A admissão da juntada de provas novas no processo civil brasileiro, com ênfase no posicionamento jurisprudencial dos tribunais superiores


Por Fabiane Ferreira

O direito à prova é conteúdo do direito fundamental ao contraditório, portanto o direito à prova é também um direito fundamental. Compõe-se deste direito a adequada oportunidade de requerer provas, o direito de produzir provas, o direito de participar da produção probatória, o direito de manifestar-se sobre a prova e o direito ao exame pelo órgão julgador.

É inequívoco que deve-se assegurar o emprego de todos os meios de prova imprescindíveis para a apuração da veracidade dos fatos, mas não se trata de direito absoluto, podendo ser limitado, excepcionalmente, ao colidir com outros valores consagrados constitucionalmente. Integra a função jurisdicional a garantia da valoração da prova e o respeito do juiz pela atuação processual das partes, assim como a observância dos princípios do contraditório e da cooperação.

O sistema pátrio veda a utilização de prova surpresa, conforme previsto no atual art. 434 do CPC, também preceituado no código anterior. Contudo, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe a inovação que se observa no parágrafo único do art. 435, a respeito da possibilidade de se juntar documentos novos, após a inicial ou a contestação, tornando-os acessíveis e disponíveis após esses atos.

É permitida a apresentação de novas provas em qualquer fase processual, desde que não versem sobre conteúdo já anteriormente conhecido, necessitando haver um fato novo após o ajuizamento da ação, ou que fora descoberto e acessado pela parte em momento posterior. Atribui- se, então, à parte interessada o ônus de comprovar o motivo que a impediu de proceder com a juntada prévia, devendo o juiz avaliar a conduta pelo dever de boa-fé das partes (art. 5°, CPC), e a delimitação do exercício de contraditório.

De uma forma geral, tem-se que a petição inicial deve estar acompanhada, sob pena de invalidade, dos chamados documentos indispensáveis (art. 320, CPC), exigindo- se que seja indicado, expressamente, quais serão as provas posteriormente juntadas (REsp 901.556/SP).

A prova documental integra o objeto do direito à prova, mas esse direito comporta limitações, em atendimento aos direitos constitucionais à prova, ao princípio do contraditório e o respeito à boa-fé objetiva, supramencionados.

Neste giro, verifica-se que a juntada de documentos novos é possível quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois de ventilados, chamados de fatos supervenientes, que podem ser deduzidos a qualquer tempo (arts. 342, I, e 493, CPC), ou para contrapor aos que foram produzidos nos autos (art. 435, caput, CPC).

Outra possibilidade se dá quando as provas surgiram após a petição inicial ou a contestação, ou quando se tornaram conhecidos após esses atos, cabendo à parte comprovar a sua motivação, repisando o art. 435, p. único, do CPC. Também é válida quando se faz necessária a demonstração da questão de fato que, por motivo de força maior, não foi deduzida na primeira instância, podendo ser suscitada na apelação (art. 1014, CPC).1

Admite-se, ainda, a nova prova quando estiver em poder de repartição pública, autorizando-se a requisição (art. 438, CPC), e quando estiver com a parte adversária ou de terceiro particular, podendo ser determinada a sua exibição nos autos.

Ressalta-se a preocupação do legislador em reduzir a possibilidade do juiz e partes restarem à mercê de surpresas relevantes no aparecimento de provas que a outra parte, premeditadamente, guarde em segredo para, em ocasião específica, quando ausentes oportunidades para discussões e provas, oferecê-las ao juízo de maneira a modificar ou confundir o conhecimento do processo, imprimindo nova feição à causa.

Deste modo, uma vez não configuradas a ocultação premeditada e a fraude processual, através da surpresa do juízo, cumpre ao magistrado apreciar a conveniência da juntada do documento e decidir por admiti-lo ou não. É importante considerar que cabe ao juiz determinar, até mesmo de ofício, a produção de provas necessárias à instrução de processos (art. 370, CPC), em uma análise de maior amplitude do processo civil moderno, ao invés de meramente declarar a intempestividade probatória.

Contudo, é imperioso ao juiz conceder a possibilidade da parte contrária impugnar o documento objeto da controvérsia, a fim de não incorrer em error in procedendo e, consequente, invalidade da decisão2.

