Operadoras de planos de saúde aguardam esclarecimentos sobre decisão que determina que estas devem ressarcir o Sistema Único de Saúde


Como se sabe, em 1998 entrou em vigor a Lei Federal n.º 9.656/98, cujo objetivo era regular o funcionamento e operação dos planos e seguros privados de assistência à saúde em todo o território nacional.

A Lei mereceu, à época, vários elogios e, igualmente, muitas críticas por parte do setor de operação dos planos e seguros de saúde. A principal crítica dizia respeito à transferência, ao particular, de obrigações que deveriam, na visão das operadoras, ser prestadas pelo Estado, de acordo com a Constituição Federal.

Assim, muitas foram as discussões travadas sobre o tema, notadamente a impossibilidade de intervenção do Estado na atividade econômica lícita desempenhada pelas operadoras de planos e seguros de saúde, tendo em vista que, ao passo que determinava e obrigava as operadoras a arcar com determinados procedimentos, cobrir despesas com tratamentos que não foram incluídos nos róis de procedimentos contratados e até mesmo ressarcir o Sistema Único de Saúde em caso de atendimento a um de seus segurados.

Em todas elas, discutiu-se, prioritariamente, a inconstitucionalidade destas normas, tendo em vista os princípios que regem a Ordem Econômica, como o Princípio da Livre Iniciativa, além de princípios infraconstitucionais, como a relativização do Princípio da Autonomia de Vontade.

Em uma destas ações, o tema chegou até o Supremo Tribunal Federal através do Recurso Extraordinário de n.º 597.064, em que, com Repercussão Geral, em fevereiro do corrente ano, a Primeira Sessão do STF entende ser constitucional o texto do artigo 32 da Lei Federal 9.656/98, que trata exatamente do ressarcimento, ao Sistema Único de Saúde, pelos serviços prestados aos usuários de planos e seguros de saúde e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas.[1]

No julgamento do referido Recurso Extraordinário, entendeu o Plenário do referido órgão, acatando o voto do Ministro Gilmar Mendes, que “observada a cobertura contratual entre os cidadãos-usuários e as operadoras de planos de saúde, além dos limites mínimo (praticado pelo SUS) e máximo (valores de mercado pagos pelas operadoras de planos de saúde), tal ressarcimento é compatível com a permissão constitucional contida no art. 199 da Carta Maior”.

Mereceu destaque também o seguinte posicionamento do Ministro Relator, quando este afirmou que:

“Dessa forma, apesar de a repercussão constitucional do ônus econômico ser primordialmente do Estado, no momento em que há a autorização à iniciativa privada da assistência à saúde, tanto o bônus (receita) quanto o ônus (custo da prestação do serviço) devem ser assumidos pelo segundo setor (iniciativa privada), sob pena de desvirtuamento da matriz constitucional que possibilitou esse fomento (art. 199, caput), além da destinação de recursos públicos de forma indireta para auxílio às instituições privadas (com ou sem fins lucrativos), situação que deve ser vedada pelo Guardião da Constituição.”

Igualmente, o acórdão ainda citou que “além do mais, eventual questão envolvendo a possibilidade de fixação de tabelas de ressarcimento dentro dos limites mínimo e máximo instituídos pelo § 8º do art. 32 da Lei 9.656/98 é resolvida no campo da análise infraconstitucional, mormente eventual conflito entre normas de 1º e 2º graus reflete, no máximo, ofensa reflexa à Constituição, a qual sabidamente não é passível de análise na via do recurso extraordinário”.

O acórdão suscitou a oposição, pela entidade hospitalar recorrente no processo e também por diversas empresas que atuam como amicus curiae no processo – diversas operadoras de planos e seguros de saúde, por exemplo – de embargos de declaração, com o fim de suprir omissões, eliminar contradição e esclarecer obscuridade.

Em suas teses, os Embargantes suscitam desde a ausência de fundamentação do acórdão e negativa de prestação jurisdicional quanto à aplicação dos artigos 195, parágrafo 4º, artigo 198 e artigo 154, todos da Constituição Federal, até o esclarecimento quanto ao termo inicial de quando se poderia cobrar o ressarcimento, uma vez que o acórdão expressamente determina o dia 04 de setembro de 1998, quando a Lei Federal n.º 9.656/98 entrou em vigor noventa dias após esta data.

Além disso, foram suscitadas outras questões como, por exemplo, que o tema relativo aos valores cobrados pelos procedimentos não teria sido objeto de apreciação pelo Pleno do Supremo Tribunal federal no recurso, uma vez que se trataria de matéria infraconstitucional e jamais teria sido objeto de decisão por parte das instâncias inferiores, não havendo, portanto, prequestionamento da referida matéria.

No último dia 03 de setembro, o processo foi remetido ao Relator para que este analise as questões suscitadas nos Embargos de Declaração das partes, para elucidar os pontos tidos como omissos, contraditórios e obscuros, devendo ser em breve levado novamente a plenário para a discussão dos ministros.

Com esta tentativa, as operadoras de planos e seguros de saúde tentam, ao menos, delinear de uma maneira mais clara a questão do ressarcimento ao Sistema Único de Saúde, uma vez já decidida a sua constitucionalidade. Em que pese a natureza dos Embargos de Declaração não possuir, em tese, efeitos infringentes, algo ainda poderá ser modificado no acórdão, notadamente a definição de tabelas e valores para tais ressarcimentos.

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[1] Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS.(Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)