STJ discute execução provisória da pena após novo entendimento do STF

Cecília Simões


A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) discutiu nesta quarta-feira (2) a possibilidade de início imediato da execução da pena (antes do trânsito em julgado) do desembargador Evandro Stábile, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ/MT), condenado recentemente pelo STJ, em ação originária, a seis anos de prisão em regime fechado pelo crime de corrupção passiva (venda de sentença).
Trata-se da primeira hipótese concreta no STJ a discutir a aplicação do novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da interpretação do artigo 5º, LVII, da Constituição Federal.
Uma questão de ordem foi apresentada pela ministra Nancy Andrighi após a rejeição pela Corte Especial, colegiado que reúne os 15 ministros mais antigos do STJ, de um recurso apresentado pela defesa do desembargador contra a condenação (embargos de declaração).
Com a rejeição desse recurso, a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, considerou “exaurida” a apreciação de matéria fática.
A ministra ressaltou que, “numa mudança vertiginosa de paradigma, o STF, como é público, mudou sua orientação para permitir, sob o status de cumprimento provisório da pena, a expedição de mandado de prisão após exaurido duplo grau de jurisdição”.
E acrescentou que, “embora presentes as peculiaridades próprias da competência originária, indubitável o exaurimento da etapa processual voltada ao exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado, que autoriza o cumprimento imediato da pena”.
Após a apresentação da questão de ordem, os ministros da Corte Especial iniciaram uma discussão sobre o caso por se tratar do primeiro analisado no âmbito do STJ depois da mudança de interpretação do STF.
A votação da questão de ordem foi suspensa pelo pedido de vista da ministra Laurita Vaz. “É o primeiro caso, vamos refletir melhor”, justificou a ministra, atual vice-presidente do STJ, ponderando, ainda, a necessidade de maiores reflexões em torno de como se daria a execução provisória da pena.
Com o pedido de vista, a ministra Laurita Vaz tem um prazo regimental de 60 dias, prorrogáveis por mais 30, para devolver o processo para que a Corte Especial retome a votação da questão de ordem.
O desembargador foi condenado, dentre outras provas, com base na interceptação de ligações telefônicas que comprovam sua participação no esquema de “venda” de decisões judiciais investigado pela Polícia Federal na operação Asafe.
Do STJ

 

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Segunda Seção aprova nova súmula sobre arrendamento mercantil

Cecília Simões


A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a Súmula 564 do tribunal, que trata de arrendamento mercantil financeiro. A sessão foi realizada no dia 24 de fevereiro último.
No enunciado aprovado, ficou definido que “no caso de reintegração de posse em arrendamento mercantil financeiro, quando a soma da importância antecipada a título de valor residual garantido (VRG) com o valor da venda do bem ultrapassar o total do VRG previsto contratualmente, o arrendatário terá direito de receber a respectiva diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos pactuados”.
As súmulas são o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos do tribunal. Embora não tenham efeito vinculante, servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a jurisprudência firmada pelo STJ, que tem a missão constitucional de unificar a interpretação das leis federais.
Precedente
AgRg no AREsp 380080 / SP – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2013/0254162-5 – RELATOR(A) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – TERCEIRA TURMA – Data do Julgamento 19/03/2015 – DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 27/03/2015 – PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. RESTITUIÇÃO DO VRG. POSSIBILIDADE. FORMA DE DEVOLUÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. SÚMULA N. 284/STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. 1. É possível, como consequência da reintegração do bem na posse do arrendante, a devolução ao arrendatário dos valores pagos a título de valor residual garantido (VRG).
2. “Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de arrendamento mercantil financeiro, quando o produto da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais” (Recurso Especial repetitivo n. 1.099.212/RJ).
3. Aplica-se a Súmula n. 7 do STJ na hipótese em que a tese versada no recurso especial reclama a análise dos elementos probatórios produzidos ao longo da demanda.
4. Atrai a incidência do óbice previsto na Súmula n. 284/STF a alegação de que o art. 535 do CPC foi violado desacompanhada de argumento que demonstre efetivamente em que ponto o acórdão embargado permaneceu (omisso, ou contraditório, ou obscuro).
5. A transcrição da ementa ou do inteiro teor dos julgados tidos como divergentes é insuficiente para a comprovação de dissídio pretoriano viabilizador do recurso especial.
6. Agravo regimental desprovido.

 

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Novas súmulas abordam remição de pena e monitoramento

Cecília Simões


A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a edição das Súmulas 562 e 567 do tribunal, que tratam de remição de pena por atividade laborativa e de furto em estabelecimento com monitoramento eletrônico, respectivamente.
No enunciado da Súmula 562, ficou definido que “é possível a remição de parte do tempo de execução da pena quando o condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade laborativa, ainda que extramuros”.
Já a Súmula 567 estabelece que “sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto”.
As súmulas são o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos do tribunal. Embora não tenham efeito vinculante, servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a jurisprudência firmada pelo STJ, que tem a missão constitucional de unificar a interpretação das leis federais.

 

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O STJ firma entendimento quanto às cobranças das tarifas denominadas TAC e TEC

Cecília Simões


Súmula 565 – Órgão Julgador S2 – SEGUNDA SEÇÃO Data da Publicação/Fonte

DJe 29/02/2016 – Data do Julgamento 24/02/2016

Enunciado: A pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de

carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, é válida apenas

nos contratos bancários anteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n.

3.518/2007, em 30/4/2008.

Precedente

AgRg no AREsp 123860 / RS – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM

RECURSO ESPECIAL 2011/0308708-5 – Relator(a) Ministro RAUL ARAÚJO

(1143) – QUARTA TURMA – DATA DO JULGAMENTO 24/03/2015 – DATA DA

PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 23/04/2015 – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM

RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. ALEGADA OMISSÃO QUANTO

À CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO

MENSAL DOS JUROS. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA

CONTRATUAL E REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. CAPITALIZAÇÃO

ANUAL DE JUROS. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. COBRANÇA DE TEC.

MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO DE OMISSÃO QUANTO

AO PONTO. SÚMULA 211/STJ. TAC. CONTRATO FIRMADO APÓS A VIGÊNCIA DA

RESOLUÇÃO CMN 3.518/2007. COBRANÇA INDEVIDA. RECURSO NEGADO.

1. Não se constata a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, na

medida em que a eg. Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões

que lhe foram submetidas. De fato, inexiste omissão no aresto recorrido quanto à

questão da capitalização mensal dos juros, porquanto o Tribunal local, malgrado

não ter acolhido os argumentos suscitados pela parte recorrente, manifestou-se

expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide.

2. A jurisprudência desta Corte pacificou-se no sentido de que a cobrança de

capitalização mensal de juros é admitida nos contratos bancários celebrados a

partir da edição da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, reeditada sob o nº 2.170-

36/2001, qual seja, 31/3/2000, desde que expressamente pactuada. Tendo o

Tribunal de origem assentado a ausência de previsão contratual acerca da

capitalização dos juros, é inviável a revisão desse suporte fático, haja vista a

necessidade de interpretação de cláusula contratual e reexame de provas, o que se

sabe vedado em sede de recurso especial. Incidência das Súmulas 5 e 7 do STJ.

Precedentes.

3. A questão relativa à possibilidade de capitalização anual de juros não foi objeto

do recurso especial, constituindo inovação em sede de agravo regimental, o que

não se admite, nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte.

4. Constata-se que o Tribunal de origem, apesar da oposição dos embargos

declaratórios, não examinou a controvérsia relativa à cobrança da TEC e, quanto ao

ponto, tampouco houve alegação de ofensa ao art. 535 do CPC, razão pela qual, à

falta do necessário prequestionamento, a questão não merece ser conhecida, a teor

da Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça.

5. As taxas de abertura de crédito – TAC – e de emissão de carnê – TEC -, com

quaisquer outras denominações adotadas pelo mercado, têm sua incidência

autorizada nos contratos celebrados até a data de 30.4.2008. Tendo o contrato em

questão sido firmado em dezembro de 2008, é ilegal a cobrança da TAC.

6. Agravo regimental a que se nega provimento.


ICMS e Internet Banda Larga

Cecília Simões


 

A veleidade exegética que algumas empresas provedoras de acesso à internet via “banda larga” vêm emprestando a certos julgados dos tribunais as tem levado a considerar inexigível o ICMS incidente sobre os serviços de comunicação prestados em favor de seus clientes.

 

O objetivo deste artigo é examinar a validade, ou não, de semelhante raciocínio, analisando se a referida atividade se traduz em prestação de serviço de comunicação, que é fato imponível do ICMS, conforme definido no art. 2º, inciso III, da Lei Complementar n.º 87/96, ou de serviço de valor adicionado, que não é hipótese de incidência do referido tributo, nos termos do art. 61 da Lei n.º 9.472/97.

 

Pois bem. Tirante algumas variações pontuais, essas empresas alegam que o serviço de provedor de acesso à internet “banda larga” não se confunde com serviço de comunicação, na medida em que este apenas agregaria suporte ao primeiro. Todavia, não restam dúvidas de que o serviço prestado por elas preenche o fato típico descrito no art. 155, inciso II, da CF, já que o prestador de serviço de comunicação é aquele que fornece os meios não apenas necessários ao transporte das mensagens, mas também aquele que torna possível a comunicação em si, sendo certo que em função das diversidade de meios podem existir distintos tipos de serviço de comunicação.

 

Não é por outra razão, aliás, que o art. 2º, inciso III, da Lei Complementar n.º 87/96 assim dispõe:

 

Art. 2º. O imposto incide sobre:

(…)

III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;” (g.n.).

 

Não se desconhece a jurisprudência do E. STJ que afasta a incidência do ICMS dos provedores de internet, mas sempre destacando que o imposto incide sobre a empresa de telefonia. Esses casos tratam da chamada “internet discada”, em que o usuário se utiliza dos serviços de telefonia, usualmente a fixa comutada, para acessar o terminal do seu provedor. No entender dessa jurisprudência, haveria serviço de comunicação na telefonia, e não no acesso à internet.

 

Ocorre que a tecnologia mudou, e assim também a exegese do E. STJ a respeito do tema, surgindo um novo tipo de acesso, o chamado “em banda larga”, que é provido diretamente pelas empresas de internet. Em relação a esse tipo de caso, a jurisprudência se fixou no sentido de reconhecer a tributabilidade do serviço, conforme se observa da ementa abaixo transcrita:

 

TRIBUTÁRIO – ICMS – ACESSO À INTERNET – SISTEMA VIRTUA – BENEFÍCIO FISCAL DE REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DEVIDO ÀS EMPRESAS DE TV POR ASSINATURA – RICM/96 DE MINAS GERAIS – NÃO INCIDÊNCIA.

  1. O Sistema denominado Virtua, fornecido pela empresa NET de Belo Horizonte aos seus assinantes como meio físico de comunicação, que proporciona o acesso aos provedores da Internet “banda larga”, representa serviço distinto do serviço de TV a cabo prestado na forma da Lei 8.977/95 e da Resolução/ANATEL 190/99.
  2. Serviço que também não se confunde com o de “prestação de serviço de provedor” de acesso à Internet, serviço de valor adicionado (art. 61 da Lei 9.472/97) isento da tributação do ICMS, conforme precedente da Segunda Turma do STJ, de minha relatoria (Resp 456.650/PR).
  3. Tratando-se de serviço novo, não goza do benefício fiscal de redução da base de cálculo previsto no Anexo IV, item 36, do RICMS/96, do Estado de Minas Gerais para os serviços de TV a cabo.
  4. Recurso a que se nega provimento.

 

(RMS 16767-MG, rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, j. 05/10/2004, DJ 17/12/2004, p. 470).

 

Como o serviço prestado pelas referidas empresas não envolve acesso discado, já obsoleto, senão que provimento direto de acesso à rede mundial de computadores, sujeitam-se claramente ao ICMS, não havendo como negar que as provedoras de acesso à internet proporcionam o serviço de comunicação aos usuários, na medida em que permitem a esses receberem os dados que são transmitidos de um servidor localizado em outro ponto.

 

Em outras palavras, o provedor de acesso à internet atribui ao usuário um endereço lógico que irá permitir que ele seja reconhecido pelos demais na rede. Uma vez conectado à rede, por meio de endereço IP (Internet Protocol) alocado pelo provedor de acesso, instaura-se uma conexão entre os dois endereços IP alocados em endereços lógicos distintos. Esse serviço assegura a constância da comunicação e o fluxo de pacotes que precisem por ele transitar, podendo oferecer, ainda, outros serviços como programas de transferência de arquivos (FTP) e correio eletrônico (SMTP), entre outros.

 

Seja concedido frisar que a internet demanda, para a transmissão de mensagens, a existência de um endereço lógico de origem e outro de destino, endereço esse que não é fornecido ao usuário pela operadora de telecomunicações, mas sim pela provedora de acesso à rede mundial.

 

Portanto, é de fácil percepção que a provedora fornece “algo mais” do que o viabilizado pela operadora, que se insere como um meio diferenciado de realização da transmissão de mensagens. Esse “algo mais” é evidentemente um serviço de comunicação, estando abarcado pela parte final do inciso III, art. 2º, da Lei Complementar n.º 87/96 (acima transcrito), pelo art. 2º, inciso III, da Lei n.º 2.657/96 e pelo art. 155, inciso II, da CF.

 

Sequer se poderá invocar o verbete 334 do repositório de súmulas do E. STJ para daí extrair que a matéria estaria pacificada no âmbito da jurisprudência, e tal se afirma, primeiro, pelas razões acima expostas acerca da especificidade da conexão via “banda larga”; e segundo, porque não é a citada Corte quem detém competência para apreciar de forma definitiva a matéria, já que em se tratando de discussão acerca da hipótese de incidência do ICMS (se o serviço de provedor de acesso à internet está, ou não, compreendido na competência tributária estadual), a regra matriz está na Constituição Federal, cabendo, portanto, ao E. STF a última palavra sobre o assunto.

 

De toda sorte, o art. 61, § 1º, da Lei n.º 9.472/97, ao excluir o serviço de valor adicionado do serviço de telecomunicações, não modificou o conceito de serviço de comunicação, que é hipótese de incidência do ICMS constitucionalmente prevista. Isso porque serviço de comunicação e serviço de telecomunicação não se confundem, sendo este espécie, e aquele, gênero.

 

Sobre o que seja telecomunicação, reproduz-se abaixo o entendimento de José Eduardo Soares de Melo:

 

Trata-se de espécie de comunicação, sendo conceituada legalmente (Lei n.º 9.472/97) da seguinte forma:

‘Art. 60. (…).

 

  • 1º. Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza por fio, radioeletricidade, meios óticos ou qualquer outro eletromagnético.

 

  • 2º. Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicações, seus acessórios e periféricos e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.’

 

 

Assim, ainda que o mencionado dispositivo legal afaste o valor adicionado de serviço de telecomunicação, não excluiu do conceito de serviço de comunicação, mais amplo, que é hipótese de incidência do ICMS, nos termos do citado art. 155, inciso II, da CF.

 

Deve-se ter em mente que a competência dos Estados para instituição do ICMS sobre serviços de acesso à internet tem fundamento de validade na Constituição Federal de 1988, que prevê os serviços de comunicação como hipótese de incidência do tributo, não sendo outro o sentido da norma contida no art. 156, inciso III, que ao fixar, por exclusão, o fato gerador do imposto municipal (ISS), estabelece preferência ao imposto estadual (ICMS), além de exigir que os serviços de competência municipal estejam expressamente definidos em lei complementar, a qual, a propósito, não contempla o serviço de provedor de internet como fato gerador do aludido imposto.

 

Portanto, ainda que a Lei n.º 9.472/97 disponha que o serviço em relevo não constitui atividade de telecomunicação, não é cabível o entendimento acerca da não ocorrência do fato gerador do ICMS no caso específico da conexão via “banda larga”, seja pela existência efetiva de ato de comunicação (muito mais amplo do que aquele), seja pela definição da hipótese de incidência tanto na Constituição da República (art. 155, inciso II) quanto na lei complementar (LC 87/96, art. 2º, inciso III) e na lei estadual (Lei n.º 2.657/96, art. 2º, inciso III).


Compensação de tributos com precatórios cedidos por terceiros

Cecília Simões


 

Não tem sido raro ver alguns contribuintes, devedores de tributos, pleitearem a compensação de suas dívidas com créditos que têm a receber das Fazendas a título de precatórios com prazo de pagamento já vencido. Isto porque o art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) passou a conferir, a esses precatórios cujo prazo de liquidação já se expirou, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.

 

O objetivo deste artigo é examinar a validade, ou não, desta pretensão, assim como sua aplicação ao caso em que o contribuinte passa a deter o crédito por força de cessão de direito protagonizada pelo credor originário.

 

Afirma-se, primeiramente, não se mostrar razoável a aplicação do art. 78, § 2º, do ADCT à hipótese em que o precatório judicial foi inscrito não em nome do contribuinte devedor, mas sim de terceiro, pois a ratio da norma constitucional transitória, ao estabelecer o poder liberatório do precatório vencido e não liquidado, inegavelmente foi o de dispensar o credor originário do pagamento de seus débitos tributários, e não o de favorecer terceiros para os quais haja sido negociado o referido crédito, com o deságio que é natural em ocasiões tais, e que nenhuma relação jurídica tem com a Fazenda.

 

Dito de outra forma, o crédito que o contribuinte afirma possuir em tais casos é oriundo não de precatório, mas sim de contrato de cessão civil celebrado entre ele e o credor originário, em relação ao qual a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se posicionado no sentido de reconhecer sua não liquidez, seja pela impossibilidade de saber a data exata do pagamento do precatório, seja porque os créditos podem ser cedidos concomitantemente a diversas pessoas (REsp 951976-RS e REsp 586.172-DF).

 

Por tais razões, a vingar a pretensão desses contribuintes, estar-se-ia atribuindo efeito liberatório não ao precatório propriamente dito, mas sim ao contrato particular de cessão de crédito firmado entre ele e o originário credor do precatório judicial, em total desvirtuarmento do que a norma constitucional transitória pretendeu assegurar.

Inaplicabilidade do Art. 78, § 2º, do ADCT a Determinadas Situações

 

Consoante o regime constitucional estabelecido no corpo permanente da Constituição Federal, os credores têm a garantia de receber do Poder Público o pagamento da totalidade dos seus créditos, observada a ordem de precedência indicada no art. 100, que hospeda a seguinte norma:

 

Art. 100. à exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

 

Sem prejuízo dessa regra, a Emenda Constitucional n.º 30/00 facultou à Fazenda Pública proceder ao parcelamento do débito em até dez prestações anuais, ressalvadas as exceções constantes do art. 78 do ADCT, de seguinte teor:

 

Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o Art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.”

 

Com efeito, a norma acima transcrita não excluiu a regra de precedência previsto no art. 100, senão que apenas instituiu a possibilidade de parcelamento dos precatórios para as situações especificadas. Coexistem os dois regimes de pagamento: o permanente, para as requisições de precatórios posteriores à promulgação da Emenda Constitucional n.º 30/00, e o transitório, para os créditos a que alude o art. 78 do ADCT.

 

Em contrapartida à possibilidade de parcelamento, o poder constituinte de reforma estabeleceu a garantia de que o pagamento das parcelas deve se suceder até a plena satisfação do credor, sem quaisquer outras postergações. Assim, enquanto no regime constitucional permanente a garantia do credor consiste em receber, na sua vez, a totalidade do crédito, o regime das disposições transitórias conferiu ao credor “prejudicado” pelo parcelamento uma espécie de compensação, qual seja, o direito de abater as obrigações tributárias pecuniárias com o valor das prestações anuais, na hipótese de haver atraso da Fazenda no pagamento das parcelas (ADCT, art. 78, § 2º).

 

Veja-se, por amor à clareza, o teor da referida norma:

 

§ 2º. As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.

 

Diante da possibilidade de vir a ocorrer, em detrimento dos créditos parcelados, a previsão orçamentária apenas dos precatórios submetidos ao regime permanente, o poder constituinte derivado apontou o vencimento do prazo e a não inclusão das parcelas no orçamento como causas legitimadoras do poder liberatório das obrigações tributárias, mas apenas assegurando esse direito, repita-se, aos credores cujos precatórios tenham sido submetido ao pagamento parcelado, em contrapartida ao tempo maior a que se sujeitarão para o recebimento do crédito.

 

No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, não se adotou esse regime excepcional de pagamento dos seus precatórios, optando, ao revés, pela manutenção da regra geral prevista no art. 100 da CF, circunstância essa que é bastante, por si só, para afastar a pretendida aplicação ao caso concreto da norma constante do § 2º, art. 78, do ADCT.

 

Seja concedido o registro de que a alteração normativa introduzida pelo constituinte derivado foi erigida em favor do ente público que tivesse, no ano seguinte à promulgação da Emenda Constitucional n.º 30/00, possibilidade de conduzir sua gestão orçamentária para a satisfação da décima parte do somatório dos valores de todos os precatórios pendentes à época.

Tal não é a situação do Estado do Rio de Janeiro, que não ostentava forças para satisfazer o pagamento, já no ano seguinte ao da referida emenda, de 10% dos precatórios vencidos e não pagos durante décadas.

 

A adoção, ou não, do parcelamento em cada um dos estados federados constituiu, assim, manifestação do poder de auto-gestão, ínsito à autonomia constitucionalmente assegurada aos mesmos, que se materializa através do poder de organização própria e da autonomia financeira, ambas protegidas como cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º, inciso I).

 

O reconhecimento de que a compensação prevista no art. 78, § 2º, do ADCT está condicionada à adoção do regime de parcelamento já foi firmada em diversos julgados do E. Superior Tribunal de Justiça, como se observa, exemplificativamente, das ementas abaixo transcritas:

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DÉBITOS COM A FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL. COMPENSAÇÃO COM PRECATÓRIO. INVIABILIDADE.

  1. Analisando-se a sistemática prevista no art. 78 do ADCT, constata-se que, enquadrando-se o crédito em alguma das hipóteses previstas no caput do artigo referido — precatórios pendentes na data de promulgação da EC 30/2000 e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 —, e estabelecido o parcelamento, o inadimplemento de alguma das parcelas atribui ao respectivo crédito poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora (§ 2º).

(…)

  1. Assim, considerando que a norma estadual em comento não é incompatível, formal e materialmente, com os preceitos constitucionais referidos, e que não ofende o princípio da razoabilidade — pois a sua não-observância acarreta, como bem observou o Tribunal de origem, comprovação insuficiente acerca dos créditos obtidos por meio de cessão —, impõe-se reconhecer a sua legitimidade e, consequentemente, reconhecer a inexistência de direito líquido e certo na hipótese.

(…)

  1. Recurso ordinário desprovido.

 

(RMS 28406-PR, rel. Ministra Denise Arruda, 1ª Turma, j. 19/03/2009, DJe 16/04/2009) (g.n.)

***

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DÉBITOS COM A FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL. COMPENSAÇÃO COM PRECATÓRIO DE NATUREZA ALIMENTAR ADQUIRIDO POR MEIO DE CESSÃO DE CRÉDITO. INVIABILIDADE.

  1. Analisando-se a sistemática prevista no art. 78 do ADCT, constata-se que, enquadrando-se o crédito em alguma das hipóteses previstas no caput do artigo referido — precatórios pendentes na data de promulgação da EC 30/2000 e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 —, e estabelecido o parcelamento, o inadimplemento de alguma das parcelas atribui ao respectivo crédito poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora (§ 2º).
  2. No entanto, é distinta a hipótese dos autos. Do exame dos documentos acostados, verifica-se que o crédito embutido no Precatório 92.093/2003 tem natureza alimentar, circunstância expressamente ressalvada pelo caput do art. 78 do ADCT, apta a obstar o parcelamento do referido crédito. Assim, inexistindo parcelamento e, consequentemente, parcela inadimplida, não há falar na incidência do § 2º do artigo em comento. Assim, ao contrário do que sustenta a recorrente, o “poder liberatório” está condicionado ao enquadramento na sistemática prevista no art. 78 do ADCT.

(…)

  1. Recurso ordinário desprovido.

 

(RMS 28811-PR, rel. Ministra Denise Arruda, 1ª Turma, j. 26/05/2009, DJe 18/06/2009) (g.n.).

