Terceira Turma mantém indenização de danos morais a criança que tomou iogurte com inseto

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação em danos morais imposta a uma fabricante de iogurte depois que uma consumidora de quatro anos ingeriu parte do produto contaminado pela presença de um inseto na embalagem. O colegiado reafirmou a jurisprudência segundo a qual os danos morais são devidos em razão da ofensa ao direito à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
Condenada em primeiro e segundo graus na Justiça de São Paulo a pagar R$ 5 mil de indenização, a empresa recorreu ao STJ alegando que não estaria demonstrado o nexo de causalidade entre o defeito do produto e o suposto dano moral experimentado pela consumidora.
Dever legal
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que a jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que há dano moral na hipótese em que o produto alimentício é consumido – ainda que parcialmente – em condições impróprias, especialmente quando apresenta situação de insalubridade, oferecendo risco à saúde ou à incolumidade física.
Segundo a ministra, a sistemática do Código de Defesa do Consumidor (CDC) protege o consumidor contra produtos que possam comprometer sua segurança por trazer risco à saúde, integridade física ou psíquica, conforme estabelece o artigo 8° da lei.
“Existe um dever legal, imposto ao fornecedor, de evitar que a saúde ou segurança do consumidor sejam colocadas sob risco”, disse a relatora. Ela ressaltou que é desse dever que decorre a responsabilidade de reparar o dano causado ao consumidor por defeito do produto, conforme o artigo 12 do CDC.
Grave risco
No caso em análise, Nancy Andrighi destacou que o consumidor foi exposto a grave risco – o que caracteriza o defeito do produto, sendo desnecessário, para a configuração do dano, investigar a existência de nexo de causalidade entre a ingestão do iogurte e a alegada contaminação alimentar.
A ministra observou que a Terceira Turma tem entendido que, no caso de alimentos, esse risco ocorre ainda que não haja a ingestão do produto contaminado.
De acordo com a relatora, a jurisprudência do tribunal, incorporando a doutrina desenvolvida sobre a natureza jurídica do dano moral, conclui pela possibilidade de compensação independentemente da demonstração de dor, “traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano”.
“Assim, uma vez verificada a ocorrência de defeito no produto, a afastar a incidência exclusiva do artigo 18 do CDC à espécie (o qual permite a reparação do prejuízo material experimentado), inafastável é o dever do fornecedor de reparar também o dano extrapatrimonial causado ao consumidor, fruto da exposição de sua saúde e segurança a risco concreto”, concluiu.
Leia o acórdão.
Ajuizamento de segunda ação pelo devedor para questionar o débito não afeta prazo prescricional

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial de uma clínica para declarar prescrita a cédula de crédito comercial da qual era devedora, ao entendimento de que, após o ajuizamento de uma ação anulatória em 2000 e de outra em 2011, não houve a interrupção do prazo prescricional pela última ação, tendo transcorrido o prazo para o banco credor cobrar a dívida.
O recurso teve origem na segunda ação ajuizada pela recorrente, na qual pleiteou a declaração da prescrição da pretensão de cobrança de dívida documentada em cédula de crédito comercial, já que, após o vencimento do título, o banco não exigiu seu pagamento. A primeira ação anulatória foi proposta em fevereiro de 2000, tendo a sentença de improcedência transitado em julgado em março de 2008.
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido da segunda ação, e a apelação foi negada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o qual entendeu não ter havido prescrição, pois, ainda que a primeira ação tenha interrompido o prazo, a segunda também o fez.
Interrupção do prazo
A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que a jurisprudência da corte se firmou no sentido de que, não se tratando de execução (cujo prazo é trienal), a prescrição da pretensão do credor em ação de cobrança de título de crédito está sujeita ao prazo de 20 anos das ações pessoais, na vigência do Código Civil de 1916 – prazo reduzido para cinco anos no código de 2002.
Segundo a relatora, a jurisprudência considera que a propositura de demanda judicial pelo devedor – seja anulatória, seja de sustação de protesto –, que importe em impugnação do débito contratual ou de cártula representativa do direito do credor, é causa interruptiva da prescrição.
“Na hipótese em julgamento, portanto, mesmo que a ação tenha sido proposta pela devedora, ora recorrente, percebe-se que ela tem o condão de interromper o prazo prescricional”, ressaltou.
