Um dos pontos que mais suscita dúvidas nas sentenças de mérito condenatórias e que envolvem valores é o termo inicial da correção monetária de incidentes sobre as verbas ali contidas.
A Lei, mais precisamente o Código Civil, determina que nas obrigações inadimplidas o devedor responde por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado[1].
É certo que a correção monetária representa a recomposição do valor da moeda tendo em vista a perda ocorrida em determinado período. E, como visto acima, sua incidência recorre de Lei, o que até mesmo dispensaria que constasse expressamente no dispositivo da sentença condenatória.
Entretanto, de acordo com a natureza da verba conferida na sentença, o termo inicial da correção monetária sofre alterações, podendo incidir desde o desembolso para ressarcimento de damos materiais, da data do efetivo prejuízo sobre dívida proveniente de ato ilícito na forma da Súmula 43[2] do Superior Tribunal de Justiça, ou ainda desde o julgado que fixar o valor dos danos morais, na forma da Súmula 362[3] do mesmo Tribunal Superior.
Frequentemente, vemos a necessidade do manejo de Embargos de Declaração para ver sanada a omissão quanto ao termo inicial da incidência da correção monetária, uma vez que acaba o tema passando por um critério interpretativo do juiz.
Uma das situações em que havia mais dúvidas quanto ao termo inicial de incidência da correção monetária dizia respeito à dobra contida no artigo 940 do Código Civil. Eis sua redação:
Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
A questão foi recentemente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça através do Recurso Especial nº 1.628.544, cuja relatoria coube à Exma. Ministra Nancy Andrighi.
No caso dos autos, uma empresa ajuizou ação monitória em face de um condomínio que, em sede de Embargos Monitórios, argumentou que, dentro do valor cobrado, havia valores já pagos, e pugnou o ressarcimento em dobro, na forma do artigo 940 do Código Civil, dos valores já pagos e cobrados indevidamente.
O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu pela aplicação da dobra legal, a partir do julgado que condenou ao pagamento da verba em referência. Tal entendimento motivou o manejo do Recurso Especial pelo Condomínio, que entendia que a incidência da correção monetária a partir do julgado em verdade premiaria o ilícito cometido.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, e seguindo o voto da Ministra Relatora, deu parcial provimento ao Recurso Especial, por entender que o termo inicial da correção monetária deveria ser, no caso em referência, o ajuizamento da ação monitória.
Na forma do voto da Ministra Nancy Andrighi, “se a recomposição monetária tem por objetivo exatamente a recomposição no tempo do valor da moeda em que se expressa determinada obrigação pecuniária, deve-se reconhecer que o termo inicial de sua incidência deve ser a data em que indevidamente cobrado tal valor – que deve ser ressarcido em dobro –, ou seja, a data de ajuizamento da ação monitória”.
Ressaltou a Relatora que, ainda que a condenação a dobra só tenha ocorrido em segunda instância através do julgamento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, na verdade, a cobrança indevida nasce com o ajuizamento da ação monitória, naquilo que foi objeto de indenização.
Por fim, concluiu a Ministra Relatora que “é por este motivo que a atualização monetária remonta à data em que se deu o ajuizamento da ação monitória, já que o valor, à época em que cobrado indevidamente – e que deverá ser restituído ao condomínio –, é que deve submeter-se à correção monetária.”
Há que se observar com cautela o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.
No caso em comento, o ato de cobrança indevida, consubstanciada no ajuizamento de Ação Monitória, não acarretou o pagamento ou, mais especificamente, o efetivo desembolso imediato de quantia cobrada indevida por parte do Embargante. Se este não precisou dispor do valor para apenas recuperá-lo com a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, não experimentou a perda do valor da moeda e a necessidade de sua recomposição.
E tal afirmativa se faz com base no artigo 702 do Código de Processo Civil, em que é expressamente dispensada a segurança do juízo para a oposição dos Embargos Monitórios[4].
Assim, entendemos que a correção monetária, neste caso, poderia ter seu termo inicial quando da constituição do direito à dobra contida no artigo 940 do Código Civil.
[1] Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
[2] Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.
[3] A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.
[4] Art. 702. Independentemente de prévia segurança do juízo, o réu poderá opor, nos próprios autos, no prazo previsto no art. 701 , embargos à ação monitória.