Mais uma vez, nos deparamos com situação em que se analisa a possibilidade de Agravo de Instrumento em face de decisões interlocutórias que não aquelas relacionadas no rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil[1].
É bem verdade que, como já tivemos a possibilidade de analisar, a taxatividade do rol contido no artigo acima citado foi mitigada por força do julgamento, em sede de Recursos Repetitivos por parte do Superior Tribunal de Justiça, do tema 988, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi[2].
Vê-se no rol contido no artigo 1.015 do Código de Processo Civil que, de acordo com sua sistemática, o legislador quis dar dinamismo maior ao processo, permitindo que decisões interlocutórias ao longo da fase de conhecimento pudessem ser atacadas através do Recurso de Apelação, uma vez que não preclui o direito da parte em impugná-las até a interposição de eventual apelação e até mesmo em contrarrazões à apelação.
Entretanto, mostra-se impossível atacar determinadas decisões interlocutórias que são proferidas após a sentença da qual já se apelou ou mesmo já se ofereceu resposta ao recurso. E vejam: não se trata aqui de início da fase de cumprimento de sentença e execução, pois nesta há previsão expressa no parágrafo único do artigo 1.015 do Código de Processo Civil quanto ao cabimento de Agravo de Instrumento, o que dispensaria maiores dissertações sobre o tema.
Assim, nos parece correta a interpretação de que, em primeiro lugar, não se pode atestar a taxatividade do rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, corroborando entendimento já analisado em artigos publicados neste espaço. Mas também, em segundo lugar, que o legislador quis limitar o cabimento do Agravo de Instrumento em situações em que a parte poderia manifestar seu inconformismo através de outro recurso, qual seja, a apelação. Em outras fases (como assim o é expressamente nas hipóteses do parágrafo único do artigo 1.015, como citamos acima), é imperativo que se possibilite a parte fazer uso do recurso de Agravo de Instrumento para evitar situação grave e de difícil reparação que possa lhe trazer prejuízo.
E neste sentido manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça através do julgamento do Recurso Especial de nº 1.736.285 que, reformando decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, entendeu por não caber agravo de instrumento em fase recursal, uma vez que ainda não havia sido iniciada alguma das fases processuais contidas justamente nas hipóteses do parágrafo único do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.
A Ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial, salientou que “o art. 1.015, caput e incisos, do CPC/2015, aplica-se somente à fase de conhecimento, como, aliás, orienta o art. 1.009, §1º, do CPC/2015, que, ao tratar do regime de preclusões, limita o seu alcance apenas às questões resolvidas na fase de conhecimento”.
Igualmente, complementou a Ministra Relatora em seu voto que “é nítido que o parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015 excepciona a regra geral prevista no caput e nos incisos do referido dispositivo, ditando um novo regime para as fases subsequentes à cognição propriamente dita (liquidação e cumprimento de sentença), o processo executivo e, ainda, uma espécie de ação de conhecimento de procedimento especial, o inventário.”
Por fim, concluiu a Ministra que “A razão de ser da ampla e irrestrita recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas em fases subsequentes à cognitiva – liquidação e cumprimento de sentença –, no processo de execução e na ação de inventário deriva das seguintes circunstâncias: i) a maioria dessas fases ou processos não se findam por sentença e, consequentemente, não haverá a interposição de futura apelação; ii) as decisões interlocutórias proferidas nessas fases ou processos possuem aptidão para atingir, imediata e severamente, a esfera jurídica das partes, sendo absolutamente irrelevante investigar, nesse contexto, se o conteúdo da decisão interlocutória se amolda ou não às hipóteses previstas no caput e incisos do art. 1.015 do CPC/2015.”
Mais uma vez, operou com brilhantismo a Ministra Nancy Andrighi, seguida pelos demais ministros da Terceira turma do STJ, ao aplicar interpretação correta aos princípios que regem os dispositivos do Código de Processo Civil, possibilitando a defesa dos direitos das partes litigantes de forma ampla, a fim de conferir resultado justo ao processo.
[1] Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I – tutelas provisórias;
II – mérito do processo;
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI – exibição ou posse de documento ou coisa;
VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;
XII – (VETADO);
XIII – outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
[2] “o rol do artigo 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”