por desistência, passará a ter regulação específica. Nestes casos, o PL prevê que o adquirente será restituído, em até 180 dias contados do desfazimento do contrato, dos valores que houver pago, após efetuadas as deduções da taxa de corretagem, na sua integralidade, e da pena convencional prevista em contrato, que não poderá ser maior que 25% da quantia paga.
Situação diversa ocorre nos casos em que for utilizado o regime de patrimônio de afetação, instituído pela Lei 10.931/2004, em que o empreendimento e a construtora mantém CNPJ e contabilidade separadas.
A restrição de crédito para o setor imobiliário e o alto índice de distratos fizeram com que a tendência do sistema financeiro passasse a ser a de privilegiar empreendimentos com patrimônio afetado por causa da maior segurança de retorno. Dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) indicam o crescimento desse mecanismo desde 2016 na venda de imóveis na planta na maioria das grandes empresas do setor.
Com o patrimônio afetado, as parcelas pagas pelos compradores não se misturam ao patrimônio da incorporadora ou construtora e, se ela entrar em dificuldades financeiras, não poderá fazer parte da massa falida.
Esses motivos fizeram com que o PL 1.220/15 estabelecesse regras diferentes para os casos de empreendimento submetido ao regime de patrimônio de afetação, de modo que a restituição dos valores ao adquirente deverá ser paga no prazo de 30 dias após o habite-se ou documento equivalente emitido pelo órgão público municipal competente e a multa poderá ser estabelecida até o limite de 50% da quantia paga.
Com isso, o Poder Legislativo visa incentivar a continuidade das obras e a entrega das unidades aos futuros donos não desistentes, mesmo em caso de falência da construtora.
Em ambos os casos – patrimônio de afetação ou não – é vedada a incidência de cláusula penal nos casos em que o adquirente que der causa ao desfazimento do contrato encontrar comprador substituto que assuma as obrigações contidas no contrato original, desde que haja a devida anuência do incorporador e a aprovação dos cadastros do comprador substituto. O novo mutuário deverá comprovar capacidade financeira para arcar com a dívida.
Outra novidade importante é a instituição do direito de arrependimento, que permite que o adquirente, em até 7 (sete) dias, desista do contrato firmado em estandes de vendas e fora da sede do incorporador, sendo, nesse caso, garantida a devolução integral de todos os valores antecipados – inclusive da comissão de corretagem.
Por fim, sobre o atraso na entrega, o projeto prevê o prazo de até 180 dias de prorrogação sem multa ou motivo de rescisão contratual se houver cláusula contratual sobre o tema.
Depois desses seis meses, o comprador poderá rescindir o pacto e receber todos os valores pagos corrigidos em até 60 dias após o distrato. Caso escolha continuar com o empreendimento mesmo com atraso na entrega do imóvel, o mutuário receberá uma indenização de 1% do valor pago à incorporadora para cada mês ultrapassado do prazo.
A Lei 13.670/2018 e a Reoneração da Folha de Salários
Instituída em 2011 como obrigatória, desde 2015 a Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB) é disciplinada como alternativa à Contribuição Previdenciária sobre Folha de Salários, ficando popularmente conhecida como “desoneração da folha”.
A opção por uma das duas formas de apuração cabe ao contribuinte e deve ser exercida no mês de janeiro, vinculando-o, de modo irretratável, até o final do respectivo ano-calendário.
Há algum tempo, contudo, o fim da CPRB vem sendo cogitado pelo Presidente Michel Temer. Chegou, inclusive, a ser objeto da Medida Provisória 774/17, mas a pressão dos setores afetados e as sucessivas decisões judiciais favoráveis aos contribuintes acabaram por forçar a sua revogação.
A Paralisação dos Caminhoneiros, deflagrada no último dia 21, renovou o fôlego para discussão da iniciativa, a ponto do Governo Federal, para atender às reivindicações do setor de transporte rodoviário de carga, em especial a redução da CIDE sobre o diesel, enxergar a reoneração como contrapartida orçamentária interessante.
Sobre o tema, o Ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, chegou a declarar à imprensa[1] que o que o governo deixará de arrecadar com a Cide será compensado com os setores que serão reonerados.
Nestes termos, selado o acordo com a Câmara e o Senado, foi publicada, no dia 30.05.2018, a Lei 13.670. Referida norma estabelece, como regra geral, que o ano de 2020 será o último em que se facultará ao contribuinte recolher a contribuição previdenciária sobre a receita bruta. Há que se ter cuidado, contudo, com as exceções.
É que, em seu artigo 12, II, a “Lei da Reoneração” revoga dispositivos da Lei 12.546/11, que instituiu e regula a CPRB. Tal modificação, na prática, obriga, a partir de 01.09.2018, que diversos setores econômicos, como os de transporte ferroviário de cargas, transporte aéreo e marítimo, manutenção e reparação de aeronaves e embarcações, hoteleiro, além de alguns ramos da indústria e o comércio varejista de determinadas categorias voltem a recolher a contribuição previdenciária sobre a folha de salários.
A previsão de observância da anterioridade nonagesimal, que impede a cobrança de contribuições antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que as instituiu ou modificou (artigo 195, § 6º, da Constituição Federal), contudo, não parece ser suficiente para validar a alteração legislativa em comentário, ao menos no que se refere ao ano de 2018.
Isso porque, a Lei 12.546/11 define, por meio do artigo 9º, § 13, que a opção pela CPRB será anual e irretratável para todo o ano calendário.
Assim, as pessoas jurídicas dos setores descritos que exerceram corretamente o seu direito de opção pelo regime de apuração da CPRB para todo o ano-calendário de 2018, realizando o seu planejamento orçamentário anual também levando em consideração esse fator, foram surpreendidas com a publicação da Lei 13.670/18, que, arbitrariamente, revogou esse regime de apuração em relação às atividades por elas exercidas, com efeitos a partir de 01.09.2018.
