Agosto lilás: os avanços jurídico-sociais após 15 anos da Lei nº 11.340 de 2006, a Lei Maria da Penha.


Por Andreia Costa Rodrigues

Por Andreia Costa Rodrigues

A primeira reflexão é por qual motivo a lei levou este nome?

A lei leva o nome de uma mulher que esperou 15 (quinze) anos pela condenação do seu marido pelas violências sofridas em seu casamento e duas tentativas de homicídio, que resultaram em sua paraplegia. Forte e repugnante, uma dor que transformou as lágrimas desta mulher em ajuda às milhares de mulheres que sofreram ou sofrem agressões físicas e emocionais.

Apesar de existir uma lei que protege a mulher e penaliza com maior rigor o seu agressor, centenas delas seguem sendo agredidas e mortas diariamente. Trata-se de uma realidade longe da desejada, inobstante os avanços observados na referida legislação, aproximando as vítimas do sentimento de proteção e amparo, bem como coibindo a continuidade da violência doméstica.

A título de exemplificação das alterações legais até aqui, relembramos: (i) o feminicídio tipificado em 2015; (ii) a qualificadora para violência doméstica contra mulher quando houver lesão corporal; (iii) o crime de perseguição e violência psicológica também qualificados se praticados contra a mulher; sendo esses últimos acrescidos ao código penal em 2021.

Importante considerar que a perseguição e a violência psicológica já estavam exemplificadas como agressões na Lei Maria da Penha para fins de justificar as medidas protetivas e demais benefícios previstos na lei, porém sem tipificação penal que criminalizasse o ato. Deste modo, considerando a relevância do tema e recentes interpretações, passamos a aprofundar as práticas abusivas que tipificam, enfim, a violência psicológica (emocional).

O dano emocional à mulher pode ocorrer por meio de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro método que cause transtornos psicológicos a vítima. Vejamos:

“Art. 147-B.  Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.”

É de extrema necessidade trazer à baila o rol exemplificativo, jamais exaustivo, de fatos rotineiros, a fim de informar, prevenir e esclarecer a sociedade sobre meios de reconhecimento da vítima e do agressor, quais sejam: (i) o homem ameaça matar ou machucar a mulher e seus familiares, caso ela o abandone; (ii) ele comenta com seus amigos sobre a vida sexual com sua a parceira, dando ênfase para situações constrangedoras, como por exemplo, o tempo em que não mantém relações sexuais; (iii) o parceiro faz comentários humilhantes em relação ao trabalho doméstico da mulher; (iv) usa de argumentos manipuladores para manter relações sexuais de forma periódica, inclusive com ameaças de infidelidade como penalização; (v) afasta a mulher do convívio familiar e dos seus amigos, com a persuasiva desculpa de que os respectivos núcleos não fazem bem a ela; (vi) ridiculariza a mulher na frente de outras pessoas, seja por compatibilidade de roupas, seja por caraterísticas de seu corpo; (vii) proíbe da mulher na ida à academia ou qualquer outro lugar que lhe agrade.

São diversas as possibilidades de violência psicológica contra a mulher, cujo conceito da palavra mulher está atrelado ao gênero, no contexto do feminino, consoante à doutrina e jurisprudência cada vez mais solidificadas.  Logo, é possível a aplicação da Lei Maria da Penha em violência no ambiente doméstico ou familiar contra mulheres trans, cis ou homossexuais, desde que praticados em razão do gênero e em situação vulnerabilidade.

Ultrapassados os esclarecimentos iniciais, passamos à análise dos meios de provas necessários ao enquadramento do tipo penal. São eles: prova de gravações de áudio ou vídeo, o printscreen de mensagens recebidas e relatos de testemunhas que presenciaram os abusos. Para os casos de violências psicológicas mais sutis, a vítima deve contar com auxílio de advogado especializado, que saberá orientar quanto ao lastro probatório, acrescendo laudos médicos e de assistentes sociais que comprovem os danos psicológicos causados.

Impõe-se obrigatório para salvar VIDAS um plano de conscientização sobre a violência doméstica, formas de fuga e libertação dessas mulheres, em muitos casos, presas em suas residências. Neste diapasão, devemos conhecer e atentar aos sinais emitidos pelas vítimas de agressores em estabelecimentos comerciais, disks em geral, códigos escritos em papeis ou partes do corpo e garantia de acolhimento nas delegacias.  É possível realizar a denúncia pelo disk 190 nos casos flagrantes (Polícia Militar) e, pelo disk 180 nos casos de violência contínua (Central de Atendimento à Mulher).

As delegacias tradicionais ou delegacias da mulher, bem como o Ministério Público da cidade ou, até mesmo, o próprio judiciário, poderão, também, receber as denúncias de violência psicológica ou física sofridas pela mulher.

Registra-se, por oportuno, que o Governo Federal oferece amparo provisório e sigiloso para mulheres e dependentes, que precisem se afastar de casa por sofrerem ameaças com risco de morte. O serviço tem por objetivo o de proteger a integridade física e emocional das vítimas e seus filhos, o de articular com a rede de serviços de assistência social e do sistema de Justiça e, de igual forma, o resgate da autonomia e inclusão produtiva da mulher no mercado de trabalho.

E qual é o nosso papel de contribuição na erradicação do crime de violência doméstica no Brasil?

Como partes do todo devemos contribuir na informação de qualidade difundida no âmbito familiar e nas relações de amizade por meio de conversas que qualifiquem e exemplifiquem os tipos de violência, assim como compartilhar artigos como este, criados no intuito de alertar a população em geral, além de promover debates em escolas, mídias sociais e ambientes de trabalho. Apenas com a globalização de como se caracteriza uma violência psicológica torna-se possível o reconhecimento da vivência dela e uma rede de apoio eficaz.

Encerra-se o mês de campanha do AGOSTO LILÁS e eterniza-se a luta preventiva da violência contra a mulher, com avanços significativos da Lei Maria da Penha. Enquanto uma estiver ferida, todas as mulheres estarão feridas.