Por muito tempo, a solução judicial dos conflitos, em especial o adimplemento das obrigações impostas pelas sentenças e acórdãos, ficava adstrita às penas pecuniárias, salvo algumas exceções como, por exemplo, a ausência de pagamento de pensão alimentícia e, hoje já não sendo mais possível, a prisão civil do depositário infiel.
Entretanto, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, algumas alterações foram feitas no então vigente artigo 125[1] do CPC de 1973, que dispunha dos poderes, deveres e responsabilidade do Juiz condutor do processo, e possibilitaram ao juiz lançar mão de outras providências com a finalidade de efetivar o comando de suas decisões, inclusive nos processos que envolvam prestações pecuniárias.
Assim, o legislador processual dispôs no artigo 139 do Código de Processo Civil de 2015, em especial no inciso IV do referido artigo:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
I – assegurar às partes igualdade de tratamento;
II – velar pela duração razoável do processo;
III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;
VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;
VII – exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;
VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso;
IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;
X – quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 , e o art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 , para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.
Parágrafo único. A dilação de prazos prevista no inciso VI somente pode ser determinada antes de encerrado o prazo regular.
Desta forma, poderia o juiz, por exemplo, limitar um direito do devedor da prestação pecuniária até que efetivamente adimplida sua obrigação, direitos estes que poderiam ser, por exemplo, o de conduzir veículo automotor, determinando a retenção de sua Carteira Nacional de habilitação, ou mesmo a retenção de passaporte do devedor.
Tal penalidade vem sendo aplicada em casos julgados pelos tribunais por todo o país, merecendo inclusive apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça como, por exemplo, no julgamento do Recurso em Habeas Corpus de nº 99.606, em que a Terceira Turma entendeu ser possível a manutenção de decisão de retenção do passaporte do devedor que não coopera[2] com a solução do processo, deixando, de maneira infundada, de apontar meios para a satisfação da obrigação.
Entretanto, já tivemos oportunidade neste espaço, quando enfrentamos a questão referente ao redirecionamento da execução fiscal contra pessoa jurídica que não exigia o incidente de desconsideração previsto no Código de Processo Civil, de ver que a justificativa dada seria a sua aplicabilidade subsidiária aos termos da Lei Federal 6.830/80, aplicando-o naquilo que complementasse a lacuna da lei específica e não contrariasse a sua finalidade.
Também é verdade que a medida proposta exige uma total ausência de cooperação do devedor na solução do problema, igualmente respeitados os princípios de ampla defesa e contraditório, devendo ser aplicada quando as demais sanções são insuficientes para a plena solução do conflito.
Assim, com base nestes dois aspectos, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Habeas Corpus de nº 453.870, através de sua Primeira Turma, e concluiu que não cabem apreensão do passaporte e suspensão de Carteira Nacional de Habilitação em execução fiscal.
A relatoria coube ao Ministro Napoleão Nunes Maia, que em seu voto aduziu que, no caso concreto, “há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná. Além disso, rendimentos de sócio majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda. – EPP também foram levados a bloqueio.”
Além disso, o Ministro relator asseverou que a execução fiscal já estava “razoavelmente assegurada”, e que, em sede de execução fiscal, “o poder público já possui de privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (artigo 16, parágrafo 1º, da Lei de Execução Fiscal), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental“.
O ministro concluiu no sentido de entender excessivas as “medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir” no âmbito da Execução Fiscal.
Deve-se elogiar o movimento do legislador processual ao instituir medidas atípicas voltadas a garantir a efetividade da satisfação dos créditos oriundos de obrigações. Entretanto, tais medidas, pela sua gravidade, devem ser utilizadas de maneira bastante criteriosa e, ainda, quando todas as demais se mostrarem infrutíferas e não tiver o executado/devedor contribuído para a solução do conflito.
Da mesma forma, quando há, pela própria peculiaridade procedimental, risco baixo quanto à inadimplência, tais medidas atípicas não se justificam, pois não serão essenciais para a solução da questão posta ao Poder Judiciário, servindo apenas para constranger o devedor, e não para a satisfação do crédito.
[1] Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:
I – assegurar às partes igualdade de tratamento;
II – velar pela rápida solução do litígio;
III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;
IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
[2] Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.
Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados