Consumidor analfabeto não consegue anular empréstimo consignado após usar dinheiro

Magistrado considerou que o cliente utilizou o dinheiro depositado em sua conta. “Fez uso e depois vem a juízo alegar nulidade no negócio jurídico”.
O juiz de Direito Edilson Chaves de Freitas, do JEC de Portalegre/RN, julgou improcedente o pedido de consumidor analfabeto que pretendia a nulidade do contrato de empréstimo consignado por não reconhecer a contratação e por não ter sido formalizado por instrumento público, ainda que tenha recebido e feito uso do dinheiro creditado em sua conta.
Caso
Um consumidor analfabeto ingressou com ação judicial requerendo o reconhecimento da inexistência de dívida referente a um contrato de empréstimo consignado e a reparação dos danos materiais e morais, por supostamente se tratar de empréstimo fraudulento ou realizado em desconformidade com a legislação vigente quanto à forma (ausência de escritura pública).
Citada, a instituição financeira apresentou contestação e esclareceu que a celebração do negócio jurídico atendeu a legislação em vigor. Na sequência, o autor apresentou réplica à contestação, oportunidade em que “teria se limitado a apresentar argumentos genéricos”.
Ao analisar o caso, o juiz destacou que está provado que o autor é analfabeto. Quanto aos contratos de empréstimos consignados, segundo o magistrado, fixou-se entendimento inicial no sentido de que para a validade do negócio jurídico se fazia necessário que a contratação fosse realizada mediante escritura pública ou através de procurador constituído.
“Ocorre que atualmente, após refletir bastante sobre a matéria e em razão de atualizações legislativas (inclusive da Instrução Normativa n. 28 de 19/05/2008 que foi atualizada em 2019), estou convencido de que os fundamentos da interpretação anterior não subsistem mais.”
Sendo assim, para o juiz, não há amparo legal para declarar a nulidade de contrato de empréstimo consignado com base exclusivamente no fato de não ter sido firmado mediante escritura pública.
“Como a alegação é de que não celebrou o contrato, deveria, assim que tomasse conhecimento do valor depositado na sua conta, fazer o depósito judicial da quantia e requerer o reconhecimento da nulidade do contrato. No entanto, não foi isso que fez.”
O magistrado afirmou ainda que o cliente ignorou o dinheiro depositado em sua conta, não devolvendo à instituição financeira. “Pelo contrário, fez uso e depois vem a juízo alegar nulidade no negócio jurídico”.
Edilson Chaves de Freitas salientou também que houve um aumento exponencial de demandas dessa natureza, geralmente proposta por um pequeno grupo de advogados.
Diante do exposto, julgou os pedidos do autor improcedentes.
Judiciário atento
O advogado Nelson Monteiro de Carvalho Neto, que representa a empresa reclamada, afirma que o Judiciário tem se mostrado bastante atento a esse tipo de situação, de modo a evitar o enriquecimento sem causa, “sendo inaceitável a postura da pessoa analfabeta que, sabidamente capaz de gerir os atos da vida civil, contrata o empréstimo e, em seguida, busca o reconhecimento judicial da nulidade do contrato por alegada inobservância de formalidade legal, sem sequer manifestar a intenção de devolver o dinheiro comprovadamente recebido”.
Segundo o causídico, a sentença é exemplar para coibir o oportunismo daqueles que, inadvertidamente, submetem ao Judiciário a discussão da nulidade do contrato celebrado por pessoas analfabetas.
Referências
- Processo: 0800036-52.2020.8.20.5150
Veja a sentença.
Fonte: Migalhas
Recuperação judicial: atenção redobrada com as empresas em crise

A recuperação judicial, disciplinada em solo pátrio pela Lei n.º 11.101/05, compreende um conjunto de medidas com o objetivo de reestruturar as empresas em crise que se mostrem economicamente viáveis, protegendo-as momentaneamente de ações de credores que poderiam levá-las à falência ou colocar em risco seu potencial de fomentar a economia mediante geração de lucro, asseguração de empregos e recolhimento de tributos.
Embora as decisões dos credores, reunidos em assembleia, tenham uma superlativa primazia ao longo do procedimento, o Poder Judiciário assume também um importante papel na supervisão do plano de recuperação e na recuperação das empresas, fomentando práticas que as mantenham em atividade de forma competitiva e saudável.
Prova disso está, por exemplo, nas orientações recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visaram a dar vigor às recuperações judiciais em curso e, com isso, preservarem não apenas o interesse das recuperandas, mas dos credores e, em última análise, da própria sociedade, que é grandemente beneficiada quando empresas economicamente viáveis são mantidas em atividade. Com efeito, não sendo possível prever quando haverá o encerramento do estado de calamidade decretado tanto em âmbito nacional quanto por algumas outras esferas de poder, do qual derivam, dentre outras consequências, o isolamento social obrigatório e a proibição de funcionamento de alguns setores econômicos, foi muito bem-vindo o Ato Normativo CNJ n.º 0002561-26.2020.2.00.0000, aprovado pela unanimidade dos Conselheiros em 31 de março de 2020, que buscou proteger as empresas em recuperação dos efeitos desastrosos causados pela pandemia do Covid-19.