A jurisprudência brasileira, ainda na vigência do Código de Processo Civil anterior, consolidou-se no sentido de permitir a juntada de documentos fora da fase inicial e contestatória (nas fases de conhecimento e grau recursal), com base no princípio do livre convencimento motivado, desde que respeitado o princípio do contraditório, facultando- se à parte adversa manifestação e contraprova, atentando-se aos limites da má-fé. Neste sentido, decidiu a Quarta Turma do STJ:

  1. A documentação utilizada pelo Tribunal local para conferir legitimidade às alegações da Fundação Sistel de Seguridade Social, e, portanto, declarar comprovado fato extintivo do direito do autor, foram introduzidas aos autos somente quando do recurso de apelação. A documentação não é nova, posto que já existia ao tempo da contestação e da especificação de provas. A reforma do entendimento quanto à novidade do documento, esbarra no óbice sumular nº 07 desta Corte, uma vez que necessário o reexame fático-probatório.
  2. A juntada de documentos com a apelação é possível, desde que respeitado o contraditório e inocorrente a má-fé, com fulcro no art.397 do CPC.
  3. A agravante alegou, ao longo do procedimento, teses absolutamente conflitantes umas com as outras acerca dos mesmos fatos, ora sustentando que o limite PAMA é legítimo, ora sustentando que o limite sequer atinge o agravado. A juntada dos documentos colacionados com a apelação, foram fundamentais para a tese defensiva de que o limite PAMA é legítimo, e não se destinam, apenas, a complementar os argumentos ventilados no transcorrer do procedimento, pois além de serem argumentos incontestavelmente contraditórios, a prova documental foi inserida nos autos sem o respeito ao princípio do contraditório e ampla defesa, beirando os limites da má-fé. Precedentes.

(AgRg no REsp 785.422/DF, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 12/04/2011.)

Após a vigência do atual Código/2015, a mesma Quarta Turma do STJ entendeu que o recurso especial não comporta exame de questões que impliquem reanálise de contexto fático-probatório, consoante as Súmulas de nº 5 e 7 da própria Corte, bem como reforçou o art. 435 do CPC, mais a incidência da sua Súmula 83, que sinaliza o não conhecimento do recurso especial pela divergência quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida. Vejamos:

  1. Inexiste afronta ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o acórdão recorrido pronuncia- se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.
  2. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos ou interpretação de cláusula contratual, a teor do que dispõem as Súmulas n. 5 e 7 do STJ.
  3. No caso, o Tribunal de origem consignou expressamente que a relação jurídica estabelecida entre os contratantes versava apenas sobre transporte marítimo, não sendo transporte multimodal de cargas, motivo por que não deveria incidir o prazo de prescrição previsto no art. 22 da Lei n. 9.611/1998.
  4. “É admitida a juntada de documentos novos após a petição inicial e a contestação desde que: (i) não se trate de documento indispensável à propositura da ação; (ii) não haja má fé na ocultação do documento; (iii) seja ouvida a parte contrária (art. 398 do CPC)” (AgRg no AREsp n. 435.093/SP, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, Dje 1º/8/2014). Incidência da Súmula 83/STJ.
  5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1657018/SP, Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, DJe 26/04/2018)

Neste sentido, observam-se os entendimentos suprarreferidos na Primeira, Segunda e Terceira Turmas do STJ, admitindo-se a produção de nova prova – até a fase apelatória – se a parte à qual interessa a sua juntada não tinha conhecimento dela ou acesso prévio ao seu conteúdo. Isto é, o juiz não pode abraçar o elemento surpresa, sem combiná-lo com as hipóteses elencadas no art. 435 do CPC, sob pena de compactuar coma falta de diligência necessária da parte e uma possível tentativa de fraude processual.

  1. A admissão de documento na fase apelatória depende, em primeiro lugar, de ser o documento juntado classificável como documento novo, ou, pelo menos, do qual a parte interessa (sic) na sua juntada não tinha conhecimento ou não tinha acesso a ele ou ao seu conteúdo.
  2. No caso presente, porém, o documento cuja juntada aos autos da apelação se pretende é um documento que se achava em poder da própria Fazenda Pública, bastante tempo antes da sentença (10 anos – 90). Essa circunstância, por si só e independentemente de qualquer outra, é suficiente para evidenciar que a pretensão fazendária não se enquadra nos precedentes por ela invocado, além de significar uma atitude causadora de surpresa ensejadora de premiação à falta de diligência.
  3. Agravo Interno da FAZENDA NACIONAL a que se nega provimento (AgInt no REsp 1609007/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe 20/04/2018).

Portanto, considerando a jurisprudência exposta e o posicionamento de ilustres juristas da doutrina pátria3 tem repercutido nos Tribunais Superiores a propensão de alinhamento pelos juízes e tribunais inferiores quanto à admissão de documentos novos, mesmo após o momento especificado no art. 434 do CPC, desde que respeitados o contraditório e a boa-fé, bem como que não se trate de prova sobre fatos anteriores que, outrora, eram acessíveis à parte interessada.

Assim, tem-se respeitado o alvitrado à luz do Código de Processo Civil de 2015, e suas motivações principiológicas, impedindo o fomento de provas guardadas como trunfos em fases impeditivas ao exercício do contraditório e a incitação ao litigante de má-fé.


1 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil, 18ª edição, p.297.

2 STJ, 4ª T., REsp n. 1.072.276/RN, rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. em 21.02.2013, publicado no DJE de 13.03.2013.

3 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária. São Paulo: Max Limonad, 1966, v. IV, n. 200, p. 396 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, volume I. 56. Ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2015, p. 965.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória), vol. 2. 16. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 308.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único. 8. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 709.