O dano moral e a sua prescrição gradual sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça


Com o advento da Constituição Federal de 1988, os direitos da personalidade foram elevados a fundamento da República Federativa do Brasil, como se infere da leitura dos artigos 1º, III[1] e 5º, V e X[2], todos da Carta Magna.

Portanto, havendo elementos que evidenciem a lesão aos direitos de personalidade, tais como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, restará configurado o dano moral e a consequente necessidade de reparação por quem os tenha causado.

O Código Civil de 1916, em seu artigo 159[3], já garantia o direito à reparação de dano oriunda da responsabilidade civil, mas não trazia em sua letra, de maneira expressa, o dano moral, o que provocava discussão quanto ao seu cabimento, uma vez que não positivado em lei.

Gradualmente o entendimento doutrinário e jurisprudencial admitiu a reparação do dano moral, sendo a Constituição Federal de 1988, conforme já demonstrado acima, a pá-de-cal quanto à positivação do instituto.

Posteriormente, o Código Civil de 2002, atualmente vigente, trouxe em seu artigo 186[4] a positivação do dano moral, trazendo a lacuna legislativa quanto à positivação do instituto na Lei Civil, muito embora já houvesse sua ampla aplicação no mundo jurídico. E não apenas isso: destacou a independência do dano moral em relação aos outros tipos, podendo este ser reparado independentemente da existência de danos de outras naturezas.

Assim como toda a pretensão a ser deduzida por meio de ação, aquela que visa a reparação dos danos morais possui um prazo para que se exerça este direito de ação, o que chamamos de prescrição.

Consagrou-se, durante a vigência do Código Civil de 1916, o prazo vintenário para a propositura das ações de reparações de danos morais. Porém, como advento do Código Civil de 2002, este prazo foi reduzido para 03 (três) anos, seguindo uma sistemática de redução dos prazos para o exercício do direito de ação, aplicando-se uma regra de transição conforme o tempo decorrido até a entrada em vigor do Código em questão[5].

Todos conhecemos o jargão popular de que “só o tempo cura” quando estamos diante de uma situação em que experimentamos a dor da perda, do sofrimento, da humilhação. Durante muitos anos, e isso se explicava pelo amplo prazo prescricional que se tinha para intentar a ação judicial para a reparação de danos morais, tal jargão foi utilizado nos julgamentos afetos ao dano moral para mitigá-lo ou mesmo afastá-lo, tendo em vista que o tempo seria um fator de atenuação do sofrimento experimentado pelo ato ilícito causado por outrem.

Na prática, alguém que demandasse o causador de pretenso dano moral em dez, quinze, dezenove anos após o cometimento do ato ilícito, invocava a atenuante constante no jargão popular descrito acima para amenizar ou mesmo afastar o seu dever de indenizar, sob o argumento de que, passado tanto tempo do evento danoso, este não está mais apto a produzir danos morais, ou que o dano não era tão grande para fazer com que a vítima pensasse em buscar sua reparação, somente o fazendo anos depois. Entendeu-se por chamar esta teoria de “Prescrição Gradual”, em que, em verdade, nada há de prescrição, pois o direito de ação continuava intocado, mas o direito em si poderia ser mitigado e até negado.

Sem querer aqui apreciar a correção ou não da tese acima citada, o fato é que o Código Civil de 2002 reduziu e muito o prazo para o exercício do direito de ação, tornando a tese da “Prescrição Gradual’ esvaziada.

E, exatamente neste sentido, em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do Recurso Especial de nº 1.677.773, manifestou-se através do voto do exmo. Ministro Villas Bôas Cueva. Em seu voto, o Ministro assim destacou:

“3. Na vigência do Código Civil de 1916, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que a demora na busca da reparação do dano moral deveria ser considerada na fixação do valor da indenização. Esse entendimento baseia-se em fatos ocorridos na vigência do Código Civil de 1916 e, portanto, sofreram os influxos do dilatado prazo prescricional vintenário previsto no art. 177 da referida lei substantiva para ajuizamento de pretensões reparatórias.

6. O prazo de 3 (três) anos, aplicável às relações de natureza extracontratual, revela-se extremamente razoável para que o titular de pretensão indenizatória decorrente de falecimento de ente familiar promova a demanda.

7. No atual panorama normativo, o momento em que a ação será proposta, desde que na fluência do prazo prescricional, mostra-se desinfluente para aferição do valor da indenização, tendo em vista o novo prazo prescricional previsto no art. 206, § 3º, V, Código Civil de 2002 (três anos), extremamente reduzido em comparação ao anterior (vintenário).”

Com este entendimento, o Relator afastou a tese do ofensor que entendia que a ação judicial ajuizada no penúltimo dia antes do fim do prazo prescricional levaria ao entendimento de mitigação do sofrimento pela perda de familiar em acidente automobilístico.

Correto o entendimento do Relator, que coaduna com a própria sistemática do Código Civil de 2002 quanto à redução dos prazos para propositura de ações judiciais, salientando, inclusive, que o ordenamento jurídico civil não positivou para tal matéria a prescrição gradual, não podendo, portanto, ser invocada no caso em comento.


[1] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

 

[2]Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 

[3] Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano  A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.521 a 1.532 e 1.542 a 1.553.

 

[4]Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

[5] Art. 206. Prescreve:

  • 3oEm três anos:

V – a pretensão de reparação civil;