O escopo do referido Ato Normativo, nas palavras do seu relator, Conselheiro Henrique Ávila, prende-se ao fato de que “os processos de recuperação empresarial são processos de urgência, cujo regular andamento impacta na manutenção da atividade empresarial e, consequentemente, na circulação de bens, produtos e serviços essenciais à população, na geração de tributos que são essenciais à manutenção dos serviços públicos, e na manutenção dos postos de trabalho e na renda do trabalhador”.
Embora não ostente caráter mandatório, mas apenas recomendatório, espera-se que as orientações nele contidas sejam aplicadas pelos juízes à frente das recuperações judiciais em busca da manutenção da atividade empresarial por parte das empresas recuperandas, apesar do cenário adverso, preservando, na medida do possível, a circulação de bens, produtos e serviços, muitos deles essenciais à população, os postos de trabalho e a renda dos trabalhadores.
A mitigação das regras dispostas na Lei n.º 11.101/05 é fundamental neste momento para evitar o colapso dessas empresas, pois se mesmo aquelas até então rentáveis e com bom fluxo de caixa vêm se mostrando severamente atingidas pelas consequências econômicas do coronavírus (estima-se que ocorrerá um recuo entre 13% e 32% no comércio mundial neste ano, superando de longe o cenário visto na crise financeira de 2008, e que 50% das maiores empresas do Brasil possuem caixa para se manter, sem faturamento, pelo período de três meses), com muito maior razão era de esperar que os efeitos sejam muito mais sentidos pelas empresas em recuperação judicial, mais vulneráveis às turbulências econômicas e às oscilações financeiras.
De forma bem resumida, as recomendações aprovadas foram as seguintes:
1) Priorização na análise e nas decisões relativas a pedidos de levantamento de valores em favor de credores ou de empresas em recuperação, medida essa que almeja garantir o funcionamento da economia através da circulação de recursos, com todos os efeitos diretos e indiretos daí decorrentes (manutenção da força de trabalho, recolhimento dos tributos etc.);
2) Suspensão das Assembleias Gerais de Credores presenciais, com o nítido objetivo de evitar aglomerações, podendo ser autorizada a realização de reuniões virtuais em casos mais urgentes, quando necessárias deliberações voltadas à manutenção das atividades da empresa em recuperação ou pagamento de credores;
3) Prorrogação do stay period (cujo período legal é de 180 dias) para todas as ações e execuções ajuizadas em face das empresas em recuperação quando houver a necessidade de adiamento de Assembleia Geral de Credores, fôlego esse que visa à proteção do patrimônio delas contra possíveis penhoras e bloqueios judiciais que, se ocorressem, prejudicariam o saneamento das contas, inviabilizariam a retomada das atividades produtivas e colocariam em risco o cumprimento do plano de recuperação judicial;
4) Autorização para apresentação de aditivos modificativos dos planos de recuperação judicial, ainda que já aprovados pelos credores e homologado judicialmente, quando comprovada a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia da Covid-19, medida essa que almeja restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro e evitar a convolação da recuperação judicial em falência (essas situações excepcionais poderão ser consideradas como “força maior” ou “caso fortuito” pelos juízes, ensejando a aplicação da teoria da imprevisão);
5) Prosseguimento das funções, pelos administradores judiciais, de fiscalização das empresas em recuperação de forma virtual ou remota e disponibilização na internet dos relatórios mensais de atividades e os balanços financeiros;
6) Avaliação cautelosa de medidas de urgência, despejos por falta de pagamentos, bem como atos executivos de natureza patrimonial em ações judiciais que demandarem por obrigações não cumpridas durante o estado de calamidade decretado, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos do Decreto Legislativo n.º 6/20.
O conjunto dessas medidas preserva, de um lado, tanto o interesse da comunidade de credores, que não tem interesse algum em assistir a bancarrota das empresas em recuperação e ficarem à míngua, sem o recebimento ainda que parcial dos seus créditos, quanto, de outro, da sociedade e dos entes estatais, que vêm assegurada a continuidade da atividade por empresas que sejam economicamente viáveis, com aptidão para gerarem empregos na sociedade e também receitas para o erário.
A preservação da empresa é muito mais do que um princípio constitucional, senão que um objetivo a ser perseguido concretamente pelos credores e pela comunidade na qual aquela se insere. Para tanto, o Poder Judiciário tem um papel fundamental, como já assinalado desde o início, para coibir eventuais abusos e possíveis tentativas que levem ao prevalecimento dos interesses egoísticos de alguns poucos.
Alguns julgados vêm considerando a pandemia da Covid-19 como caso fortuito ou força maior, evidenciando o reconhecimento da gravidade da atual conjuntura pelo Poder Judiciário e a necessidade de serem feitos ajustes aos planos de recuperação. Nesse contexto, tem-se visto decisões que, antes mesmo do Ato Normativo expedido pelo CNJ, prorrogaram o stay period, suspenderam as obrigações do plano de recuperação judicial e autorizaram a realização de assembleia geral de credores em meio virtual. Exemplo disso é a decisão proferida pelo juiz Cláudio Augusto Marques de Sales, da 1ª vara de Recuperação de Empresas e Falências de Fortaleza (CE), em favor de empresa fabricante e distribuidora de aço, que suspendeu por 90 (noventa) dias o pagamento de obrigações e covenants previstos no plano recuperacional (autos n.º 0131447-76.2017.8.06.0001).
Se a realidade da pandemia tem se mostrado preocupante para as empresas em boa e saudável vida financeira, evidencia-se alarmante para aquelas que foram surpreendidas pela crise em pleno processo de reestruturação e recuperação judicial. Não é por outro motivo que a realidade atual inspira preocupação para além do Poder Judiciário, levando também o Poder Legislativo a promover medidas específicas voltadas para essas empresas e outras em delicada situação econômica, a exemplo do que se tem visto em outros países, como Austrália, Espanha, Itália e França. É justamente nessa linha que se apresenta o Projeto de Lei n.º 1.397/20, apresentado pelo Deputado Hugo Leal (PSD/RJ), que visa a promover alterações de caráter emergencial e transitório à Lei de Recuperação Judicial e a criar normas de proteção ao agente econômico afetado pela crise atual, cujas medidas teriam vigência até 31 de dezembro de 2020 ou enquanto perdurar o estado de calamidade pública decretado em âmbito nacional.
Nos termos do referido projeto, pretende-se afastar temporariamente a aplicação do art. 73, inc. IV, da Lei n.º 11.101/05 para o fim de tornar inexigível, pelo prazo de 120 dias, o cumprimento das obrigações previstas nos planos de recuperação judicial e extrajudicial já homologados, afastando, com isso, a decretação de falência nesse período por motivo de inadimplemento das prestações por parte da empresa em recuperação.
Outra alteração que evidencia a preocupação legislativa em preservar as recuperandas reside na fixação de um limite mínimo de R$ 100.00,00 (cem mil reais) para que seja autorizada a decretação da falência. Desta forma, passará a ser exigida uma inadimplência qualificada da devedora, não justificando mais a quebra da empresa a inércia dela frente a uma execução por qualquer quantia.
O projeto prevê também uma redução do quórum necessário à aprovação da recuperação extrajudicial, que passaria a ser o de maioria simples, e não mais de 3/5 dos credores envolvidos, bem como a criação de regras específicas para as microempresas e empresas de pequeno porte, com plano especial prevendo o pagamento da primeira parcela em até um ano.
Além dessas medidas, há no referido projeto outras disciplinas bem interessantes também, como a instituição de uma negociação preventiva entre o agente econômico devedor e seus credores durante a pandemia de Covid-19, a suspensão, por 60 dias, a contar da vigência da lei, das ações revisionais de contrato e das ações judiciais de execução que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após 20 de março de 2020 (mas originadas de ajustes firmados anteriormente, pois as medidas não se aplicarão às obrigações assumidas após essa data), a suspensão, durante o período de calamidade pública, de execução de garantias, cobranças de multas, decretação de falência, despejo por falta de pagamento e resolução unilateral de contratos bilaterais.
Encerrado o período de suspensão, o agente econômico que tenha redução igual ou superior a 30% de seu faturamento poderá apresentar ao Poder Judiciário pedido de negociação preventiva da dívida, mediante procedimento dirigido ao juízo falimentar do local do seu principal estabelecimento, sendo facultativa a participação dos credores nas rodadas de negociação preventiva e permitido ao devedor celebrar, independentemente de autorização judicial ou dos credores, contratos de financiamentos para custear sua reestruturação.
Caso haja pedido de recuperação judicial na sequência, o período de suspensão legal de 60 dias, previsto no projeto de lei, será deduzido do stay period de 180 dias previsto na Lei n.º 11.101/05.
Se o PL 1.397/20 vier a ser aprovado, no que se acredita, os devedores passarão a contar com uma gama bastante ampla de proteções para seus negócios, mas o que é importante frisar é que mesmo antes disso se tornar realidade já estão à disposição deles diversas medidas que asseguram a preservação das empresas em dificuldades financeiras nesses tempos sombrios de pandemia, cabendo a estas submeterem, o quanto antes, os pedidos de recuperação judicial ao juízo competente, caso ainda não o tenham formulado até o momento, ou então, na hipótese de já figurarem como recuperandas, apresentarem os requerimentos que estão ao seu alcance (na linha das sugestões do CNJ, mas não se limitando a elas), cujas medidas poderão lhes trazer maior alívio nesse momento tão delicado.
Nossa equipe está à disposição para eventuais esclarecimentos e orientações que se façam necessários.
Renato Martins
Sócio
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Compete ao juízo da falência decidir sobre garantias dadas pela falida a empresa em recuperação

”Cuidando-se de bens do falido, que apenas garantem o cumprimento de obrigação em favor da empresa em recuperação, compete ao juízo do processo falimentar decidir o que entender de direito a respeito deles.”
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestou esse entendimento ao julgar conflito de competência entre o juízo que processa a autofalência de suposta devedora – segundo o qual os bens dados por ela em garantia pertencem à massa falida – e o juízo onde tramita a recuperação judicial da credora – que não libera os bens por entender que caberia ao juízo arbitral, em primeiro lugar, decidir o mérito da divergência entre as empresas a respeito de eventual descumprimento do contrato.
Os bens que estão no centro da controvérsia foram dados por uma empresa de serviços como garantia da execução de contrato firmado com uma empresa de energia renovável para construção e manutenção de parques eólicos. Diante de suposto descumprimento das obrigações por parte da prestadora de serviços, o caso foi submetido a procedimento de arbitragem, no qual se chegou a um acordo que, segundo a contratante, também teria sido descumprido.