As mudanças trazidas pelo artigo 12, II, da Lei 13.670/18, violam, assim, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, protegidos pelo inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, de quem optou por se manter em um regime de apuração de contribuição previdenciária, dito irretratável, até o final do ano-calendário corrente.
Fato é que, quando a Lei nº. 12.546/11 estabeleceu que a opção pelo regime de apuração da CPRB se estenderia por todo o ano-calendário, inclusive, o de 2018, diversas empresas a exerceram, confiando na estabilidade mínima de validade dos efeitos dessa escolha. Como contribuintes de boa-fé, confiaram na norma posta e atuaram segundo os seus ditames, programando as suas atividades econômicas para o formato escolhido.
No popular, entraram no jogo conhecendo as regras do jogo e confiando que essas regras prevaleceriam até o seu termo final (dezembro/2018). E, frise-se, isso é o mínimo que se espera de um país que possui em seu ordenamento jurídico a figura da segurança jurídica como princípio e a consequente manifestação da estabilidade das relações jurídicas firmadas, sejam estas entre particulares ou entre entes públicos e particulares.
Não é outro o entendimento de juristas como Heleno Taveira Torres[2] e Humberto Ávila[3], que elencam, ao menos, três aspectos protegidos pelo princípio da segurança jurídica, quais sejam: certeza jurídica ou cognoscibilidade, estabilidade do ordenamento jurídico ou calculabilidade e confiança na efetividade dos direitos e liberdades fundamentais ou, simplesmente, confiabilidade.
Sendo assim, observa-se que, de uma só vez, a edição da Lei 13.670/18, em especial de seu artigo 12, II, rompe com esses três aspectos protegidos pela segurança jurídica. Aliás, de uma só vez ela rompe com a segurança em que se pautaram as empresas no exercício legal do seu direito de opção; com a boa-fé por elas demonstradas ao cumprir o disposto em norma posta e planejar o adimplemento de suas obrigações tributárias anuais; e com a proteção da confiança que deveria haver entre elas e o ente público com o qual “acordou”, mediante lei, a realização da apuração da referida contribuição.
Neste contexto, tal qual ocorreu quando da publicação da MP 774/2017, recairá sobre o Poder Judiciário a responsabilidade de fazer valer o texto constitucional, determinando que a alteração do regime só pode ser admitida como válida a partir de janeiro de 2019.
[1] http://www.valor.com.br/brasil/5542095/governo-condiciona-fim-da-cide-sobre-diesel-ao-projeto-de-reoneracao
[2] TORRES. Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012. P.192.
[3] ÁVILA. Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização do direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 250/256.
Planejamento Sucessório: indispensável no atual cenário de elevação do imposto sobre herança
O Planejamento Sucessório é o meio utilizado para encontrar formas de otimizar e reduzir custos da transmissão de patrimônio por ocasião da sucessão, devendo ser executado o quanto antes para evitar o demorado e custoso inventário, afastando assim a incidência do cada vez mais alto imposto sobre heranças.
Isso porque o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITD), tributo incidente sobre heranças e doações é, por atribuição Constitucional, instituído e cobrado pelos Estados. Sua alíquota varia de acordo com a localidade em que processado o inventário ou arrolamento, no caso de bens móveis, ou o domicílio em que se encontrarem os bens imóveis.
Histórico de aumento do ITD nos últimos anos
O percentual máximo para cobrança do ITCD é definido pelo Senado Federal que, atualmente, permite que os Estados arrecadem até 8% sobre a herança.
Até 2015, somente o Estado de Santa Catarina adotava a alíquota de 8%. A partir daquele ano, em virtude da situação econômica em que se encontra o país, pelo menos doze outros estados majoraram o imposto, sendo que mais da metade deles passou a exigir o máximo permitido.
Membro deste último grupo é o Estado do Rio de Janeiro que, não satisfeito em aumentar o teto do ITD de 4% para 5% em 2016, aprovou, em 16 de novembro de 2017, a possibilidade de incidência do imposto sobre heranças à alíquota de 8%, nos casos em que o patrimônio a ser destinado aos sucessores supere o montante de 400.000 UFIR-RJ, que em 2018 corresponde ao valor de R$ 1.317.560,00 (um milhão trezentos e dezessete mil quinhentos e sessenta reais).
As novas regras do território fluminense estão em vigor desde o dia 01 de janeiro de 2018.
Diante do cenário de calamidade financeira instalado no Palácio Guanabara, exemplificado pela situação de baixos níveis de investimento e pelo alto déficit financeiro nas contas públicas, pode-se inferir que o imposto sobre heranças só não superou os 8% no Estado do Rio de Janeiro por assim não lhe ser permitido.
Já houve, todavia, recente movimento do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão que conta com representantes de todos os Estados brasileiros, no sentido de propor ao Senado Federal o aumento do imposto sobre herança para o patamar de 20%. Apesar de em um primeiro momento a iniciativa ter encontrado resistência na Casa Legislativa, é bastante provável que os Estados, em busca de maior arrecadação, mantenham a pressão para a majoração do ITD.
Este cenário de elevação da carga tributária sobre a herança, somado à morosidade notória do judiciário, faz com que o Planejamento Sucessório, assim entendido como a análise da forma mais prática e menos custosa de se promover a sucessão patrimonial, torne-se indispensável.
Vantagens do Planejamento Sucessório
A gestão e a sucessão patrimonial são preocupações constantes em pessoas que, após uma vida inteira de trabalho duro, acumulando bens que, em tese, permitiriam um período de aposentadoria menos turbulento e garantiriam um futuro mais confortável para seus filhos e familiares, se deparam com as complexidades dos procedimentos jurídicos tradicionais.
