Instituída em 2011 como obrigatória, desde 2015 a Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB) é disciplinada como alternativa à Contribuição Previdenciária sobre Folha de Salários, ficando popularmente conhecida como “desoneração da folha”.
A opção por uma das duas formas de apuração cabe ao contribuinte e deve ser exercida no mês de janeiro, vinculando-o, de modo irretratável, até o final do respectivo ano-calendário.
Há algum tempo, contudo, o fim da CPRB vem sendo cogitado pelo Presidente Michel Temer. Chegou, inclusive, a ser objeto da Medida Provisória 774/17, mas a pressão dos setores afetados e as sucessivas decisões judiciais favoráveis aos contribuintes acabaram por forçar a sua revogação.
A Paralisação dos Caminhoneiros, deflagrada no último dia 21, renovou o fôlego para discussão da iniciativa, a ponto do Governo Federal, para atender às reivindicações do setor de transporte rodoviário de carga, em especial a redução da CIDE sobre o diesel, enxergar a reoneração como contrapartida orçamentária interessante.
Sobre o tema, o Ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, chegou a declarar à imprensa[1] que o que o governo deixará de arrecadar com a Cide será compensado com os setores que serão reonerados.
Nestes termos, selado o acordo com a Câmara e o Senado, foi publicada, no dia 30.05.2018, a Lei 13.670. Referida norma estabelece, como regra geral, que o ano de 2020 será o último em que se facultará ao contribuinte recolher a contribuição previdenciária sobre a receita bruta. Há que se ter cuidado, contudo, com as exceções.
É que, em seu artigo 12, II, a “Lei da Reoneração” revoga dispositivos da Lei 12.546/11, que instituiu e regula a CPRB. Tal modificação, na prática, obriga, a partir de 01.09.2018, que diversos setores econômicos, como os de transporte ferroviário de cargas, transporte aéreo e marítimo, manutenção e reparação de aeronaves e embarcações, hoteleiro, além de alguns ramos da indústria e o comércio varejista de determinadas categorias voltem a recolher a contribuição previdenciária sobre a folha de salários.
A previsão de observância da anterioridade nonagesimal, que impede a cobrança de contribuições antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que as instituiu ou modificou (artigo 195, § 6º, da Constituição Federal), contudo, não parece ser suficiente para validar a alteração legislativa em comentário, ao menos no que se refere ao ano de 2018.
Isso porque, a Lei 12.546/11 define, por meio do artigo 9º, § 13, que a opção pela CPRB será anual e irretratável para todo o ano calendário.
Assim, as pessoas jurídicas dos setores descritos que exerceram corretamente o seu direito de opção pelo regime de apuração da CPRB para todo o ano-calendário de 2018, realizando o seu planejamento orçamentário anual também levando em consideração esse fator, foram surpreendidas com a publicação da Lei 13.670/18, que, arbitrariamente, revogou esse regime de apuração em relação às atividades por elas exercidas, com efeitos a partir de 01.09.2018.
As mudanças trazidas pelo artigo 12, II, da Lei 13.670/18, violam, assim, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, protegidos pelo inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, de quem optou por se manter em um regime de apuração de contribuição previdenciária, dito irretratável, até o final do ano-calendário corrente.
Fato é que, quando a Lei nº. 12.546/11 estabeleceu que a opção pelo regime de apuração da CPRB se estenderia por todo o ano-calendário, inclusive, o de 2018, diversas empresas a exerceram, confiando na estabilidade mínima de validade dos efeitos dessa escolha. Como contribuintes de boa-fé, confiaram na norma posta e atuaram segundo os seus ditames, programando as suas atividades econômicas para o formato escolhido.
No popular, entraram no jogo conhecendo as regras do jogo e confiando que essas regras prevaleceriam até o seu termo final (dezembro/2018). E, frise-se, isso é o mínimo que se espera de um país que possui em seu ordenamento jurídico a figura da segurança jurídica como princípio e a consequente manifestação da estabilidade das relações jurídicas firmadas, sejam estas entre particulares ou entre entes públicos e particulares.
Não é outro o entendimento de juristas como Heleno Taveira Torres[2] e Humberto Ávila[3], que elencam, ao menos, três aspectos protegidos pelo princípio da segurança jurídica, quais sejam: certeza jurídica ou cognoscibilidade, estabilidade do ordenamento jurídico ou calculabilidade e confiança na efetividade dos direitos e liberdades fundamentais ou, simplesmente, confiabilidade.
Sendo assim, observa-se que, de uma só vez, a edição da Lei 13.670/18, em especial de seu artigo 12, II, rompe com esses três aspectos protegidos pela segurança jurídica. Aliás, de uma só vez ela rompe com a segurança em que se pautaram as empresas no exercício legal do seu direito de opção; com a boa-fé por elas demonstradas ao cumprir o disposto em norma posta e planejar o adimplemento de suas obrigações tributárias anuais; e com a proteção da confiança que deveria haver entre elas e o ente público com o qual “acordou”, mediante lei, a realização da apuração da referida contribuição.
Neste contexto, tal qual ocorreu quando da publicação da MP 774/2017, recairá sobre o Poder Judiciário a responsabilidade de fazer valer o texto constitucional, determinando que a alteração do regime só pode ser admitida como válida a partir de janeiro de 2019.
[1] http://www.valor.com.br/brasil/5542095/governo-condiciona-fim-da-cide-sobre-diesel-ao-projeto-de-reoneracao
[2] TORRES. Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012. P.192.
[3] ÁVILA. Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização do direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 250/256.