A empresa de energia renovável entrou em recuperação judicial na Justiça estadual de São Paulo, enquanto a prestadora de serviços requereu sua autofalência em juízo do Ceará.
Bens da massa
O conflito de competência no STJ foi suscitado pelo juízo da recuperação, após o juízo responsável pelo processo falimentar ter entendido que o propósito da garantia teria sido cumprido, devendo os bens retornar para a massa falida. Para o juízo suscitante, a controvérsia deveria ser solucionada em procedimento arbitral, para decidir sobre o mérito do descumprimento das obrigações.
Para o relator do conflito, ministro Antonio Carlos Ferreira, compete ao juízo da falência decidir sobre a destinação dos bens dados em garantia pela falida, que estão vinculados à execução concursal, inclusive sobre eventuais atos constritivos incidentes sobre o seu patrimônio.
Antonio Carlos destacou que o artigo 6º, caput e parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005 estabelece que a decretação da falência suspende o curso de todas as ações e execuções contra o devedor, prosseguindo a ação que demandar quantia ilíquida no juízo em que estiver sendo processada. “No presente caso, a arrecadação dos bens em favor da massa falida não impede seja processada no juízo arbitral eventual demanda na qual se discuta o descumprimento de obrigações contratuais e créditos ilíquidos”, disse.
Habilitação na falência
Ele ressaltou que, caso o juízo arbitral, eventualmente, reconheça que a empresa falida descumpriu o pacto de garantia, haverá formação de crédito em favor da outra empresa, a ser habilitado na falência, para fins de execução concursal, na classe própria, na forma dos artigos 6º, parágrafo 3º, e 83 da Lei 11.101/2005.
O juízo da recuperação judicial, explicou, tem competência para solucionar, exclusivamente, o destino a ser dado aos bens específicos de propriedade da recuperanda – o que ainda não é o caso no momento.
O ministro afirmou ainda que, se a empresa contratante discordar de decisão do juízo falimentar quanto ao destino dos bens dados em garantia, deve fazer uso dos recursos cabíveis nos autos do processo de falência, visando à reforma do respectivo entendimento, uma vez que o conflito de competência não possui índole recursal.
Leia o acórdão.
Venda com reserva de domínio, com ou sem registro em cartório, não se sujeita à recuperação judicial

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os créditos referentes a contrato de venda com reserva de domínio não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, independentemente de seu registro em cartório ter sido feito ou não.
A controvérsia envolveu empresa austríaca que pediu a reforma de decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) para reconhecer sua condição de credora proprietária de um equipamento – objeto de contrato de venda com reserva de domínio – e a exclusão do seu crédito do concurso de credores no processo de recuperação de uma indústria de móveis.
O TJRS negou provimento a agravo apresentado pela empresa sob o argumento de que o artigo 522 do Código Civil preceitua que os contratos de venda com reserva de domínio devem estar devidamente registrados em cartório em data anterior ao pedido de recuperação judicial – o que não aconteceu no caso.
No recurso apresentado ao STJ, a recorrente alegou que, em contrato de venda com reserva de domínio, o crédito detido pelo alienante do bem não se sujeita aos efeitos da recuperação da compradora, devendo prevalecer o direito de propriedade sobre a coisa, independentemente de seu registro ter sido efetivado ou não. Afirmou que, na hipótese dos autos, o registro possui mera função declaratória, e não constitutiva do negócio jurídico.
Previsão legal
A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que o artigo 49, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005 determina que o crédito titularizado por proprietário em contrato de venda com reserva de domínio não se submeta aos efeitos da recuperação judicial do comprador, prevalecendo os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, como na hipótese dos autos.
Segundo a ministra, a intenção do legislador foi garantir que o credor de empresa em recuperação que tenha com ela firmado contrato com reserva de domínio não se sujeite aos efeitos do processo de soerguimento, o que também coincide com a jurisprudência do STJ.
“A manutenção da propriedade do bem objeto do contrato com o vendedor até o implemento da condição pactuada (pagamento integral do preço) não á afetada pela ausência de registro perante a serventia extrajudicial”, afirmou.
Para Nancy Andrighi, a legislação exige, para a não sujeição dos créditos detidos pelo proprietário em contrato com reserva de domínio, apenas e tão somente que ele ostente tal condição (de proprietário), o que decorre da própria natureza do negócio jurídico.
Registro
De acordo com a relatora, tanto no que concerne à cessão fiduciária de créditos como quanto à venda de equipamentos com reserva de domínio, o registro do contrato não é requisito constitutivo do negócio jurídico respectivo.
“O registro se impõe como requisito tão somente para fins de publicidade, ou seja, para que a reserva de domínio seja oponível a terceiros que possam ser prejudicados diretamente pela ausência de conhecimento da existência de tal cláusula”, explicou.
A ministra destacou que a relação estabelecida entre o comprador – em recuperação judicial – e seus credores trata de situação distinta, pois nada foi estipulado entre eles acerca dos bens objeto do contrato em questão.
“A manutenção da titularidade do bem na pessoa do alienante é decorrência natural da natureza jurídica do contrato de venda com reserva de domínio. Este continua a figurar, perante todos, como proprietário da coisa. Apenas essa titularidade não se perfaz de maneira absoluta, dada a condição suspensiva inerente ao objetivo do negócio entabulado”, disse.