Não raramente têm-se notícias de inventários que perduram por mais de 20 anos na Justiça, de bens inicialmente adquiridos para o sustento das gerações futuras sendo utilizados para pagamento de dívidas empresariais, ou mesmo dos altíssimos impostos incidentes sobre a herança que, como visto anteriormente, recentemente foram elevados e tendem a serem ainda maiores num futuro próximo.
A busca por formas de blindar o patrimônio adquirido pensando no futuro dos filhos, bem como em hipóteses de conferir maior dinamicidade e menor custo à transferência dos bens é intensa, mas carece de cuidados.
Não há fórmula mágica. Há, porém, a possibilidade de realização de uma análise ampla, técnica e apurada, o Planejamento Sucessório, que consiste justamente em identificar as demandas específicas do detentor dos bens e orientá-lo no sentido do atendimento de suas necessidades da forma mais eficiente e econômica possível.
Holding familiar
Cada família e cada patrimônio têm suas peculiaridades que devem ser minuciosamente avaliadas para que o resultado final seja, de fato, satisfatório. Até por isso, uma das ferramentas de Planejamento Sucessório mais flexíveis, ou seja, que consegue atender o maior número de situações, é a chamada holding familiar.
Outros arranjos societários existentes envolvem modelos como empresas offshore, ou seja, sediadas em territórios estrangeiros, sendo esta escolha a conclusão de um intenso trabalho de profissionais especializados.
A definição do tipo societário mais compatível com as necessidades do caso deve alinhar-se à realidade do negócio do empresário, riscos operacionais, estruturas familiares, patrimônio envolvido e aspectos tributários, podendo ser adequadamente enquadrado para médias e pequenas empresas.
O caminho natural a ser percorrido para uma decisão assertiva perpassa, necessariamente, o levantamento dos haveres das pessoas físicas e/ou jurídicas relacionadas. Após esta análise contábil e avaliativa, é possível identificar os cenários mais propícios para o caso.
A partir desta definição, são traçadas as estratégias de blindagem patrimonial e as condições de administração, gestão, acordos de acionistas e sucessão patrimonial, que podem implicar em alteração de sociedades já existentes ou mesmo na constituição de novas pessoas jurídicas.
Dessa forma, além de proteger o patrimônio a ser repassado aos herdeiros de eventuais reflexos negativos da atividade empresarial principal, é possível limitar ou até mesmo afastar completamente a possibilidade de disputa entre sucessores que eventualmente viria a ocorrer em sede de inventário judicial.
Nada obstante, a simplificação e proteção da sucessão não são as únicas vantagens obtidas. Caso a opção seja pela holding familiar, por exemplo, a desnecessidade de abertura de processo de inventário afasta, também, a incidência de imposto sobre a herança (ITD) e das custas judiciais, que a depender do patrimônio e da quantidade de herdeiros, podem atingir quantias bastante representativas.
É que, nesta estrutura societária, basicamente transfere-se o patrimônio objeto da futura sucessão à pessoa jurídica alterada ou recém constituída por meio de integralização do capital social em bens, operação que, em regra, por força constitucional, não é tributada. No mesmo contexto, são atribuídas aos herdeiros cotas sociais da pessoa jurídica administradora do patrimônio, de modo que, em caso de falecimento de qualquer dos sócios, os bens constantes da sociedade sejam destinados aos demais sócios pela própria sistemática empresarial inerente ao modelo adotado sem incidência de ITD.
Ocorre tributação da integralização, entretanto, por incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) nos casos em que imóveis são transferidos para sociedade que tem como objeto a locação destes, diminuindo ou até eliminando a economia de ITD obtida quando da destinação do patrimônio aos herdeiros. Deve-se ponderar, porém, que a tributação por pessoa jurídica é extremamente mais vantajosa que a por pessoa física quando o assunto é o recebimento de aluguéis, pelo que o tema exige, invariavelmente, a atuação de especialistas.
Assim, têm-se que a adesão a um Planejamento Sucessório bem feito, atento às necessidades de cada situação, promove a proteção e otimização do patrimônio acumulado ao mesmo tempo que facilita e reduz os custos quando da ocorrência da sucessão.
Greve dos caminhoneiros reascende debate pela reforma tributária
No dia 21.05.2018, foi deflagrada paralisação nacional dos caminhoneiros. Dentre as reivindicações do setor, destacam-se a revisão da política de variação de preço, em especial do óleo diesel, realizada pela Petrobras; o fim da cobrança de pedágio pelo chamado “eixo suspenso”; e a redução da carga tributária sobre os combustíveis.
As negociações, centradas no Governo Federal, tiveram impacto direto tão somente nas condições que cabem a tal ente público interferir. Foram editadas, então, três medidas provisórias, publicadas no Diário Oficial da União do dia 30.05.2018, para garantir o acordo com os caminhoneiros e reduzir em aproximadamente R$ 0,46 o preço do litro do diesel.
O Presidente Michel Temer editou, ainda, decreto que reduziu a CIDE sobre o diesel.
Embora no curto prazo as medidas resultem em diminuição do preço do combustível, há que se observar a figura completa: redução nominal e apressada de tributos gera renúncia de receita, que precisa ser compensada com aumento de arrecadação em outros setores. Tanto é assim que, no mesmo dia 30, o Presidente da República sancionou a Lei da “reoneração” da folha de pagamentos e já anunciou que reduzirá os benefícios concedidos aos exportadores como meios de compensar o crédito suplementar de 9,58 bilhões de reais aberto para garantir as medidas.
Não se duvida que parte significativa da redução de preços realmente deve partir da revisão da carga tributária. A gasolina, por exemplo, tem o preço formado por média de 29% de tributos estaduais, como o ICMS, e 16% de tributos federais, como a CIDE, o PIS e a COFINS. A discussão, contudo, precisa ser mais profunda e não pautada apenas em métodos paliativos.
