Não se exige incidente de desconsideração no redirecionamento da execução fiscal contra pessoa jurídica


Como sabemos, o Código de Processo Civil de 2015 disciplinou o instituto da desconsideração da personalidade jurídica em seus artigos 133 e seguintes, dando a ele a instrumentalidade de um incidente processual, a ser requerido pela parte ou pelo Ministério Público em qualquer fase do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução de título executivo extrajudicial[1].

Igualmente, deve-se destacar que a desconsideração inversa da personalidade jurídica, instituto em que permite ao credor atingir o patrimônio de outras empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico, foi igualmente prevista no novel Código de Ritos, aplicando-se a este instituto as mesmas regras da desconsideração da personalidade jurídica.

Não é incomum que pessoas jurídicas pertençam a grandes grupos econômicos, sejam incorporadas ou sucedidas por outras pessoas jurídicas. Neste caso, e por força da legislação tributária, o sucessor passa a ser o responsável pelo tributo não recolhido.

Mas, quando o fisco não atinge o seu objetivo de ver satisfeito o crédito tributário por não mais existir o sujeito passivo da relação tributária, seja por incorporação, sucessão ou mesmo o encerramento de suas atividades, mas ainda existente o grupo econômico do qual o devedor fazia parte, pode-se lançar mão do instituto acima citado com a finalidade de ver o crédito satisfeito.

E, neste momento, surge a questão que é objeto deste artigo: quando se está diante de procedimento executivo fiscal, é necessário que a Fazenda Pública observe e inicie o procedimento de incidente de desconsideração da personalidade jurídica constante do Código de Ritos a fim de atingir os bens de outra empresa coligada ou pertencente do mesmo grupo econômico?

Recentemente, a questão foi analisada pelo E. Superior Tribunal de Justiça, através do Recurso Especial nº 1.783.311.

A relatoria do recurso acima citado coube ao Ministro Francisco Falcão que, em seu voto, concluiu pela desnecessidade de observância do incidente previsto no artigo 133 e seguintes do Código de Processo Civil quando se está diante do procedimento executivo fiscal, regido pela Lei Federal 6830/80.

O Ministro, acompanhado pelos demais integrante da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, entendeu incompatível o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções Fiscais.

Isto porque a aplicação do Código de Processo Civil se daria de maneira subsidiária, naquilo que complementasse a lacuna da Lei específica e que, por certo, não contrariasse sua finalidade.

Tendo sido devidamente aferido nas instâncias inferiores a sucessão de empresas durante a fase de conhecimento, tal fato teria gerado a confusão patrimonial que autorizaria a medida.

De acordo com o entendimento do Ministro relator, “a desnecessidade de instauração do incidente de desconsideração para o redirecionamento em face dos sócios deve atrair a mesma conclusão ao redirecionamento em face de outra pessoa jurídica quando se evidenciam práticas comuns ou conjunta do fato gerador ou confusão patrimonial.”

Destacou ainda o Ministro que, no caso da desconsideração da personalidade jurídica da empresa para que se atinjam os bens de seus sócios, a jurisprudência do STJ é pacífica em admitir a desconsideração sem a necessidade de instauração do incidente que trata o Código de Processo Civil.

Neste sentido, destacou o Ministro que “Nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito”.

A decisão acima comentada, de fato, segue a sistemática já definida pelo próprio STJ quando trata de Execuções Fiscais e a possibilidade de se atingir o patrimônio de sócios ou empresas sucessoras ou do mesmo grupo econômico.

Não se deve esquecer, entretanto, que mesmo que não se exija o incidente como forma de promover a desconsideração da personalidade jurídica (e também, por certo, a desconsideração inversa), deve-se sempre observar o direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório, não se revestindo tal medida em ato imutável e não impugnável.


[1] Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

  • 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
  • 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

  • 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
  • 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
  • 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
  • 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.