Ao reformar o acórdão do TJRS, Nancy Andrighi destacou que entender que o equipamento comprado pela recorrente, apenas por estar na posse direta de empresa em recuperação judicial, deva ficar indisponível e submetido aos efeitos do processo de soerguimento equivaleria a subverter o direito de propriedade constitucionalmente assegurado a qualquer pessoa.
Leia o acórdão.
Fonte: STJ
Impugnação de crédito apresentada fora do prazo da Lei de Falência não deve ser analisada

No curso do processo de recuperação judicial, o mérito da impugnação de crédito apresentada fora do prazo previsto no artigo 8º da Lei 11.101/2005 não deve ser analisado, já que se trata de prazo específico legalmente estipulado.
Por maioria, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou esse entendimento para rejeitar o recurso de um banco, mantendo decisão que impediu a análise do mérito de impugnação apresentada pela instituição financeira fora do prazo legal.
No caso, a impugnação de crédito, apresentada cinco dias após o prazo, foi acolhida pelo juízo responsável. A decisão, porém, foi reformada pelo tribunal de segunda instância, que considerou a impugnação intempestiva.
No recurso ao STJ, o banco afirmou que a impugnação não pode ser julgada intempestiva, pois as impugnações retardatárias estão sujeitas apenas ao recolhimento de custas.
Em voto seguido pela maioria da Terceira Turma, a ministra Nancy Andrighi destacou que a Lei de Falência e Recuperação de Empresas não deixa margem a dúvidas.
Segundo ela, a norma do artigo 8º “contém regra de aplicação cogente, que revela, sem margem para dúvida acerca de seu alcance, a opção legislativa a incidir na hipótese concreta. Trata-se de prazo peremptório específico, estipulado expressamente pela lei de regência”.
Nancy Andrighi disse que a eventual superação da regra legal só pode ser admitida de forma excepcional, observadas determinadas condições específicas, tais como elevado grau de imprevisibilidade, ineficiência ou desigualdade – circunstâncias que não foram verificadas no caso em julgamento.
Escolha do legislador
Para a ministra, a regra foi inserida na lei por escolha consciente do legislador, após a ponderação sobre aspectos como isonomia e celeridade processual, não havendo espaço para “interpretações que lhe tirem por completo seus efeitos, sob pena de se fazer letra morta da escolha parlamentar”.
De acordo com Nancy Andrighi, esse entendimento não revela tratamento discriminatório ao credor impugnante frente àquele que foi omitido na lista inicial apresentada pelo administrador.
Ela ressaltou que há uma grande diferença que justifica a existência de prazos distintos para a habilitação retardatária e para a impugnação: no primeiro caso, credores omitidos na lista inicial buscam a inclusão de seu crédito no plano de recuperação; no segundo, partes já contempladas na relação de credores tentam modificar o valor ou a classificação de seu crédito.
Quanto à habilitação retardatária, explicou que “não se tem juízo de certeza acerca de quando o credor cujo nome foi omitido da relação unilateral feita pela recuperanda teve ciência do processamento da recuperação judicial”.
Leia o acórdão.
Fonte: STJ
Ampliação do colegiado é aplicável em Agravo que reforma decisão em crédito em recuperação judicial

O Julgamento dos recursos pelas turmas e câmaras dos Tribunais sempre foi matéria de absoluta relevância dentro do processo civil.
Igualmente, a forma de se julgar os recursos pelos colegiados, e sempre pautados em princípios como o da Celeridade, Imparcialidade e Ampla Defesa, também mereceu atenção e ajustes ao longo do tempo.
Exemplificativamente, vê-se a evolução dos julgamentos não unânimes pelos colegiados das Câmaras e Turmas, que já mereceram inclusive recurso próprio – Embargos Infringentes. Estes, inclusive, sofreram ao longo do tempo alteração em seu cabimento, inicialmente cabível de qualquer dissidência em julgamento de apelação e, após, apenas da decisão não unânime que reformasse a sentença de mérito [1].
Mas o fato é que a divergência que ensejaria este novo recurso se dava apenas em sede de Recurso de Apelação, tendo em vista ser o recurso cabível em face da sentença de mérito.
Dentre várias mudanças trazidas na legislação processual, através da entrada em vigor do Novo Código Civil [2] foi a técnica de julgamento inserida no seu artigo 942, que assim dispõe:
Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
- 1º Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.
- 2º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.
- 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:
I – ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;
II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
- 4º Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:
I – do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;
II – da remessa necessária;
III – não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.
Dissecando o artigo acima transcrito, vê-se que, por regra, a técnica de julgamento ou ampliação do colegiado do órgão julgador aplica-se naqueles casos em que se julgar de maneira não unânime o recurso de apelação, o que guarda semelhança com a antiga sistemática no que tange aos Embargos Infringentes.
Entretanto, o Código de Processo Civil trouxe também como novidade a possibilidade de se resolver parcialmente o mérito através da prolação de decisão interlocutória pelo juiz de primeira instância, desafiando esta decisão, neste caso, não o recurso de apelação, mas sim o recurso de Agravo de Instrumento.
Inclusive, e de forma correta, o legislador processual inseriu expressamente no rol das hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento a decisão interlocutória que verse sobre o mérito do processo [3].