Em 11.04.2018, diante de autoridades da área econômica e da Casa Civil, o IPEA lançou o projeto Desafios da Nação[1], que reúne diagnósticos e propostas para viabilizar o crescimento sustentado do país, tendo como foco principal a elevação da produtividade.
No documento, chama a atenção o Capítulo 5, intitulado Reforma Tributária – Racionalizar o sistema tributário, especialmente o enfoque dado aos tributos indiretos. É possível perceber que o próprio Governo Federal reconhece o sistema tributário brasileiro como uma “estrutura desconexa e caótica”, repercutindo negativamente em aspectos como o crescimento econômico, a competitividade nacional e a distribuição de renda.
Interessante, ainda, é a comparação gráfica entre países com sistema de governo semelhante ao brasileiro, cuja reprodução é indispensável para compreensão do tema:
Basta um olhar superficial para visualizar um dos principais problemas do sistema tributário nacional: a intensa representatividade dos ali chamados “impostos sobre bens e serviços”, também conhecidos como tributos indiretos, uma vez que, embora sejam recolhidos e pagos pelos produtores, prestadores de serviço e pelos comerciantes, acabam atingindo indiretamente os consumidores finais, por conta da inclusão dos tributos nos preços das mercadorias e dos serviços, tal como ocorre tanto com a gasolina quanto com o óleo diesel.
A prevalência de tributos indiretos conduz o sistema à injustiça, já que a regressividade da tributação sobre o consumo acaba por onerar mais gravemente os mais pobres. Além disso, referidos tributos indiretos são desarmônicos entre si e fortemente cumulativos, na medida em que compõe um a base de cálculo do outro e, em alguns casos, até a própria base de cálculo, no chamado “cálculo por dentro”.
Para além da carga tributária nominal, há a complexidade do sistema, cujos vícios são substancialmente aprofundados pela diversidade de competências tributárias (em especial Estaduais e Municipais), que propiciam assustadora diferença entre legislações sobre os mesmos impostos e uma impressionante diversidade de alíquotas, provocando cumulação de créditos estruturais e perda da neutralidade do tributo, tudo agravado em razão do crescente número de isenções e benefícios fiscais.
Passo importante na evolução do modelo tributário foi dado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706, em que se firmou a tese de que o ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. Os reflexos da decisão já vêm sendo observados também em outros tributos, de modo que estão sendo proferidas decisões, por exemplo, também pela exclusão do ISS e da CPRB da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Estas decisões, todavia, somente se aplicam aos contribuintes que ingressarem em juízo deduzindo tais pretensões, de modo que a necessidade de uma solução efetiva para o problema se mantém e passa, invariavelmente, por uma reforma estrutural. Em atenção a isso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pretende dar andamento à proposta de reforma tributária relatada pelo deputado Luiz Carlos Hauly.
Da medida, o que mais se destaca é a proposta de instituição do internacionalmente utilizado imposto único sobre o consumo, que por aqui chamar-se-á Imposto Sobre Operações de Bens e Serviços (IBS). Se aprovado como apresentado, o IBS substituiria ICMS, IPI, PIS, COFINS, CIDE, Pasep, IOF e Salário-educação, com repasse automático aos governos com a respectiva proporção destinada a municípios, estados e União.
Inciativas da espécie tendem a tornar a tributação mais simples, clara, justa e previsível, reduzindo os custos do setor produtivo. É indispensável, porém, que sejam aliadas à redução de gastos e aumento da eficiência do setor público.
[1] http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/180327_desafios_da_nacao.pdf
Cadastro Positivo: mais segurança, menores juros no mercado de crédito e benefícios para todos os envolvidos
O Cadastro Positivo é um banco de dados de informações de operações de crédito realizadas tanto por pessoas físicas quanto jurídicas, administrados pelos chamados bureaus de crédito, gerando uma nota a cada um: quanto menor o risco de inadimplência, melhor a nota atribuída.
Instituído pela Lei 12.414/11, atualmente exige que a pessoa ou empresa interessada procure um dos operadores para aderir ao sistema. Estima-se que somente 13 milhões de consumidores estejam inscritos, número considerado insuficiente para que se tenha uma imagem clara do cenário nacional.
Visando implementar o modelo existente, está em tramitação perante a Câmara dos Deputados o PLP 414/2017, que traz alterações substanciais tanto na Lei 12.414/11 quanto na Lei Complementar 105/01. Dentre elas, se destacam a inclusão automática de todos os consumidores ao Cadastro Positivo e a especificação de regras mais claras e objetivas para as instituições financeiras e os bureaus de crédito.
Após ter o texto-base votado, resta apenas a aprovação de algumas emendas para que as novas regras entrem em vigor. A votação, que chegou a ser pautada nos dias 22 e 23 de maio, não chegou a ser realizada em face do encerramento das sessões. A expectativa, contudo, é que nos próximos dias o procedimento legislativo se conclua, uma vez que o PLP 414/17 está submetido ao regime de tramitação de urgência e é tratado pelo Governo Federal como importante para a retomada do crescimento do país.
Segundo estimativa da Associação Nacional dos Bureaus de Crédito – ANBC, a medida, se aprovada nos termos em que proposta, tem o potencial de mudar a forma como se concede crédito no país, beneficiando a todos os consumidores, injetará na economia brasileira até R$ 1,1 trilhão.
Isso porque a atribuição de pontuação e a avaliação positiva permitiria a inclusão financeira de cerca de 22 milhões de pessoas, os chamados “falsos negativos”, que, muito embora honrem com todos os seus compromissos financeiros, não conseguem linhas de crédito por não possuírem renda comprovada.
A iniciativa do Cadastro Positivo, a exemplo dos países que implementaram modelos de Fair Credit, tende a mitigar o problema de seleção adversa e, com isso, otimizar o mercado de crédito e potencializar suas funções sociais e econômicas.