Reinício
A ministra lembrou que, no caso de interrupção do prazo prescricional por propositura de ação judicial, a legislação é expressa ao dispor que o reinício da contagem ocorre após o encerramento do processo, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 202 do Código Civil.
No mesmo dispositivo, afirmou a relatora, está expresso que a interrupção da prescrição se dá apenas uma vez. Citando, entre outros, os juristas Maria Helena Diniz e Humberto Teodoro Júnior, a ministra destacou que “a doutrina é uníssona ao afirmar que a interrupção somente ocorre uma única vez para determinado prazo prescricional”.
Para ela, reconhecida a interrupção da prescrição em fevereiro de 2000, quando a primeira ação foi ajuizada, é impossível ocorrer uma segunda interrupção, com o ajuizamento da segunda ação em dezembro de 2011, “ainda mais por se tratar da mesma causa interruptiva”.
Unicidade da interrupção
No caso julgado, a relatora verificou que a cédula de crédito comercial firmada entre as partes venceu em agosto de 2000, porém, no mesmo ano, a recorrente ajuizou ação anulatória cuja sentença de improcedência transitou em julgado em março de 2008.
“A partir desse momento, reiniciou-se a contagem do prazo prescricional de cinco anos, não tendo, todavia, transcorrido por inteiro o prazo até o ajuizamento da presente demanda, em 2011. Contudo, como discutido acima, essa nova lide é incapaz de interromper mais uma vez o decurso do prazo prescricional da cédula de crédito comercial”, disse.
Em conclusão, observou a ministra, a prescrição para a cobrança do título em discussão reiniciou-se com o trânsito em julgado da primeira demanda (março de 2008) e, sem ser interrompida novamente em dezembro de 2011, transcorreu em 2013.
Leia o acórdão.
Árbitro tem precedência sobre Judiciário para fixar alcance de cláusula arbitral

Como fruto do princípio competência-competência, aplicável aos procedimentos de arbitragem, o tribunal arbitral possui preferência lógico-temporal em relação ao Poder Judiciário para a interpretação dos limites e do alcance do compromisso arbitral. Nesses casos, ao Judiciário é reservada a manifestação apenas quando forem detectadas cláusulas arbitrais consideradas “patológicas”, que possam gerar a nulidade do compromisso em parte ou no todo.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao manter acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que reconheceu a existência de cláusula compromissória e a precedência cronológica do tribunal arbitral para se manifestar quanto à sua própria competência.
Ao acolher o agravo de uma das empresas integrantes do processo, o TJRJ citou precedentes no STJ no sentido da hierarquia cronológica entre o árbitro e o juiz togado, com a consequente atribuição ao árbitro para decidir, em primeiro lugar, a respeito de sua competência para conhecer de determinada controvérsia.
Por meio de recurso especial, a outra empresa envolvida no litígio alegou que as partes não firmaram convenção arbitral para dirimir questões sobre o ponto principal trazido ao processo – o pagamento de prêmio em contrato de aquisição de um prédio –, de forma que não poderia ser retirado do Judiciário o poder de decidir sobre o tema.
Precedência
A ministra Nancy Andrighi, relatora, afirmou que, como efeito do princípio competência-competência, previsto no artigo 8º da Lei 9.307/1996, a legislação brasileira estabelece uma precedência temporal ao procedimento arbitral, permitindo que os processos sejam levados ao Judiciário somente após a edição de sentença arbitral.
No caso dos autos, a relatora destacou que a empresa recorrente aponta que as questões relativas ao prêmio não seriam arbitráveis, por ausência de previsão no contrato de arbitragem. Todavia, Nancy Andrighi lembrou que o TJRJ sinalizou que uma das cláusulas do contrato arbitral prevê a não incidência do compromisso em relação ao pagamento de “preço”, não de “prêmio”. Em virtude dessa dubiedade, a corte fluminense entendeu que caberia ao tribunal arbitral resolver tais ambiguidades e fixar a extensão de sua competência.
“Ressalte-se que a fixação do alcance da cláusula compromissória está incluída no princípio competência-competência, devendo ser conferida preferência lógico-temporal ao tribunal arbitral para a interpretação quanto aos legítimos limites do compromisso arbitral”, disse a ministra.
Segundo Nancy Andrighi, o STJ tem admitido afastar a regra da competência-competência somente em situações muito extremas, como nos casos de detecção de cláusulas “patológicas” – por exemplo, diante de ilegalidade do compromisso arbitral.