Voltando ao artigo 942 do Código de Processo Civil, descrito acima, e tendo em vista a possibilidade de uma decisão interlocutória decidir quanto ao mérito do processo, sendo atacada por Agravo de Instrumento em via recursal, coube ao legislador a preocupação de garantir, através da ampliação do colegiado, ainda que o recurso não fosse o de apelação, a técnica de julgamento para estes casos.
E é exatamente essa a hipótese do § 3º, II, do artigo 942 do CPC:
- 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:
II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
E o tema analisado neste artigo versará exatamente sobre esta situação, em um caso concreto consubstanciado na ampliação do colegiado no julgamento de Agravo de Instrumento que reforma decisão sobre crédito em recuperação.
A hipótese é a de julgamento de Agravo de Instrumento por Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, ao analisar as razões recursais, entendeu por reformar decisão de primeiro grau relativa à impugnação de créditos em recuperação, mas não ampliou o colegiado para possibilitar, em tese, a reversão do entendimento emanado no julgamento.
A parte vencida interpôs então Recurso Especial, sendo o referido recurso autuado sob o nº 1.797.866, cuja relatoria coube ao Ministro Villas Bôas Cueva, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Em seu voto, o relator entendeu pela necessidade de ampliação do colegiado, e consequente aplicação do artigo 942 do Código de Processo Civil para o caso concreto. Justificou o Ministro relator que “a decisão que põe fim ao incidente de impugnação de crédito, pronunciando-se quanto à validade do título (crédito), seu valor e a sua classificação, é inegavelmente uma decisão de mérito”
Desta forma, e tendo em vista que a própria natureza da decisão impugnada é de sentença, por certo trataria de mérito, o que levaria à aplicação da regra do artigo 942 do Código de Processo Civil.
Por fim, concluiu o Ministro que “houve, portanto, pronunciamento quanto à validade do crédito e sua classificação, mérito da ação declaratória, e não sobre questão de índole processual”, anulando o acórdão e determinando que seja realizada nova sessão de julgamento, nos moldes previstos no artigo acima citado.
A decisão afigura-se inteiramente correta, pois é inegável que a decisão de existência ou não de crédito em recuperação fulmina eventual direito do credor e, também, do devedor quanto ao tema, sendo inegavelmente de mérito, podendo, assim, em caso de decisão não unânime, ser apreciada pelo colegiado estendido.
[1] Art. 530. Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência. (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
[2] Lei Federal n.º 13.105/2015
[3] Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
II – mérito do processo;
Tribunal impede transferência de imóvel pertencente a empresa em recuperação judicial

A 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu a expedição de carta de adjudicação de imóvel pertencente a empresa em recuperação judicial. A decisão foi tomada de forma unânime.
Consta dos autos que uma instituição bancária, um dos credores da referida empresa, arrematou, em leilão realizado no último mês de março, edifício no qual funciona a sede da sociedade empresária. Os sócios agravaram da decisão, com o objetivo de manter o cumprimento do plano recuperacional e o exercício da atividade empresarial.
Ao julgar o pedido, o relator, desembargador Carlos Abrão, determinou a suspensão dos efeitos da arrematação enquanto o plano de recuperação estiver sendo cumprido, como forma de garantir a atividade produtiva e viabilizar a superação do estado de dificuldade financeira.
“A própria congruência dos atos processuais está a exigir um pronunciamento definitivo para que não se malogre o plano homologado pelo Juízo, escancarando uma verdadeira violência contra a função social da empresa e mitigando os preceitos, já que causaria verdadeiro caos social, levando a incrementar o desemprego que hoje apresenta um quadro muito expressivo, de 13 milhões de brasileiros, fora aquele outro de subempregados ou que trabalham sem registro em carteira”, escreveu o magistrado.
O julgamento teve a participação dos desembargadores Achile Alesina e Melo Colombi.
Agravo de instrumento nº 2049350-59.2019.8.26.0000
Fonte: TJSP
A possibilidade de se dividir em subclasses os credores da Recuperação Judicial

De acordo com a Lei Federal 11.101/05, quando do requerimento de Recuperação Judicial por parte de uma sociedade empresária, seus credores são divididos em classes, de acordo com a natureza de seus créditos.
Ademais,
tal divisão se faz necessária para efeitos de participação e voto na
assembleia-geral de credores, que definirá a aprovação do Plano de Recuperação
Judicial, a escolha do Comitê de Credores, eventual pedido de desistência de
algum devedor, nomeará o gestor judicial e qualquer outra matéria que possa
interferir ou afetar os interesses dos credores [1].
Na
forma da legislação acima citada, a Assembleia-geral de Credores será composta
pelas seguintes classes de credores, conforme o artigo 41:
Art.
41. A assembleia-geral será composta pelas seguintes classes de credores:
I –
titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de
acidentes de trabalho;
II
– titulares de créditos com garantia real;
III – titulares de créditos
quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.
IV – titulares de créditos enquadrados
como microempresa ou empresa de pequeno porte.
Estas
são, portanto, as classes de credores previstas em lei. Entretanto, e por
particularidades existentes em cada Recuperação Judicial, alguns credores da
mesma classe podem apresentar interesses homogêneos entre si, mas não comuns a
todos aqueles integrantes da referida classe, ou ainda ser diferenciados pela
sua relevância no próprio funcionamento da empresa recuperanda, possibilitando
inclusive a própria recuperação.