 

Essa parece ser a única forma de interpretar a norma transitória de direito constitucional sem subverter o próprio sistema de precatórios estabelecido pelo art. 100 da CF, que estaria irremediavelmente aniquilado caso o credor pudesse, ao seu alvedrio e independentemente da adoção do regime de parcelamento pelo ente federado, impor o efeito liberatório a toda e qualquer mora quanto ao prazo de pagamento.

 

A não ser assim, haveria ofensa a princípios caros ao ordenamento jurídico, como os da isonomia e da impessoalidade, que informam o regime constitucional dos precatórios, pois semelhante procedimento conferiria tratamento privilegiado a alguns em detrimento dos credores que estão à frente, agravando-se a situação quando estes fossem titulares de créditos de natureza alimentar.

 

Não é por outra razão que o Min. Gilmar Mendes, ao apreciar o Pedido de Intervenção 2.915, assim se manifestou:

 

Assegurar, de modo irrestrito e imediato, a eficácia da norma contida no art. 78 do ADCT, pode representar negativa de eficácia a outras normas constitucionais. (…) Desse modo, não há direito líquido e certo da impetrante de ser amparado por mandado de segurança, vez que o sequestro constitucional, previsto no art. 78, § 4º, do ADCT, não pode ser determinado por implicar a preterição da ordem de precedência dos precatórios de crédito da mesma natureza e, ainda, o que é mais grave, em preterição de créditos alimentares, que preferem aos da impetrante que não tem essa natureza.

 

Embora examinando a hipótese de seqüestro, as razões explicitadas para o caso acima aludido são inteiramente aplicáveis à hipótese ora cogitada, especialmente na parte em que reconhece que a aplicação inadequada do art. 78 do ADCT implica em violação da ordem de preferência consagrada no art. 100 da CF.

 

Ausência de Lei Específica

 

A Administração Pública está adstrita ao principio da legalidade, em acepção diversa da que assume este para o particular. Assim é que todo atuar estatal deriva da lei (em sentido amplo), não lhe sendo dado agir por obra e desígnio do administrador senão no espaço aberto pela lei.

 

No direito financeiro e no direito tributário, o principio da legalidade assume especial destaque e ganha relevo próprio. Se, à primeira evidência, o sentido que mais facilmente deflui de sua interpretação é aquele inscrito no art. 150, I, da CF, não se há de deixar de perceber a vinculação das autoridades fazendárias aos limites abertos pela lei.

 

O que se afirma, de outro modo, é a impossibilidade de uma interpretação que, desvirtuando os limites autorizados pelo legislador, permita ao administrador a atuação através de seus próprios caprichos. Ainda que a atuação do administrador não seja calcada em interesse pessoal e busque, por objetivo, o bem comum, estará eivada de vício se não contar com o escudo legal.

 

Desta feita, a instituição de um procedimento para o pagamento de precatórios não autoriza o seu desvirtuamento pela mera vontade do credor. Igualmente, a criação de uma possibilidade de compensação de precatórios com tributos somente poderá ser autorizada nos exatos termos em que prevista em lei.

 

Pois bem. A compensação, como forma de extinção do crédito tributário, está prevista no art. 156, inciso II, do CTN, diploma legal esse, no entanto, que em seu art. 170 condiciona a utilização do procedimento à existência de lei especifica autorizativa do ente tributante[1].

 

O Decreto-Lei n.º 05/75 (Código Tributário do Estado do Rio de Janeiro), em seu art. 190, ao reproduzir tal exigência, deixa claro que, ao contrário da compensação do direito privado, a compensação no direito tributário dá-se apenas de forma legal, não admitindo hipótese de compensação consensual ou judicial[2].

 

Tratando-se de ICMS, não há no Estado do Rio de Janeiro lei autorizando a compensação na circunstância acima mencionada, circunstância essa que obsta a extinção do crédito tributário mediante aproveitamento de crédito decorrente de cessão de precatório judicial. O E. TJRJ possui posição consolidada nesse sentido, vedando a compensação de crédito tributário, com base na inexistência de lei específica que regule a matéria, conforme se observa da seguinte decisão:

 

MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS SOBRE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DECRETO ESTADUAL 27.427/2000 E LEI ESTADUAL 2.657/1996. ATO CONCRETO. AUTORIDADE COATORA. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. ALÍQUOTA. INSCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO ÓRGÃO ESPECIAL. EFEITO VINCULANTE. IMPOSSIBILIDADE DE COMPESAÇÃO.

(…) Não é possível a compensação tributária, uma vez que o art. 170 do CTN exige lei especifica sobre o tema, sendo esta inexistente. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.

 

(MS 1.618/08, 9ª Câmara Cível, rel. Des. Roberto de Abreu e Silva, j. 28/04/09) (g.n.).

 

Confirma esse raciocínio a decisão proferida na ADI 2.581-1, de relatoria do Ministro Carlos Veloso, que reconheceu a constitucionalidade de lei do Estado de Rondônia que autoriza a compensação de créditos tributários com crédito decorrente de precatório judicial pendente de pagamento, com base no art. 78, § 2º, do ADCT. Desta decisão, depreende-se que não há questionamento quanto à legitimidade da previsão desse tipo de compensação pela Constituição Federal; entretanto, faz-se necessária a edição de lei estadual específica que a regulamente, dando efetividade à compensação pretendida, lei essa que não existe no território fluminense.

 

Eficácia Limitada do Art. 78, § 2º, do ADCT

 

Como visto, alguns contribuintes escoram sua pretensão no § 2º do art. 78 do ADCT – com redação conferida pela Emenda Constitucional n.º 30/00 –, que prevê o caráter liberatório das obrigações tributárias pecuniárias na hipótese de atraso no pagamento parcelado dos precatórios pelo ente devedor.

 

Todavia, ao contrário do que pode parecer, o referido dispositivo, por si só, não dispõe de todos os elementos capazes de disciplinar o exercício do direito ali previsto, sendo inegável a imprescindibilidade de regulamentação especifica pelo ente tributante. Trata-se de norma constitucional de eficácia limitada.

 

Dito de outro modo: a generalidade da redação da norma enfocada demonstra a necessidade de regulamentação por parte dos entes federativos, de forma a atribuí-la eficácia plena, uma vez que de sua simples leitura não há como se estabelecer, por exemplo, se haverá uma ordem prioritária de tributos a serem compensados ou como será realizada a escrituração nos livros fiscais do contribuinte.

 

Considerando a natureza vinculada da atividade estatal e a inexistência de normas que regulem a compensação, o aproveitamento de crédito oriundo de precatório judicial a fim de extinguir crédito tributário de ICMS mostrar-se-ia manifestamente ilegal, eis que, não havendo qualquer respaldo normativo, estaria pautada em mero juízo de conveniência e oportunidade.

 

Além de ilegal, a compensação sem previsão legislativa acarretará violação a direitos de terceiros – decorrente da não observância da ordem cronológica de apresentação dos precatórios, como já se advertiu antes –, assim como poderá causar prejuízos diretos à coletividade em função da redução da arrecadação.

 

Importante ressaltar que o direito tributário existe como mera atividade-meio, tendo como função precípua de sua existência a obtenção de receitas para que o Estado possa atender os direitos fundamentais dos particulares e promover a consecução do bem comum. Assim, a autorização indiscriminada da compensação dos precatórios judiciais a fim de excluir créditos tributários, vencidos ou vincendos – com base em norma constitucional carecedora de regulamentação –, tornará inevitável o abalo no atendimento a outras pretensões dos particulares, muitas delas vinculadas à usufruição des direitos fundamentais.

 

Necessária se faz, por evidente, a autuação legislativa infraconstitucional como meio de impor limites ao exercício do direito à compensação, de forma a evitar o comprometimento dos serviços e atividades estatais tidas por essenciais.