“Nesse contexto, o princípio competência-competência é um mecanismo para garantir os plenos efeitos à cláusula compromissória. Isso somente poderá ser alcançado se o tribunal arbitral se manifestar acerca do litígio que lhe for submetido”, concluiu a ministra ao manter o acórdão do TJRJ.
Leia o acórdão.
Fonte: STJ
Roubo em estacionamento aberto e de livre acesso não gera responsabilidade para o comerciante

O estabelecimento comercial não pode ser responsabilizado pelos prejuízos decorrentes de assalto à mão armada ocorrido em seu estacionamento quando este representa mera comodidade aos consumidores e está situado em área aberta, gratuita e de livre acesso. Em tais situações, o roubo é fato de terceiro que exclui a responsabilidade da empresa, por se tratar de fortuito externo.
Com esse entendimento, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a embargos de divergência e pacificou o tema no tribunal, tendo em vista decisões divergentes nas duas turmas de direito privado.
Segundo o processo, o roubo da moto e de pertences pessoais de um consumidor ocorreu no estacionamento gratuito e aberto de uma lanchonete. Ele buscou ser indenizado pelo prejuízo, mas o pedido foi rejeitado em primeira instância.
O Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento à apelação para condenar a lanchonete ao pagamento de danos materiais, aplicando a Súmula 130 do STJ. Ao julgar o recurso especial, a Terceira Turma, por maioria, afastou a aplicação da súmula.
O consumidor entrou com embargos de divergência, citando julgado da Quarta Turma que havia reconhecido a responsabilidade civil da mesma empresa em situação semelhante.
Área aberta
Para a ministra Isabel Gallotti, relatora dos embargos, não é possível responsabilizar a lanchonete por um roubo que ocorreu em área aberta, sem controle de acesso.
“Entendimento diverso transferiria a responsabilidade pela guarda da coisa – a qual cabe, em princípio, ao respectivo proprietário – e pela segurança pública – incumbência do Estado – para comerciantes em geral, onerando, sem causa legítima e razoável, o custo de suas atividades, em detrimento da atividade econômica nacional”, afirmou a ministra.
Ela reconheceu a existência de decisões em sentido diverso nas turmas de direito privado do tribunal.
Isabel Gallotti ressaltou que “o STJ, conferindo interpretação extensiva à Súmula 130, entende que estabelecimentos comerciais, tais como grandes shoppings centers e hipermercados, ao oferecerem estacionamento, ainda que gratuito, respondem pelos assaltos à mão armada praticados contra os clientes quando, apesar de o estacionamento não ser inerente à natureza do serviço prestado, gera legítima expectativa de segurança ao cliente em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores”.
Entretanto, a relatora disse que tal entendimento não pode ser estendido às hipóteses nas quais o estacionamento representa mera comodidade e é área aberta, gratuita e sem controle de acesso, como no caso dos embargos de divergência apreciados pela Segunda Seção.
Leia o acórdão.
Partilha de direitos sobre imóvel de terceiros depende de participação dos proprietários na ação

Embora seja possível a partilha de direitos e benfeitorias de imóveis construídos em terreno de propriedade de terceiros, é necessário que os proprietários (ou herdeiros) da terra sejam chamados para integrar o processo, especialmente diante da possibilidade de que seus interesses sejam atingidos pela decisão judicial.
Caso não haja a integração dos terceiros ao processo, conforme decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as questões relativas à partilha dos direitos e das benfeitorias realizadas no imóvel não poderão ser analisadas, ressalvando-se a possibilidade de discussão em ação autônoma.
“Tais questões, evidentemente, terão indiscutível repercussão no quantum de uma eventual e futura indenização devida aos ex-conviventes pelo proprietário (na hipótese, espólio ou herdeiros) ou, até mesmo, de indenização devida ao proprietário pelos ex-conviventes, que também por esses motivos deverão participar em contraditório da discussão acerca da partilha de direitos”, apontou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.
Na ação de reconhecimento e dissolução de união estável, o juiz conferiu à ex-companheira metade do patrimônio comum, relativo às benfeitorias que serviram para residência do casal, construída em terreno dos pais do ex-companheiro. A sentença foi mantida em segunda instância.
Herdeiros excluídos
Por meio de recurso especial, o ex-companheiro alegou que seria inadmissível conceder à mulher os direitos sobre o imóvel reformado, mas edificado em terreno de terceiros.
