Espólio de consignante deve responder por dívida, que não se extingue com o falecimento


É comum em nossa sociedade que pessoas contraiam empréstimos junto às instituições financeiras para sanar dívidas, pagar novas despesas ou mesmo realizar sonhos.

Também é comum que pessoas, em especial aquelas cujos vencimentos sejam depositados em conta bancária, autorizem o débito das prestações dos valores obtidos por empréstimos diretamente nestas contas, em dias previamente informados. Tal medida pode, em alguns casos, inclusive reduzir a taxa de juros dos empréstimos, pois, em tese, representariam uma diminuição do risco de inadimplência.

Mais reduzido ainda é o risco (e, por conseguinte, os juros) quando o empréstimo pode ser debitado diretamente da folha de pagamento do mutuário, pois prescinde inclusive de saldo positivo na conta bancária deste.

Ocorre que, em alguns casos, o mutuário falece ainda com prestações dos empréstimos a vencer, sendo certo que, como o falecimento, extingue-se o contrato de trabalho e, por conseguinte, o recebimento de proventos e sua retirada da “folha de pagamento”.

 

E aí vem a questão: a dívida extingue-se com a morte?

 

A Lei Federal 1.046/50 permitiu que empréstimos em dinheiro fossem consignados em folha de pagamento. Em princípio, poderiam consignar em folha aqueles constantes do rol do artigo 4º[1] da referida Lei, sendo, essencialmente, militares e servidores públicos.

Em seu artigo 16[2], a Lei previa que a dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em folha ficaria extinta com o falecimento do Consignante.

Já a Lei Federal 10.820/03 tratou da consignação em folha dos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Assim, e alegando afronta ao artigo 16 da Lei 1.046/50, herdeiros de um consignante falecido interpuseram Recurso Especial em face de acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Grande do Sul que, reformando a sentença de primeiro grau, entendeu que a morte do consignante não extinguia a dívida, por entender que a herança responde pela dívida. O Recurso Especial recebeu o número 1.753.135 e coube à Ministra Nancy Andrigui a sua relatoria.

Em seu voto, seguido à unanimidade pelos demais ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, a Ministra, conhecendo em parte o Recurso Especial e, nesta parte, desprovendo-o, entendeu acertado o entendimento manifestado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Em seu voto, a Ministra Nancy Andrigui destacou que “configura-se, pois, a ab-rogação tácita ou indireta da Lei 1.046/50 na medida em que a Lei 8.112/90 tratou, inteiramente, da matéria contida naquela, afastando a sua vigência no ordenamento jurídico. Não havendo na lei revogadora previsão semelhante à do artigo 16 da Lei 1.046/50, não há falar, a partir da entrada em vigor da Lei 8.112/90, em extinção da dívida por morte do consignante”.

 

Assim, ainda que houvesse discussão quanto a ser o consignante estatutário ou celetista, o artigo 16 da Lei Federal 1.046/50 já estaria revogado no entendimento da Ministra Relatora.

 

Parece-nos acertada a decisão do Superior Tribunal de Justiça.

 

A dívida, não garantida por seguro prestamista, não se extingue, por si só, com o falecimento do devedor. Responderá o espólio, até seus limites, pelos valores devidos, ou, em caso de já terminada a transferência dos bens aos herdeiros, estes respondem até o limite do que receberam como, aliás, já pacificado pelo próprio STJ (e-STJ fl. 237).

 


[1]Art. 4º Poderão consignar em fôlha:        (Vide Lei nº 5.725, de 1971)

I – Funcionários públicos ou extranumerários, mensalistas, diaristas, contratados e tarefeiros;

II – Militares do Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros do Distrito Federal;

III – Juízes, membros do Ministério Público e serventuários da Justiça;

IV – Senadores e Deputados;

V – Servidos e segurados ou associados de autarquias, sociedades de economia mista, ernprêsas concessionárias de serviços de utilidade pública, ou inucorporada ao patrimônio público;

VI – Associados e servidores de cooperativas de consumo, com fins beneficentes, legalmente constituídas;

VII – Servidores civis aposentados, e militares reformados, ou da reserva remunerada;

VIII – Pensionistas civis e militares.

[2] Art. 16. Ocorrido o falecimento do consignante, ficará extinta a dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em fôlha.