Prazo prescricional da ação de regresso do fiador em face do afiançado é o mesmo do contrato principal


A
situação não é incomum: celebrado um contrato em que a garantia oferecida é a
fiança, o afiançado fica inadimplente com suas obrigações, provocando a ação do
credor para receber seu crédito. Este, por sua vez, ajuíza a competente ação em
face de devedor e fiador, e executa bens de qualquer uma das partes, conforme a
prerrogativa que lhe assiste.

Em
muitos destes casos, o crédito só é satisfeito com a execução de bens do
fiador, e tal situação faz surgir o direito deste, em ação própria comumente
chamada de ação de regresso, de cobrar do afiançado os prejuízos oriundos da
primeira ação.

Por
certo, as ações têm seus prazos prescricionais, de acordo com a natureza e as
obrigações envolvidas.

No caso
da prescrição, o Código Civil traz duas possibilidades em seus artigos 205 e
206[1]: um prazo geral de prescrição, que incidirá sobre
todas as ações em uma espécie de incidência residual, em que não houver um
prazo específico; e as regras especiais ou específicas, que atribuirão um prazo
específico para determinadas ações.

Assim,
poderia haver, em tese, a indicação de um determinado prazo prescricional para
uma determinada ação de cobrança ou de execução de para uma determinada
situação e outro para a ação regressiva do fiador contra o afiançado.

Diante
deste cenário, recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou a
matéria em referência através do Recurso Especial nº 1.769.522, cuja relatoria
coube à Ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma.

No caso
concreto, houve a propositura de ação de execução de valores oriundos de
relação locatícia em que o Locador executou seu crédito perante o Fiador do
contrato de locação, havendo prazo específico para esta ação tanto no Código
Civil de 1916 (que foi aquele levado em consideração no julgamento – cinco
anos
, na forma do artigo 178, § 10, IV, do Código Civil de 1916) quanto
no Código Civil de 2002.

Ocorre
que, ajuizada a ação de regresso, o lapso temporal entre o pagamento do crédito
pelo fiador na ação de execução e o ajuizamento da ação regressiva se deu após
o decurso de cinco anos, fundado na tese de que a ação de regresso fundar-se-ia
em ressarcimento de quantias pagas em contrato acessório de fiança, atraindo a
regra geral constante no Código Civil de 1916.

Em
primeira instância, o Juízo a quo entendeu pela prescrição da
pretensão do fiador.

Já o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) entendeu por afastar a
prescrição, com fundamento explícito na ementa transcrita abaixo:

LOCAÇÃO
COMERCIAL – DIREITO REGRESSIVO DE FIADORES EM FACE DA LOCATÁRIA E SÓCIOS –
PRESCRIÇÃO – PRETENSÃO DEDUZIDA QUE, EM VERDADE, BUSCA RESSARCIMENTO
DE QUANTIAS PAGAS POR FORÇA DO CONTRATO ACESSÓRIO DE FIANÇA – AUSÊNCIA DE PRAZO
PRESCRICIONAL ESPECIAL – APLICAÇÃO DA REGRA GERAL – LAPSO VINTENÁRIO NA ÉGIDE
DO CC/1916 E DECENAL À LUZ DO ATUAL CC/2002
 – PRESCRIÇÃO AFASTADA
– RECURSO PROVIDO.

Em seu
voto, a Ministra Relatora destacou que “prevê o art. 349 do CC/02 que a
sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e
garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os
fiadores”
.

E
prossegue a Ministra Nancy Andrighi aduzindo que “caso ocorra a
sub-rogação, o sub-rogado torna-se titular de tudo o que cabia ao primeiro
credor, não podendo receber além daquilo de que este dispõe… Em outras
palavras, aquele que substitui o credor não pode obter mais do que ele
tinha para lhe transferir
.

Concluiu
a Ministra que “o fiador, ao sub-rogar-se nos direitos do locador, não
pode ter prazo prescricional maior do que aquele conferido ao próprio credor
originário para exercer sua pretensão de recebimento dos débitos locatícios”.

Poder-se
ia discutir aqui a questão da automática sub-rogação nos direitos e deveres do
devedor por parte do fiador, como já se tentou outras vezes, atribuindo-se uma
autonomia ao contrato de fiança, destacando-a da obrigação principal e, por
conseguinte, conferindo a ele condições próprias inclusive para sua cobrança,
incluídos aí os prazos prescricionais aplicáveis.

Entretanto,
não nos parece haver dúvidas quanto à acessoriedade do contrato de fiança em
relação à obrigação principal, tendo em vista que a simples inexistência de um
contrato principal torna igualmente inexistente o contrato de fiança,
justamente por não haver o que garantir.

Assim, a decisão proferida pela Ministra Nancy
Andrighi traz a segurança jurídica esperada ao caso, mantendo o entendimento da
própria Corte em julgados anteriores e que, acredita-se, é a mais correta,
tendo em vista não poder haver duas regras diferentes entre a obrigação
principal e a acessória.


[1]Art.
205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor.

Art.
206. Prescreve:

§ 1o Em
um ano:

I – a
pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no
próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;

II – a
pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o
prazo:

a) para
o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é
citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado,
ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;

b)
quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

III – a
pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais,
árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;

IV – a
pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a
formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da
assembléia que aprovar o laudo;

V – a
pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os
liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação
da sociedade.

§ 2o Em
dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em
que se vencerem.

§ 3o Em
três anos:

I – a
pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;

II – a
pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;

III – a
pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias,
pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;

IV – a
pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

V – a
pretensão de reparação civil;

VI – a
pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo
o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;

VII – a
pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do
estatuto, contado o prazo:

a) para
os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;

b) para
os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço
referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou
assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;

c) para
os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;

VIII –
a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento,
ressalvadas as disposições de lei especial;

IX – a
pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no
caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.

§ 4o Em
quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das
contas.

§ 5o Em
cinco anos:

I – a
pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou
particular;

II – a
pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais,
curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos
serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;

III – a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.


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