 

Enfim, o art. 78 do ADCT traz uma estrutura normativa insuficiente, configurando uma norma de eficácia limitada, que somente atingirá sua plenitude normativa quando devidamente regulada pelos respectivos Estados. A esse respeito, confira-se o seguinte entendimento:

 

(a) a Emenda Constitucional n.º 30/00 apresenta todas as características de uma norma de eficácia limitada, não dispondo de normatividade suficiente para conferir efetividade aos direitos e obrigações por ela mesma instituídos;

 

(b) a atividade da Fazenda Pública é, por força de norma constitucional, vinculada, sendo vedado ao agente público avaliar pleitos relativos à compensação de tributos, sob um juízo de conveniência e oportunidade;

 

(c) não se revela compatível com os princípios, que informam o ordenamento constitucional em vigor, a realização de negociações, caso a caso, pela Administração Pública, para fins de pagamento de precatórios judiciais”.

 

Diante da ausência de legislação estadual para dar efetividade à citada norma constitucional, não há como ser deferido o pedido de compensação.

 

Por último, é relevante registrar que, sobre o tema, pende de julgamento no E. Supremo Tribunal Federal a ADIN n.º 2356, na qual os Ministros Néri da Silveira (relator) e Carlos Ayres Britto votaram pelo deferimento da liminar em ordem a suspender a eficácia do art. 2º da EC n.º 30/00, que introduziu no ADCT o art. 78, já sendo possível antever o resultado a que chegará o referido julgamento.

 

Desrespeito à Ordem Cronológica de Pagamento dos Precatórios

 

Os atos do poder público são pautados por princípios basilares que buscam assegurar valores metaindividuais, que se manifestam como a expressão máxima do direito, traduzidos na promoção do bem estar coletivo e na paz social. Entre esses princípios, está a isonomia.

 

O tratamento isonômico conferido pela Constituição Federal reflete-se, por óbvio, no direito tributário, o qual deverá dispor de meios que vedem o estabelecimento de diferenças entre contribuintes – e entre os administrados de forma geral – que se encontrem em situações equivalentes, com base em arbitrariedades ou em função de condições inerentes às pessoas ou seu status, não sendo por outro motivo que o art. 100 da CF previu, de maneira expressa, a realização dos pagamentos dos precatórios em observância à ordem cronológica de sua apresentação.

 

O Poder Público, diante de tal norma, vê-se obrigado a atendê-la de maneira incondicional, não cabendo ao administrador qualquer juízo de valor ou estabelecimento de outros critérios – mesmo que mais vantajosos ao erário – para o pagamento dos precatórios que não a observância de sua ordem cronológica. Prova disso é a introdução da palavra exclusivamente no corpo do texto constitucional.

 

A obediência ao critério cronológico estabelecido pela Constituição Federal tem por objetivo não só o referido principio da isonomia, mas também a própria moralidade e a impessoalidade. Nos dizeres do Min. Celso de Mello, no julgamento do RE n.º 206.277-4/SP, a observância estrita à ordem cronológica tem por objetivo “impedir favorecimentos pessoais indevidos e frustrar injustas perseguições ditadas por razões de caráter político-administrativo”.

 

Na hipótese em tela, a compensação traduzir-se-ia nada mais do que em uma quebra à ordem de precedência cronológica prevista, com a preterição do credor mais antigo, e, conseqüentemente, uma violação ao art. 100 da CF.

 

Admitir-se o contrário equivaleria a acolher uma inconstitucional escolha de credores pela Fazenda Pública, violando a ordem de precedência cronológica prevista pela norma acima referida.

 

A jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal orienta-se no mesmo sentido da tese aqui alvitrada, conforme demonstra a seguinte decisão:

 

RECLAMAÇÃO – ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO A ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RESULTANTE DE JULGAMENTO PROFERIDO EM SEDE DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – INOCORRÊNCIA – SEQUESTRO DE RENDAS PÚBLICAS LEGITIMAMENTE EFETIVADO – MEDIDA CONSTRITIVA EXTRAORDINÁRIA JUSTIFICADA, NO CASO, PELA INVERSÃO DA ORDEM DE PRECEDÊNCIA DE APRESENTAÇÃO E DE PAGAMENTO DE DETERMINADO PRECATÓRIO – IRRELEVÂNCIA DE A PRETERIÇÃO DA ORDEM CRONOLÓGICA, QUE INDEVIDAMENTE BENEFICIOU CREDOR MAIS RECENTE, DECORRER DA CELEBRAÇÃO, POR ESTE, DE ACORDO MAIS FAVORÁVEL AO PODER PÚBLICO – NECESSIDADE DE A ORDEM DE PRECEDÊNCIA SER RIGIDAMENTE RESPEITADA PELO PODER PÚBLICO – SEQUESTRABILIDADE NA HIPOTESE DE INOBSERVANCIA DESSA ORDEM CRONOLÓGICA, DOS VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS OU, ATÉ MESMO, DAS PROPRIAS RENDAS PÚBLICAS – RECURSO IMPROVIDO. EFICÁCIA VINCULANTE E FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO ART. 28 DA LEI Nº. 9.868/99.

(…)

Precedente. A SIGNIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DA NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DOS PRECATÓRIOS JUDICIÁRIOS.

O regime constitucional de execução por quantia certa contra o Poder Público, qualquer que seja a natureza do crédito exeqüendo (RTJ 150/337) – ressalvadas as obrigações definidas em lei como de pequeno valor – impõe a necessária extração de precatório, cujo pagamento deve observar, em obséquio aos princípios ético-juridicos da moralidade, da impessoalidade e da igualdade, a regra fundamental que outorga preferência apenas a quem dispuser de precedência cronológica (prior in tempore, potior in jure). A exigência constitucional pertinente à expedição de precatório – com a consequente obrigação imposta ao Estado de estrita observância da ordem cronológica de apresentação desse instrumento de requisição judicial de pagamento – tem por finalidade (a) assegurar a igualdade entre os credores e proclamar a inafastabilidade do dever estatal de solver os débitos judicialmente reconhecidos em decisão transitada em julgado (RTJ 108/463), (b) impedir favorecimentos pessoais indevidos e (c) frustrar tratamentos discriminatórios, evitando injustas perseguições ou preterições motivadas por razões destituídas de legitimidade jurídica. PODER PÚBLICO – PRECATÓRIO – INOBSERVÂNCIA DA ORDEM CRONOLÓGICA DE SUA APRESENTAÇÃO. – A Constituição da República não quer apenas que a entidade estatal pague os seus débitos judiciais. Mais do que isso, a Lei Fundamental exige que o Poder Público, ao solver a sua obrigação, respeite a ordem de precedência cronológica em que se situam os credores do Estado. – A preterição da ordem de precedência cronológica – considerada a extrema gravidade desse gesto de insubmissão estatal às prescrições da Constituição – configura comportamento institucional que produz, no que concerne aos Prefeitos Municipais, (a) conseqüências de caráter processual (seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito, ainda que esse ato extraordinário de constrição judicial incida cobre rendas públicas), (b) efeitos de natureza penal (crime de responsabilidade, punível com pena privativa de liberdade – DL 201/67, art. 1º, XII) e (c) reflexos de índole político-administrativa (possibilidade de intervenção do Estado-membro no Município, sempre que essa medida extraordinária revelar-se essencial à execução de ordem ou decisão emanada do Poder Judiciário – CF, art. 35, IV, in fine).

PAGAMENTO ANTECIPADO DE CREDOR MAIS RECENTE – CELEBRAÇÃO COM ELE, DE ACORDO FORMULADO EM BASES MAIS FAVORÁVEIS AO PODER PÚBLICO – ALEGAÇÃO DE VANTAGEM PARA O ERÁRIO PÚBLICO – QUEBRA DA ORDEM CONSTITUCIONAL DE PRECEDENCIA CRONOLÓGICA – INADMISSIBILIDADE. – O pagamento antecipado de credor mais recente, em detrimento daquele que dispõe de precedência cronológica, não se legitima em face da Constituição, pois representa comportamento estatal infringente da ordem de prioridade temporal, assegurada, de maneira objetiva e impessoal, pela Carta Política, em favor de todos os credores do Estado. O legislador constituinte, ao editar a norma inscrita no art. 100 da Carta Federal, teve por objetivo evitar a escolha de credores pelo Poder Público. Eventual vantagem concedida ao erário público, por credor mais recente, não justifica, para efeito de pagamento antecipado de seu crédito, a quebra da ordem constitucional de precedência cronológica. O pagamento antecipado que daí resulte – exatamente por caracterizar escolha ilegítima de credor – transgride o postulado constitucional que tutela a prioridade cronológica na satisfação dos débitos estatais, autorizando, em consequência – sem prejuízo de outros efeitos de natureza jurídica e de caráter político-administrativo –, a efetivação do ato de seqüestro (RTJ 159/943-945), não obstante o caráter excepcional de que se reveste essa medida de constrição patrimonial. Legitimidade do ato de que ora se reclama. Inocorrência de desrespeito à decisão plenária do Supremo Tribunal Federal proferida na ADI 1.662/SP.”