A ministra Nancy Andrighi afirmou que, no caso dos autos, a reforma da casa e a parcial edificação do imóvel ocorreram no período em que as partes mantinham união estável, de modo que se aplicaria a presunção de esforço comum prevista no artigo 5º da Lei 9.278/1996.
Todavia, a relatora destacou que a reforma e a edificação ocorreram sobre terreno que pertencia aos pais do recorrente, falecidos antes do ajuizamento da ação, e que existem outros herdeiros a quem caberia uma parte dos direitos sobre o imóvel.
“A despeito disso, verifica-se que nem o espólio, nem tampouco os herdeiros, foram partes da presente ação em que se pretende partilhar não o bem imóvel de propriedade de terceiros, mas, sim, os eventuais direitos decorrentes das benfeitorias e das acessões que foram realizadas pelos conviventes no bem do terceiro”, disse a ministra.
Boa-fé
Nesse contexto, Nancy Andrighi avaliou que seria necessário examinar, em processo com possibilidade de contraditório com os demais herdeiros, se as benfeitorias e as construções foram realizadas de boa-fé pelos conviventes, hipótese em que lhes caberia indenização, evitando-se o enriquecimento ilícito dos herdeiros.
Além disso, a ministra ressaltou que não se analisou o que foi efetivamente aproveitado da estrutura anterior da residência, inclusive em virtude da chamada acessão inversa, prevista no parágrafo único do artigo 1.255 do Código Civil – segundo o qual, se a construção exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que edificou de boa-fé adquire a propriedade do solo, mediante pagamento de indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.
“Conclui-se, pois, pela violação aos artigos 1.253 e 1.255, ambos do Código Civil de 2002, ante a ausência dos proprietários do bem no processo em que se discutem as benfeitorias e acessões no imóvel de sua titularidade, questão que poderá ser discutida pelas partes nas vias ordinárias e em ação autônoma”, concluiu a ministra ao dar parcial provimento ao recurso do ex-companheiro.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Fonte: STJ
Falta de intimação de advogado com pedido expresso de publicação nos autos impõe novo julgamento

Havendo requerimento expresso do advogado substabelecido no sentido de que sejam publicadas em seu nome as intimações futuras, é nula a intimação realizada quando foi excluído justamente o profissional que solicitou essa providência, por ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
O entendimento foi fixado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento a embargos de divergência para determinar que a Terceira Turma realize novo exame de um recurso especial, por não ter havido a intimação, para a primeira sessão de julgamento que analisou a matéria, do advogado regularmente constituído naquele momento.
No primeiro julgamento, em 2014, a Terceira Turma firmou entendimento no sentido de que a aquisição de produto alimentício contendo corpo estranho no interior da embalagem dá direito à compensação por dano moral, ainda que o conteúdo não tenha sido ingerido, em razão do direito fundamental à alimentação adequada. O entendimento foi recentemente reafirmado pelo colegiado, em maio deste ano.
Ao analisar embargos de declaração que apontavam a nulidade pela ausência de intimação, a turma decidiu que, apesar de efetivamente não ter ocorrido a intimação do novo advogado, não haveria razão para anular o julgamento, já que não se comprovou prejuízo aos novos patronos. Segundo o colegiado, o substabelecimento se deu depois da interposição do recurso especial, quando já tinham sido esgotadas as teses que amparavam a irresignação.
Prejuízo dedutível
O relator dos embargos de divergência, ministro Jorge Mussi, indicou julgados da Corte Especial e dos demais colegiados do STJ segundo os quais, havendo requerimento expresso de publicação exclusiva, é nula a intimação em nome de outro advogado, ainda que conste dos autos instrumento de procuração ou substabelecimento, em virtude do cerceamento de defesa.
Além disso, o ministro destacou que é “dedutível” o prejuízo oriundo da nulidade em uma causa com contornos específicos, como nas ações de dano moral, “onde o causídico que pleiteou a publicação da intimação em seu nome não foi intimado quanto à inclusão em pauta do recurso especial, sendo impedido, por isso, de previamente distribuir memorais e de realizar sustentação oral, esta última prática prevista no ordenamento jurídico, com específicas hipóteses de cabimento, cujo exercício fortalece os princípios da ampla defesa e do devido processo legal”.
