Artigo: Resolução OE n°16/2025 do TJ/RJ


Resolução OE n° 16/2025 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: A modernização que distancia a justiça do cidadão.

Por Renato Ayres Martins de Oliveira

Na tentativa de modernizar e agilizar o andamento de processos cíveis, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro aprovou, em 26 de maio de 2025, a Resolução OE nº 16/2025. A medida altera de maneira significativa o critério de competência das Varas Cíveis da Comarca da Capital ao estabelecer que todas elas — tanto do Fórum Central quanto dos Fóruns Regionais — passam a ter competência idêntica, o que, na prática, significa que ações judiciais serão distribuídas de forma aleatória, sem considerar o endereço das partes envolvidas.

Embora a resolução seja justificada com base na busca por uma “prestação jurisdicional célere e eficiente” e no ideal de uma “modernização da Justiça fluminense”, sua adoção levanta sérias preocupações, sobretudo no que tange à efetividade do acesso à justiça e ao impacto desproporcional sobre os escritórios de advocacia, sobretudo os de menor porte.

  1. Desconsideração do critério de territorialidade: o acesso à justiça prejudicado

A principal crítica à medida reside no abandono do critério funcional-territorial que, até então, vinculava as ações cíveis aos foros regionais com base na proximidade entre as partes e o juízo, uma vez que a Resolução rompe com a lógica territorial que norteava a distribuição de ações no Estado do Rio de Janeiro.

Até então, os foros regionais serviam justamente para aproximar a Justiça do cidadão, permitindo que causas fossem processadas em varas próximas ao domicílio das partes ou ao local dos fatos. A nova sistemática ignora por completo a realidade prática dos jurisdicionados e dos advogados, especialmente em uma metrópole como o Rio de Janeiro, marcada por desigualdades sociais, dificuldades de mobilidade urbana e grandes distâncias geográficas entre as diversas zonas da cidade.

Na prática, a aleatoriedade na distribuição pode resultar, por exemplo, em casos de moradores de Santa Cruz sendo obrigados a comparecer ao Fórum do Méier, e vice-versa, a dezenas de quilômetros de distância de suas residências, para participação de audiências presenciais, o que implica deslocamentos custosos e demorados.

Ainda que a resolução preveja a possibilidade de audiências híbridas em casos de “impossibilidade comprovada de deslocamento”, esta solução é vaga, burocrática e coloca nas mãos do jurisdicionado o ônus de comprovar uma dificuldade que, em muitos casos, deveria ser presumida.

  1. Impacto desproporcional sobre os escritórios de advocacia

Outro efeito colateral grave da medida recai sobre os escritórios de advocacia, sobretudo os de pequeno porte, que representam a esmagadora maioria da advocacia nacional. Diferentemente das grandes bancas, esses profissionais muitas vezes não possuem estrutura física, pessoal e logística para atender simultaneamente audiências em locais distintos e distantes da cidade.

Com a aleatoriedade imposta pela nova resolução, aumenta-se significativamente a possibilidade de audiências designadas para o mesmo dia em fóruns diferentes, dificultando ou mesmo inviabilizando a presença do advogado, além de comprometer o atendimento adequado ao cliente e os custos do patrocínio da causa. Essa desorganização impacta a qualidade da defesa técnica e coloca em risco o contraditório e a ampla defesa — pilares do devido processo legal.

Além disso, a adoção de sistemas híbridos de participação, embora representem avanço tecnológico, não são panacéia. Nem todo escritório é dotado de infraestrutura adequada para esse modelo (como salas de audiência virtuais, câmeras de qualidade e internet estável), e a própria clientela, em muitos casos, não possui a familiaridade necessária com o meio digital.

  1. A busca por eficiência em detrimento da equidade

Embora a justificativa da resolução fundamente-se nos princípios da celeridade e eficiência (arts. 5º, LXXVIII, e 37, caput, da CF), há que se lembrar que a eficiência não pode ser buscada em detrimento de outros princípios constitucionais igualmente relevantes, como o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF) e a isonomia entre as partes.

A prestação jurisdicional célere só é útil se for efetivamente acessível. Do contrário, cria-se um sistema que privilegia o julgamento mais rápido, porém mais excludente e injusto — algo que contraria o próprio espírito do processo civil democrático e cooperativo consagrado pelo CPC/2015.

É importante lembrar que o acesso à Justiça não se limita à existência de tribunais e processos. Ele também passa pela possibilidade real de participação das partes, pela proximidade dos fóruns e pela capacidade de o sistema dialogar com as realidades locais.

  1. Retrocesso disfarçado de modernização

Em nome de uma suposta modernização administrativa e de uma hipotética equidade na distribuição processual, a Resolução OE n° 16/2025 resulta em um verdadeiro retrocesso no acesso territorial à justiça, prejudicando tanto os jurisdicionados como os advogados que neles depositam sua confiança.

Ao equiparar as competências das varas cíveis da comarca da capital e dos diversos fóruns regionais, mediante a instituição da distribuição aleatória dos processos, o TJRJ parece ter adotado uma medida tecnicamente moderna, mas socialmente excludente. A Resolução OE n° 16/2025 pode facilitar o fluxo de trabalho nos gabinetes, mas dificulta a vida do cidadão e do advogado na ponta, especialmente os mais vulneráveis.

A medida, ao uniformizar a competência entre foros com realidades muito distintas, ignora que a Justiça também é um serviço público que deve ser próximo do cidadão, acessível em termos práticos, e sensível à realidade dos operadores do direito.

A Justiça não pode se tornar um sistema onde o critério principal de julgamento é o endereço que a sorte escolheu. Modernizar não é afastar. Democratizar não é uniformizar à força.

Do jeito que está, a Resolução serve menos à Justiça que ao sistema, e em vez de promover o acesso universal ao Judiciário, a Resolução acaba fortalecendo barreiras que ela mesma alega querer derrubar.