Impedimento do consumidor ir a juízo se voluntariamente aderiu a cláusula de arbitragem

Arbitragem


Muito se discute no meio jurídico sobre a validade das cláusulas arbitrais inseridas nos contratos que regulam relações de consumo, mais ainda quando se trata de contratos de adesão.

Sabemos da necessária proteção e defesa, inclusive prevista constitucionalmente[1], do consumidor e sua presumida hipossuficiência[2] econômica e técnica em relação aos prestadores de produtos e serviços, materializada em diversos artigos do Código de Defesa do Consumidor.

Talvez a mais importante delas consista na interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor, prevista expressamente no artigo 47 da Lei Federal 8.078/90, que assim versa:

“Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, o artigo anterior (46) expressamente desobriga o consumidor das cláusulas contratuais das quais não foi oportunizado conhecer do seu conteúdo, ou se de difícil compreensão, nos seguintes termos:

“Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”

Durante muitos anos, viu-se quaisquer formas de solução alterativas de conflitos como procedimentos que dificultavam a defesa dos direitos do consumidor, sendo o único caminho a judicialização dos conflitos entre consumidores e fornecedores.

Assim – e, particularmente neste artigo, trataremos desta modalidade alternativa de solução de conflitos – a cláusula arbitral nos contratos de consumo foi tratada como cláusula nula, pois colocaria o consumidor em desvantagem excessiva em relação ao fornecedor em todas as situações em que estaria presente.

É bem verdade que nos contratos de adesão, em que o consumidor pouco ou nada pode opinar quanto às condições colocadas, mas tão somente optar por celebrar o contrato ou não, a incidência da nulidade tende a ser muito maior ante a imposição que ele representa.

E, na prática, era o que víamos em demandas que versavam sobre contratos que possuíam a cláusula compromissória arbitral. Invariavelmente, os pedidos formulados já continham a nulidade da cláusula arbitral simplesmente porque, no entendimento ali manifestado, já se trataria de condição abusiva a ensejar a impossibilidade da defesa dos direitos do consumidor.

Entretanto, não se pode, apenas pelo fato de existir a cláusula que prevê a solução de conflitos oriundos do contrato pela via da arbitragem, peremptoriamente taxá-la de abusiva, ilegal e nula de pleno direito, se dela conheceu e concordou o consumidor quando da assinatura do contrato.

Mais ainda: quando o consumidor aceita e participa do início do procedimento arbitral, aduzindo sua nulidade em processo judicial após estes fatos, demonstrando mínima aquiescência à cláusula compromissória de arbitragem.

Partindo desta premissa, a questão chegou até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) através do Recurso Especial nº 1.742.547, cuja relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi.

O caso em comento versava sobre demanda extinta sem resolução do mérito, na forma do inciso VII do artigo 485 do Código de Processo Civil[3], sendo esta mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG).

No Recurso Especial, que manteve as decisões anteriores, alegava-se a nulidade da cláusula compromissória por se tratar, no caso, de um contrato de adesão.

Em seu voto, a Ministra Nancy Andrighi destacou que “na hipótese dos autos, percebe-se claramente que os recorrentes aceitaram sua participação no procedimento arbitral, com a assinatura posterior do termo de compromisso arbitral, fazendo-se representarem com advogados de alta qualidade perante à câmara de arbitragem”.

Prosseguiu a Ministra aduzindo que “em vista da celebração de termo compromissório posterior ao contrato de compra e venda e, além disso, participaram ativamente do procedimento arbitral. Os supostos fatos novos deduzidos pela recorrente no curso da arbitragem não permitem que se afaste a jurisdição arbitral sobre a resolução do litígio instaurado entre as partes.”

Não se pode, portanto, ter como abusiva e ilegal, e consequente nula “de pleno direito”, a simples existência de cláusula compromissória arbitral. É necessário que se demonstre a efetiva imposição por parte do fornecedor nos contratos de consumo para que sejam então declaradas nulas.

 


[1] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

V – defesa do consumidor;

[2] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

[3]Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência;


Adesão voluntária à arbitragem impede consumidor de buscar Judiciário para resolver conflito em contrato de adesão

Arbitragem


​​​A cláusula compromissória, que determina a solução de conflitos por meio de arbitragem, é nula quando imposta ao consumidor. No entanto, é possível a instauração de procedimento arbitral em relações de consumo, mesmo no caso de contrato de adesão, se houver a concordância posterior das partes com esse mecanismo de solução extrajudicial de conflitos.

Com esse entendimento, a Terceira Turma manteve a extinção de ação indenizatória movida no Poder Judiciário por compradores de imóvel que alegam descumprimento contratual por parte da construtora.

Em primeira instância, a ação de indenização por danos materiais e morais foi julgada extinta, sem julgamento de mérito, com fundamento no artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil de 1973, tendo em vista a instauração de procedimento arbitral para dirimir a mesma controvérsia.

Os compradores alegaram que o compromisso arbitral seria nulo, por se tratar de um contrato de adesão (cujas cláusulas não podem ser negociadas pelo consumidor), mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a sentença, considerando que o termo que submeteu o litígio à arbitragem foi assinado posteriormente ao contrato de compra e venda do imóvel.

Compromisso au​​tônomo

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, ressaltou que o artigo 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem no momento da celebração do contrato, mas não impede que posteriormente, diante do litígio, havendo consenso entre as partes – em especial a aquiescência do consumidor –, seja instaurado o procedimento arbitral.

