Exoneração do fiador notificada no prazo do contrato só tem efeito 120 dias após locação se tornar indeterminada

Quando o fiador notifica o locador sobre sua intenção de se desonerar das obrigações da fiança ainda no período de locação determinado no contrato, essa exoneração só terá efeitos após 120 dias da data em que a locação passar a ser por prazo indeterminado, e não da data da notificação.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao interpretar o artigo 40, inciso X, da Lei 8.245/1991, em ação na qual os fiadores alegavam que sua responsabilidade teria terminado 120 dias após a entrega da notificação ao locador. Para o colegiado, ainda que os fiadores possam notificar o locador de sua intenção de desoneração – como ocorreu no caso dos autos –, seus efeitos só são produzidos no período de indeterminação do contrato.
De acordo com o artigo 40, inciso X, da Lei do Inquilinato, o locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia no caso de prorrogação da locação por prazo indeterminado, “uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 dias após a notificação ao locador”.
Segundo os autos que originaram o recurso especial, os proprietários alugaram um imóvel comercial para uma microempresa em julho de 2009, pelo prazo de um ano. Foram indicados dois fiadores no contrato.
Após o ajuizamento de execução para cobrança dos encargos de locação relativos ao período entre agosto e dezembro de 2010, os fiadores apresentaram embargos à execução sob o argumento de que notificaram os locadores de que estavam se exonerando da fiança a partir de março de 2010.
Ilegitimidade
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) concluiu pela ilegitimidade dos fiadores para responder pelos débitos vencidos a partir de agosto de 2010. Para o tribunal, apesar de a notificação exoneratória ter sido feita no curso da locação ainda por prazo determinado, o prazo de 120 dias previsto na Lei 8.245/1991 teria terminado quando esgotado o prazo do contrato, em julho de 2010.
Ainda segundo o TJRS, considerando que o artigo 40 da Lei do Inquilinato estabelece que os fiadores permanecem obrigados pelo prazo de 120 dias a contar da data da notificação recebida pelo locador – o que, no caso dos autos, coincidiu com o término do período fixado para vigência do contrato –, entende-se que os fiadores não concordaram com a prorrogação do contrato por prazo indeterminado.
Solvência
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso no STJ, afirmou que o artigo 835 do Código Civil, embora não se aplique diretamente ao caso dos autos, prevê a possibilidade de o fiador se exonerar da fiança a qualquer tempo, ficando obrigado aos seus efeitos por 60 dias após a notificação do credor. Da mesma forma, o artigo 40, inciso X, da Lei 8.245/1991 previu a indeterminação temporal da fiança no contrato de locação, mantendo igualmente a vinculação com as obrigações por determinado prazo após a notificação.
Segundo o relator, no período em que a locação se desenvolve por prazo determinado, a vinculação do fiador às obrigações do contrato de locação, estendidas a ele pelo contrato de fiança, não decorre da extensão conferida pelo artigo 40 da Lei do Inquilinato, mas do contrato pelo qual o fiador se comprometeu a garantir a solvência das obrigações do afiançado nascidas no período da locação (ou no período determinado no contrato de fiança).
No mesmo sentido, apontou o relator, o artigo 39 da mesma lei reconhece que, independentemente do prazo de locação – se determinado ou indeterminado –, o fiador, em regra, garantirá o contrato afiançado até a entrega das chaves.
“Nessa perspectiva e no caso concreto, não se pode ter os fiadores por ilegítimos para a presente execução com base na notificação exoneratória realizada e compreendida, segundo o acórdão recorrido, dentro dos limites do inciso X do artigo 40 da Lei 8.245/1991, razão por que a reforma do acórdão é de rigor”, concluiu o ministro.
Apesar de dar provimento ao recurso especial e afastar a ilegitimidade passiva dos fiadores, a turma determinou a remessa dos autos ao TJRS para análise de outros pontos discutidos na apelação, como a cobrança de meses subsequentes à alegada desocupação do imóvel.
Leia o acórdão.