Mais que isso, há a real possibilidade de que as taxas de juros praticadas no mercado de crédito sejam substancialmente reduzidas em razão de dois motivos: a diminuição do spread bancário e o aumento da concorrência no setor.
O spread bancário é a diferença entre o custo do dinheiro para o banco (o quanto ele paga ao tomar um empréstimo) e o quanto ele cobra para o consumidor na operação de crédito. Essa diferença se justifica na medida em que a instituição financeira precisa, além de captar recursos, arcar com impostos, despesas administrativas e de ter lucro, precisa suportar o custo do risco, qual seja, a inadimplência, que é o item mais representativo na composição do spread, segundo dados do Banco Central.
Neste contexto, a ampliação do Cadastro Positivo trará benefícios a todos os envolvidos, na medida em que permitirá, quando da análise de risco do crédito pretendido, uma leitura individualizada, resultando em spreads maiores para quem apresente tendência à inadimplência e menores para aqueles que regularmente cumprem com as obrigações financeiras assumidas.
Nada obstante, as técnicas de compartilhamento de dados estabelecidas pelo citado projeto de lei possibilitarão que as instituições financeiras e as que serão a elas equiparadas, como as fintechs, tenham maior precisão na análise de risco do crédito e ofereçam condições diferenciadas e cada vez mais baratas, em razão do aumento na concorrência.
Há, contudo, pontos de atenção a serem observados pelos bureaus de crédito e a instituições financeiras, especialmente em relação aos dados cadastrados nos sistemas e às mudanças propostas pelo PLP 414/2017.
A primeira delas é em relação à adesão ao Cadastro Positivo. Enquanto atualmente somente o acesso aos dados negativos ocorre sem a necessidade de autorização do consumidor, com a nova regra não se exigirá anuência para inclusão dos CPF’s e CNPJ’s também no Cadastro Positivo. O cidadão ou empresa poderá, entretanto, solicitar o cancelamento do seu cadastro a qualquer momento. A solicitação deverá ser atendida em até dois dias úteis.
Outra mudança significativa é que, ao contrário do que ocorre hoje, com a aprovação do PLP 414/2017 os bureaus de crédito somente estarão autorizados a fornecer uma nota de crédito. Para repasse de informações detalhadas, o consumidor deverá autorizar expressamente.
Além disso, atualmente não há exigência de que os bureaus mantenham registro de atividades junto ao Banco Central, cenário que será alterado, uma vez que estes terão que demonstrar que têm sistemas seguros de gerenciamento de dados antes de operar com o Cadastro Positivo.
A divulgação de informações em desacordo com a legislação estará sujeita a penalidades severas da Lei do Sigilo Bancário e ao regime de responsabilidade do Código de Defesa do Consumidor.
Depois de publicado, o texto entrará em vigor em 90 dias. Antes que esse prazo acabe, o Banco Central deverá publicar regulamentação complementar que trará algumas exigências específicas aos gestores desses dados – tanto os atuais bureaus de crédito quanto os novos que devem surgir a partir da medida.
O desinteresse do Ministério Público do Trabalho em ação declaratória de quitação de verbas devidas em virtude de extinção parcial de sociedade
É sabido que tanto o Código Civil (artigo 966, parágrafo único[1]) como o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB[2], aprovado pelo Conselho Federal em 06 de novembro de 1994, e os Provimentos n.º 112[3] e 169[4] da referida entidade, de 10 de setembro de 2006 e de 02 de dezembro de 2015, permitem a formação de sociedade civil de cunho intelectual em que os sócios, todos advogados, se reúnem para a prestação de serviços intelectuais na área do Direito.
Desta forma, nestas sociedades, por não haver entre os sócios e o escritório de advocacia nenhuma relação trabalhista, qualquer cizânia entre os mesmos deveria ser dirimida perante a Justiça Comum, por se tratar de causa exclusivamente societária e/ou indenizatória. É que se o advogado opta em fazer parte de uma sociedade na qualidade de sócio, e não de empregado, com vistas às benesses que tal posição proporciona (como, por exemplo, participação na distribuição de lucros e ausência de controle de horário e de exclusividade na prestação de serviços), não pode, depois, tentar descaracterizar a relação societária a fim de forjar uma relação empregatícia que nunca existiu.
Em que pese a lógica acima, já se tornou prática comum no ramo jurídico a aventura jurídica no que tange ao ajuizamento de reclamações trabalhistas com o fito de receber verbas em relação às quais os sócios não possuem qualquer direito. Trata-se, por óbvio, de típico caso de enriquecimento ilícito, visto que há claro aumento patrimonial de um, em detrimento de outro, sem causa jurídica que o justifique, dada a inexistência de relação trabalhista. O questionamento que se faz é simples: como pode uma mesma pessoa pretender receber verbas trabalhistas quando já auferiu montante referente à mesma atividade, só que em posição de sócio?
Neste cenário, um escritório de advocacia ajuizou ação declaratória de quitação de verbas devidas em virtude de extinção parcial de sociedade advocatícia cumulada com reparação de danos em face de ex-sócio que, ao retirar-se da sociedade advocatícia, ajuizou reclamação trabalhista almejando o reconhecimento de vínculo trabalhista, apesar de ter figurado, por vontade própria, por mais de quatro anos, como sócio de serviço da mesma. A reclamação trabalhista, por óbvio, foi julgada improcedente[5], mas causou, por suas declarações falsas, prejuízos enormes à imagem do escritório não apenas perante os integrantes da sociedade, como também perante seus clientes.