Entretanto,
seja qual for o critério utilizado, é necessário que este se apresente de forma
objetiva, e seja aprovado diante da assembleia-geral de credores, cujo
resultado, se não eivado de nulidade, é soberano. E, ainda, que todos os
credores de uma determinada classe tenham tratamento igualitário, desde que
tenham interesses homogêneos [2].
Neste
sentido, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou a questão acima proposta,
através do julgamento do Recurso Especial n.º 1.634.844/SP, distribuído para a
Terceira Turma, e cuja relatoria coube ao Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Em sua
decisão, acompanhada por unanimidade pelos demais integrantes da Terceira Turma
do Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Villas Bôas Cueva salienou
que “em regra, a deliberação da assembleia de credores é soberana,
reconhecendo-se aos credores, diante da apresentação de laudo
econômico-financeiro e de demonstrativos e pareceres acerca da viabilidade da
empresa, o poder de decidir pela conveniência de se submeter
ao plano de recuperação judicial ou pela realização do ativo com a decretação
da quebra, o que decorre da rejeição da proposta.”
O
Ministro desenvolve seu voto salientando que mesmo dentro de uma classe de
credores como a quirografária, podem haver credores financeiros, fornecedores
em geral, fornecedores dos quais depende a continuidade da atividade econômica
da recuperanda, credores eventuais, entre outros.
Assim,
no caso em comento, asseverou o Ministro Villas Bôas Cueva que “escolhido um critério, todos os credores que possuam
interesses homogêneos serão agrupados sob essa subclasse, devendo ficar
expresso o motivo pelo qual o tratamento diferenciado desse grupo se justifica
e favorece a recuperação judicial, possibilitando o controle acerca da
legalidade do parâmetro estabelecido”.
Por fim, o Ministro concluiu que “…é
possível a criação de subclasses entre os credores da recuperação judicial,
desde que estabelecido um critério objetivo, justificado no plano de
recuperação judicial, abrangendo credores com interesses homogêneos, ficando
vedada a anulação de direitos de eventuais credores isolados”.
Com
esse entendimento, acreditamos que o Superior Tribunal de Justiça possa dar
ainda mais força a determinados credores quirografários que, ainda que
pertencente a uma única classe de credores, podem apresentar interesses
diversos daqueles pela peculiaridade de suas atividades, inclusive para a
efetiva recuperação da empresa recuperanda.
Mas,
como ressaltou o Ministro Relator, a objetividade na escolha do critério para a
criação da subclasse é requisito essencial para a sua validade, uma vez que eventual
critério objetivo poderia causar dúvidas e dar margem à interpretação,
culminando com a violação do tratamento igualitário que deve nortear o
procedimento de recuperação judicial.
[1] Art.
35. A assembléia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre:
I – na recuperação judicial:
a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial
apresentado pelo devedor;
b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua
substituição;
c) (VETADO)
d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4o do
art. 52 desta Lei;
e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor;
f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores;
[2] “O plano de recuperação judicial
deve prever tratamento igualitário para os membros da mesma classe de credores
que possuem interesses homogêneos, sejam estes delineados em função da natureza
do crédito, da importância do crédito ou e outro critério de similitude
justificado pelo proponente do plano homologado pelo magistrado.” Enunciado
nº 57 da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal
Honorários advocatícios equiparados a créditos trabalhistas se submetem a limite fixado por assembleia de credores

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que os valores referentes a honorários advocatícios equiparados aos créditos trabalhistas estão submetidos ao limite quantitativo estabelecido pela assembleia geral de credores de empresa em recuperação judicial, mesmo que o titular do crédito seja pessoa jurídica.
Com base nesse entendimento, o colegiado confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que limitou o recebimento dos honorários de sociedade de advogados ao valor de R$ 2 milhões, definido em cláusula inserida no plano de recuperação devidamente aprovado pela assembleia de credores.
A sociedade de advogados apresentou recurso ao STJ pedindo que os honorários fossem integralmente considerados como créditos trabalhistas, afastando-se a limitação de valores prevista no plano de recuperação judicial.
No recurso apresentado pelas empresas em recuperação, foi pedido que os honorários advocatícios devidos a pessoas naturais e a pessoas jurídicas fossem tratados como créditos trabalhistas apenas até o limite de 150 salários mínimos, conforme previsto no artigo 83, I, da Lei de Falência e Recuperação de Empresas, devendo o restante ser pago como créditos quirografários.
Caráter alimentar
O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que a Corte Especial do STJ já decidiu em recurso repetitivo (Tema 637) que os créditos resultantes de honorários advocatícios têm caráter alimentar e podem ser equiparados aos créditos trabalhistas, o que dá aos seus titulares os correspondentes privilégios no concurso de credores.
No caso analisado, o ministro destacou que, em relação aos débitos trabalhistas de natureza alimentar, foi estabelecido o limite máximo de pagamento aos credores de R$ 2 milhões. As recuperandas, com aval da classe de credores, definiram ainda que qualquer valor que excedesse esse limite seria tratado como crédito quirografário.