Afastada aplicação do CDC a contrato de fiança que tinha administração pública como beneficiária

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em ação que discute fiança bancária acessória a contrato administrativo que tinha como beneficiária uma sociedade de economia mista de São Paulo. Para o colegiado, nem o contrato principal – que guarda as prerrogativas asseguradas por lei à administração pública – nem o contrato acessório poderiam se submeter ao conceito de relação de consumo, ainda que por equiparação.
Como resultado da inaplicabilidade do CDC ao caso, a turma manteve decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que fixou a competência para processamento da ação com base na regra geral do Código de Processo Civil de 1973 (artigo 94) e na cláusula de eleição contratual de foro, e não na garantia da possibilidade de ajuizamento do processo no domicílio do consumidor, conforme previsto pelo artigo 101 do CDC.
Em virtude de uma cobrança extrajudicial do banco – no valor de mais de R$ 86 mil – por dívida originada de fiança bancária, o devedor ajuizou em Sorocaba (SP), onde residia, ação de inexistência de relação jurídica, sob o argumento de que teria havido a falsificação de sua assinatura no contrato.
No curso do processo, o juiz acolheu exceção de incompetência suscitada pelo banco para declinar da competência para a comarca de Belo Horizonte, onde se situa a sede da instituição financeira, tendo em vista a existência de cláusula de eleição de foro. A decisão foi mantida pelo TJSP, que afastou a relação de consumo por concluir que o devedor não era o destinatário final da operação de fiança.
Prerrogativas
Por meio de recurso especial, o devedor sustentou a aplicabilidade do CDC em toda relação entre as instituições bancárias e seus clientes. Buscando a fixação da competência na comarca onde mora, ele também defendeu a aplicação do conceito de consumidor por equiparação (bystander).
O ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, destacou que o contrato de fiança é acessório ao contrato principal, que não está sujeito ao CDC, uma vez que o contrato tem a administração pública como beneficiária da fiança, e a lei já assegura às entidades públicas várias prerrogativas nas relações contratuais com os seus fornecedores.
Segundo o ministro, de igual forma, o contrato acessório de fiança também não está sujeito às normas do CDC.
“A fiança bancária, quando contratada no âmbito de um contrato administrativo, também sofre incidência do regime publicístico, uma vez que a contratação dessa garantia não decorre da liberdade de contratar, mas da posição de supremacia que a lei confere à administração pública nos contratos administrativos”, afirmou.
Regra geral
No caso dos autos, Sanseverino lembrou que o devedor alegou ser vítima de falsificação de assinatura na contratação da fiança bancária, buscando estabelecer relação de imputação entre um fato praticado pelo banco e um dano experimentado pela vítima.
Entretanto, como não há relação de consumo nessas hipóteses, o relatou apontou que não se aplicam ao processo os artigos 14 e 17 do CDC, que estabelecem a responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do serviço e a extensão da responsabilidade objetiva do fornecedor a todas as vítimas do fato do serviço, respectivamente.
“Estando assim afastada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, a competência para julgamento da demanda (em que se pleiteia declaração de inexistência de relação jurídica com o banco) segue a regra geral do foro do domicílio do réu, como bem entendeu o tribunal a quo”, concluiu o ministro.
Leia o acórdão.
Fonte: STJ
Atraso na entrega de imóvel adquirido para investimento não gera dano moral

O atraso na entrega de um imóvel adquirido exclusivamente para investimento configura mero inadimplemento contratual e não é capaz de gerar dano moral a ser indenizado.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento ao recurso de uma construtora para excluir da condenação por atraso na entrega de imóvel a parcela referente a indenização por danos morais.
Ao analisar o caso, o relator do recurso especial, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que a questão do atraso na entrega de imóvel já foi analisada pelo STJ em diversas outras ocasiões. Em março de 2017, por exemplo, a Terceira Turma definiu no REsp 1.641.037 que os danos morais por atraso só são configurados em situações excepcionais, as quais devem ser comprovadas pelos compradores.