Segundo a relatora, é possível a utilização da arbitragem para a resolução de litígios originados de relação de consumo, desde que não haja imposição pelo fornecedor, ou quando a iniciativa da instauração do procedimento arbitral for do consumidor, ou, ainda, sendo a iniciativa do fornecedor, se o consumidor vier a concordar com ela expressamente.

Nancy Andrighi esclareceu que, no caso em julgamento, os consumidores celebraram, de forma autônoma em relação ao contrato de compra do imóvel, um termo de compromisso, e participaram ativamente do procedimento arbitral.

“Percebe-se claramente que os recorrentes aceitaram sua participação no procedimento arbitral, com a assinatura posterior do termo de compromisso arbitral, fazendo-se representar por advogados de alta qualidade perante a câmara de arbitragem”, comentou a ministra ao negar provimento ao recurso dos consumidores.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1742547

Fonte: STJ


Cláusula Arbitral: Preferência do Tribunal arbitral ao Poder Judiciário para definir seu alcance

Arbitragem


O Brasil é um dos países em que mais se litiga judicialmente, estando em tramitação em nossos tribunais milhões de processos judiciais. Nossa cultura leva, invariavelmente, à solução das desavenças por meio do ajuizamento de uma ação judicial, fato este devido pela prática e desenvolvimento do processo civil ao longo dos anos.

A Arbitragem, um dos métodos de resolução de conflitos, recebeu sua regulamentação no ordenamento jurídico através da Lei Federal 9.307/96[1]. Antes disso, merece destaque a existência da figura do árbitro no Código Civil de 1916[2], quando este tratava do Pagamento Indevido e das formas de adimplemento e solução das demandas que dele advinham, na modalidade de Compromisso[3].

Em 2015, a Lei de Arbitragem passou por uma reforma instituída pela Lei Federal 13.129/2015, que coincide com o momento de publicação do Novo Código de Processo Civil (Lei Federal 13.105/2015), que trouxe inovações calcadas principalmente na cooperação entre os órgãos, como, por exemplo, as contidas no artigo 237, IV, da Lei de Ritos, que assim dispõe:

“Art. 237. Será expedida carta:

IV – arbitral, para que órgão do Poder Judiciário pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato objeto de pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral, inclusive os que importem efetivação de tutela provisória.”

Há, portanto, clara evolução do procedimento arbitral como forma de solução de conflitos, tendo sua instrumentalidade sido otimizada pela própria reforma processual, ganhando ainda mais autonomia e relevância.

Por tal motivo, e igualmente para que se entenda pela plena eficácia do procedimento arbitral e sua autonomia, quando se trata de definição da abrangência e alcance das cláusulas arbitrais, o árbitro deve ter precedência ao Poder Judiciário para fazê-lo. Esse, aliás, é o que determina o parágrafo único do artigo 8º da Lei Federal 9.307/96. Vejamos:

“Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.

Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

Com base na aplicação do artigo acima citado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) emanou entendimento de que o Tribunal Arbitral possui preferência lógico-temporal em relação ao Poder Judiciário para interpretação dos limites e do alcance do compromisso arbitral.

A questão aqui posta foi analisada pela Terceira Turma do STJ, através do julgamento do Recurso Especial de nº 1.656.643, cuja relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi.

No caso concreto, havia a insurgência de uma das partes quanto ao alcance da convenção arbitral, que não havia previsto ser aplicável para dirimir o ponto dito principal no processo judicial, de forma que não poderia ser retirada do Poder Judiciário a competência para dirimir a questão.

Em seu voto, destacou a ministra relatora que seria possível discutir se ‘prêmio’ seria o mesmo que ‘preço’ para a incidência ou não do compromisso. Contudo, o Tribunal de origem já interpretou essa cláusula e afirmou que existe uma dubiedade em sua redação, o que remete à necessidade do Tribunal Arbitral resolver as ambiguidades e fixar a extensão do compromisso”.

Ressaltou ainda a relatora que “a fixação do alcance da cláusula compromissória está incluída no princípio competência-competência, devendo ser conferida preferência lógico-temporal ao tribunal arbitral para a interpretação quanto aos legítimos limites do compromisso arbitral”.

Por fim, salientou a Ministra Nancy Andrighi que “o STJ admite afastar a regra da competência-competência apenas em situações muito extremas, em que sejam detectadas cláusulas ‘patológicas’”.

Nota-se que o Julgado em comento efetivou e priorizou a prevalência da competência do Juízo Arbitral para analisar e decidir pelo alcance e abrangência da interpretação da cláusula arbitral, o que contribui diretamente para a autonomia e validade do procedimento alternativo.

Lembra-se que a Arbitragem se reveste em um moderno e eficiente procedimento para a solução de conflitos, em que a participação das partes é ainda mais destacada em relação aos processos judiciais.

Salutar, portanto, o reconhecimento da autonomia e da competência do Juízo Arbitral para a fixação do alcance das cláusulas existentes na Arbitragem.


[1] Lei Federal 9.307, de 23 de setembro de 1996 – Dispões sobre a Arbitragem

[2] Título II – Capítulo II – Seção VII – Capítulo X – arts. 1.037 à 1.042

[3] Art. 1.037. As pessoas capazes de contratar poderão, em qualquer tempo, louvar-se, mediante compromisso escrito, em árbitros, que lhes resolvam as pendências judiciais, ou extrajudiciais.