Terceira Turma define que prazo de suspensão de execuções na recuperação é contado em dias corridos

O prazo de 180 dias de suspensão das execuções contra a empresa em recuperação judicial – o chamado stay period –, previsto no parágrafo 4º do artigo 6º da Lei 11.101/2005, deve ser contado em dias corridos, mesmo após as novas regras do Código de Processo Civil de 2015.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um banco credor para determinar que o prazo usufruído pela empresa em recuperação seja de 180 dias corridos, reservada ao juízo competente a possibilidade de prorrogação, se necessária.
A decisão unifica a posição do STJ sobre o tema, pois a Quarta Turma já havia se manifestado no mesmo sentido.
Na origem, o juízo de direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Aparecida de Goiânia (GO) deferiu o pedido de recuperação judicial de uma empresa de fertilizantes e ordenou a suspensão de todas as execuções contra ela por 180 dias “úteis”.
Natureza material
Ao negar o recurso do banco contra a decisão, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) afirmou que o CPC/2015 modificou o cômputo dos prazos processuais para dias úteis e, portanto, a mesma lógica deveria ser aplicada à suspensão de execuções prevista na Lei de Falência e Recuperação de Empresas.
Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso do banco no STJ, a contagem do prazo em dias corridos deve se dar pela natureza material do direito, e não pela incompatibilidade do CPC/2015 com o regime estabelecido na Lei de Falência.
A forma de contagem em dias úteis estabelecida pelo CPC/2015, segundo o relator, somente tem aplicação a determinado prazo previsto na Lei 11.101/2005 se este se revestir de natureza processual e desde que a norma se compatibilize com a lógica temporal adotada pelo legislador na Lei de Falência.
Prazos correlatos
O ministro ressaltou que o prazo de 180 dias é um benefício legal conferido à recuperanda “absolutamente indispensável” para que ela possa regularizar e reorganizar as suas contas com vistas à reestruturação.
“Dessa forma, tem-se que o stay period reveste-se de natureza material, nada se referindo à prática de atos processuais ou à atividade jurisdicional em si, devendo sua contagem dar-se, pois, em dias corridos”, declarou o relator.
Bellizze destacou que os prazos diretamente relacionados ao stay period deverão se conformar com o modo de contagem contínuo, a fim de se alinhar à lógica temporal do processo de recuperação imposta pelo legislador especial.
De acordo com o ministro, foi a primeira vez que essa questão chegou à Terceira Turma do STJ. Ele mencionou que, recentemente, a Quarta Turma analisou o tema e também decidiu pela contagem do prazo em dias corridos, por ocasião do julgamento do REsp 1.699.528.
Leia o acórdão.
Cabe agravo de instrumento contra decisões proferidas durante processo de recuperação e falência

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que as hipóteses legais de cabimento do agravo de instrumento elencadas no parágrafo único do artigo 1.015 do Código de Processo Civil de 2015 devem ser interpretadas extensivamente, englobando também a recuperação judicial e a falência. Dessa forma, o colegiado deu provimento a um recurso especial para admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão proferida após a sentença de habilitação de crédito.
De acordo com os autos, os recorrentes pediram a habilitação de seus créditos na recuperação judicial de uma empresa de transporte – o primeiro relativo a indenização de danos originados em acidente de trânsito e o segundo decorrente dos honorários de sucumbência fixados na ação indenizatória.
O advogado pediu prioridade de pagamento alegando que, devido a um grave problema de saúde, seu crédito deveria se sobrepor ao dos credores trabalhistas, os quais já estavam recebendo os valores devidos em razão de acordo judicial.
Após o indeferimento do pedido, o advogado interpôs agravo de instrumento, que não foi conhecido pelo Tribunal de Justiça de Sergipe, ao entendimento de que não haveria previsão no rol taxativo do artigo 1.015 do CPC.
Sistema recursal
O relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que a Lei de Falência e Recuperação de Empresas (LFRE) tem normas de direito material e processual, instituindo um regime recursal próprio. “Prevê, em linhas gerais, que contra as sentenças cabe agravo de instrumento e contra decisões interlocutórias cabe apelação”, disse.
O ministro esclareceu que contra a sentença que decreta a falência cabe agravo de instrumento, o qual não tem efeito suspensivo, permitindo que, pelo princípio da celeridade, seja iniciada a realização do ativo, como forma de evitar a desvalorização dos bens. Nessas hipóteses, a concessão de efeito suspensivo passa a ser excepcional, dependendo de decisão do relator do recurso.
