Falta de exame dos requisitos legais leva turma a afastar desconsideração da personalidade jurídica

desconsideração da personalidade jurídica


​Por considerar não cumpridos os requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão da Justiça do Rio de Janeiro que, em virtude de suposta fraude na alienação de controle societário, havia deferido pedido de desconsideração da personalidade jurídica e inclusão de uma segunda empresa em execução de mais de R$ 4 milhões.

Em primeiro grau, concluindo haver indícios mínimos de que a executada e a outra empresa pertenciam ao mesmo grupo econômico – além de possível confusão patrimonial entre elas –, o juiz acolheu o requerimento da exequente.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a decisão em virtude dos indicativos de que a real intenção da sociedade executada seria se esquivar de suas obrigações, esvaziando o seu patrimônio e, ao mesmo tempo, enriquecendo o da outra empresa do grupo.

Teoria mai​​​or

Em análise do recurso especial das executadas, o ministro Moura Ribeiro explicou que a jurisprudência do STJ, adotando a chamada teoria maior, entende que a desconsideração da personalidade jurídica, por se tratar de uma medida excepcional, está subordinada à efetiva demonstração do abuso da pessoa jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

Segundo o ministro, o magistrado de primeiro grau determinou a inclusão da empresa no polo passivo sem apreciar efetivamente as alegações fáticas e as provas que instruíram o pedido de desconsideração. Por outro lado, disse o relator, o TJRJ tratou da questão como se já tivesse sido reconhecida a responsabilidade de uma empresa pelas dívidas da outra, sem examinar, igualmente, a presença dos requisitos autorizadores, adiando esse exame para eventuais embargos à execução.

Assim, para Moura Ribeiro, “não tendo sido demonstrado, concretamente, o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, não há como permitir, por ora, a afetação do patrimônio” da segunda empresa.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1838009

Fonte: STJ


Responsabilidade dos Sócios à luz da Reforma Trabalhista

desconsideração da personalidade jurídica


Dentre as principais preocupações na constituição de uma empresa destacam-se, inegavelmente, os riscos e responsabilidades assumidos pelos sócios, seja durante o exercício de suas atividades ou mesmo após sua saída do quadro societário.

Via de regra, os sócios não respondem com seu patrimônio pessoal pelas dívidas da pessoa jurídica, uma vez que as personalidades jurídicas são distintas e não se confundem. Todavia, havendo abuso da personalidade jurídica, consubstanciado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento, que os efeitos de certas e determinadas relações obrigacionais sejam estendidos aos bens particulares dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica, conforme preleciona o artigo 50 do Código Civil.

A chamada desconsideração da personalidade jurídica é, portanto, medida excepcional, somente tendo lugar quando comprovada a ocorrência de fraude ou abuso de direito, na forma da lei. Há, contudo, duas teorias de aplicação da mesma.

Isso porque, para além do que estabelece o Código Civil, há o Código de Defesa do Consumidor, que adota teoria distinta para justificar a desconsideração da personalidade jurídica. Enquanto o primeiro acolheu a teoria maior, exigindo a demonstração de abuso ou fraude como pressuposto para sua decretação (artigo 50, CC), o CDC perfilha a teoria menor, a qual admite a responsabilização dos sócios quando a personalidade da sociedade empresária configurar impeditivo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor (artigo 28, § 5º, CDC).

Na seara trabalhista, por analogia, desde há muito vinha sendo aplicada a teoria menor. Independente da justificativa para desconsiderar a personalidade jurídica, os principais questionamentos existentes orbitam sobre o procedimento para a responsabilização dos sócios, que nas execuções trabalhistas acabava por ser automático: não se encontrando bens em nome da sociedade executada, era determinado, pelo juiz, o redirecionamento da cobrança para os sócios ou administradores, sem qualquer possibilidade prévia de defesa.

O auge da controvérsia ocorreu com o início da vigência do Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº. 13.105/2015, que trouxe o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, com regras próprias de tramitação estabelecidas nos artigos 133 a 137. De acordo com a legislação processual civil, para a responsabilização dos sócios ou administradores passou a ser imprescindível que o requerente comprove o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica, seguida de imediata oportunidade de defesa.

A aplicabilidade do incidente aos processos trabalhistas foi, inicialmente, prevista na Instrução Normativa nº. 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho e, posteriormente, positivada no artigo 855-A da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, a responsável pela Reforma Trabalhista. Estas normas, em especial a segunda, são de extrema importância para fulminar os argumentos anteriormente utilizados para afastar a aplicação do incidente ao processo do trabalho, quais sejam a inexistência de previsão legal expressa e a suposta incompatibilidade entre o procedimento e a celeridade que norteia as reclamatórias.

Têm-se, então, que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é, atualmente, plenamente aplicável aos processos trabalhistas, de modo que, especialmente com o advento da Lei 13.467/2017, é direito do sócio, seja ele formal ou de fato, ver direcionada a execução trabalhista contra si somente por meio da instauração do incidente, sob pena de violação ao devido processo legal.

Os reflexos desta alteração são substanciais. Como demonstrado, antes da reforma trabalhista a lei possibilitava aos juízes do trabalho desconsiderar a personalidade jurídica das empresas até mesmo de ofício, sem ouvir a parte contrária. Permitia-se, assim, a responsabilização de sócios que sequer detinham qualquer poder de administração fossem responsabilizados por débitos trabalhistas.

Já na vigência das novas normas, multiplicam-se decisões como a recentemente proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro[1], em que, avaliando-se a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica no caso, decidiu-se que acionista minoritário sem poder de gestão não responde por dívidas trabalhistas da companhia. No caso, o acionista detinha 0,08% do capital social de uma sociedade anônima.

Outra alteração importante no que concerne à responsabilidade dos sócios por débitos trabalhistas é aquela que registra, no artigo 10-A da CLT, também inserido pela Lei da Reforma Trabalhista, os limites à responsabilização do sócio retirante. É que, mesmo com a regra expressa no artigo 1.003 do Código Civil, não raro se viam decisões responsabilizando ex-sócios mesmo após o lapso temporal de dois anos contados da modificação do contrato social, fixados na legislação material. Comprovada a fraude na alteração societária, contudo, o sócio retirante responderá solidariamente com os demais.

Deve-se ter em mente que a aplicação do dispositivo considera apenas como sócio retirante aquele que teve o seu desligamento averbado no contrato social da empresa; o sócio retirante de fato, ou seja, aquele que se desliga apenas por instrumento particular sem, contudo fazer a devida averbação no órgão responsável, não terá direito à ordem preferencial, já que esse desligamento não terá eficácia.

Neste sentido, o TRT-RJ[2] também já se manifestou expressamente pela aplicação da reforma trabalhista, se posicionando no sentido de que o sócio retirante responde pelas dívidas da empresa somente até o limite de dois anos contados da data de averbação, perante a junta comercial, de sua saída do quadro societário. Proposta a ação trabalhista além desse limite, seria inviável atribuir responsabilidade ao sócio retirante quanto ao crédito trabalhista reconhecido em juízo.

Assim, ao incluir os artigos 10-A e 855-A no texto da CLT, a Lei 13.467/2017, quer quanto à limitação temporal da responsabilidade do ex-sócio nos casos de saída regular da sociedade, quer quanto ao procedimento a ser adotado para desconsideração da personalidade jurídica da empresa, conduz o processo trabalhista no sentido de imprimir previsibilidade, uniformidade e segurança aos jurisdicionados.

[1] Processo nº 0010300-06.2015.5.01.0046

[2] Processo nº 0018400-40.2008.5.01.0063