No caso julgado agora, o atraso da incorporadora foi de 17 meses. Na ação de indenização e lucros cessantes, o comprador afirmou que o período de atraso privou-o de aproveitar “a alta rentabilidade de seu investimento imobiliário”.
Dano inexistente
Sanseverino afirmou que, conforme jurisprudência do STJ, a indenização por lucros cessantes é devida, mas não a compensação por danos morais, tendo em vista que o imóvel não foi adquirido para moradia.
“Ora, a perda da oportunidade de obter frutos de um investimento é dano exclusivamente material, a ser reparado mediante indenização por lucros cessantes (já incluída na condenação), não havendo falar, portanto, em dano moral.”
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) havia fixado o valor dos danos morais em R$ 10 mil. O entendimento do tribunal foi que o descumprimento do contrato gerou abalos ao investidor, que se viu impedido de utilizar o bem negociado.
O acórdão recorrido foi mantido quanto à condenação por lucros cessantes durante o período de atraso.
Leia o acórdão.
Sem justificativa razoável para sua manutenção, é possível o cancelamento de antiga cláusula de inalienabilidade

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial de dois irmãos que pretendiam cancelar cláusula de inalienabilidade de imóvel doado pelos pais. Para os ministros, as condicionantes podem ser afastadas diante da função social da propriedade e da ausência de justo motivo para a manutenção da restrição ao direito dos donatários.
Segundo o processo, o imóvel era utilizado pelos pais, mas foi doado aos filhos em 2003, com restrição de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Após a morte dos genitores – o pai em 2010 e a mãe em 2012 –, os filhos ajuizaram ação para cancelar as cláusulas e poderem vender o imóvel.
No entanto, o juízo de primeiro grau indeferiu o pedido, assim como o Tribunal de Justiça do Paraná, que entendeu que o cancelamento das restrições estaria condicionado à demonstração de justa causa para tanto.
Direito de propriedade
O relator do recurso especial, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, lembrou que o STJ interpretou com ressalvas o artigo 1.676 do Código Civil de 1916 e admitiu o cancelamento da cláusula de inalienabilidade nas hipóteses em que a restrição, em vez de garantir o patrimônio dos descendentes, significava lesão aos seus interesses.
“A cláusula de inalienabilidade representa uma severa restrição ao direito de propriedade, pois impede que o proprietário exerça um dos poderes inerentes ao domínio: o de dispor livremente do bem. É natural que, por integrar o seu patrimônio, possa dele se desfazer, recebendo, quiçá, contraprestação que mais seja benéfica aos seus interesses e, talvez, mais bem alcançando ao bem a sua devida função social”, disse.
O ministro lembrou que, em alguns casos, a inalienabilidade pode ser razoável e benéfica ao donatário.
“Nem sempre, todavia, será assim, seja porque a imobilização do bem nas mãos dos donatários poderá não lhes garantir a subsistência, seja porque a própria função social do imóvel objeto do negócio a título gratuito resta por todo combalida, assumindo-se uma posição ‘antieconômica’, nas palavras de Clóvis Bevilácqua, com a sua retirada do mercado por dilargadas décadas, cristalizando-o no patrimônio de quem dele não mais deseja ser o seu proprietário”, ressaltou o ministro.
Inversão lógica
Sanseverino destacou que a constituição da cláusula, no caso julgado, ocorreu sob a vigência do Código Civil de 2002, em contexto no qual os pais dos donatários usufruíam do bem. Para o ministro, após a morte dos genitores, “os proprietários devem voltar ao plenipotenciário exercício de direitos sobre a propriedade, não se extraindo do CC orientação diversa”.
O relator ressaltou que o atual Código Civil, no artigo 1.848, passou a exigir que o instituidor da inalienabilidade, nos casos de testamento, indique expressamente uma justa causa para a restrição imposta, “operando verdadeira inversão lógica existente sob a égide do CC de 1916”.
“Se é verdade que a vontade do doador e instituidor da cláusula de inalienabilidade merece respeito, do mesmo modo, o direito de propriedade daquele que recebe o bem graciosamente merece a devida proteção”, disse.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1631278
Fonte: STJ