Legitimidade passiva para discussão sobre manutenção em plano de saúde após aposentadoria é da operadora, e não da empregadora


Quando da entrada em vigor da Lei Federal nº 9.656/98, que regulamentou os Planos de Saúde em nosso país, uma das situações nela previstas eram justamente daqueles planos e seguros de saúde que o usuário possuía por força de seu vínculo de emprego.

Nesses casos, o seguro é contratado pela empregadora diretamente com a operadora ou por meio de empresa estipulante, e oferecido aos empregados enquanto estes estiverem com seus vínculos empregatícios em vigor.

Invariavelmente, as questões referentes aos procedimentos de seus usuários/empregados são resolvidas por meio de contatos dos representantes da empregadora com a operadora do plano de saúde, mas o usuário não possui contrato direto com a aquela.

Entretanto, cumpre esclarecer que o usuário, em muitas vezes, contribui também para o custeio do plano de saúde, sendo descontado parte de seus vencimentos a título de contribuição, e pela própria Lei Federal 9.656/98 é tratado expressamente como consumidor[1].

Mesma situação é aquela do trabalhador que se aposenta[2].

Como toda prestação de serviços em escala, divergências podem ocorrer na interpretação das cláusulas contratuais e mesmo na própria prestação dos serviços, dos quais, não se tem qualquer dúvida, o usuário é o beneficiário e, como tal, o legitimado para pleitear, em nome próprio, providências de caráter obrigacional e até mesmo indenizatório, no caso de existência de prejuízos materiais e imateriais.

A questão sub exame consiste na legitimidade ou não de se o empregador, que de fato contrata o seguro junto à operadora e o oferece aos seus empregados, poderia, juntamente com a operadora, responder aos pedidos formulados pelo usuário em eventual demanda judicial pelo defeito na prestação dos serviços de saúde.

A questão foi recentemente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça através do Recurso Especial de nº 1.756.121, julgado em outubro do corrente ano pela Terceira Turma da Corte Especial.

A relatoria do Recurso Especial coube à Ministra Nancy Andrighi, e envolvia pleito obrigacional envolvendo o usuário aposentado e a operadora do plano de saúde.

Em seu voto, a Ministra relatora ressaltou que “o pedido foi de ser assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, nos termos do art. 31, da Lei 9.656/98. Nesta hipótese, em análise das condições da ação, o sujeito de direito a suportar os efeitos de eventual condenação judicial é a operadora de plano de saúde e não a pessoa jurídica estipulante.

Esclareceu ainda a ministra que “sequer é possível visualizar conflito de interesses entre os beneficiários do plano de saúde coletivo empresarial e a pessoa jurídica da qual fazem parte, pois o sujeito responsável pelo litígio na relação de direito material é, ao menos em tese, a operadora que não manteve as mesmas condições do plano de saúde, após a aposentadoria do beneficiário. Não há, portanto, lide entre a estipulante e os usuários finais quanto à manutenção do plano de saúde coletivo. Precedentes: REsp 1575435/SP, Terceira Turma, DJe 03/06/2016; REsp 1730180/SP, Terceira Turma, DJe 24/08/2018.”

Assim, concluiu a Ministra Relatora que “não há qualquer censura ao raciocínio estabelecido no acórdão recorrido, pois, de fato, a recorrente não tem legitimidade passiva para figurar no polo passivo da demanda, envolvendo o beneficiário final e a operadora do plano de saúde, nos termos do art. 31, da Lei 9.656/98.”

Com este raciocínio, a Ministra relatora entendeu por manter a decisão proferida em sede do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que entendeu por bem extinguir o processo, sem resolução do mérito em relação à ex-empregadora do autor aposentado, uma vez que não se vislumbrava a sua legitimidade passiva para responder aos pleitos do Autor.

Há que se concordar com o entendimento exposto no voto da eminente Ministra Nancy Andrighi, apenas nos cumprindo fazer uma pequena observação: no caso em comento, os pleitos elaborados pelo ex-empregado aposentado diziam respeito a questões exclusivamente imputáveis ao plano, como fixação do valor da mensalidade. Houvesse uma falha na comunicação da ex-empregadora com a operadora, e esta viesse a causar prejuízo ao autor, certamente ela responderia pelo prejuízo por ela causado.

 


[1] Art. 30.  Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.

[2]Art. 31.  Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.  (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)