Até a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, entendia-se que as cotas condominiais em atraso somente poderiam ser objeto de ação de cobrança, pelo rito sumário[1], sendo certo que tal entendimento decorria da interpretação literal da Lei Processual que previa exatamente esta hipótese no processo de conhecimento, mais precisamente no artigo 275, II, b, da antiga Lei de Ritos.
Como se tratava de ação de cobrança, através do processo de conhecimento, o artigo 290[2] do antigo Código previa expressamente que o pedido poderia conter a previsão de condenação do devedor ao pagamento das parcelas vincendas, ou seja, aquelas cujo vencimento se dava após o ajuizamento da ação de cobrança, sendo devidamente comprovadas no curso da ação.
Tal previsão, absolutamente razoável, tendo em vista a existência de obrigações quanto às cotas condominiais que são periódicas, e mais do que natural que o devedor permaneça inadimplente com parcelas não originalmente incluídas no pedido de condenação em pagar quantia certa, foi reproduzida com mínimas mudanças no Código de Processo Civil de 2015 em seu artigo 323[3].
Entretanto, sempre pairou dúvida quanto à possibilidade de, ao invés de lançar mão do processo de conhecimento e, consequentemente, da ação de cobrança de cotas condominiais, com um caminho mais longo até a satisfação do crédito exequendo, se utilizar o processo de execução, uma vez que o título a embasar a demanda poderia atender os requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade.
Com o advento do novo Código de Processo Civil, a Lei Processual passou a prever expressamente a possibilidade de se promover a execução do débito condominial, desde que atendidos alguns requisitos legais que revestem o processo de execução e, principalmente, o título executivo extrajudicial.
Desta forma, o artigo 784, X[4], do Código de Processo Civil de 2015 passou a elencar como título executivo extrajudicial o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas.
Assim, não resta mais qualquer dúvida de que as cotas condominiais, desde que dotadas dos requisitos contidos acima, podem ser objeto de execução.
Entretanto, como se sabe, o título executivo extrajudicial, sendo líquido, certo e exigível, é dotado de certa imutabilidade quanto ao seu valor dentro da demanda, pois, do contrário, poderia lhe faltar exatamente um ou mais de um dos requisitos acima, apresentando um valor variável ao longo do processo.
Diante deste raciocínio, em conclusão apressada, entender-se-ia então pela impossibilidade, na execução, e ao contrário do processo de conhecimento, de incluir parcelas vincendas da obrigação continuada, ainda que revestidas dos requisitos de título executivo extrajudicial, na ação de execução já intentada, forçando o credor a ajuizar mais e mais processos na medida em que as obrigações se vencerem.
Entretanto, em recentíssimo julgado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu pela possibilidade da inclusão, no processo de execução, das prestações que se vencerem ao longo do processo, até a sentença.
Através do julgamento do Recurso Especial de nº 1.756.791, a Ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, destacou a interdisciplinar entre os ritos previstos no Código de Processo Civil, e sua aplicação subsidiária uns aos outros.
No caso concreto, destacou a Ministra que “o novo código processual, na parte que regula o procedimento da execução fundada em título executivo extrajudicial, admite, em seu art. 771[5], a aplicação subsidiária das disposições concernentes ao processo de conhecimento à lide executiva.”
Prossegue a Ministra aduzindo que “também dispõe, na parte que regulamenta sobre o processo de conhecimento, que o procedimento comum se aplica subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução (art. 318, parágrafo único, do CPC/2015)[6]”.
Por fim, concluiu a Ministra Nancy Andrighi que “Tal entendimento está em consonância com os princípios da efetividade e da economia processual, evitando o ajuizamento de novas execuções com base em uma mesma relação jurídica obrigacional”.
Entendemos acertadíssimo o entendimento manifestado pela Ministra Nancy Andrighi, pois permite ainda maior efetividade no recebimento de valores pelos credores, em especial os credores condominiais, que dependem da verba das cotas para o pagamento das despesas diárias e não auferem atividade empresarial, sendo ainda mais relevante o recebimento das referidas cotas.
[1]Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário:
II – nas causas, qualquer que seja o valor;
- b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio;
[2]Art. 290. Quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação.
[3]Art. 323. Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.
[4]Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
X – o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;
[5] Art. 771. Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, e suas disposições aplicam-se, também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no procedimento de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva.
Parágrafo único. Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial.
[6] Art. 318. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.
Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.