Segundo Bellizze, tal medida foi tomada para evitar que os credores trabalhistas titulares de expressivos créditos impusessem seus interesses em detrimento dos demais.
“A sociedade de advogados recorrente, que pretende ser reconhecida, por equiparação, como credora trabalhista, há, naturalmente, de se submeter às decisões da respectiva classe. Afigurar-se-ia de todo descabido, aliás, concebê-la como credora trabalhista equiparada, com os privilégios legais daí advindos, e afastar-lhe o limite quantitativo imposto aos demais trabalhadores, integrantes dessa classe de credores”, concluiu o relator.
Isonomia
Segundo o ministro, a qualificação de determinado crédito serve para situá-lo em uma das diversas classes de credores, segundo a ordem de preferência prevista na legislação, o que enseja tratamento único na recuperação judicial ou na falência, para dar isonomia aos titulares do crédito de uma mesma categoria.
De acordo com o relator, os honorários das sociedades de advogados também têm origem na atividade profissional de advocacia exercida por seus sócios, tendo natureza alimentar e similitude com o crédito trabalhista, conforme preceitua a jurisprudência.
“É indiferente, para esse propósito, se a exploração da atividade profissional da advocacia dá-se individualmente, ou se organizada em sociedade simples. Fato é que a remuneração pelo trabalho desenvolvido pelos advogados em sociedade é, na forma do contrato social, repartida e destina-se, de igual modo, à subsistência de cada um dos causídicos integrantes da banca e de sua família”, destacou.
Subsistência
Bellizze disse ser possível o estabelecimento de patamares máximos para que os créditos trabalhistas (ou créditos a eles equiparados, como os honorários advocatícios) tenham um tratamento preferencial no caso da falência (artigo 83, I, da Lei 11.101), ou, consensualmente, no caso da recuperação judicial, convertendo-se o que extrapolar o limite em crédito quirografário.
O ministro destacou que a legislação garante o pagamento prévio de uma quantia suficiente e razoável para garantir a subsistência dos credores trabalhistas. Todavia, segundo o relator, os créditos que excedam o valor acordado entre os credores, mesmo que tenham natureza alimentar, não podem ter precedência sobre os demais.
“A preferência legal conferida à classe dos empregados e equiparados justifica-se pela necessidade de se privilegiar aqueles credores que se encontram em situação de maior debilidade econômica e possuem como fonte de sobrevivência, basicamente, a sua força de trabalho, devendo-se, por isso, abarcar o maior número de pessoas que se encontrem em tal situação”, explicou.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1649774
Fonte: STJ
Acordo celebrado após o deferimento de Recuperação Judicial não pode ser executado nos autos da recuperação

A Recuperação Judicial foi instituída em nosso ordenamento jurídico através da Lei Federal 11.101, de 09 de Fevereiro de 2005, para possibilitar àquelas empresas que se encontram em situação financeira precária e com diversas dívidas que sigam desenvolvendo sua atividade empresarial e, assim, tenham a possibilidade de saldar seus compromissos [1].
Na forma do seu artigo 6º, o deferimento da Recuperação Judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas de credores particulares do sócio solidário.
Estes créditos serão processados perante o Juízo competente para promover a Recuperação Judicial da empresa, sendo ele competente para processar e julgar as ações sobre bens, interesses e negócios da Recuperanda, sendo o chamado Juízo Universal [2].
Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos [3].
Ou seja, de acordo com a redação acima, transcrita diretamente da Lei Federal citada, os créditos e dívidas posteriores ao pedido de recuperação estarão fora do plano de recuperação, e deverão prosseguir de forma autônoma.
Sendo assim, um acordo firmado posteriormente ao pedido da Recuperação Judicial, pela regra citada, estaria excluído do procedimento e, por conseguinte, não atrairia a competência do Juízo Universal, podendo ser executado na Vara competente.
Através do julgamento do Recurso Especial n.º 1.766.413, o Superior Tribunal de Justiça manifestou o entendimento de que não são da competência do Juízo Universal a homologação e fiscalização do Acordo celebrado após o pedido de Recuperação Judicial.
Em seu voto, o Ministro Villas Bôas Cueva, relator do processo e integrante da Terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, enfatizou que “O fato de a LFRE conferir ao administrador judicial atividade fiscalizatória não significa que lhe cabe se imiscuir no mérito dos atos negociais, mas, sim, que deve acompanhar o andamento da recuperação judicial, verificando o cumprimento do plano e eventuais ilegalidades”.
Mais adiante, em relação à alegação da Recorrente de que os valores constantes do acordo poderiam ser utilizados no pagamento dos credores, o Ministro aduziu que “a referida quantia não está prevista no plano de recuperação judicial, na justa medida em que o contrato foi assinado em momento posterior, evidenciando a ausência de interferência no andamento da recuperação”.
Desta forma entende-se que o julgado deu cumprimento ao artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial e Falências, pois excluiu do objeto da Recuperação Judicial o crédito posterior ao pedido feito pela empresa.
Deve-se destacar, entretanto, que, como asseverou o Ministro Relator, o Juízo Universal deve fiscalizar os atos realizados pela empresa em Recuperação Judicial, intervindo naqueles em que se pode, em verdade, subverter o próprio objeto da Recuperação Judicial, colocando em risco o pagamento aos credores ali habilitados.
[1]Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
[2] Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.
[3] Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.