 

(RE 387.870/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 25/06/07) (g.n.).

 

A quebra da ordem cronológica prevista, além de manifestamente inconstitucional, violando os princípios da isonomia, da moralidade, da impessoalidade e a própria segurança jurídica daqueles que aguardam ansiosamente na fila dos precatórios para ver exercido o seu direito, poderá levar, ainda, a conseqüências de ordem econômica e político-administrativa.

 

No aspecto econômico, o art. 100, § 2º, da CF prevê o seqüestro da quantia necessária para a satisfação do débito, a requerimento do credor, nos casos em que este venha a ser ferido em seu direito de preferência[3].

 

A violação à ordem de precedência cronológica dos precatórios caracteriza, ainda, comportamento institucional que poderá levar a conseqüências de ordem político-administrativa, com a possibilidade de intervenção federal nos casos em que esta medida se tornar indispensável para o cumprimento de ordem ou decisão emanada pelo Poder Judiciário, conforme prevê o art. 34, inciso VI, da CF[4].

 

É notório que as finanças dos Estados são combalidas e que o atraso no pagamento por ente público, por força de dificuldade financeira, não seria suficiente para ensejar uma intervenção federal. Entretanto, havendo recursos financeiros, os precatórios deverão ser liquidados pelo respectivo ente estatal com respeito absoluto à ordem de precedência cronológica de sua apresentação, conforme dispõe o referido art. 100 da CF.

[1]Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.” (g.n.)

[2]Art. 190. É facultado ao Poder Executivo, mediante as condições e garantias que estipular para cada caso, através de legislação especial, efetuar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Estadual.” (g.n.)

[3]§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o sequestro da quantia necessária à satisfação do débito.” (g.n.)

[4] “Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (…) VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;”


Que se resolvam com as Financeiras

Cecília Simões


 

O CNJ divulgou em sua página oficial na internet, em 04/05/2011, a fabulosa notícia de que as dívidas judiciais em breve poderão ser pagas com cartões de crédito. A louvável iniciativa, segundo o Conselho Nacional de Justiça, visa permitir a utilização dos meios eletrônicos de pagamento no âmbito do Poder Judiciário, além de ter custo zero e abreviar sobremaneira o processo de execução, incentivando, ainda, as conciliações durante as audiências.

 

De acordo com aquela Instituição, a idéia é possibilitar ao devedor o parcelamento do valor devido, e garantir que o credor receba esse valor com maior facilidade, já que o pagamento integral será feito pela Administradora do cartão de crédito.

 

Em tese, ganhariam os três: o devedor, que pagaria seu débito de forma parcelada; o credor, que o receberia integralmente e com maior facilidade; e a Administradora do cartão de crédito, que lucraria ainda mais com os juros remuneratórios que perceberia em razão dos inúmeros financiamentos.

 

Na prática, para credor e devedor a iniciativa seria espetacular. Para as Administradoras de Cartão de Crédito, entretanto, apesar do inegável superávit que acometeria sua atividade comercial, a “facilidade”, em contrapartida, pode representar o aumento da inadimplência, e a propositura de incontáveis ações no Judiciário. Tanto de Cobrança, quanto Revisionais de taxa de juros e outros encargos, que já integram as razões para o acúmulo de demandas nos juízos de 1º grau e Tribunais Superiores.

 

São incontáveis as ações propostas com a finalidade de rever cláusulas de contratos de cartão de crédito que dispõem sobre taxa de juros remuneratórios e seu método de cobrança.

 

E a “banalização das revisionais”, como mencionam diversos juristas e doutrinadores em obras invariavelmente publicadas, fomenta a propositura de mais ações da mesma espécie por clientes que utilizam os serviços de Administradoras de cartão de crédito, tendo pagado pouquíssimas parcelas do financiamento ou, em alguns casos, nem mesmo uma das parcelas, tornando o contrato excessivamente oneroso para os Bancos, ao contrário do que costumam fundamentar em suas demandas.

 

Sob a ótica das Instituições Financeiras, ainda que se enxergue lucro com o advento dos pagamentos de débitos judiciais mediante a utilização de cartões de crédito, o excesso de demandas judiciais contrárias, além de arranhar sua imagem, diminuem essa percentagem lucrativa, na medida em que são altos os custos de manutenção dessas ações, que culminam no pagamento de condenações, honorários advocatícios, custas e outras despesas processuais.

 

Do outro lado da moeda, a iniciativa do CNJ, embora admirável, pois visa dar maior efetividade às decisões judiciais, num futuro não muito distante, traria enorme prejuízo aos Jurisdicionados em geral, em razão da sobrecarga do Judiciário, com a conseqüente demora na prestação da tutela jurisdicional, cuja celeridade é o grande anseio da sociedade brasileira contemporânea, sendo este, inclusive, o principal pilar da iminente reforma do Código de Processo Civil.

 

Ademais, permitir o pagamento de débitos judiciais com o cartão de crédito, na maioria dos casos, como resta estatisticamente comprovado, apenas transferirá para a Instituição Financeira o inadimplemento que o devedor teria com o credor, com o agravante de que o banco necessitaria de todo um processo de conhecimento para eventualmente satisfazer seu crédito.

 

Neste desiderato, apesar de nobre a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, sendo certo que almeja dar maior efetividade às decisões judiciais, na medida em que proporcionará a satisfação do crédito declarado no título executivo, não é a melhor solução para o problema, pois, com uma só “cajadada”, transferirá o ônus do inadimplemento do devedor para as administradoras de cartões de crédito, e de quebra, contribuirá para o considerável aumento das ações revisionais propostas pelos devedores dos cartões de crédito, sobrecarregando ainda mais o Judiciário Nacional, prejudicando aos jurisdicionados em geral, que sonham com a prestação da tutela jurisdicional do Estado de maneira mais abreviada, como lhe garante a Constituição Federal.

Enfim, para evitar que “pipoquem” as demandas revisionais, em razão da nova modalidade de cumprimento de obrigações pecuniárias judiciais, o Conselho Nacional de Justiça deverá criar mecanismos que atestem, no ato do indigitado pagamento, a concordância do usuário do cartão de crédito quanto às taxas de juros e demais encargos incidentes sobre a operação em questão, impedindo que este último procure o judiciário posteriormente para questioná-las.

 

Agindo assim, o CNJ terá encontrado a melhor solução para credor, devedor, Administradora de Cartão de Crédito, e para o jurisdicionado em geral, que não sofrerá, ainda mais, com o excesso de demandas propostas, e a sobrecarga do Judiciário que faz com que as ações levem anos para terem um desfecho, muitas das vezes esvaziando-as de sua finalidade.

 

 

 

 


Cobrança de comissão de corretagem

Cecília Simões


 

A questão que merece nossa atenção neste momento envolve prática costumeira nas transações de imóveis, principalmente aqueles negociados ainda na planta pelas incorporadoras, antes, portanto, de estarem construídos.

 

Quando da celebração do Instrumento Particular de Recibo de Sinal e Princípio de Pagamento, tem sido praxe as construtoras exigirem dos compradores a emissão de, ao menos, dois cheques, sendo um referente ao sinal propriamente dito, e outro representativo da comissão de corretagem, a ser repassado aos presumíveis intermediadores do negócio.

 

Enfim, o próprio vendedor repassa ao corretor contratado para intermediar a transação, no mesmo momento em que recebe o sinal de pagamento, parte do crédito recebido do comprador, a fim de evitar que tenha de emitir nova ordem de pagamento para aquele.

 

Como isso é apenas uma forma de desburocratizar o procedimento, naturalmente que não produz qualquer reflexo sobre o preço do negócio, que posteriormente é escriturado com alusão ao valor que efetivamente foi pago. Ocorre que muitas vezes não é isso que se verifica.

