É notório que, em razão das mazelas trazidas pela pandemia do COVID-19, foram inúmeras as inciativas da Administração Pública para mitigar os danos sofridos pela sociedade na área da saúde pública e da economia. Um exemplo deste ímpeto legiferante no Estado do Rio de Janeiro foi a Lei Estadual nº 8.888/2020.
A abreviada lei Fluminense promulgada (09/06/2020), “a toque de caixa”, sem o devido debate com a sociedade e com os entes envolvidos, dispunha sobre a vedação da aplicação de multa por quebra de fidelidade nos serviços de TV por assinatura, telefonia, internet e serviços assemelhados, enquanto perdurasse a pandemia do coronavírus (artigo 2º), trazendo severas imposições e impedimento aos contratos vigentes em benefício do usuário do serviço.
Em razão da paralização, seja parcial ou total, das atividades sociais e da essencialidade dos serviços de telefonia, entendeu o legislador estadual que caberia conferir uma superproteção ao usuário dos serviços em detrimento das condições contratuais estabelecidas.
Diante deste cenário arbitrário, em 14/07/2022, foi distribuída a Ação Direta de Inconstitucionalidade pela Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações – ABRINT, pleiteando o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 8.888, almejando a manutenção da possibilidade de aplicação da multa contratual em caso de rescisão unilateral injustificada. A referida ação ficou registrada sob o nº ADI 7211, cuja relatoria é do Ministro Alexandre de Moraes.
Resumidamente, o embate se apresenta sob dois pontos de vista: de um lado, a proteção à esfera de competência privativa da União (artigo 22 CRFB), à livre iniciativa (Art. 170 CRFB), à ordem econômica e à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro na prestação dos serviços e das empresas, assim como a repercussão no campo regulatório diante da insegurança jurídica gerada. Em outra linha de avaliação, tem-se a defesa da competência não exclusiva, mas concorrente, entre União e Estados da federação para legislar sobre a matéria de telecomunicações, a visão de proteção ao consumidor, usuário dos serviços de TV por assinatura, telefonia, internet e serviços assemelhados, assim como a ocorrência de situação excepcional de calamidade pública na área da saúde.
No último dia 10 de outubro foi publicado o v. Acórdão prestigiando a competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria de Telecomunicações (artigo 22, IV CRFB), uma vez que a Lei estadual impugnada interfere diretamente no núcleo regulatório das telecomunicações, nas normas que disciplinam limites e possibilidades da cláusula de fidelização nos contratos, tese fundamentada com apoio nas ADIs nº 5.399/22 e 6.191/22, ADI 6322/22. Logo, restou julgado procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 8.888/2020, perdendo a norma por completo a sua eficácia.
A Administração pública caminha a passos largos na direção da horizontalização das normas administrativas e da deslegalização de certas matérias normativas. Em que pese ainda não consolidado o entendimento na doutrina e jurisprudência, verifica-se que através da ADI 1668/DF o Supremo Tribunal Federal entendeu que o poder normativo, mesmo da Anatel, é estritamente regulamentar. Acrescenta-se, em fundamentação do v. acórdão, ser vedada a usurpação da competência na União, inclusive para a agência reguladora, órgão este especializado em tema de Telecomunicações e responsável por editar as respectivas normas administrativas, corroborando ser inadmissível ao ente federativo editar a Lei, ora declarada inconstitucional.
Julgamento virtual 30/09/2022
Rel Alexandre de Moraes
O Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 8.888/2020 do Estado do Rio de Janeiro, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Rosa Weber (Presidente). Plenário, Sessão Virtual de 23.9.2022 a 30.9.2022.
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