“Tal regramento próprio, porém, não é exaustivo, prevendo o artigo 189 da LFRE a aplicação do Código de Processo Civil ‘no que couber’. A utilização desse termo indica que a aplicação da lei adjetiva somente se dará quando a lei especial não regular o tema e com ela não for incompatível”, ressaltou.
Recuperação judicial
Em seu voto, o relator destacou que as questões interlocutórias proferidas durante o processamento da recuperação judicial e da falência – não enquadradas nos incisos do artigo 1.015 do CPC – não poderão ser revistas em eventual apelação, conforme estabelece o artigo 1.009, parágrafo 1°, do CPC.
Segundo Villas Bôas Cueva, as sentenças previstas na LFRE são as que encerram a recuperação judicial (artigo 63), decretam a falência (artigo 99), julgam improcedente o pedido de falência (artigo 100), julgam as contas do administrador (artigo 154, parágrafo 4°), encerram a falência e extinguem as obrigações (artigos 154 e 156). A primeira é objeto de agravo de instrumento, enquanto as demais são proferidas em fases processuais nas quais os atos de recuperação e falência já produziram efeitos.
“Observa-se, portanto, que na forma como a LFRE está estruturada, é necessário que as decisões interlocutórias sejam decididas desde logo. A recuperação judicial não é um processo em que há uma sucessão ordenada de atos que termina na sentença. Na realidade, a recuperação judicial busca coordenar o interesse dos credores e do devedor, a partir da realização de diversos atos paralelos, que ao final serão alinhados para possibilitar a votação do plano e sua eventual aprovação ou a decretação da quebra. Assim, questões surgidas nas fases postulatória e deliberativa não podem aguardar a sentença de encerramento”, ressaltou.
O ministro concluiu que as disposições do parágrafo único do artigo 1.015 do CPC devem ser interpretadas ampliativamente, “englobando a recuperação judicial e a falência, que, na parte recursal, em tudo se assemelham aos casos ali descritos, de modo que seja possível a interposição de agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias proferidas durante sua tramitação”.
Leia o acórdão.
Fonte: STJ
Exoneração do fiador notificada no prazo do contrato só tem efeito 120 dias após locação se tornar indeterminada

Quando o fiador notifica o locador sobre sua intenção de se desonerar das obrigações da fiança ainda no período de locação determinado no contrato, essa exoneração só terá efeitos após 120 dias da data em que a locação passar a ser por prazo indeterminado, e não da data da notificação.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao interpretar o artigo 40, inciso X, da Lei 8.245/1991, em ação na qual os fiadores alegavam que sua responsabilidade teria terminado 120 dias após a entrega da notificação ao locador. Para o colegiado, ainda que os fiadores possam notificar o locador de sua intenção de desoneração – como ocorreu no caso dos autos –, seus efeitos só são produzidos no período de indeterminação do contrato.
De acordo com o artigo 40, inciso X, da Lei do Inquilinato, o locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia no caso de prorrogação da locação por prazo indeterminado, “uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 dias após a notificação ao locador”.
Segundo os autos que originaram o recurso especial, os proprietários alugaram um imóvel comercial para uma microempresa em julho de 2009, pelo prazo de um ano. Foram indicados dois fiadores no contrato.
Após o ajuizamento de execução para cobrança dos encargos de locação relativos ao período entre agosto e dezembro de 2010, os fiadores apresentaram embargos à execução sob o argumento de que notificaram os locadores de que estavam se exonerando da fiança a partir de março de 2010.
Ilegitimidade
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) concluiu pela ilegitimidade dos fiadores para responder pelos débitos vencidos a partir de agosto de 2010. Para o tribunal, apesar de a notificação exoneratória ter sido feita no curso da locação ainda por prazo determinado, o prazo de 120 dias previsto na Lei 8.245/1991 teria terminado quando esgotado o prazo do contrato, em julho de 2010.
Ainda segundo o TJRS, considerando que o artigo 40 da Lei do Inquilinato estabelece que os fiadores permanecem obrigados pelo prazo de 120 dias a contar da data da notificação recebida pelo locador – o que, no caso dos autos, coincidiu com o término do período fixado para vigência do contrato –, entende-se que os fiadores não concordaram com a prorrogação do contrato por prazo indeterminado.