 

Imagine-se, por exemplo, que na Escritura de Promessa de Compra e Venda conste o valor de R$ 290.000,00, enquanto que no Instrumento Particular de Recibo de Sinal e Princípio de Pagamento haja sido mencionado o valor de R$ 300.000,00. Nesse caso, facilmente se percebe que o valor de R$ 9.000,00 não compunha efetivamente o preço do imóvel, senão que apenas representava a comissão de corretagem que, a rigor, deveria ser arcada pelo vendedor, mas cujo pagamento foi sorrateiramente repassado ao comprador, sem a devida transparência.

 

O comprador, nesse particular, é iludido pelo vendedor, por acreditar que o valor de R$ 9.000,00 – que acabou sendo repassado ao corretor –, efetivamente correspondia à parte do preço do imóvel, o que, todavia, não ocorria, já que, do contrário, a Escritura de Promessa de Compra e Venda assinalaria o mesmo valor indicado no Instrumento Particular (R$ 300.000,00), e não a diferença entre este e o valor da comissão. Essa prática demonstra que, na realidade, o preço do imóvel efetivamente era aquele que constava da Escritura, e não o que constou no Instrumento Particular.

 

Conclui-se dessa exposição que o vendedor, embora originalmente obrigado a arcar com o pagamento da comissão de corretagem, acaba imputando o encargo ao comprador, que normalmente não se dá conta de que está assumindo o pagamento de uma obrigação que na verdade tocava àquele.

 

Tratando-se o valor de verba atinente à comissão de corretagem, seu pagamento dever ser arcado pelo vendedor, e não pelo comprador, consoante já iterativas vezes decididos pelos tribunais, in verbis:

 

DIREITO CIVIL. CORRETAGEM DE IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE CONTRATO ESCRITO. AUSÊNCIA DE PROVA DE EXCLUSIVIDADE E DE QUE O NEGÓCIO SE REALIZOU EM RAZÃO DA INTERMEDIAÇÃO. PRETENSÃO QUE DEVE SE VOLTAR CONTRA O PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL E NÃO CONTRA O COMPRADOR. O contrato de corretagem de imóveis é firmado, na maioria dos casos, entre o proprietário e o corretor, cabendo àquele o pagamento de comissão pelo sucesso da intermediação. Se não existe contrato e, em conseqüência, não se pode exigir exclusividade, não há óbice para que o negócio se realize diretamente entre o comprador e o vendedor. Se o corretor entende ser devida a comissão, deve dirigir sua pretensão em face do vendedor e não do comprador. Conjunto probatório nos autos que não favorecem a tese autoral. Reforma da sentença. Conhecimento e provimento do recurso.” (TJRJ, Ap. 0096205-11.2008.8.19.0001 (2009.001.68263), 9ª Câmara Cível, rel. Desembargador Rogério de Oliveira Souza, j. 15/12/2009) (g.n.).

 

***

 

Direito Civil. Rescisão Contratual anulação de ato jurídico. Comissão de corretagem. Não há nos autos prova de que o autor tenha feito o pagamento respectivo. A corretagem é despesa do vendedor. Possibilidade da multa de retenção de acordo com cláusula contratual. Recurso parcialmente provido.” (TJRJ, Ap. 0010430-54.2006.8.19.0209 (2008.001.47964), 9ª Câmara Cível, rel. Desembargador Sergio Jeronimo A. Silveira, j. 28/10/2008) (g.n.).

 

***

 

PROCEDIMENTO SUMÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. MEDIAÇÃO OU CORRETAGEM NA VENDA DE IMÓVEL. SERVIÇOS COMPROVADAMENTE PRESTADOS. COMISSÃO DEVIDA PELO PROPRIETÁRIO-VENDEDOR. SENTENÇA CORRETA. RECURSO DESPROVIDO. Tratando-se de mediação ou corretagem para fins de venda de imóvel, e restando comprovada a efetiva prestação desses serviços pela empresa corretora que aproximou os interessados, impõe-se ao proprietário-vendedor o pagamento da comissão devida e ajustada.” (TJRJ, Ap. 0158034-95.2005.8.19.0001 (2007.001.01006), 3ª Câmara Cível, rel. Desembargador Antonio Eduardo F. Duarte, j. 03/07/2007) (g.n.).

 

***

 

Ação de procedimento sumário. Cobrança de comissão de corretagem aos adquirentes do imóvel. A regra é o pagamento pelo vendedor. Ausência de comprovação de que a venda tivesse ocorrido por intermediação do autor. A presunção de veracidade dos fatos alegados decorrente da revelia pode ser afastada pela prova colhida. Provimento dos recursos.” (TJRJ, Ap. 0131849-88.2003.8.19.0001 (2006.001.34551), 1ª Câmara Cível, rel. Desembargadora Valeria Maron, j. 13/09/2006 (g.n.).

 

Diante dessas considerações, aquele comprador que se veja nessa situação pode pleitear tanto do vendedor quando do corretor a devolução do valor pago, até mesmo em dobro, como autoriza o art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, em ação que pode ser proposta perante o Juizado Especial Cível.

 

Foi assim que recentemente decidiu a 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Rio de Janeiro nos autos da ação de n.º Processo nº 0143334-41.2010.8.19.0001, condenando as empresas vendedora e a responsável pela intermediação a pagarem, de forma solidária – porque seriam parceiros comerciais no negócio celebrado – indenização a uma consumidora a título de dobra dos valores indevidamente cobrados e pagos pela comissão de corretagem referente à venda do imóvel por ela adquirido.

As duas empresas foram condenadas justamente por terem transferido, de forma ilícita, a comissão de corretagem do imóvel para a consumidora. Os juízes consideraram que as cobranças e o pagamento eram indevidos porque o corretor estava a serviço do vendedor do imóvel, além do fato de que o corretor não foi contratado nem estava a serviço da consumidora, bem como que o valor da comissão não foi expressamente aceito por ela.

 

A condenação foi fundamentada da seguinte forma: “O pagamento da comissão de corretagem incumbe de ordinário ao vendedor, no caso a incorporadora, o que reforça a conclusão de que a transferência dessa obrigação ao consumidor deve ser levada a efeito com o cuidado necessário para que a manifestação de vontade da parte hipossuficiente não se revista de vício. Assim, e também por força do princípio da boa-fé objetiva, os pagamentos questionados pela autora, para que se pudessem se considerar legítimos, deveriam ser contratados de maneira completamente transparente, o que, não foi feito“.

 

Em suma, mostra-se lícito repassar ao comprador o pagamento da comissão de corretagem, mas desde que haja transparência nessa estipulação, de modo a que ele tenha o exato conhecimento da obrigação assumida. Na hipótese em que a obrigação for transferida de maneira velada, o comprador passa a ter o direito de cobrar a restituição, em dobro, tanto do vendedor quanto do corretor.

 

 

 


O Dano moral imoral

Cecília Simões


A doutrina e a jurisprudência dominante sobre o tema tem admitido ao longo do tempo que a indenização por violação tanto a amoral subjetiva tanto à objetiva pode ter um caráter pedagógico punitivo no sentido não de reparar qualquer lesão mas de punir o recalcitrante pela lesão que o mesmo veio a cometer desestimulando-o a continuar assim agindo.

Nesse breve ensaio, iremos defender que indenizar uma lesão que não existe, no caso a lesão moral, apenas para punir o pretenso e hipotético ofensor traduz uma postura que pode ser caracterizada como imoral, já que o valor arbitrado para tal objetivo não é depositado em prol do Estado ou num fundo especial, mas sim é remetido para “o bolso do ofendido”, que não precisa ser indenizado, para tal escopo.

Nesse viés, indenizar aquele que nada tem a ser indenizado apenas para punir, ainda que sob a justificativa de representar uma postura pedagógica significa “aquecer”, o mercado do dano moral, alem de transgredir preceitos processuais consagrados em nosso ordenamento jurídico.

Tal se afirma, tendo em vista falecer legitimamente ao demandante para postular a condenação do réu e em prol de terceiros, a quem não representa, o que iria acontecer com a fixação de uma singela multa para ser paga por aquele que tivesse cometido alguma postura que a luz do Judiciário merecesse reprimenda.

