As sociedades empresarias, assim tratadas pelo Código Civil em seu artigo 44, II,[1] gozam de personalidade jurídica que não se confunde com a de seus sócios. Nas sociedades limitadas, a responsabilidade de cada um de seus sócios é restrita ao valor de suas quotas, na forma do artigo 1052 do Código Civil[2].
É possível, entretanto, que a Lei determine casos excepcionais em que haja desvio de finalidade ou confusão patrimonial, entre outros, que seja desconsiderada a personalidade jurídica para que determinada obrigação possa incidir em face da pessoa física do próprio sócio e, consequentemente, sobre seu patrimônio[3]. Assim, a pessoa física do sócio pode, uma vez havendo a desconsideração da personalidade jurídica, responder pelas obrigações contraídas pela sociedade limitada, nos moldes do artigo acima referido.
O sócio pode, na forma da lei e do contrato social da sociedade, transferir suas cotas a terceiros, total ou parcialmente, mas continua, por dois anos, solidariamente responsável ao sócio que o sucedeu, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio[4]. Assim, poder-se-ia concluir que o sócio que se retira da sociedade responderia pelas obrigações desta por até dois anos de sua saída, e em consequência, em caso de desconsideração de personalidade jurídica, poderia substituir a sociedade em ação judicial em face da sociedade, se presentes os requisitos da desconsideração, não havendo qualquer questionamento quanto a este tema.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar a questão através do Recurso Especial de n.º 1.537.521, entendeu que o ex-sócio não é responsável por obrigações contraídas após sua saída da empresa.
Com este entendimento, a Terceira Turma do STJ, através do Ministro Villas Bôas Cueva, entendeu que “a interpretação dos dispositivos legais transcritos[5] conduz à conclusão de que, na hipótese de cessão de cotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo de até dois anos após a averbação da modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade”.
Em seu voto, o Ministro ainda ressaltou que “as obrigações que são objeto do processo de execução se referem a momento posterior à retirada do recorrente da sociedade, com a devida averbação, motivo pelo qual ele é parte ilegítima para responder por tal débito”.
Desta forma, vê-se que não basta, para a responsabilização do sócio que se retira da sociedade, o aspecto do lapso temporal de dois anos; deve-se verificar se os atos os quais geraram a obrigação da qual resulta a desconsideração da personalidade jurídica foram praticados quando o sócio cedente ainda pertencia à sociedade.
O entendimento acima acaba por trazer uma situação de justiça em relação às obrigações do ex-sócio que se retira da sociedade em nada contribui para que seja gerada obrigação oriunda de inadimplemento de obrigações por parte da sociedade, não ocasionando, em consequência, qualquer penalidade à pessoa física para a constituição de novas sociedades empresárias e demais obrigações em seu nome.
[1]Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
II – as sociedades;
[2]Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
[3]Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
[4]Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.
Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.