O mais espantoso de tudo é que na ação declaratória supracitada o Ministério Público do Trabalho chegou a apresentar pedido de intervenção como assistente litisconsorcial do réu, ex-sócio, como se ele tivesse legitimidade para figurar em uma ação em que contendem um escritório de advocacia e um ex-sócio seu. Seria um absurdo admitir sua intervenção em demanda que está claramente fora de suas atribuições legais, como se pode extrair da simples leitura do artigo 83 da Lei Complementar n.º 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União:
“ Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
I – promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas;
II – manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, acolhendo solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse público que justifique a intervenção;
III – promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos;
IV – propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores;
V – propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho;
VI – recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender necessário, tanto nos processos em que for parte, como naqueles em que oficiar como fiscal da lei, bem como pedir revisão dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho;
VII – funcionar nas sessões dos Tribunais Trabalhistas, manifestando-se verbalmente sobre a matéria em debate, sempre que entender necessário, sendo-lhe assegurado o direito de vista dos processos em julgamento, podendo solicitar as requisições e diligências que julgar convenientes;
VIII – instaurar instância em caso de greve, quando a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir;
IX – promover ou participar da instrução e conciliação em dissídios decorrentes da paralisação de serviços de qualquer natureza, oficiando obrigatoriamente nos processos, manifestando sua concordância ou discordância, em eventuais acordos firmados antes da homologação, resguardado o direito de recorrer em caso de violação à lei e à Constituição Federal;
X – promover mandado de injunção, quando a competência for da Justiça do Trabalho;
XI – atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho;
XII – requerer as diligências que julgar convenientes para o correto andamento dos processos e para a melhor solução das lides trabalhistas;
XIII – intervir obrigatoriamente em todos os feitos nos segundo e terceiro graus de jurisdição da Justiça do Trabalho, quando a parte for pessoa jurídica de Direito Público, Estado estrangeiro ou organismo internacional.”
Resta claro que, de acordo com o supracitado artigo, as competências do Ministério Público do Trabalho se restringem aos conflitos de ordem laboral que tenham curso na Justiça do Trabalho, não podendo seus procuradores atuar em ações judiciais sem a cumulação dos requisitos mencionados. Como a ação declaratória ajuizada pelo escritório versava sobre direito estritamente individual e de natureza disponível, além da questão ser exclusivamente de natureza societária e indenizatória, tornava-se realmente impossível juridicamente a intervenção ministerial.
De acordo com o artigo 24 do Código de Processo Civil de 2016, na assistência litisconsorcial é necessário haver relação jurídica entre o assistente e o adversário do assistido[6]. Assim, para que o Ministério Público do Trabalho pudesse atuar como assistente na causa em questão seria indispensável que ele mantivesse com alguma das partes a mesma relação jurídica material de que cuida a demanda originária[7], o que era impossível de ocorrer, porque o escritório somente buscava a declaração de quitação das obrigações societárias, especialmente quanto à distribuição de lucros durante o período em que o ex-sócio figurou vinculado à sociedade.
Tão evidente é a afirmação acima que o pleito do Ministério Público do Trabalho foi indeferido por decisão incontestável, no seguinte sentido:
“Indefiro a assistência pleiteada por não vislumbrar interesse jurídico que justifique a intervenção do Ministério Público do Trabalho na presente demanda, em que se busca unicamente o reconhecimento da quitação de obrigações de natureza societária e ressarcimento de danos morais decorrente de suposta conduta inadequada do demandado.”
Inconformado com esta decisão, o Ministério Público do Trabalho interpôs agravo de instrumento, o qual foi desprovido, mantendo-se a decisão agravada a fim de não aceitar a sua assistência na ação declaratória que tramita perante a Justiça Comum. Mostra-se inquestionável a decisão, principalmente por se tratar de demanda que cuida tão somente de interesses privados, existentes entre partes maiores e capazes, de cunho exclusivamente patrimonial.
A decisão supracitada mostra-se em perfeita harmonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a assistência litisconsorcial “exige a comprovação de interesse jurídico direto do pretenso assistente, ou seja, a demonstração da titularidade da relação discutida no processo, razão pela qual a eventual incidência de efeitos jurídicos por via reflexa não tem o condão de possibilitar a admissão do agravante na lide nessa modalidade de intervenção processual”[8].
De acordo ainda com a Colenda Corte, “o assistente deve manter relação jurídica com a parte que poderá vir a ser atingida, direta ou indiretamente, pelos efeitos da sentença futura, atingindo sua esfera jurídica”, sendo “justamente essa possibilidade de ser alcançado pelos efeitos da sentença que faz surgir o interesse jurídico do terceiro em ingressar no feito”. Conclui, ainda, que “a afinidade meramente acadêmica com a tese não autoriza o pedido de assistência”.[9]
Diante do exposto, conclui-se de forma escorreita que o parquet trabalhista não possui competência para intervir de nenhuma forma em ação de natureza puramente societária e civil. Evidentemente, a ação ajuizada pelo escritório não atingia o interesse jurídico da instituição na defesa de direitos sociais dos trabalhadores, como tentou fazer crer o membro do Ministério Público do Trabalho na referida causa. Não há, neste caso, sequer o risco de se sofrer os efeitos da sentença, nem se encontra a hipótese abarcada dentre suas atribuições legais.
[2] “Art. 39. A sociedade de advogados pode associar-se com advogados, sem vínculo de emprego, para participação nos resultados.”
[3] “Art. 2º O Contrato Social deve conter os elementos e atender aos requisitos e diretrizes indicados a seguir:
(…)
XIII – não se admitirá o registro e arquivamento de Contrato Social, e de suas alterações, com cláusulas que suprimam o direito de voto de qualquer dos sócios, podendo, entretanto, estabelecer quotas de serviço ou quotas com direitos diferenciados, vedado o fracionamento de quotas;”
[4] “Art. 2° A sociedade de advogados será constituída por sócios patrimoniais ou por sócios patrimoniais e sócios de serviço, os quais não poderão pertencer a mais de uma sociedade na mesma base territorial de cada Conselho Seccional, independentemente da quantidade de quotas que possua cada sócio no contrato social.”
[5] A juíza concluiu, acertadamente, que: “Pelo que se infere do contexto probatório produzido nos autos, entendo que a reclamada se desincumbiu do ônus que lhe competia quanto a inexistência do contrato de trabalho subordinado nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho, pelo que julgo improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo.”
[6] MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015 – pág. 216.
[7] O Ministro Fernando Gonçalves já expôs, em sede de recurso especial, o entendimento de que: “A assistência litisconsorcial, contemplada no art. 54 do Código de Processo Civil, é fenômeno que somente se verifica no campo da legitimidade extraordinária, isto é, quando alguém vai a juízo em nome próprio para defender direito alheio. Assim, o assistente litisconsorcial (substituído) é o titular da própria relação jurídica material discutida no processo, que em face de determinadas circunstâncias, está sendo defendida por terceiro, na qualidade de substituto, ou mesmo na de co-titular do direito em litígio. Não é por outra razão que o assistente litisconsorcial pode integrar a demanda, desde o início, na condição de parte, isoladamente, ou na posição de litisconsorte facultativo unitário do assistido.” (STJ, REsp 802.342/PR, Quarta Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, j. 09/12/2008, DJe 02/02/2009 – g.n.).
[8] STJ, AgRg no REsp 1.385.487/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/09/2013, DJe 09/12/2013.
[9] STJ, AgRg no RCDESP nos EREsp 414961/PR, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24.05.2006.
Por: Dra. Raphaella Ayres Martins Oliveira
O artigo 31 da Lei n.º 9.656/98 e a polêmica sobre o direcionamento das ações de reajuste de plano de saúde coletivo aos (ex-)empregadores
A Lei n.º 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, prevê em seu artigo 31 que:
“Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.”
Diante da ausência de clareza da redação do dispositivo supracitado, há tempos discute-se sobre sua adequada interpretação, principalmente no que tange à expressão “nas mesmas condições de cobertura assistencial”. Com o fito de sanar a referida lacuna, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) editou a Resolução Normativa n. º 279 de 2011 para regulamentar os artigos 30 e 31 da Lei n. º 9.656/98, prevendo no inciso II do artigo 2º que a expressão deve ser entendida como:
“mesma segmentação e cobertura, rede assistencial, padrão de acomodação em internação, área geográfica de abrangência e fator moderador, se houver, do plano privado de assistência à saúde contratado para os empregados ativos”.
No entanto, nem isso foi suficiente para cessar a discussão. A consequência prática – e, quase sempre, nociva – gerada por este debate é que ele acaba, por vezes, criando alguns equívocos não só no que concerne ao mérito da questão – o efetivo valor da contribuição a ser paga pelo ex-empregado-aposentado –, mas também no que diz respeito a quem deve figurar no polo passivo das ações que discutem o reajuste de plano de saúde coletivo.
Recentemente, o escritório C.Martins enfrentou questão prática em que determinado ex-empregado de uma grande empresa de pneumáticos almejava continuar figurando como beneficiário do plano coletivo de saúde contratado entre sua ex-empregadora e a operadora de plano de saúde. Ponto peculiar, porém, costumeiro, referia-se ao desejo de não só ser mantido no plano de saúde após a aposentadoria (o que é legítimo), como também de ser mantido na carteira de empregados ativos de sua ex-empregadora, embora já estivesse aposentado, a fim de que lhe fosse permitido pagar o mesmo valor de contribuição que era devido à operadora pelos funcionários que ainda se encontravam em atividade (cuja cobertura se dava por meio de apólice de pré-pagamento, diferentemente da apólice dos inativos, cuja natureza era de pós-pagamento).
Ora, claramente não se mostra viável, nem jurídica nem economicamente, o empregador manter em sua carteira de ativos um funcionário que já não conste mais em seu quadro de empregados simplesmente para beneficiá-lo com a manutenção do valor da contribuição do plano de saúde. Aliás, tal anseio não é nem mesmo abrigado pela norma legal muitas vezes invocada como se fosse tábua de salvação.
Deveras, o que se garante pela Lei nº 9.656/98, de forma simples e acertada, é apenas a manutenção das mesmas condições de cobertura assistencial, ou seja, o direito à manutenção da abrangência da cobertura dos sinistros e da rede hospitalar, não se estendendo este ao direito à manutenção do valor que era pago pelo ex-empregador[1] ou mesmo ao direito de permanecer em certa apólice quando existe uma específica para os funcionários inativos.
Para melhor aclarar a questão, faz-se necessário pontuar que é facultado[2] ao empregado optar, livremente, por (i) manter funcionários ativos e inativos na mesma apólice; ou (ii) prever apólices distintas para ativos e inativos, atendendo apenas a uma única exigência, a de que ambas as apólices sejam contratadas com uma única empresa operadora ou administradora.
Desta forma, alguns empregadores – frise-se, de forma lícita e comumente adotada pelo mercado – optam por contratar apólices com condições diferenciadas a depender da carteira. Assim, é bastante comum haver uma apólice de cobertura PÓS-PAGAMENTO (por administração) para os empregados ativos, com as despesas dos tratamentos com saúde suportadas pelo empregador; e outra de cobertura PRÉ-PAGAMENTO[3] para os demitidos e aposentados amparados pelos artigos 30 e 31 da Lei n.º 9.656/98, cujo custos são suportados pelos próprios segurados.
Diferente do que ocorre com os planos de saúde individuais, as mensalidades dos planos de saúde coletivos, sejam eles empresariais ou por adesão, não são fixadas pela ANS[4], Agência Reguladora com atribuição de controlar os reajustes das mensalidades apenas de planos de saúde individuais. Nos planos coletivos, os reajustes são definidos por outros parâmetros como, por exemplo, a sinistralidade, o custo-médico, a mudança de faixa-etária etc., devendo a Agência Reguladora somente ser comunicada a respeito[5].