A rigor, apenas poderia vindicar a exasperação da indenização caso argumentasse não sê-la bastante para reparar o prejuízo alegado, mas jamais poderá buscar do Poder Judiciário uma condenação para que o réu não viesse, imaginariamente, a reproduzir a conduta inquinada de ilícita e danosa frente a outros.

Tratando-se de lide sobre direito eminentemente individual, ao demandante é vedado procurar emprestar á sentença uma dimensão difusa, com projeção de efeitos positivos no patrimônio jurídico de sujeitos que não integram a relação processual.

Como bem sinalizado pela doutrina pátria, art. 6º do Código de Processo Civil congrega a legitimação para a causa e a legitimação para o processo, de modo a somente poder ser a parte da demanda aquele que seja também o titular da pretensão deduzida em juízo. Em outras palavras, em sede de litígio individual, ninguém poderá formular pedido que vise a satisfazer uma determinada pretensão de terceiro, titular do direito material próprio.

Diferentemente ocorre com as demandas que envolvam direitos difusos lato sensu, pertencentes a todos, mas que não são públicos, no sentido tradicional do vocabulário.São, em verdade, transindividuais ou metaindividuais, “derivados da massificação da vida em sociedade e do surgimento de novas “modalidades” de conflitos, relativamente aos quais o sistema processual centrado na iniciativa do titular do direito subjetivo não tem como fornecer respostas eficazes.

Pois bem, resgatando o pensamento que deu origem a este ensaio, pode-se asseverar que o titular de direito material, quando postular individualmente em juízo, devera se limitar a reparação do prejuízo que alegue ter experimentado, sem interferir na relação que o causador do dano tenha com outros sujeitos que não sejam parte da demanda.

Se ao demandante está vedado invocar a tutela jurisdicional relativamente a direitos de que não seja titular (salvo as exceções legais), e o juiz não pode de outro lado, decidir a lide  ultrapassando dos limites em que foi proposta,  não poderá de igual sorte impingir do demandado condenação de matiz punitivo com o escopo de evitar que o mesmo venha a ter idêntico comportamento, tido por indevido, frente a outros sujeitos que não integram o núcleo social.

Arriscando um avanço em tão tormentosa questão, não nos afiguraria incorreto dizer que também faltaria o interesse de agir ao litigante individual, tendo em vista que nada lhe aproveitará a condenação do réu para que não mais venha a praticar determinados atos frente a outros sujeitos que se encontrem em igual situação, o que corrobora o entendimento de ser-lhe vedado formular pedidos de tal natureza.

Por ultimo, não se olvide que o art. 402 da lei substantiva civil condiciona a indenização à reparação (no caso, compensação), pelos prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito direto e imediato da lesão, pelo que não seria licito deferir-se majoração da verba compensatória, conferindo-lhe jaez de multa, que como esposado em tópico próprio, não encontra esteio em qualquer disposição do ordenamento jurídico.

Quer-nos parecer que a defesa da moral é um valor dos mais caros ao ordenamento jurídico, e que encontra-se hospedado no texto fundante republicano, mas tal meta não pode ser atendida com a imposição de punições pecuniárias que busquem indenizar direitos que , de fato, não foram sequer violados, pois ai incorreríamos num grave equivoco de promover a imoralidade para proteger o valor da moral o que, a todas as luzes o presente artigo busca alertar como medida de necessária reflexão para o amadurecimento do posicionamento até então majoritário a respeito do tema.

 


A Lei de Usura e as empresas de Factoring

Cecília Simões


A lei nº 8.981 de 20 de janeiro de 1995, conceituou o contrato de faturização nos moldes tracejados pelo §1º do art. 28, consoante os termos adiante declinados, a saber: “prestação cumulativa e continua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de créditos, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber compra de direitos creditórios resultantes de verbas mercantis a prazo ou de prestação de serviços.
A compra de créditos no fomento mercantil opera-se pela cessão de créditos e por endosso dos títulos a favor do fomentador (faturizador).
O factoring configura-se negocio complexo que não se confunde com a simples cessão e, tampouco, com o instituto tradicional do endosso, mas traduz fidedigno amálgama de ambas as figuras, adicionadas, ainda, ao objeto do financiamento da empresa faturizada ou de sua gestão financeira.
É permitido ao faturizador selecionar os créditos quando da apresentação das faturas pela empresa emitente dos títulos, ocasião em que assume o risco com a operação, mantendo contra a faturizada, direito de regresso. Ao aceitar o titulo apresentado pelo faturizador, assume, de forma exclusiva, o risco pela solvência do sacado, não podendo transferir essa obrigação àquele, que se obriga tão somente quanto a existência de credito ao tempo em que lhe cedeu. (CC, art. 295)
Na compra de credito pela fomentadora, o endosso, por força do contrato, traz clausula especial “sem garantia”, isto é, o endossante se desobriga a garantir o pagamento da letra (LUG, art. 15, segunda alínea).
Na orbita do sistema financeiro brasileiro o contrato que contempla maior similitude com o fomento mercantil, de fato e de verdade é o contrato de desconto bancário de títulos de credito.
A principal diferença entre ambos encontra-se na constituição e no exercício do instituto denominado de “direito de regresso”, vale dizer, o mesmo não existe na faturização mas encontra-se de forma exuberante presente no desconto bancário.
De fato, o faturizado (que pode ser uma pessoa física ou jurídica) não garante o recebimento do valor faturizado, ainda que a operação originária venha se revelar inadimplente ou mesmo que o devedor originário viesse a se envolver num quadro de insolvência ou mesmo da falência.
De outro viés, a instituição financeira (banco) ao descontar um título de credito desfruta de garantia que lhe é conferida pelo cedente pelo endosso.
Ora, se no vencimento não sobrevier o pagamento da obrigação pactuada o banco desfruta de duas alternativas, quais sejam: a) cobrar em regresso, do cliente, ou buscar a satisfação do seu credito do instituidor do titulo cambial que deu ensejo ao contrato de desconto.
Tal prerrogativa, não se implementa na relação jurídica do contrato de faturização, sendo certo que a empresa faturizadora, que adquiriu o credito e não recebeu o correspectivo adimplemento do mesmo apenas poderá voltar-se em face daquele deu original ao pré citado titulo de credito, isso porque como já destacado anteriormente a transferência do titulo, objeto da negociação foi consubstanciada na forma do art. 15 da LUG, portanto sem constituir qualquer vinculo de garantia entre faturizado e faturizador.
Nessa linha de principio, remarque-se o aspecto de que as operações de desconto somente podem ser implementadas por instituições financeiras, ou seja, aquelas conceituadas como tal na linha do dispõe a Lei 4595/64, que criou o Sistema Financeiro Nacional, bem assim considerando a estrutura normativa também prevista na Lei Complementar nº 105.
Diante de tal contexto, a instituição financeira descontária, poderá cobrar juros considerando o parâmetro instituído no velho e revelho verbete 596 as sumula do Supremo Tribunal Federal que, cristalizou a vetusta jurisprudência pátria no sentido de que os integrantes do sistema financeiro nacional, não se encontram limitados pelo Decreto 22.626/33, conhecido de longa data como Lei de Usura.
Destaque-se ainda que, na operação de desconto bancário os juros são mais atraentes para a instituição financeira tendo em vista que, seu limite, é aquele imposto nas resoluções do Banco Central do Brasil, além do que considerando o direito de regresso que é imanente a tal avença contratual o risco de inadimplemento é de menor envergadura do que aquele ao qual se submetem as empresa de fomento mercantil.
Deveras, o faturizador, ao adquirir credito de terceiros (o faturizado), estabelece um “ágio” de maior amplitude, exatamente porque o risco que assume também traduz-se em patamar superior à aquele já referenciado no contrato de desconta bancário, alem do que não se pode praticar na avença juros que ultrapassem os umbrais da Lei de Usura.
Nesse sentido, o STJ decidiu: “As empresas de factoring não se enquadram no conceito de instituições financeiras, e por isso os juros remuneratórios estão limitados a 12% ao ano, nos termos da Lei de Usura” (REsp 1048341 – RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4º T, Jul. em 04.02.09, DJE 09.03.09)