Solvência
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso no STJ, afirmou que o artigo 835 do Código Civil, embora não se aplique diretamente ao caso dos autos, prevê a possibilidade de o fiador se exonerar da fiança a qualquer tempo, ficando obrigado aos seus efeitos por 60 dias após a notificação do credor. Da mesma forma, o artigo 40, inciso X, da Lei 8.245/1991 previu a indeterminação temporal da fiança no contrato de locação, mantendo igualmente a vinculação com as obrigações por determinado prazo após a notificação.
Segundo o relator, no período em que a locação se desenvolve por prazo determinado, a vinculação do fiador às obrigações do contrato de locação, estendidas a ele pelo contrato de fiança, não decorre da extensão conferida pelo artigo 40 da Lei do Inquilinato, mas do contrato pelo qual o fiador se comprometeu a garantir a solvência das obrigações do afiançado nascidas no período da locação (ou no período determinado no contrato de fiança).
No mesmo sentido, apontou o relator, o artigo 39 da mesma lei reconhece que, independentemente do prazo de locação – se determinado ou indeterminado –, o fiador, em regra, garantirá o contrato afiançado até a entrega das chaves.
“Nessa perspectiva e no caso concreto, não se pode ter os fiadores por ilegítimos para a presente execução com base na notificação exoneratória realizada e compreendida, segundo o acórdão recorrido, dentro dos limites do inciso X do artigo 40 da Lei 8.245/1991, razão por que a reforma do acórdão é de rigor”, concluiu o ministro.
Apesar de dar provimento ao recurso especial e afastar a ilegitimidade passiva dos fiadores, a turma determinou a remessa dos autos ao TJRS para análise de outros pontos discutidos na apelação, como a cobrança de meses subsequentes à alegada desocupação do imóvel.
Leia o acórdão.
Um agravo de instrumento pode atacar múltiplas decisões interlocutórias, reafirma Terceira Turma

A interposição de um único agravo de instrumento para atacar múltiplas decisões interlocutórias não viola o princípio da unicidade recursal, já que não há na legislação processual nenhum impedimento a essa prática.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o entendimento para dar provimento ao recurso de uma empresa de leilões e possibilitar a análise de seu agravo de instrumento no tribunal de origem.
Segundo o processo, uma empresa de genética de animais ajuizou ação de cancelamento de protesto cumulada com compensação de danos morais contra um banco e a empresa de leilões, tendo em vista o protesto supostamente indevido de duplicata no valor de R$ 35 mil.
A primeira decisão interlocutória deferiu parcialmente a antecipação de tutela para suspender os efeitos do protesto do título. A segunda determinou que a autora da ação fosse intimada para prestar caução. A terceira decisão estendeu a antecipação da tutela a novo protesto ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação.
A empresa de leilões entrou tempestivamente com um agravo de instrumento atacando as três decisões. Tanto o juiz singular quanto o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) negaram a análise do agravo em razão de sua “manifesta inadmissibilidade”.
O entendimento das instâncias de origem é que a empresa de leilões deveria interpor um recurso para cada decisão, respeitando, dessa forma, a unicidade recursal.
Mesma espécie
Segundo a ministra relatora do recurso especial, Nancy Andrighi, a prática, apesar de não ser comum, é legítima, pois o agravo estava atacando decisões da mesma espécie. Ela mencionou precedente da Terceira Turma, de sua própria relatoria, julgado em 2012, que decidiu no mesmo sentido (REsp 1.112.599).
“Mesmo que o esperado fosse a interposição de três recursos distintos, porque três eram as decisões combatidas, o fato de a recorrente ter-se utilizado de um único recurso não pode lhe tolher o direito de ter seus argumentos apreciados pelo tribunal competente.”
A relatora lembrou que o princípio da unicidade recursal (também chamado de singularidade ou unirrecorribilidade) consagra a premissa de que, para cada decisão a ser atacada, há um único recurso próprio e adequado previsto no ordenamento jurídico. As exceções são o recurso especial e o recurso extraordinário, que podem ser interpostos contra o mesmo acórdão, e os embargos de declaração.
Nessa linha de ideias, Nancy Andrighi afirmou que, em regra, não é possível a utilização de mais de um recurso para impugnar a mesma decisão, sob pena de o segundo não ser conhecido por preclusão consumativa.
“Todavia, mencionado princípio não veda a interposição de um único recurso para impugnar mais de uma decisão. E não há, na legislação processual, qualquer impedimento a essa prática, não obstante seja incomum”, concluiu a relatora.
Leia o acórdão.