Salvos do “Jabuti” Brasileiro Novamente! A intervenção nas Agências Reguladoras e sua incompatibilidade com a Constituição Federal


Por Vitor Hugo Moura de Alcantara

No dia 06/06/2023, foi enviado ao Presidente da República para análise e sanção a MP nº 1.154/2023 (https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documento?dm=9252819&ts=1681999725497&disposition=inline&ts=1681999725497). A referida MP tratou originalmente da organização dos Ministérios no atual Governo Federal.

No curso da sua tramitação, na Câmara dos Deputados, houve uma nova tentativa de interferência nas Agências reguladoras. O chamado “jabuti”[1] brasileiro foi uma emenda aditiva, apresentada pelo Deputado Federal Danilo Forte (União-CE), que almejava realizar alterações na autonomia das agências reguladoras para que a edição de atos normativos das agências fosse: “exercida por meio de Conselhos ligados aos Ministérios e secretarias que atuarão nas funções de regulação, deslegalização e edição de atos normativos infralegais, sendo compostos, na forma da lei, por representantes do Ministério, da Agência, dos setores regulados da atividade econômica, da academia e dos consumidores, aprovados pelo Congresso Nacional”. Logo as Agências não teriam mais a autonomia nas tomadas de suas decisões, pois sempre seria necessária a interação entre os representantes do Ministério, das Agências, dos setores regulados da atividade econômica, da academia e dos consumidores para, conforme expresso na exposição de motivos da emenda: “garantindo o controle e a vigilância de um poder sobre o outro em relação ao cumprimento dos deveres constitucionais”.

As Agências reguladoras foram implementadas com quadros técnicos especializados e diretorias colegiadas para atuar em questões que necessitam de elevado conhecimento técnico ou que possuíssem complexas questões setoriais, econômicas e financeiras a serem dirimidas. Um dos pilares desta atuação está na autonomia decisória, funcional, administrativa e financeira, conforme artigo 3º da Lei 13.848/2019, que se encontrava atacada por esta emenda.

Cabe dizer que as Agências reguladoras têm a sua competência limitada pelo próprio Poder Legislativo, uma vez que sua atuação é definida pelo Congresso Nacional e as agências estão submetidas ao princípio da Legalidade[2]. Ou seja, em nada podem inovar no ordenamento jurídico, cabendo a delegação tão somente para o poder de regulamentação das Agências, a fim de estruturar diretrizes apresentadas pelo Poder Legislativo e as políticas de governo do Poder Executivo. Trata-se do fenômeno da Deslegalização, pois as agências detêm tão somente poder normativo e não poder de legislar.

Ao contrário da pretensão da emenda aditiva apresentada pela Deputado Federal Danilo Forte, a criação das Agências visava conferir a segurança jurídica às decisões regulatórias setoriais, buscava possibilitar a emissão de decisões técnicas e especializadas para cada setor regulado e impedir a influência político-partidária.

Por fim, vale notar que o próprio Relator, Dep. Isnaldo Bulhões Jr., sugeriu a rejeição da emenda; pois considerou que o texto não guarda relação com a matéria tratada pela Medida Provisória, sendo, portanto, inconstitucional, conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 5.127/DF[3] em que são permitidas emendas ao texto legislativo, desde que, seu texto detenha afinidade temática com o texto principal.

Ao nosso ver, é latente a incompatibilidade formal e material com a Constituição Federal de 1988.  Caso a referida emenda fosse aprovada e implementada, apesar de todo o histórico de avanços que obtivemos no campo da regulação e da segurança jurídica, teríamos um cenário de retrocesso e o iminente enfraquecimento das agências reguladoras quanto à sua autonomia decisória. As Agências estariam ainda mais expostas aos fortes lobbys e as influências das decisões políticos partidárias, diferentemente do que ocorreu com a Anvisa no período da pandemia e na sua posição firme quanto a necessidade de aplicação das vacinas à população.  Um ponto positivo, mas ainda discutível diante da ausência de esclarecimentos na emenda, seria a maior participação de setores da sociedade nas decisões tomadas pelas agências reguladoras. Ao contrário do que ocorre atualmente, as consultas e audiências públicas não vinculam a decisão das Agências reguladoras.

Entendemos que a discussão sobre a autonomia das Agências reguladoras voltou à tona após as divergências de política econômica entre o Banco Central e o Governo Federal, razão que explicaria o enxerto pretendido com a emenda. A referida tentativa legislativa nos sinaliza que a autonomia das Agências Reguladora permanece sobre constante ameaça.

Diante deste cenário, agentes que atuam no B2C ou B2B ou que são usuários dos serviços regulados (Bacen, Anatel, Aneel, Anac, ANS, Antac etc.) estão submetidos a órgãos autônomos e com quadros técnicos para a tomada de decisão. Esta condição exige do agente regulado uma assessoria jurídica especializada que garanta a assistência prévia e a defesa adequada perante as exigências regulatórias e as penalidades aplicadas pelo poder de polícia das Agências Reguladoras.

[1] https://www.infomoney.com.br/politica/congresso-pode-usar-jabuti-para-rediscutir-papel-de-agencias-reguladoras-mercado-ve-risco-de-politizacao/

[2] STF, ADIs 1.668/DF e ADI 4.874/DF.

[3] Conforme trecho do voto do Ministro Edson Fachin “(…) 8. Assim qualificado o poder de emenda, anoto que a alteração da proposta legislativa sujeita a cláusula de reserva de iniciativa somente se legitima quando a modificação proposta – seja para ampliar, restringir, adequar ou adaptar o alcance do texto original –, guarda com ele estrita relação de afinidade temática.”