Embora seja compreensível a frequente não-concordância com os valores pagos, os inativos buscam, muitas vezes, obrigações impossíveis, como a migração da apólice de empregados inativos para a apólice de empregados ativos, ou até mesmo a manutenção do valor da contribuição em patamar idêntico ao dos ativos.
Afastando a discussão sobre a viabilidade jurídica, a pretensão relativa à manutenção/revisão do plano deveria, ao menos, ser dirigida única e exclusivamente contra a operadora de plano de saúde, sem incluir o ex-empregador. Isso porque não cabe a este a comercialização da operação nem a prestação de serviços de cobertura médico-hospitalar. E mais, não cabe a ele manter o ex-empregado como beneficiário do plano de saúde, visto que o pagamento cabe exclusivamente a este último após a extinção do vínculo empregatício. Enfatiza-se que situação diversa seria se o ex-empregador deixasse de incluir o ex-empregado-aposentado em plano de saúde coletivo, caso em que haveria razão a pretensão ser dirigida também em face deste.
Apesar do entendimento discrepante ainda cometido por algumas Cortes locais, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se posiciona de forma pacífica pela ilegitimidade do ex-empregador para figurar no polo passivo de ações ajuizadas por ex-empregados já aposentados nas quais se discutem os benefícios dos planos de saúde. O fundamento é deveras lógico, conforme se extrai de trecho de decisão paradigma abaixo:
“(…)
-
No plano de saúde coletivo, o vínculo jurídico formado entre a operadora e o grupo de usuários caracteriza-se como uma estipulação em favor de terceiro. Por seu turno, a relação havida entre a operadora e o estipulante é similar a um contrato por conta de terceiro. Já para os usuários, o estipulante é um intermediário, um mandatário e não um preposto da operadora de plano de saúde.
-
O estipulante é apenas a pessoa jurídica que disponibiliza o plano de saúde em proveito do grupo que a ela se vincula, mas não representa a própria operadora. Ao contrário, o estipulante deve defender os interesses dos usuários, pois assume, perante a prestadora de serviços de assistência à saúde, a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais de seus representados.
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A empresa estipulante, em princípio, não possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda proposta por ex-empregado que busca, nos termos dos arts. 30 e 31 da Lei nº 9.656/1998, a permanência de determinadas condições contratuais em plano de saúde coletivo após a ocorrência da aposentadoria ou da demissão sem justa causa, visto que atua apenas como interveniente, na condição de mandatária do grupo de usuários e não da operadora.”[6]
Desta forma, resta claro e evidente que o empregador figura como mero estipulante da apólice, não comercializando a operação nem a prestação dos planos de saúde. A partir do momento em que o vínculo empregatício é cessado, a relação jurídica de cobertura de plano de saúde fica restrita ao ex-empregado e à operadora do plano. Além disso, o empregador não possui poder para definir os valores cobrados e os benefícios assegurados, pois tal política compete única e exclusivamente à operadora do plano.
Diante do exposto, certo é o entendimento de que qualquer contenda acerca da abusividade dos reajustes das mensalidades dos planos de saúde coletivos deve ser trazida à baila no bojo de ação dirigida exclusivamente contra a operadora do plano de saúde, que possui o poder-dever de fixá-los e cobrá-los diretamente dos consumidores.
Baseado nessa exegese da lei é que, com primor, o escritório C.Martins conseguiu reverter, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para excluir uma ex-empregadora do polo passivo da ação que almejava reajuste de mensalidade de plano de saúde e a restituição de todos os valores cobrados hipoteticamente em excesso[7].
[1] O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva já fixou entendimento – cristalizado em sede da Terceira Turma do STJ – no sentido de que: “Não há falar em manutenção do mesmo valor das mensalidades aos beneficiários que migram do plano coletivo empresarial para o plano individual, haja vista as peculiaridades de cada regime e tipo contratual (atuária e massa de beneficiários), que geram preços diferenciados. O que deve ser evitado é a abusividade, tomando-se como referência o valor de mercado da modalidade contratual.” (STJ, REsp. 1.471.569, Relator Ministro Ricardo Villas BôasCueva, Terceira Turma, julgado em 01/03/2016, DJe 07/03/2016).
[2] Note-se que a intenção do Conselho de Saúde Suplementar nas Resoluções Consu n.° 20/99 e 21/99 foi exatamente de não prever como regra a contratação de um mesmo plano para ativos e exonerados ou demitidos, tratando-se como mera faculdade, desde que exista acordo formal entre o empregador e os empregados ativos ou seus representantes. O mesmo ocorre com a Resolução Normativa ANS n.º 279/11 (art. 13), que revogou as Resoluções Consu n.º 20 e 21/99, passando agora a regulamentar o art. 31 da Lei n.º 9.656/98.
[3] Art. 19, §10, da Resolução Normativa da ANS n. º 279/11.
[4]“Em outras palavras, o reajuste anual nesse tipo de contratação é apenas acompanhado pela ANS, para fins de monitoramento da evolução dos preços e de prevenção de práticas comerciais abusivas, não necessitando, todavia, de sua prévia autorização” (STJ, REsp 1.471.569-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas BôasCueva, julgado em 1/3/2016, DJe 7/3/2016).
[5]Segundo informação constante no próprio site da ANS (http://www.ans.gov.br/portal/site/perfil_consumidor/reajuste.asp#nor mas), de fato, o reajuste dos planos de saúde coletivo é feito com base na livre negociação entre as operadoras e os grupos contratantes.
[6]STJ, REsp 1.575.435/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/05/2016, DJe 03/06/2016 (g.n.).
[7] Para fins de reporte, vide: STJ, REsp 1.671.722, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJ 05/12/2017, DJe 01/02/2018.
Por: Dra. Raphaella Ayres Martins Oliveira